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Processo nº 915/2020/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 4 de Março de 2021

ASSUNTO:
- Acto negativo com vertente positiva
- Suspensão de eficácia

SUMÁRIO:
1. O que importa para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado;
2. Se da situação em apreço emerge nitidamente um efeito secundário ablativo de uma situação pré-existente conformada por acto administrativo anterior e que bem pode continuar a ser merecedora de tutela caso o recorrente venha a lograr êxito quanto à substancialidade do pedido formulado estaremos perante uma vertente positiva cuja sustação dos efeitos merece a tutela da providência se se verificarem os demais requisitos.
3. Uma vez que da declaração de caducidade preclusiva prevista na nova Lei das Terras pode também resultar a perda de benfeitorias incorporadas no terreno, bem como a inexistência de direito a qualquer indemnização ou compensação por parte do concessionário, pese embora o acto seja negativo contém uma vertente positiva que autoriza o pedido de suspensão de eficácia se se verificarem os demais requisitos.



____________________________
Rui Pereira Ribeiro









Processo nº 915/2020/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 4 de Março de 2021
Requerente: Corporação Evangélica “A”
Requerido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  Corporação Evangélica “A”, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 05.08.2020 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno melhor identificado nos autos.
  Para tanto apresenta a Requerente as seguintes conclusões:
1. O presente pedido de suspensão de eficácia tem por objecto o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 5 de Agosto de 2020, que declara a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7 500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga gafaria, descrito sob o n.º 22 768 a fls. 293 do livro B94K da Conservatória do Registo Predial.
2. Aqui o acto objecto apresenta conteúdo positivo, pelo que a requerente tem direito de pedir suspender a eficácia ao acto objecto.
3. A execução do acto objecto impossibilitará ao centro de desintoxicação a realização do plano de trabalho 2019-2021 já elaborado.
4. Aqui estão em causa da durabilidade do serviço de desintoxicação enquanto serviço de interesse comum e o renome do centro de desintoxicação – representado pela capacidade da prestação dos serviços e da realização das actividades a tempo segundo programado; mais importante é – se consegue responder tempestivamente às procuras a respeito por parte de quem necessite dos serviços durante o período em questão.
5. Os valores supra elencados – a durabilidade dos serviços de interesse comum, o renome, a tempestividade da prestação de serviço não podem ser indemnizados simplesmente mediante o pagamento de dinheiro.
6. Portanto, basta não conseguir prestar-se os serviços de desintoxicação ou realizar as actividades já programadas para se causar prejuízo de difícil reparação para a requerente.
7. Além disso, já a partir de 1989, a requerente construiu o centro de desintoxicação no terreno em discussão e o tem operado. Ao longo dos anos ajudou um número significativo de toxicodependentes a livrar-se de drogas e a reintegrar-se na sociedade, acompanhando-os fielmente a cada passo no caminho de reabilitação. Tem agido assim como um suplemento aos serviços públicos no que respeita à reabilitação de dependentes. O rendimento e a eficácia de serviço têm sido reconhecidos por todos os sectores da comunidade.
8. A execução do acto objecto fará que a requerente não consiga continuar a ajudar os abusadores de drogas e os toxicodependentes de Macau a livrar-se de drogas e a restaurar a relação entre si e a sociedade; valendo-se do conhecimento especializado e da experiência acumulada durante anos de prática no campo de serviços de desintoxicação; além disso, fornecer-lhes formação profissional com o intuito de encaminhá-los de volta à sociedade para prestar serviços à comunidade.
9. Ou seja, privará a requerente das condições materiais para materializar o fim e o ideal da organização, ou ainda fará que só readquirirá dificultosamente as condições.
10. Da jurisprudência acima citada, é bem de ver que "o prejuízo de difícil reparação" que pressupõe a suspensão de eficácia pode incluir danos provados por perdas de valores não pecuniários, por exemplo o interesse da durabilidade de operação ou interesse de carácter institucional aqui em causa.
