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Reclamação nº 2/2021/R


I – Relatório

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CR3-19-0121-CAO, que correm os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, de que são Autora Companhia de A Limitada e Ré Tipografia B Limitada, foi pela sentença datada de 10NOV2020 determinado que:

  綜上所述,本法庭裁定原告的訴訟理由及請求成立,並由法庭取代被告B電腦紙印刷有限公司(TIPOGRAFIA B, LIMITADA)的意思表示,向原告A有限公司(COMPANHIA DE A LIMITADA)出售位於澳門…馬路…號XX工業大廈2樓H座作工業用途之獨立單位“H2”(於物業登記局內的標示編號為...,房地產紀錄編號...,分層所有權的設定登錄編號...)。

Dessa sentença veio o ora reclamante interpor recurso ordinário para esta 2ª instância.

Pelo despacho do Exmº Juiz a quo, não foi admitido o recurso por falta da legitimidade.

Notificado do despacho que não admitiu o recurso por ele interposto, vem, nos termos do artº 395º do CPP formular a presente reclamação dizendo que:
  C, Requerente, como terceiro interessado vem APRESENTAR RECLAMAÇÃO DA RETENÇÃO DO SEU REQUERIMENTO de recurso da sentença proferida nos autos reclamar da retenção do requerimento de recurso apresentado em virtude de ser pessoa directa e efectivamente prejudicada pela Sentença de fls. 185 a 187, porquanto dela resultam para o Requerente prejuízo actual e positivo, no sentido de impor responsabilidades ou implicar a imediata afectação de direitos e interesses juridicamente tutelados do ora Requerente.
Com fundamento nas seguintes razões de direito:

  O Requerente é legítimo titular de uma quota de 30% equivalente a MOP$35,000.00 (trinta e cinco mil patacas) do capital social na sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA, ora Ré, sociedade comercial matrículada na Conservatória de Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob o N.... com sede na Estrada de..., n.º…, Edifício Industrial Industrial X X, 2.° andar “H”.

  A Sociedade comercial D (HONG KONG), LIMITED é legítima titular de uma quota de 70% equivalente a MOP$65,000.00 (sessenta e cinco mil patacas) do capital social na sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA,

  No passado dia 11 de Outubro de 2019 a socieddade comercial D (HONG KONG), LIMITED, por intermédio dos seus administradores não/sócios, convocou uma reunião de sócios.

  Na referida reunião a sociedade comercial D (HONG KONG), LIMITED comunicou existir um comprador, sem divulgar quem era o comprador ao C, para a fracção para fins industriais sita Estrada de..., n.°…, Edifício Industrial X X, 2.° andar “H” , registada na Conservatória de Registo predial sob o n.º ..., com matriz N.º ... junto da Direcção de Serviços de Finanças.

  A sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA, é a legítima proprietária da referida fracção.

comunicou apenas o preço de oferta no montante de HKD$9,000,000.00 (nove milhões de Hong Kong Dólares).

  E, informou que inicialmente se faria apenas um acordo provisório na agência imobiliária para sinalizar a fracção e posteriormente se outorgaria o contrato e promessa com eficácia real, ou seja no notário, para haver reforço de sinal e se marcar data para a celebração da Escritura Pública.

