Processo nº 491/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 04 de Março de 2021
ASSUNTO:
- Caducidade do direito de recurso
- Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008
SUMÁRIO:
- Se após a interposição dos recursos hierárquicos, foi realizada diligência complementar por parte da Administração que consiste na remessa dos mesmos ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para efeitos de estudo e análise, só se consideram tais recursos hierárquicos tacitamente indeferidos depois decorrido o prazo de 90 dias (cfr. o nº 3 do artº 162º do CPA), a partir do qual se começava a decorrer o prazo de 365 dias para o recurso contencioso de acto de indeferimento tácito (cfr. a al. c) do nº 2 do artº 25º do CPAC).
- O objectivo do Desapcho do Chefe do Executivo n.º 83/2008 consiste em fixar imperativamente as cotas altimétricas máxima da construção de edifícios nas zonas de imediação do Farol da Guia e o âmbito terrestre da mesma zona de imediação.
- Com efeito, tal Despacho em si mesmo não prevê a permissão nem idoneidade física da construção de edifícios na supramencionada zona de imediação, pelo que não cria direito de construção a quem quer que seja.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 491/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 04 de Março de 2021
Recorrente: A Limited
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A Limited, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito dos recursos hierárquicos necessários, concluíndo que:
a) Este recurso contencioso tem por objecto os actos tácitos de indeferimento do Senhor Secretário das Obras Públicas e Transportes aos dois recursos hierárquicos necessários interpostos pela Recorrente da decisão do Senhor Director da DSSOPT que aprovou as Plantas de Condições Urbanísticas nº 95A075 e nº 2017A015.
b) Consta da PCU nº 95A075 e da PCU nº 2017A015, que: a) Estas PCU’s são emitidas para uma "zona do território não abrangida por plano de pormenor" e são emitidas ao abrigo da Lei 12/2013, e b) Os terrenos "inserem-se na zona de imediações do Farol da Guia aprovadas por despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, de 11 de Abril de 2008".
c) As duas PCU’s referentes aos dois terrenos da Recorrente foram emitidas ao abrigo das normas genéricas e transitórias constantes dos artigos 58º a 63º da Lei 12/2013.
d) E, na ausência de um plano de pormenor para a zona, o qual teria de resultar necessariamente da aprovação prévia do plano director, ainda inexistente, as PCU’s em recurso fundamentaram-se num outro instrumento legal específico, que, no caso, foi o despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, de 11 de Abril de 2008.
e) O Director da DSSOPT emitiu as PCU’s objecto do presente recurso sem omitir que os terrenos se "inserem na zona de imediações do Farol da Guia aprovadas por despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, de 11 de Abril de 2008".
f) Uma vez que os terrenos da Recorrente se inserem na zona de imediações do Farol da Guia, o despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008 é, portanto, o fundamento legal que define e delimita. em concreto, o conteúdo das duas PCU’s.
g) O despacho do Chefe do Executivo na 83/2008 visa fixar as cotas altimétricas máximas permitidas para a construção nas zonas de imediações do Farol da Guia.
h) O despacho do Chefe do Executivo inclui ainda em anexo diversas outras plantas gráficas referentes a 11 Zonas, estabelecendo para cada uma delas condicionantes urbanísticas distintas e finalidades especificas.
i) Para a Zona 3, Subzona 3-1 estabelece que (i) A cota altimétrica máxima permitida: não pode ultrapassar a altura da Estrada de Cacilhas, que (i) Finalidade permitida para a construção: instalações públicas, que (iii) Não é permitida ocupação vertical, e que (iv) Deve ser cumprida a legislação referente à área de sombra projectada (art. 88º do RGCU).
j) Para a Zona 3, Subzona 3-1 estabelece que (i) Cota altimétrica máxima permitida: 90 m N.M.M., que (ii) Não é permitida ocupação vertical, e que (iii) Deve ser cumprida a legislação referente à área de sombra projectada (art. 88º do RGCU).