11. No presente caso, se bem que o acto objecto não diga respeito à proibição ao centro de desintoxicação de continuar a prestar os serviços de desintoxicação, a sua execução, no entanto, privá-lo-á das condições materiais para materializar o fim e o ideal da organização; o efeito equivale à cessação das actividades do centro de desintoxicação.
12. Igualmente, a impossibilidade de continuar a operar o centro de desintoxicação no terreno em questão com vista a materializar o fim da organização determinará à requerente prejuízo de difícil reparação.
13. Conta na mesma medida o facto de que a execução imediata do acto objecto prejudicará gravemente o prestígio da requerente enquanto instituição de serviço comunitário de desintoxicação, destruir a imagem profissional formada graças à experiência da requerente durante mais de duas décadas no âmbito de serviços de desintoxicação, além de reforçar os boatos que correm na sociedade. Isso terá como resultado que mesmo uma eventual decisão final que vem a conceder procedência ao recurso contencioso interposto pela requerente no presente processo não será capaz de indemnizar o prejuízo sofrido pelo dano causado ao prestígio.
14. Além disso, para operar o centro de desintoxicação no terreno em causa, ao longo dos anos a requerente mobiliou o centro de uma quantidade considerável de equipamento para a desintoxicação, para serviços de internamento, utensílios para a vida quotidiana dos internados e artigos de escritório, etc.
15. A execução do acto objecto implica desmontar e remover todo o equipamento e os artigos dentro do centro de desintoxicação, alguma parte dos quais, desmontados, perderá o valor e funções.
16. Além disso, tal como referido atrás, a requerente é uma organização civil. O fundo para o funcionamento provém das contribuições dos membros da organização e do financiamento de todos os sectores da sociedade e de dotações governamentais.
17. Uma vez executado o acto objecto, quanto aos artigos que se podem desmontar e deslocar, a requerente não possui meios financeiros suficiente para arranjar outros depositários, o que implica que a requerente não pode fazer senão abandonar os serviços de desintoxicação evangélicos que tem sempre realizado no terreno em causa.
18. A execução imediata do acto objecto significa que a requerente tem que desmantelar as instalações para os serviços de desintoxicação evangélicos que os membros construíram telha a telha, tijolo a tijolo no meio do ermo para realizar a sua meta.
19. Para pessoas alheiras, trata-se talvez de uns simples "bens imóveis" ou "bens móveis"; porém, para a requerente, aqueles serviram de suportes para os membros da associação enquanto "experientes" que pouco a pouco saíram do pesadelo de drogas e que se reencaminharam para a vida normal.
20. No início da fundação do centro de desintoxicação, sem financiamento governamental, o equipamento adquiriu-se pelos membros em situações relativamente ingratas com as poupanças feitas juntamente com os seus familiares cortando mesmo as despesas de subsistência para juntarem dinheiro.
21. Juntamente com a desmontagem, vão-se, acima de tudo, o sentimento e a afeição difíceis de arrebatar aos membros da organização.
22. O equipamento pode-se readquirir, mas o sentimento e a afeição, não.
23. Enquanto o acto objecto ainda passa a ser executado, o centro de desintoxicação pode ainda, graças à experiência de décadas no campo de serviço de desintoxicação, prestar serviços de desintoxicação e de internamento para reabilitação; mal executado o acto objecto, a requerente perderá logo as condições.
24. O governo da RAEM nunca indicou que a recolha dos bens móveis e do sítio fosse para destiná-los a outras instituições do mesmo tipo.
25. Portanto, dos autos não resultam indícios mostrando que a suspensão do acto objecto determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
26. Por fim, do presente processo não resultam indícios evidentes e fortes mostrando a ilegalidade do recurso contencioso interposto no processo principal.