  Em conformidade com o exposto, no dia 18 de Outubro de 2019,dirigiram-se à agência imobiliária, outorgando um acordo provisório, onde consta na claúsula sétima, a devolução do sinal em dobro em caso de perca de interesse na venda.
10°
  Nesse mesmo dia foi entregue a título de sinal pela Autora um cheque n.º … do Banco X, cashier order, datado de 29 de Março de 2019 emitido à ordem da sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA.
11°
  O ora Requerente ficou chocado, ao se aperceber que o negócio já desde aquela data 29 de Março de 2019 estava a ser negociado, sem o mesmo ter sido achado ou ouvido!
12°
  Mais estupefacto ficou quando afinal o comprador, ora Autora, é vizinha e amiga do mesmo e nunca lhe comunicou a intenção de comprar a fracção!
13°
  Ou seja, o Requerente sentiu-se enganado por todos os intervenientes!
14°
  Embora tivesse sido fixada data de 28 de Outubro de 2019 para outorga do contrato de promessa no escritório do Notário Privado, Exmo. Sr. Dr. X, nem o Requerente nem a D (HONG KONG), LIMITED compareceram no referido escritório na mencionada data.
15°
Pelo contrário, o Requerente e D (HONG KONG), LIMITED reuniram no mesmo dia 28 de Outubro de 2019 e deliberaram o seguinte:
1. Em virtude da outorga do acordo provisório a sócia D (HONG KONG), LIMITED, iria proceder ao pagamento ao Requerente a título de devolução de despesas o montante de HKD90,000.00 (noventa mil Hong Kong Dólares) à agência imobiliária.
2. Ficou acordado pelo Requerente e D (HONG KONG), LIMITED a devolução em dobro do sinal à Autora de acordo com a claúsula sétima do acordo provisório.
3. Finalmente, acordaram Requerente e D (HONG KONG), LIMITED em vender a fracção ao Requerente pela
4.
5. quantia de HKD$8,750,000.00 (oito milhões setecentas e cinquenta mil Hong Kong Dólares).
16°
  O Requerente tentou por todas as vias, citada a sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA, contestar a acção, solicitando a intervenção principal provocada da D (HONG KONG), LIMITED mesma os mesmos não só não constituiram representante legal como não ratificaram os actos processados pelo Requerente.
17°
  Mesmo tendo sido interpelados pelo Requerente para se fazerem representar na acção afim de se caucionar o dobro do sinal a favor da Autora - cfr. doc. n.º 3.
18°
  Perante os factos supra expostos o Requerente sente o seu direito de proprietário do imóvel em crise ameaçado, por um lado, e dispõem de um direito de preferência na aquisição de todo imóvel, o qual, lhe foi conferido por deliberação de sócios, e constitui um direito que tem acolhimento legal quer na norma do art. 367.º do Código Comercial quer nos artigos 1299.º, 1307.º 1308.º e 1309.º todos do CC.
19º
  O direito da Autora não é mais digno de tutela que o direito do Requerente, tanto mais o acordo prisório em que se alicerça o alegado direito da Autora contém a claúsula de convenção em contrário, ou seja prevê a possibilidade dos proprietários perderem o interesse na venda.
20º
  Por outro lado, foi exactamente com esta intenção que propositadamente não se consignou o disposto no art. 820.º do CC no referido acordo provisório.
21°
  Os actos de disposição e oneração, como actos jurídicos que são, dependem da vontade do titular, e a norma do artigo 820° do C.C. pressupõe a prática de um acto voluntário.
22°
  A promessa de compra e venda é um contrato preliminar ou uma promessa de contrato, embora seja um contrato dispensável, ou seja, que não é obrigatório, geralmente pode ser encontrado em negociações de compra e venda de imóveis, a fim de reforçar a segurança entre as partes, especialmente, no que tange ao preço acordado e às condições de pagamento.
23°
  Dispõem o art. 404.º do cc que: “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.”_sombreado nosso.
24°
  Por outro lado no art. 407.º do cc relativo à eficácia real dos contratos “1. À promessa de alienação ou oneração de bens imóveis, ou de móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real mediante declaração expressa e inscrição nos registo.
2. A promessa a que as partes atribuam eficácia real deve constar de documento autenticado; porém quando a lei não exija uma forma tão solene para o contrato prometido, é bastante o cumprimento da forma escrita”_sombreado nosso.
25°
  Ora o contrato prometido em causa é a compra venda de bem imóvel, o qual, só adquire eficácia real através do efeito do registo, assim deverá seguir a promessa da venda para que se produzam direitos “erga omnes” oponiveis aos promitentes vendedores.
26°
  Uma vez que a sociedade comercial TIPOGRAFIA B, LIMITADA não se encontra regularmente representada e tendo havido depósito de caução pela Autora, é possivel o suprimento de vontade do Requerente pelo Tribunal, e é esta situação incompatível com o seu direito de não querer vender e violar o direito de preferência na aquisição do imóvel de que dispõem e de que já é inclusivamente titular em 30% do valor total do imóvel.
  E esta a razão pela qual se impugna a Sentença proferida nos presentes autos e ora se reclama da retenção da apresentação de Recurso.
O requerente propõem-se enviar para os autos todas as deliberações sociais que acautelam o seu direito e se encontram em contradição com a sentença proferida nos autos.
Pelo que deverá ser admitida a Reclamação e em conformidade o recurso a ela sujeito!


II – Fundamentação

Passemos então a apreciar a reclamação.

