Processo nº 1063/2020
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)
Data: 4 de Março de 2021
Requerentes: A e B
Requeridos: A e B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, e
B,
ambos com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau.
Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
Foram colhidos os Vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
1. Por sentença decretada em 29.09.2019 e transitada em julgado na mesma data foi dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre B e A casados entre si em Macau em 28.09.2017;
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
“Tribunal Popular do Distrito de Sha Shi da Cidade de Jin Zhou da Província de Hu Bei
Termo de conciliação civil
N.º (2019)E1002MINCHU581
Autora: A, do sexo feminino, nascida em 4 de Setembro de 1984, da etnia Han, titular do documento de identidade n.º M3XXX20, residente no Dormitório de Nong Ji do Distrito de Sha Shi da Cidade de Jin Zhou da Província de Hu Bei, China.
Mandatário judicial: C, Advogado do Escritório de D do Distrito de Sha Shi da Cidade de Jin Zhou.
Réu: B, do sexo masculino, nascido em 4 de Maio de 1975, da etnia Han, titular do Bilhete de Identidade n.º 42040XXX019, residente em Povoação de XX, Bloco XX, Torre XX, Apartamento n.º XX, Distrito de Sha Shi, Cidade de Jin Zhou, Província de Hu Bei.
Após admitida a acção de conflito de divórcio intentada pela autora A contra o réu B, foi formado o Tribunal Colectivo para realizar julgamento público nos termos da lei. A autora A e o réu B participaram na audiência. Agora a acção está concluída.
A autora A declarou que, em Outubro de 2015, a autora e o réu conheceram-se através das suas mães, no mês seguinte estabeleceu-se a relação de namoro. Logo depois, a autora foi viver a Macau. Depois de vários meses, em 2016, voltou ao Distrito de Sha Shi, eles davam-se bem. Em Maio do mesmo ano, a autora descobriu que estava grávida, portanto, começou a viver com os pais do réu, e depois, revelaram-se as diferenças de personalidade entre as partes, não chegaram a acordo sobre viver com os pais, assim, a relação ficou desarmónica e o ambiente da família inquieto. Deste modo, a autora saiu da residência dos pais do réu e foi viver com o réu próprio, em 28 de Setembro de 2017, contraíram casamento em Macau perante o Conservatório de Registo Civil da RAEM. Durante o período de convivência, o réu não tinha o senso de responsabilidade familiar, assumiu pouca responsabilidade económica familiar, a autora suportou tudo e, portanto, ficou zangada, o que provocou conflitos constantes, não foi gerada uma emoção conjugal verdadeira. A autora não podia viver com o réu, e depois voltou a casa da mãe e separou-se com o réu até hoje, ambas partes não cumpriram os deveres conjugais. Em 10 de Fevereiro de 2017, a autora deu à luz uma filha chamada de E, solicitou ao réu por várias vezes divorciar-se, mas não conseguiu porque o réu não concordou. Agora a autora pede ao Tribunal decidir que: 1. A autora A e o réu B divorciam-se; 2. A filha E é alimentada pela autora, o réu paga mensalmente os alimentos no valor de $600 até que a filha chega aos 18 anos de idade, a autora e o réu suportam respectivamente 50% das custas de educação e medicamentos.
O réu B declarou que: as alegações da autora estão conforme à realidade. Antes do casamento, a relação era boa, porém, depois de casarem-se, não se davam bem principalmente porque viviam em separado, a autora trabalhava em Macau e ele trabalhava em Sha Shi. Concorda em divorciar-se com a autora e pede alimentar a filha por ele próprio.
Devido à conciliação do Tribunal, as partes chegaram ao seguinte acordo:
1. A autora A e o réu B divorciam-se;
2. A filha E (nascida em 10 de Fevereiro de 2017) será alimentada pelo réu B, que não demanda à autora o pagamento de alimentos;
3. As partes não têm património e obrigação comuns;
4. As partes não têm outro conflito.
As custas são no valor de $200, só será cobrada uma metade no valor de $100, a cargo da autora A.
O referido acordo está conforme à lei, as partes concordam que produz efeitos jurídicos imediatamente após a confirmação e assinatura deste Tribunal. Nos termos do art.º 13.º das Disposições do Supremo Tribunal Popular sobre Diversas Questões Relativas ao Trabalho de Conciliação Civil do Tribunal Popular, este Tribunal apreciou e confirmou em 29 de Setembro de 2019 o teor do acordo, as partes, os Juízes e a escrivã assinaram o acordo, que, portanto, já produz efeitos jurídicos. A pedido das partes, este Tribunal elaborou o presente termo de conciliação, a recusa de recepção do termo de conciliação não afecta os efeitos do acordo, caso uma parte não cumpra o acordo, a outra parte pode pedir ao Tribunal Popular com o termo de conciliação a efectiva execução.
Juiz Presidente: F
Juiz-adjunto: G
Juiz-adjunto: H
29 de Setembro de 2019
Assistente dos Juízes: I
Escrivã: J
A presente cópia está conforma ao original.»
b) Do Direito
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
«1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
Vejamos então.
Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Popular do Distrito de Sha Shi da Cidade de Jin Zhou da Província de Hu Bei foi homologado o acordo de divórcio entre os Requerentes, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação da China Continental a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, sendo certo que a Revisão nestes autos é requerida por ambos os interessados, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação proferida por tribunal exterior a Macau.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Popular do Distrito de Sha Shi da Cidade de Jin Zhou da Província de Hu Bei nos termos acima transcritos.
Custas pelas Requerentes.
Registe e Notifique.
RAEM, 4 de Março de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1063/2020 1
REV e CONF DE DECISÕES