  Notificado o órgão administrativo requerido para contestar veio este fazê-lo sustentando que o acto cuja suspensão se pede é de conteúdo negativo, bem como a inexistência de prejuízos de difícil reparação e a existência de grave lesão do interesse público dado que pretende construir no terreno em causa um armazém permanente de substâncias perigosas.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  1.
  Corporação Evangélica «A», melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo da autoria do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 5 de Agosto de 2020 através do qual foi declarada a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno situado na ilha de Coloane.
  A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da pretensão da Requerente.
  2.
  2.1.
  Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  (i) a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
  (ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
  (iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa. Por isso, basta a não verificação de um desses requisitos para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  2.2.
  Como é sabido, por razões que se prendem com a necessidade de evitar o entorpecimento da actividade administrativa que poderia advir de uma utilização menos criteriosa e dilatória do recurso contencioso por parte dos particulares, a mera interposição deste, em regra, não tem por efeito suspender a eficácia do acto administrativo que dele seja objecto. É o que, expressamente, resulta da norma do artigo 22.º do CPAC.
  A mais importante excepção a esta regra encontra-se, justamente, na previsão da possibilidade do decretamento da suspensão da eficácia do acto quando da execução deste possa resultar para o particular um prejuízo de difícil reparação.
  Como referiu o Tribunal de Última Instância (TUI) na sua decisão de 14.11.2009, tirado no processo n.º 33/2009, «não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação».
  Sobre o que deve entender-se por prejuízo de difícil reparação, importa ter presente a douta jurisprudência que o TUI teve oportunidade de definir na referida decisão: «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto».
  2.2.1.
  De acordo com o artigo 120.º do CPAC apenas pode ser suspensa a eficácia de actos quando estes tenham conteúdo positivo ou, sendo actos negativos, apresentem uma vertente positiva.
  A Entidade Requerida, invocando em seu favor a jurisprudência consagrada no acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 8 de Junho de 2016 tirado no Processo n.º 179/2010/A, sustenta que o acto suspendendo é insusceptível de suspensão de eficácia por ser meramente declarativo e verificativo, logo não constitutivo.
  Salvo o devido respeito, não cremos que tal jurisprudência seja de acompanhar.
  A norma do artigo 120.º do CPAC não atende à contraposição entre actos constitutivos e actos declarativos, mas, antes, entre actos positivos e actos negativos. E não se trata de contraposições equivalentes.
  É certo que, de acordo com a formulação doutrinal e jurisprudencial corrente, os actos negativos são aqueles que deixam intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, através deles, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior e, portanto, os actos positivos coincidem, em princípio, com os actos constitutivos. A verdade, porém, é que um acto declarativo como o de declaração de caducidade da concessão por arrendamento de um terreno tem associados a si os efeitos que, normalmente se associam a esse tipo de actos, ou seja, o de tornar atendíveis situações jurídicas que já se encontram constituídas, tornando certa e incontestável a situação jurídica a que se reporta, com a consequente estabilização da definição jurídica introduzida consequente ao decurso dos prazos de impugnação (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 204).
  Ora, se bem virmos, a declaração de caducidade da concessão do terreno não é indiferente para o concessionário. Ela implica, não só a reversão das benfeitorias existentes do terreno sem direito a indemnização, como também constitui pressuposto indispensável ao decretamento do despejo do concessionário ao abrigo do disposto no artigo 179.º, n.º 1, alínea 1) da Lei de Terras, caso este não entregue voluntariamente o terreno objecto da concessão uma vez declarada a dita caducidade.
  Parece-nos, pois, que o acto que declara a caducidade não é um acto negativo e, como tal, é suspensível (neste mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 10/11/2016, proferido no processo n.º 541/2016/A).
  2.2.2.
  Além disso, estamos em crer que, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostrando-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  2.2.3.
  De mais difícil resposta é a questão de saber se a execução do acto é susceptível de, previsivelmente, causar à Requerente prejuízos de difícil reparação para a requerente.
  Não nos parece.