k) São estas, pois, e não outras, as concretas condicionantes urbanísticas em vigor para a Subzona 3.1. e para a Subzona 5.1 que terão de ser estabelecidas para qualquer projecto de construção em terrenos localizados nessas zonas das imediações do Farol da Guia.
l) A definição expressa no despacho do Chefe do Executivo de determinadas limitações de altura (na subzona 3.1. e subzona 5.1.) e de determinada finalidade (na subzona 3.1.) exclui, naturalmente, que nos terrenos sejam feitas construções com alturas superiores ou utilizados para finalidade diversa das que são legalmente estabelecidas.
m) No caso em recurso estamos perante PCU’s que devem ser emitidas com base num acto normativo específico (despacho do Chefe do Executivo), o que retira ao Director da DSSOPT a margem de discricionariedade que utiliza em situações não reguladas.
n) Com efeito, o Chefe do Executivo, ao assinar o seu despacho nº 83/2008, quis explicitamente que, no caso concreto da subzona 3-1 das imediações do Farol da Guia (onde se situa a quase totalidade de um dos terrenos e o outro terreno da Recorrente) apenas se pudessem construir "instalações públicas".
o) Se o Chefe do Executivo quisesse fazer jardins da subzona 3.1. seguramente que o teria dito no seu Despacho nº 83/2008!
p) Até porque, seguramente, a DSSOPT tinha já nessa altura uma visão mais abrangente para aquela zona da cidade, sabendo bem onde colocar construções residenciais, construções para instalações públicas, onde fazer ruas, ou onde fazer zonas verdes e jardins!
q) A PCU nº 95A075 e a PCU nº 2017A015, que definem a finalidade de "zona verde" aos terrenos da Recorrente viola o despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008, além de não ter fundamento ou suporte legal em outra norma concreta que a Recorrente conheça.
r) O Director da DSSOPT apenas poderia ter aprovado, com fundamento no despacho do Chefe do Executivo nº 83/2008, PCU’s com a condição de os edifícios não poderem exceder as cotas altimétricas definidas para a Estrada de Cacilhas,
s) e que a "construção" se destinasse a "instalações públicas", excluindo obviamente outras finalidades não referidas nas plantas anexas ao despacho, como acontece com a "zona verde".
t) As condições urbanísticas aprovadas e estipuladas pela DSSOPT nas plantas de condições urbanísticas objecto do presente recurso violam, pois, a alínea 7) do artigo 6º e o nº 2 do artigo 28.º, ambos da Lei n.º 12/2013.
u) Também violam o artigo 6.º da Lei Básica que estipula que: "O direito à propriedade privada é protegido por lei na Região Administrativa Especial de Macau."
v) Com efeito, se é certo que o direito a edificar não se configura como uma liberdade absoluta do dominus, parece seguro afirmar que a libertas aedificandi continua a fazer parte do âmbito normativo do direito fundamental da propriedade privada do solo.
w) Como o direito de edificar preexiste aos planos urbanísticos, as licenças ou autorizações de construção, ou as plantas de condicionamento urbanístico, possuem valor meramente declarativo, pois não é o poder público que outorga ao titular de um imóvel o direito de construir.
x) A exigência de um acto de autorização prévio, corporizado pelas actuais PCU’s, não pode interpretar-se como indício de inexistência de um direito a edificar.
y) A DSSOPT não pode privar o proprietário de direitos inerentes à sua propriedade, designadamente do poder de fazer edificação nos seus terrenos, embora com sujeição às normas de urbanismo e de política de construções.
z) Como ensina o Prof. Freitas do Amaral "o jus aedificandi é, pois, uma faculdade inerente ao direito de propriedade do solo, que existe na esfera jurídica do proprietário (ou do superficiário) antes que qualquer plano urbanístico o venha regular".
aa) A atribuição da finalidade de uso como "zona verde" dos terrenos da Recorrente é uma violenta afronta ao seu direito de construir, ao jus aedificandi, e equivale a um autêntico confisco ou esbulho dos seus bens, em clara colisão com o referido artigo 6.º da Lei Básica.
