Processo nº 756/2020
(Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 25 de Fevereiro de 2021
ASSUNTO:
- Acto confirmativo
- Actos irrecorríveis
- Artº 31º do CPAC
SUMÁRIO:
- Limitando-se a Administração a manter a decisão contida no acto antes praticado e tendo o acto confirmado sido contenciosamente impugnado, o acto confirmativo é irrecorrível nos termos do nº 1 do artº 31º do CPAC.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 756/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 25 de Fevereiro de 2021
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho de indeferimento do pedido de revogação da interdição de entrada proferido pelo Secretário para a Segurança de 11.06.2020, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do artº 25º, nº 2, al. b) e 26º, nºs 1 e 2, al. a) do CPAC, o recurso contencioso interposto pelo Recorrente é tempestivo.
2. Em primeiro lugar, quanto ao 1º fundamento, o recurso contencioso alegado pela Entidade Recorrida refere-se ao processo de recurso do TSI nº 468/2019.
3. O supracitado acórdão do TSI não considerou o despacho de arquivamento do MP proferido em 23/03/2020, porque o despacho de arquivamento foi depois de terminada a produção de provas e 4 meses depois de o Recorrente ter prestado declarações facultativas em 11/11/2019.
4. Em termos factuais, o supracitado despacho de arquivamento é um novo fundamento de facto.
5. Face ao pedido, dado que o MP proferiu despacho de arquivamento, pelo que o Recorrente apresentou pedido para revogar a decisão da interdição de entrada anteriormente aplicada, tal trata-se de um novo pedido.
6. Da perspectiva do procedimento administrativo, o Recorrente com novo fundamento de facto apresentou novo pedido à entidade administrativa, por isso não existe a situação prevista no artº 11º, nº 2 do CPAC.
7. No presente processo não existe situação de transitado em julgado o acórdão previsto no artº 1º do CPAC com a aplicação subsidiária do artº 416º, nº 1 e 417º do CPC, razão porque a causa da acção (despacho de arquivamento do MP) e o pedido (revogação da decisão da interdição de entrada ora determinada pela Entidade Recorrida) são distintas ao do processo de recurso contencioso nº 468/2019.
8. Segundo, a Entidade Recorrida considera que a conduta do interessado constitui perigo para a segurança ou ordem públicas, o processo administrativo é independente do processo penal e a conclusão da Entidade Recorrida não altera por causa do despacho de arquivamento do MP (designadamente nos termos do artº 259º, nº 2 do CPP).
9. Vimos nos termos do artº 11º, nº 1, al. 3 e artº 12º, nº 2, al. 2 da Lei nº 6/2004, o pressuposto de ter aplicado ao Recorrente a medida de interdição de entrada foi porque o Recorrente “constitui perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM”.
10. Por um lado, a supracitada medida de interdição de entrada baseou-se no facto criminoso imputado no inquérito do MP nº 14461/2016.
11. Por outro lado, se bem que a Entidade Recorrida não escreveu explicitamente que do seu entendimento a conduta do Recorrente está relacionado com o crime, contudo conforme a descrição e direcção das circunstâncias de facto constantes no procedimento administrativo, bem como abstractamente aponta que a conduta do Recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas, enfim é inevitável que as pessoas interpretam para uma conclusão de que o Recorrente praticou a conduta contra o património.
12. Daí vemos que a interdição de entrada determinada no processo administrativo tem certo vínculo com o processo penal.
13. Nos termos do artº 42º, nº 2, al. b) e 246º do CPP, compete em especial ao Ministério Público dirigir o inquérito.
14. Nos termos do artº 259º, nº 2 do CPP, o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.
15. Tal como o venerado MP que é a entidade com competência para dirigir o inquérito, com o progresso do tempo, enfim, certamente é ela que possui mais provas.
16. Se na fase de inquérito resulta que não existe indícios suficientes para imputar o Recorrente a prática do crime, então muito menos fortes indícios que ele cometeu crime, assim sendo, é impossível de confirmar que o Recorrente executou delitos, ou sua preparação na RAEM, nem permite dizer que o Recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas, assim sendo, não preenche o disposto no artº 11º, nº 1 e 3 e artº 12º, nº2, al. 2 da Lei nº 6/2004.
17. Como a Entidade Recorrida rejeitou o pedido do Recorrente, pelo que aplicou erradamente a disposição legal acima referida, ao abrigo do artº 124º do CPA, a decisão recorrida é anulável.