Antes de mais, é de notar que o objecto da reclamação é a não admissão do recurso, e não a retenção do recurso, tal como erradamente configurado pelo reclamante.

O despacho reclamado não admitiu o recurso nos termos seguintes:
  Não sendo C, ora Recorrente, pessoa directa e efectivamente prejudicada pela sentença de fls. 185 a 187, porquanto dela não resultou um prejuízo actual e positivo, no sentido de impor responsabilidades ou implicar a imediata afectação de direitos ou interesses juridicamente tutelados1, pelo que, decide-se não admitir o recurso interposto por C.

Como vimos supra, o Exmº Juiz não admitiu o recurso porque da sentença não resultou um prejuízo actual e positivo, no sentido de impor responsabilidades ou implicar a imediata afectação de direitos ou interesses juridicamente tutelados.

Ao que parece, o ora reclamante, enquanto terceiro, fundamenta a sua legitimidade para recorrer na circunstância de ter sido violado o seu direito de não querer vender e o seu direito de preferência na aquisição do imóvel fundado na sua qualidade de ser titular de 30% do valor total do imóvel.

Antes de mais, é de frisar que não podemos confundir duas coisas inconfundíveis, uma coisa é a titularidade da quota de uma sociedade comercial titular da propriedade de um imóvel, e a outra é a titularidade de uma quota-parte da propriedade de um imóvel.

In casu, conforme o exposto no requerimento de reclamação, o ora reclamante é o titular de uma quota correspondente a 30% do capital social de uma sociedade comercial titular da propriedade do imóvel vendido por efeito da sentença recorrida e não o titular de uma quota-parte da propriedade do imóvel.

Logo inexiste o alegado direito dito de não querer vender e falta-lhe a qualidade de ser titular de 30% do valor total do imóvel, em que se funda o invocado direito de preferência na aquisição do imóvel.

Assim caem por terra todos os fundamentos da reclamação.

E por outro lado, em relação à pessoa que não seja qualquer das partes do processo, a lei exige, para ter legitimidade de recorrer de uma decisão nele proferida, que ela seja directa e efectivamente prejudicada pela mesma decisão – artº 585º/2 do CPC.

A propósito da expressão “pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão”, utilizada no preceituado no artº 585º/2 do CPC, defende Amâncio Ferreira que a elas “estão automaticamente excluídas, em primeiro lugar, as pessoas a quem a decisão cause um prejuízo indirecto ou reflexo e, em segundo lugar, as pessoas a quem a decisão seja susceptível de produzir um prejuízo eventual, longínquo e incerto. Somente têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendem impugnar.” (sub. nosso) – Cf. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 5ª ed., pág. 131.

Ou seja, para ter legitimidade de recorrer é preciso que a recorrente sofra um prejuízo directo e efectivo.

In casu, com a prolação da sentença que produziu os efeitos da declaração negocial de vender o imóvel, proferida no âmbito de uma acção de execução específica instaurada contra a sociedade comercial de que o ora reclamante é sócio, este não sofre directa nem pessoalmente qualquer gravame ou prejuízo real, pois quem eventualmente os sofra é a sociedade comercial de que é sócio e ele, ora reclamante, quanto muito, só pode sofrê-los indirecta e reflexamente.

Assim, face ao disposto no artº 585º/2 do CPC, não sendo pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão em causa, o reclamante carece da legitimidade para recorrer da sentença.

Finalmente e ex abundantia, cabe notar que a solução ora encontrada não quer dizer que, o sócio de uma sociedade comercial, enquanto tal, quando entender que foram ilicitamente violados os interesses dele próprio, enquanto sócio, ou da sociedade, por actos praticados por outros órgãos sociais ou seus membros, não possa reagir contra estes actos lesivos dos tais interesses, pois existem meios de reacção ao dispor dos sócios, enquanto tais, para defender os interesses quer da sociedade quer deles próprios, meios de reacção esses que a Ilustre Mandatária constituída do ora reclamante não deveria ter ignorado.

Tudo visto, resta decidir.
III – Decisão

São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que indefiramos, como indeferimos, a reclamação deduzida, confirmando na íntegra o despacho reclamado.

Custas pelo reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC:

RAEM, 24FEV2021


O presidente do TSI


Lai Kin Hong


1 Ac. TRP, 22/05/2019, proc. nº 1152/15.0T8VFR.P1, www.dgsi.pt.
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Recl. 2/2021-10