Processo n.º 859/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data : 04/Março/2021
Recorrente : B Concessionários (Macau), Limitada (B汽車(澳門)有限公司)
Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
B Concessionários (Macau), Limitada (B汽車(澳門)有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 29/06/2020, pelo qual foi indeferido o pedido formulado no recurso hierárquico necessário, tendo mantido a decisão do Director dos Serviços de Finanças (liquidação adicional sobre veículos), dela veio, em 02/09/2020 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 25, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A Recorrente apresenta recurso contencioso por não se conformar com a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças que determinou a improcedência do recurso hierárquico necessário, acto do qual foi notificada através do Ofício n.º 055/NAJ/MG/2020, mantendo-se desse modo o acto de liquidação oficiosa do imposto sobre veículos motorizados promovido pelo Exmo. Senhor Director dos Serviços de Finanças;
2) Segundo o despacho ora impugnado contenciosamente, a liquidação oficiosa não merece censura "por não ter sido feita prova bastante no processo, o alegado, até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/Chapa de experiência (?) e omissão de registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido primeira matrícula em data posterior, na sequência da venda (...)", conclusão que, salvo o devido respeito, a Recorrente vê como um absoluto contra-senso considerando o facto do mesmo veículo ser considerado novo por duas vezes pela Administração Fiscal, uma em Março de 2015 e outra em Novembro do mesmo ano, sendo assim sujeito a uma liquidação inicial e a outra liquidação adicional com base em factos tributários distintos;
3) Com efeito, importa recordar que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados ("IVM") ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, porquanto no dia 25 de Março de 2015 teria lugar a 9ª edição dos "Asian Film Awards", sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da B, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados;
4) Por força do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ou seja, o facto tributário relevante foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados;
5) À data, a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000,00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
6) Note-se bem que a liquidação inicial não é posta em causa pelo despacho recorrido, aliás, é do ponto de vista legal um pressuposto necessário para a realização da liquidação oficiosa adicional ora posta em crise;
7) Posteriormente, a Recorrente vendeu aquele automóvel a um terceiro, conforme se pode constatar da factura junta ao respectivo procedimento administrativo (cfr. o doc. n.º 2 junto com o recurso hierárquico necessário);
8) Na verdade, a transmissão efectuada pela Recorrente para um terceiro, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim, desde logo, a liquidação adicional oficiosa em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à norma de incidência do artigo 2.º do RIVM, devendo ser anulada nos termos dos artigos 124.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC;
9) Em todo o caso, e na sequência dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa com base em omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para o terceiro estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM e, por força da nova tabela de aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015), o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.º, n.º 3, do RIVM;
10) Pelo que haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o montante resultante da redução das taxas de IVM.
11) O que acrescido ao novo Preço Fiscal do veículo em causa e às alterações ao RIVM constantes da Lei n.º 14/2015, que entrou em vigor no dia 23 de Dezembro de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015, provoca um agravamento em MOP$178.400.00 (cento e setenta e oito mil, quatrocentas patacas) no montante total de IVM.
12) Salvo o devido respeito por opinião contrária, mais grave ainda que a tributação pela transmissão de um veículo usado nos termos acima descritos, é a evidente ilegalidade da cumulação de dois factos tributários distintos, um para efeitos de sustentação de uma liquidação inicial e outro, posterior, para efeitos de fundamentação de uma liquidação adicional com base em erros ou omissões;
13) É que o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não sendo admissível que a Administração Fiscal proceda a uma liquidação oficiosa, que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), isto é, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM;
14) Retirando, a posteriori, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
15) Como é evidente, o princípio "tempus regit actum" impede que a Direcção dos Serviços de Finanças efectue uma liquidação pretensamente adicional (por supostos erros ou omissões) que, na verdade, mais não traduz do que a exclusão de um benefício fiscal em virtude de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes com a qual a Recorrente não poderia razoavelmente contar em 22 de Março do mesmo ano;
16) Pelo que o artigo 18.º do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada e não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM;
17) O despacho recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças nunca chega a apreciar esta questão de direito que a Recorrente volta a suscitar perante V. Ex.ªs, Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância, isto é, a ilegalidade da liquidação adicional com base em facto tributário cumulativo e diverso, bem como o agravamento do imposto devido por conta de alterações legais que só entraram em vigor após a liquidação inicial;
18) Em suma, não preenche o conceito de liquidação oficiosa "adicional" a realização de uma nova liquidação com base noutro facto tributário com total desconsideração do facto tributário objecto da liquidação inicial, sob pena de violação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 17.º e 18.º do RIVM, já que uma liquidação adicional só pode ser feita por conta de erros ou omissões na liquidação inicial e tendo por base, obviamente, o mesmo facto tributário;
19) Por outro lado, ainda que não fosse superiormente entendido que a liquidação oficiosa posta em causa não merece censura, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se dirá que não poderiam ser cobrados juros de mora à ora Recorrente;
20) Isto porque o artigo 20.º, n.º 1, do RIVM determina que "Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.";
21) Como se deixou claro, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, mas que posteriormente, por efeito de uma liquidação oficiosa por factos ocorridos após a liquidação inicial (!), de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, a Recorrente foi notificada para o pagamento de um montante adicional de MOP$178.400.00;
22) Não se alcançando em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não podendo contar com uma liquidação oficiosa adicional com base em facto tributário diverso!;
23) Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.º do RIVM, pelo que a liquidação de juros é, por si só, anulável nos termos dos artigos 124.º do CPA e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC por conta do vício de lei que a afecta.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 48 a 60, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. DO OBJECTO DO RECURSO
1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, 29.06.2020, exarado na Proposta n° 017/NAJ/MG/2020, notificado à recorrente através do ofício n° 056/NAJ/MG/2020, que indeferiu o recurso hierárquico interposto contra a liquidação oficiosa que havia sido realizada mediante despacho do Exm.º Senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.º0734/NVT/DOI/RFM/2016, conforme consta da respectiva notificação constante no M/6 n.º 2016/09/800066/7.