18. Ao mesmo tempo, nos termos do artº 25º, nº 1, al. a) do CPAC, requeira aos Mmºs Juízes se dignem anular a decisão recorrida e ordene a Entidade Recorrida para revogar a decisão da interdição de entrada.
Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar defendendo-se por excepção invocando a irrecorribilidade do acto e por impugnação.
Notificado o Recorrente para querendo se pronunciar veio este fazê-lo pugnando no sentido de que o acto impugnado não é meramente confirmativo e pela improcedência da excepção invocada.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pronunciando-se no sentido da irrecorribilidade do acto administrativo.
Foram colhidos os vistos legais.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Da excepção da irrecorribilidade do acto.
Dos elementos existentes nos autos apurou-se o seguinte:
a) Em 30.11.2018 pelo Comandante do CPSP foi aplicada ao Recorrente a medida de interdição de entrada pelo período de 5 anos, cujo teor consta de fls. 8 traduzido a fls. 52/53 e aqui se dá por reproduzido;
b) Pelo Recorrente foi interposto recurso hierárquico da decisão referida na alínea anterior vindo em 201.02.2019 o Sr. Secretario para a Segurança a julgar o mesmo improcedente mantendo a decisão recorrida, cujo teor consta de fls. 10 traduzido a fls. 55/56 e aqui se dá por reproduzido;
c) Daquela decisão foi interposto recurso contencioso para este tribunal ao qual veio a ser a negado provimento por Acórdão de 07.05.2020 proferido no processo que correu termos sob o nº 468/2019, cujo teor consta de fls. 20 a 26 traduzido a fls. 63 a 80 e aqui se dá por reproduzido;
d) No processo de inquérito que correu termos sob o nº 14461/2016 em que o aqui Recorrente foi constituído arguido foi proferido em 23.03.2020 despacho de arquivamento nos termos que constam de fls. 13 e traduzido a fls. 59/60 e aqui se dá por reproduzido;
e) Em 14.05.2020 o agora Recorrente veio requerer a reapreciação da decisão e sua revogação invocando que o inquérito havia sido arquivado.
f) Por despacho do Sr. Secretário para a Segurança de 11.06.2020 cujo teor consta de fls. 30 traduzido a fls. 82, o qual aqui se dá por reproduzido foi indeferido o pedido e mantida a decisão tomada.
Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
«A Entidade Recorrida suscitou na douta contestação a questão da irrecorribilidade do acto dado o seu carácter meramente confirmativo.
Parece-nos que com razão.
O acto meramente confirmativo é aquele que, emanado da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos.
No caso, apesar de, na aparência, o conteúdo do acto recorrido não ser inteiramente coincidente com aquele que foi anteriormente praticado pela Entidade Recorrida, a verdade é que nada de substantivo os distingue. São os mesmos os pressupostos de facto e de direito que os fundaram um e é o mesmo o sentido de ambas as decisões, qual seja, o da manutenção da interdição de entrada do Recorrente em Macau.
É certo que, como o Recorrente alega, já depois da prática do acto, o Ministério Público arquivou o inquérito que foi instaurado para apurar a sua eventual responsabilidade criminal pelos factos que determinaram a sua interdição de entrada em Macau. No entanto, esta circunstância não altera os pressupostos de facto do acto. Com efeito, o despacho de arquivamento apenas poderia assumir relevância na perspectiva da prova dos factos que estiveram na base da prática do acto como seus pressupostos. Contudo, uma coisa são os factos e outra, diferente, são os meios de prova desses factos.
De resto, tanto no primeiro acto, já contenciosamente impugnado, como no segundo, o agora contenciosamente atacado, a Entidade Recorrida manteve a mesma posição e, portanto, a mesma fundamentação, no que concerne à questão da independência do processo administrativo relativamente ao processo penal, embora com uma formulação ligeira, mas irrelevantemente diversa.
Parece-nos, pois, que ocorre a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC e que, por isso, deve a Entidade Recorrida ser absolvida da instância.».
Concordamos inteiramente com os fundamentos constantes do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, aos quais aderimos sem reservas, sufragando a solução ali proposta, entendendo-se em consequência, que o acto impugnado é irrecorrível nos termos do nº 1 do artº 31º e da al. c) do nº 2 do artº 46º, ambos do CPAC, pelo que, deve o recurso ser rejeitado.
Sobre a irrecorribilidade dos actos Administrativos meramente confirmativos veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso Vol. I e Viriato Lima e Álvaro Dantas em Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, ambos em anotações aos artigos indicados.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, rejeita-se o recurso interposto.
Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 25 de Fevereiro de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Erro na tradução que indica 12.
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756/2020 REC CONT 1