  Está em causa, importa recordar, o acto que declarou a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno no qual a Requerente, pelo que alega, terá construído e passado a operar um centro de desintoxicação destinado a jovens toxicodependentes denominado «Associação B».
  A Requerente alega que a execução do acto, uma vez que a obriga a abandonar as instalações existentes no terreno, implicará um prejuízo irreparável, nomeadamente porque impossibilitará ao centro de desintoxicação a realização do plano de trabalho 2019-2021 já elaborado (cfr. artigo 50.º do Requerimento Inicial). Isto porque, para a Requerente, basta que não se consiga prestar os serviços de desintoxicação ou realizar as actividades já programadas para que se considere verificado um prejuízo de difícil reparação (cfr. artigo 55.º do Requerimento Inicial).
  Todavia, salvo o devido respeito, a Requerente não demonstra, sequer perfunctoriamente, que o encerramento das instalações da «Associação B» terá como consequência, por um lado, a impossibilidade de a mesma continuar a prestar os serviços que tem vindo a prestar e, por outro lado, a inviabilidade de os jovens toxicodependentes encontrarem alternativa para prosseguiram com as terapias de desintoxicação junta de outras instituições, públicas ou privadas, que as providenciam na Região.
  Não está sumariamente provada a existência de um nexo de causalidade adequada, mesmo em termos de prognose, entre o facto de a Requerente ter de abandonar o terreno que lhe foi concedido por arrendamento em consequência da declaração de caducidade que impugnou contenciosamente nos autos principais e os prejuízos que alega para fundamentar a presente pretensão cautelar. Nomeadamente, não está demonstrada, ao menos prima facie, a alegação da Requerente de que o acto suspendendo tem um efeito equivalente à cessação das actividades do centro de desintoxicação (cfr. artigo 62.º do Requerimento Inicial). Só se demonstra a impossibilidade de o centro continuar a funcionar naquele local onde actualmente se encontra e não noutro.
  Também se não vislumbra, ao contrário do que vem alegado, que a imediata execução do acto possa prejudicar gravemente o prestígio da Requerente (cfr. artigo 64.º do Requerimento Inicial). A declaração de caducidade não tem qualquer componente sancionatória, já que não visa censurar qualquer comportamento ilícito por parte da Requerente. Como tal, não se vê como pode tal declaração repercutir-se negativamente na imagem pública da Requerente e abalar irreparavelmente o seu prestígio no seio da comunidade local.
  Quanto aos prejuízos que a Requerente alega que poderão advir da perda de valor e de funções dos equipamentos existentes nas instalações (cfr. artigos 65.º a 67.º do Requerimento Inicial), consideramos que, atento o seu carácter meramente patrimonial, a verificarem-se, eles sempre seriam reparáveis.
  Assim, porque se não provam, ao menos sumariamente, os prejuízos irreparáveis que a Requerente alegou para justificar o seu pedido cautelar, propendemos a considerar que não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC e que, por isso, não é de decretar a requerida suspensão de eficácia, devendo, por isso, considerar-se prejudicada a apreciação da questão atinente ao requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC de saber se a dita suspensão seria susceptível de causar grave lesão ao interesse público tal como vem alegado pela Entidade Requerida.
  A finalizar, uma referência acessória para o facto de, recentemente, o Tribunal de Segunda Instância ter apreciado e julgado improcedente um recurso jurisdicional de uma decisão do Tribunal Administrativo que por sua vez indeferiu uma providência cautelar de suspensão de eficácia instaurada pela «Associação B» no processo que correu termos sob o n.º 881/2020.