bb) Do mesmo modo, a determinação de parcela sinalizada a amarelo na PCU nº 95A075, desacompanhada de um processo negocial tendente à sua aquisição ou da declaração de ser terreno a expropriar, viola o Art. 6º da Lei Básica, os arts 37º e 38º da Lei 12/2013, bem como o próprio despacho do Chefe do Executivo n° 83/2008, conduzindo-nos a um vício de violação de lei que gera a anulabilidade do acto segundo o artigo 21º, nº 1, al. d), e artigo 20º, ambos do CPAC.
cc) Mais afrontoso as citadas disposições legais é, porém, a situação da parcela sinalizada a cor cor-de-rosa, onde se estabelece "A fim de obedecer às exigências da reformação do terreno, esta parcela de terreno deve ser integrada no domínio privado da RAEM" (sublinhados nossos).
dd) Não se entende o que sejam, ou possam ser, "exigências da reformação do terreno", embora a Recorrente perceba a determinação da DSSOPT em querer, sem mais, integrar, essa parcela de terreno do domínio privado da RAEM!
ee) Essa estranha "condicionante" incluída na PCU nº 95A075 visa colmatar a ilegalidade da apropriação de uma parte do terreno da Recorrente na construção do edifício destinado ao Gabinete de ligação do Governo Popular Central na RAEM.
ff) A DSSOPT sempre soube dessa situação e compactuou com ela porque aprovou a obra nos termos em que ela foi executada, tendo encontrado na emissão da PCU sob recurso a oportunidade perfeita para solucionar as ilegalidades do passado.
gg) A afectação às "exigências de reformação do terreno" da parcela sinalizada a cor cor-de-rosa na PCU nº 95A075, viola o art. 6º da Lei Básica, os arts 37º e 38º da Lei 12/2013, bem como o próprio Despacho do Chefe do Executivo nº 83/2008, que não permite tal decisão.
hh) Todas as decisões do Director da DSSOPT que definiram as diversas finalidades de uso dos terrenos da Recorrente na PCU n.º 95A075 (parcela a verde, a amarelo e a cor-de-rosa) e na PCU nº 2017A015 (parcela a verde), sofrem do vício de violação de lei, o que gera a anulabilidade dos actos nos termos do artigo 21º, nº 1, al. d), e artigo 20º, ambos do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 107 a 121 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a excepção da caducidade do direito do recurso e pugnando pela improcedência do recurso.
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Só a Entidade Recorrida apresentou as alegações facultativas, mantendo, no essencial, a posição já assumida na contestação.
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O Ministério Público emitiu os pareceres no sentido da improcedência da excepção da caducidade do direito de recurso suscitada pela Entidade Recorrida, bem como da improcedência do recurso contencioso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. A Recorrente é proprietária do terreno junto à Estrada de Cacilhas com a área de 2586,1200 m2, descrito sob o nº ..., a fls. …, do liv. … e do outro terreno junto à mesma Estrada, com a área de 600 m2, descrito sob o nº …, a fls. …, do liv. ….
2. No dia 14 de Março de 2017, a Recorrente, através do seu procurador, apresentou na Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, o pedido de emissão de plantas de condições urbanísticas (PCU) para os referidos terrenos.
3. Em 23 de Janeiro de 2019, após o pagamento das taxas devidas, a Recorrente levantou as PCUs nºs 95A075 e 2017A015, datadas de 10/01/2019 e 11/01/2019, respectivamente.
4. A PCU nº 95A075 estabelece as seguintes condições urbanísticas:
i. Finalidade: zona verde.
ii. Legenda:
a) Área delimitada a cor verde: “A fim de proteger a integridade do perfil da colina da guia e de S. Januário, a parcela de terreno deve se destinada a tratamento paisagístico.”
b) Área delimitada a cor amarela: “Parcela de terreno destinada a via pública, devendo para o efeito ser desocupada e integrada no domínio público da RAEM.”
c) Área delimitada a cor cor-de-rosa: “A fim de obedecer às exigências da reformação do terreno, esta parcela de terreno deve ser integrada no domínio privado da RAEM”.