   3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

1. Por Despacho de 05.08.2020 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas foi declarada a caducidade da concessão onerosa por arrendamento do terreno 7.500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga gafaria, descrito na CRP sob o nº 22768 a fls. 293 do livro B94K, a que se refere o Processo nº 16/2020 da Comissão das Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer nº 65/2020 desta comissão, os quais fazendo parte integrante do referido despacho, tudo como melhor consta do integral teor do mesmo publicado na II Série do BO nº 34 de 19.08.2020 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
2. Em 21.09.2020 pela agora Requerente foi interposto recurso contencioso daquele despacho – cf. fls. 2 dos autos principais apensos -;
3. Entre a Requerente e o IASM havia sido celebrado o Acordo de Cooperação para a reconstrução da Secção Masculina do Desafio Jovem no terreno referido em a) o qual se destinava a prestar apoio a indivíduos do sexo masculino, tudo conforme consta de fls. 28 a 36 dos autos principais apensos;
4. A requerente havia planeado as seguintes actividades:
• Conceber e elaborar o projecto de experiência de internamento de curta duração para se livrar de drogas de 2019-2021 - cf. doc. a fls. 95/96 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Desenhar e elaborar o plano para o campo de crescimento de vida antidroga - cf. doc. a fls. 97/98 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Desenhar serviços de internamento e de acompanhamento familiar - cf. doc. a fls. 99 a 101 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Desenhar e elaborar os projectos para 2020 de serviços e do desenvolvimento de programas - cf. doc. a fls. 102 a 108 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Desenhar e elaborar o plano de fôlego para os cuidadores de idosos dementes - cf. doc. a fls. 109 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Projectar e preparar o campo de intercâmbio do pioneirismo exploratório - cf. doc. a fls. 110 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Desenhar e preparar as actividades da série “pais expertos” - cf. doc. a fls. 111 dos autos principais de que estes são apenso -;
• Projectar o serviço de internamento de breve duração - cf. doc. a fls. 112 dos autos principais de que estes são apenso -;
  
b) Do Direito
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
  Sustentando a Requerente que o acto cuja suspensão se pede tem conteúdo positivo, posição na qual é acompanhada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, vem a entidade recorrida invocar que o acto em causa tem conteúdo negativo.
  Sobre esta matéria já se pronunciou este Tribunal no processo que correu termos sob o nº 541/2016/A, ali se dizendo:
  «Quid iuris?
  Como é sabido, a nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos:
  1- A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
  2- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artºs 48º, nº 1 e 52º, todos da Lei nº 10/2013).
  Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
  Ou seja, a falta de aproveitamento dentro do prazo fixado não implica necessariamente a caducidade da concessão. Para o efeito, a Administração tem de analisar e valorar se existir algum comportamento culposo do concessionário. Verifica-se, portanto, uma declaração de vontade por parte da Administração nesta espécie da caducidade da concessão.
  O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
  Isto é, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
  Aqui, a Administração, para declarar a caducidade da concessão provisória, não precisa de analisar e valorar se existir algum comportamento negativo do concessionário.
  É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
  No mesmo sentido, veja-se os acórdãos deste Tribunal, de 08.06.2016 e de 07.07.2016, proferido, respectivamente nos Procs. nºs 179/2016/A e 434/2015.
  No caso em apreço, a declaração da caducidade funda-se no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que o seu efeito imediato não é susceptível de suspensão de eficácia, por ser uma caducidade preclusiva, não tendo portanto a natureza constitutiva, mas sim meramente declarativa.
  No entanto, a declaração da caducidade preclusiva prevista na nova Lei de Terra parece não ser pura e simplesmente negativa, visto que determina também a perda, a favor da RAEM, as benfeitorias incorporadas no terreno, bem como a inexistência de direito a qualquer indemnização ou compensação por parte do concessionário (cfr. artº 168º, nº 1, da nova Lei de Terras).
  Além disso, ela pode implicar a devolução do terreno, o que até resulta expressamente da cláusula 13ª, nº 4 do contrato de concessão em causa e do nº 1 do artº 179º da nova Lei de Terra, matéria, aliás, também invocada pelo Requerente.
  Nesta parte, verifica-se a sua vertente positiva, que é susceptível de suspensão de eficácia nos termos legais.