5. A PCU nº 2017A015 estabelece as seguintes condições urbanísticas:
i. Finalidade: zona verde.
ii. Área delimitada a cor verde: “A fim de proteger a integridade do perfil da colina da guia e de S. Januário, a parcela de terreno deve ser destinada a tratamento paisagístico”.
6. Em 22/02/2019, a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas das decisões do Director da DSSOPT que aprovaram as PCUs acima em referência.
7. O Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas não se pronunciou sobre esses recursos hierárquicos necessários no prazo legal.
8. Na mesma data da apresentação dos recursos hierárquicos (dia 22/02/2019), o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicos mandou a DSSOPT para se pronunciar sobre os recursos hierárquicos interpostos.
9. Os recursos hierárquicos foram assim remetidos à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, tendo o Director lavrado o seguinte despacho: “Ao DPU (c/ apoio do DJU, se necessário)”.
10. Em 05 de Março de 2019, o Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) elaborou a proposta n.º 0241/DPU/2019, sugerindo que fossem remetidos ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para apreciar os dois recursos hierárquicos.
11. O Director da DSSOPT em 08 de Março de 2019, exarou sobre a proposta n.º 0241/DPU/2019, o seguinte despacho: “先行咨詢法律廳意見”, (em português: “Peça primeiro o parecer do DJUDEP”).
12. Em 15 de Março de 2019, o DJUDEP, através da Comunicação de serviço interno n.º 117/DJUDEP/2019, solicitou ao DPU o envio dos processos n.ºs 95A075 e 2017A015.
13. O DPU, em 20 de Março de 2019, remeteu ao DJUDEP os processos n.ºs 95A075 e 2017A015.
14. O Director da DSSOPT, em 28 de Março de 2019, endereçou ao Mandatário da Recorrente o ofício n.º 22/DJUDEP/2019 no qual se diz o seguinte:
“Relativamente dois recursos hierárquicos interpostos por V. Exa., ambos em 22 de Fevereiro de 2019, e na sequência do despacho do director de 8 de Março de 2019, exarado na proposta n.º 0241/DPU/2019, de 5 de Março, foi solicitado ao Departamento Jurídico, em 11 de Março de 2019, a emissão de parecer. Deste modo, informa-se que esta Direcção de Serviços ainda se encontra a analisar o assunto, sendo-lhe oportunamente comunicado a decisão sobre os referidos recursos.”.
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IV – Fundamentação
1. Da excepção da caducidade do direito de recurso:
A Entidade Recorrida entende que o presente recurso contencioso foi interposto fora do prazo legal, uma vez que a Recorrente apresentou os recursos hierárquicos no dia 22/02/2019 e nos termos do nº1 do artº 162º do CPA, tais recursos hierárquicos devem ser decididos no prazo de 30 dias, acrescidos de 15 dias do prazo para o autor dos actos se pronunciar, o que terminou no dia 08/04/2019.
Ou seja, em 08/04/2019 já se formou a presunção do indeferimento tácito dos recursos hierárquicos em referência.
Nesta conformidade, o termo do prazo legal de 365 dias para o recurso contencioso dos actos de indeferimento previsto na al. c) do nº 2 do artº 26º do CPAC ocorreu-se no dia 07/04/2020 e o presente recurso contencioso foi interposto no dia 22/05/2020, pelo que é intempestivo.
Quid iuris?
Dispõe o nº 2 do artº 162º do CPAC que o prazo para decisão do recurso hierárquico previsto no nº 1 do mesmo artigo é elevado até ao máximo de 90 dias quando haja lugar à realização de nova instrução ou diligências complementares.
No caso em apreço, após a interposição dos recursos hierárquicos em causa, foi realizada diligência complementar por parte da Administração que consiste na remessa dos mesmos ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para efeitos de estudo e análise, pelo que só se consideram tais recursos hierárquicos tacitamente indeferidos depois decorrido o prazo de 90 dias (cfr. o nº 3 do artº 162º do CPA), que terminou no dia 23/05/2019, a partir do qual começava a decorrer o prazo de 365 dias para o recurso contencioso de acto de indeferimento tácito (cfr. a al. c) do nº 2 do artº 25º do CPAC).
Esse prazo terminou em 22/05/2020 e o presente recurso contencioso foi interposto na mesma data, pelo que é tempestivo.
Pelo exposto, é de julgar improcedente a suscitada excepção da caducidade do direito de recurso.
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2. Do mérito do causa:
Para a Recorrente, as PCUs emitidas violaram os seguintes preceitos legais, a saber:
Lei Básica
Artigo 6.º
O direito à propriedade privada é protegido por lei na Região Administrativa Especial de Macau.
Lei nº 12/2013
Artigo 6.º
Objectivos do plano director
O plano director tem por objectivos, no âmbito global do território da RAEM, designadamente:
1. …
2. …
3. …
4. …
5. …
6. …
7. Estabelecer as condições gerais de uso e aproveitamento dos solos;
8. …
Artigo 28.º
Uso e aproveitamento dos solos
1. As condições de uso e aproveitamento dos solos estão subordinadas aos princípios gerais e regras estabelecidos na presente lei.
2. As condições de uso e aproveitamento dos solos são definidas nos planos urbanísticos, em função da sua classificação e finalidade.
Artigo 37.º
Expropriação por causa de utilidade pública
1. O Governo só pode expropriar, por causa de utilidade pública, os bens imóveis e direitos a eles inerentes que sejam necessários à execução dos planos urbanísticos após se ter esgotado a possibilidade de aquisição por via do direito privado.
2. Para efeitos do número anterior, podem ser expropriadas, designadamente, as faixas adjacentes necessárias à abertura, alargamento ou regularização de ruas, praças, jardins ou outros lugares públicos.
3. A indemnização devida pela expropriação deve corresponder ao valor real da propriedade no momento da expropriação, e ser livremente convertível e paga sem demora injustificável.
Artigo 38.º
Legislação complementar
Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo anterior, à expropriação são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a Lei n.º 12/92/M, de 17 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 43/97/M, de 20 de Outubro.
Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2008
Considerando que o Farol da Guia constitui património mundial, e tendo em atenção a sugestão da UNESCO para a manutenção da respectiva classificação, torna-se necessário fixar as cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas suas imediações;
Usando da faculdade conferida pelo artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, o Chefe do Executivo manda:
1. As cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas zonas de imediações do Farol da Guia são as fixadas nas plantas em anexo, que fazem parte integrante do presente despacho.
2. Consideram-se zonas de imediações do Farol da Guia, as que se encontram demarcadas e assinaladas com os n.os 1 a 11 nas respectivas plantas.
3. O presente despacho entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Sobre as questões levantadas, o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI pronunciou-se pela forma seguinte:
“…
Na petição, a recorrente requereu a anulação do indeferimento tácito dos dois recursos hierárquicos necessários interpostos por ela das plantas de condições urbanísticas (PCU) n.º95A075 e n.º2017A015, invocando a violação do art.6.º da Lei Básica, dos arts.37.º e 38.º da Lei n.º12/2013 e também do Despacho do Chefe do Executivo n.º83/2008.
Mantendo a opinião exposta no Parecer de fls.143 e verso dos autos e ainda por não se vislumbrarem a ilegalidade da cumulação da impugnação (art.44.º, n.º2, do CPAC), nem outras questões conducentes à absolvição da instância, vamos ver as questões de mérito colocadas pela recorrente.
*
Ora, o Despacho do Chefe do Executivo n.º83/2008 dispõe: 1. As cotas altimétricas máximas permitidas para a construção de edifícios nas zonas de imediação do Farol da Guia são as fixadas nas plantas em anexo, que fazem parte integrante do presente despacho. 2. Consideram-se zonas de imediação do Farol da Guia, as que se encontram demarcadas e assinaladas com os n.ºs 1 a 11 nas respectivas plantas. 3 O presente despacho entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Vê-se que o objectivo deste Despacho consiste em fixar imperativamente as cotas altimétricas máxima da construção de edifícios nas ditas zonas e o âmbito terrestre da mesma zona de imediação.