  Como o pedido da suspensão de eficácia do Requerente abrange esta parte positiva, pelo que é de julgar improcedente a excepção da insusceptibilidade da suspensão de eficácia suscitada pela Entidade Requerida.».
  E também em Acórdão deste tribunal de 15.12.2011 no processo que correu termos sob o nº 785/2011/A1 cujo sumário tem o seguinte teor:
  «1. Verificam-se os pressupostos de suspensão de eficácia do acto que denegou a autorização de residência a uma pessoa que aqui reside há seis anos, aqui fez investimento, montou uma empresa, aqui formou o seu centro de vida pessoal e empresarial, tendo vários pessoas empregadas e ele próprio tendo adquirido a empresa onde trabalhava.
  2. O que se importará, para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva, é a influência, a alteração introduzida pela prolação do acto na esfera jurídica do interessado.
  3. Se da situação em apreço emerge nitidamente um efeito secundário ablativo de uma situação pré-existente conformada por acto administrativo anterior e que bem pode continuar a ser merecedora de tutela caso o recorrente venha a lograr êxito quanto à substancialidade do pedido formulado estaremos perante uma vertente positiva cuja sustação dos efeitos merece a tutela da providência se se verificarem os demais requisitos.».
  Em sentido idêntico pronuncia-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso nas notas 7 e 9 ao artº 120º:
  «7 – O que é um acto de conteúdo positivo?
  Acto positivo é todo aquele que altera a ordem jurídica existente no momento em que é praticado. Introduz modificações na ordem jurídica e nas posições jurídicas substantivas dos interessados em relação ao que antes dele (acto objecto do pedido) acontecia. São exemplos disso, os actos de nomeação de um funcionário, os actos de demissão, ou os actos de autorização.
  Portanto, e ao contrário do que sugere o adjectivo “positivos”, para este efeito não se refere o legislador apenas aos actos favoráveis, àqueles que se reflectem positivamente na esfera de direitos e interesses dos interessados.
  O vocábulo “positivos” Tem aqui um sentido mais vasto, de modo a cobrir qualquer invasão daquela esfera, tanto favorável, como negativamente. Quer dizer, também os actos desfavoráveis ao requerente são considerados actos positivos na acepção que aqui está em causa, na medida em que alteram um “status” anterior. Portanto, desde que haja um corte total ou parcial com o passado, alterando-o, desde que o acto seja total ou parcialmente ablativo relativamente a uma situação anteriormente existente, desde que haja uma perda ou diminuição da posição jurídica substantiva do interessado requerente, estaremos também perante um acto positivo como condição de acesso ao uso do meio de suspensão de eficácia. Exemplo disso é o acto que determina a cassação de uma licença ou impõe a cessação de uma actividade.
  E,
  9 – O acto negativo com uma vertente positiva é já algo diferente.
  Agora, o que está em causa é a vertente positiva do acto negativo. A vertente positiva é a situação de vantagem que, apesar de tudo, pode emergir.
  Trata-se, agora, de uma categoria de decisões em que há efectivamente uma utilidade na suspensão, se se concluir que delas advêm efeitos secundários positivos. E aí, a eficácia já é suspensível (art. 120.º, al. b) do CPAC).
  É certo que o requerente nada “ganha” em termos definitivos com o acto que lhe denega a pretensão, mas simultaneamente “perde” a situação favorável que detinha anteriormente.
  Nesse espectro incluem-se os actos de que resulta o indeferimento de um pedido de manutenção de uma situação jurídica anterior.
  Por exemplo, quando um acto indefere o pedido de renovação ou de prorrogação de uma situação jurídica pré-existente (v.g., autorização de residência). Ora, este acto de indeferimento que, além de ferir legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior, coloca o interessado numa posição jurídica substantiva diferente da que detinha até ao momento da sua prática.
  Nessas circunstâncias, o acto alter realmente a situação jurídica ou de facto do requerente. Embora a autorização caduque no termo do prazo para que foi concedida, o que coloca o interessado sem direito de residência, (nesse aspecto, a não prorrogação deixa o interessado na mesma posição sem possibilidade de residência), a verdade é que o despacho que lhe não concede a renovação lhe altera a situação que até aí se verificava (Ac. TSI, de 27/03/2012, Proc. nº 163/2012/A e de 29/03/2012, Proc. nº 815/2011/A).».
  Ora, tal como se analisou no Acórdão deste tribunal citado supra, o acto de declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo sem aproveitamento é um acto negativo, contudo na vertente em que há uma alteração da situação jurídica anterior na esfera do interessado, impõe-se reconhecer-lhe uma vertente positiva que poderá justificar, se verificados os demais pressupostos, o presente pedido.
  Pelo que, sempre poderá o acto em causa ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.
  Assim sendo, impõe-se apurar da eventual existência dos demais requisitos.
  Reza o artº 121º do CPAC o seguinte:
  «1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».
  Estes requisitos são de verificação cumulativa, salvo as situações previstas nos nºs 2, 3 e 4.
  
  Vejamos então.
  A Requerente invoca no seu artº 32º do requerimento inicial ter planeado para os anos de 2019 a 2021 as actividades indicadas na alínea d) dos factos assentes. Alegando mais adiante que a execução do acto cuja suspensão se pede a privará das condições para materializar o fim e o ideal da organização o que equivale à cessação das actividades do centro de desintoxicação. (cf. artº 62º do p.i.).
  Ora, das actividades referidas na indicada alínea d) a que se refere o documento de fls. 97/98 junto com o recurso contencioso refere-se a 2019 – cf. fls. 98 -, o do documento de fls. 102 a 108 refere-se a 2020 – cf. fls. 102 e 106 -, sendo certo que a de fls. 106 é para realizar no exterior – cf. fls. 106v e 107v –
  Apenas a que se refere no documento de fls. 110 é para realizar no terreno em causa nestes autos mas já decorreu em Agosto de 2020.
  O documento de fls. 112 é um panfleto de promoção dos serviços prestados no centro mas que não se reporta a actividade nenhuma em concreto, assim como os demais documentos indicados e actividades elencadas.
  Ou seja, tal como conclui o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer não se demonstra, nem os elementos constantes dos autos permitem concluir, que a execução do acto de declaração de caducidade impede a Requerente de prestar os mesmos serviços e exercer as suas actividades, nem tão pouco de que não o possa fazer noutro local, pelo que, não está demonstrado o alegado prejuízo de difícil reparação.
  Da mesma forma, seja porque não se demonstra que não possa continuar a exercer a sua actividade noutro local, seja porque a declaração de caducidade da concessão do terreno não tem qualquer relação com a actividade desenvolvida pela Requerente, não se vê como é que a execução do acto pode abalar publicamente a sua imagem e prestigio.
  Resta, o que se invoca quanto ao desmantelamento das instalações e dos equipamentos físicos que ali têm. Ora, nesta matéria porque se trata de bens materiais dúvidas não há de que a decorrerem prejuízos da execução do acto podem facilmente ser reparáveis através de uma indemnização que venha a ser fixada para o efeito se se vierem a verificar os pressupostos.
  Nestes termos, somos, também, a concluir que não se demonstra que da execução do acto possa resultar prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda no recurso, não estando assim verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  Sendo os indicados requisitos de verificação cumulativa, à míngua de um deles fica prejudicada a apreciação dos demais, nomeadamente se, como a entidade requerida invoca a suspensão do acto seria susceptível de causar grave lesão para o interesse público.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos indefere-se o pedido de suspensão de eficácia do acto.
  
  Custas a cargo da Requerente fixando-se a taxa de justiça em 4Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 4 de Março de 2021
  Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
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Mai Man Ieng
  
  

1 Citado por Viriato Lima e Álvaro Dantas em Código de Processo Administrativo Contencioso em anotação ao artº 120º.
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915/2020/A SUSPENSÃO 2