Com efeito, tal Despacho em si mesmo não prevê a permissão nem idoneidade física da construção de edifícios na supramencionada zona de imediação, não cria direito de construção a quem quer que seja, pelo que nos parece que não faz sentido o argumento de que as PCU n.º95A075 e n.º2017A015 infringem o Despacho do Chefe do Executivo n.º83/2008.
*
Sem embargo do respeito pelo entendimento diferente, perfilhamos a douta jurisprudência que inculca (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de Portugal no Processo n.º0731/02): O “jus aedificandi” não se apresenta como parte integrante do direito fundamental da propriedade privada. A faculdade de construir é de configurar como mera concessão jurídico-pública resultante, regra geral, dos planos urbanísticos. Trata-se, assim, no “jus aedificandi” de um direito de natureza jurídico-pública não se consubstanciando em faculdade ínsita no conteúdo prévio e substancial do direito fundamental de propriedade privada. Pois, o uso e fruição, pelo respectivo titular do direito de propriedade não é livre e absoluto, antes se apresentando como “jus publicisticamente” enquadrado e condicionado (vide. Acórdão do STA de Portugal no Processo n.º0828/02), e os usos ou utilidades que os respectivos titulares dela podem retirar são unicamente aqueles que o ordenamento jurídico – constitucional ou ordinário - lhes permitir (vide. Acórdão do STA de Portugal no Processo n.º0633/08).
Nesta linha e nos termos do disposto nos arts.28.º a 32.º e 59.º da Lei n.º12/2013, não podemos deixar de entender que a PCU n.º2017A015 na sua totalidade e a PCU n.º95A075 na parte atinente à zona delimitadas a cor verde, fixando ambas a finalidade de tratamento paisagístico (vide. fls.54 e 79 dos autos), não infringem o art.6.º da Lei Básica, os arts.37.º e 38.º da Lei n.º12/2013 ou o Despacho do Chefe do Executivo n.º83/2008.
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Repare-se que a Legenda da PCU n.º95A075 indica ainda: quanto ao terreno delimitado a cor amarela – Parcela de terreno destinada a via pública, devendo para o efeito ser desocupada e integrada no domínio público da RAEM; e sobre o delimitado a cor-de-rosa – A fim de obedecer às exigências da reformação do terreno, esta parcela de terreno deve ser integrada no domínio privado da RAEM (vide. fls.54 dos autos).
Na alínea 4) do art.2.º da Lei n.º12/2013, a planta de condições urbanísticas é definida como ser o documento emitido pela DSSOPT que contém, designadamente, o alinhamento, a finalidade e as condições de edificabilidade de uma parcela ou lote de terreno.
Interpretadas a PCU n.º95A075 em conformidade com a definição legal supra aludida, as duas frases “devendo para o efeito ser desocupada e integrada no domínio público da RAEM” e “esta parcela de terreno deve ser integrada no domínio privado da RAEM” são, tão-só e simplesmente, a mera informação sobre o futuro destino destas duas parcelas.
Com efeito, é sem sombra de dúvida que a PCU n.º95A075 não tem propósito nem virtude de substituir a expropriação, de privar a recorrente da sua propriedade privada ou de integrar tais parcelas respectivamente no domínio público e domínio privado da RAEM. Concluindo, é que a PCU n.º95A075 não toca a propriedade privada da recorrente.
Nesta ordem de raciocínio interpretativo, inclinamos a entender que a PCU n.º95A075 na parte referente as parcelas assinaladas a cor amarela e a cor-de-rosa não contende com o art.6.º da Lei Básica, os arts.37.º e 38.º da Lei n.º12/2013 ou o Despacho do Chefe do Executivo n.º83/2008.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
…”.
Trata-se duma posição que concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome da economia processual, fazemos, com a devia vénia, como nossos fundamentos para julgar a improcedência do recurso.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo os actos recorridos.
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Custas pela Recorrente com 10UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 04 de Março de 2021.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Mai Man Ieng
1
7
491/2020