2. Tratando-se de um recurso contencioso de mera legalidade, ele limita-se a solicitar a "anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica" - Cfr. artigo 20.° do CPAC.
3. Assim sendo, o que há a discutir nos presentes autos é a verificação ou não dos alegados vícios do acto administrativo, ora impugnado - Cfr. artigo 21.°, n.º 1, alíneas a) a e) e n.º 2 do CPAC.
4. Fundamenta-se o presente recurso em alegados "vícios de facto e de direito"
A) POR IMPUGNAÇÃO
5. Por não se mostrarem idóneos a operar o efeito pretendido pela recorrente, impugnam-se os fundamentos invocados pela recorrente bem como toda a matéria vertida na petição de recurso.
6. As regras do regulamento do imposto sobre os veículos motorizados são claras, designadamente no que tange ao momento da exigibilidade previsto no artigo 4°1 que responde as múltiplas factualidades possíveis.
7. Alega a recorrente que disponibilizou 25 veículos, enquanto concessionária da B, e a título de "patrocínio", para serem usados para transporte dos "convidados" da 9ª Edição dos "Asian Film Awards".
8. Que a mesma não dispunha desse número de "veículos registados" em seu nome.
9. E que foi alegadamente por isso que teve que "matricular provisoriamente" alguns veículos novos afectando-os, assim, para uso próprio.
10. Ora nada do alegado tem qualquer evidência em sede processual, que comprove essa factualidade.
11. Apenas se sabe, cotejado o processo instrutor, que o veículo em questão, objecto da licença de importação n.º 115460/2014 teve, após requerimento ao abrigo do disposto no artigo 53.° do Regulamento do Transito Rodoviário, Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 17/93/M, a chapa, em "regime de experiência" EX-*** (23/03/2015) e EX**** (28/01/2016) e matrícula MW-**-**, de 01/02/2016.
12. Como postula o mesmo artigo:
"1. Durante as formalidades de matrícula dos automóveis e motociclos, podem estes ser autorizados a circular em regime de «Experiência» por um período de 15 dias, para o que será fornecida chapa própria pelo DSAT, a pedido do interessado, mediante preenchimento de impresso apropriado e pagamento das respectivas taxas.
2. As chapas de experiência só podem ser utilizadas nos veículos para que foram requeridas, sob pena de multa de 1.500,00 patacas, devendo a respectiva matrícula ser requerida no prazo de 10 dias, sob pena de multa de 1.500,00 patacas."
13. A própria recorrente reconhece que não matriculou o veículo nem o registou dentro do prazo legal, como estava obrigada em conformidade com a sua alegada "afectação para uso próprio" este processo de matrícula foi abortado.
14. E não logrou a mesma demonstrar sequer o uso efectivo nesse acontecimento público, pelo que, não pode o mesmo ser atendido por mero efeito declarativo.
15. Na data em que a recorrente liquidou o IVM, em 22 de Março de 2015, ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2° do RIVM tal parecia conforme com a possibilidade da recorrente, como concessionária que, enquanto agente económico no circuito da comercialização de veículos motorizados pode afectar veículos para uso próprio.
16. Mas para tanto tem que cumprir com as formalidades legais obrigatórias de matrícula e registo do veículo em seu nome.
17. Não o tendo feito e tendo vendido o veículo a um particular resulta que o seu propósito inicial mudou e haverá que ser feita liquidação em conformidade com as normas em vigor na data da venda, como postula a alínea 1) do artigo 4.° do RIVM.
18. As regras e tabelas das normas ecológicas de emissão de gases poluentes foram alteradas, por via da publicação do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, em 8 de Abril, o que teve implicações na elegibilidade para efeitos da "redução da taxa" do IVM previsto no nº3 do artigo 16° do RIVM.
19. Todas estas regras são claras, designadamente as que respeitam as questões transitórias decorrentes da alteração e sucessão das regras e sua aplicação no tempo, como se pode verificar claramente no aludido despacho.
20. Em conformidade com o que antecede, e tendo sido detectado um movimento anómalo de cancelamento de "chapas de experiência" por parte da recorrente, sem que os mesmos veículos tenham sido matriculados e registados em nome da mesma, em conformidade com a propósito declarado de afectação dos mesmos para uso próprio enquanto agente económico no circuito de comercialização de veículos motorizados, foi determinada pela autoridade tributária uma Fiscalização Externa, realizada pelo respectivo núcleo na acção n.º015/NVT/DOI/RFM.
21. E foi na sequência desta fiscalização, bem como da ulterior venda do veículo, em 28 de Janeiro de 2016, ao particular, que foi desencadeado o acto de liquidação oficiosa, prevista no artigo 18.° do RIVM.
22. Efectivamente, apenas com a factualidade superveniente, supra evidenciada, é que a Administração Fiscal teve conhecimento de que a recorrente tinha mudado de ideias quanto ao destino de um lote de veículos, no qual se integra o sub judice, em face disso, (Cf Processo instrutor)
23. bem como da alteração das regras e tabelas das normas ecológicas de emissão de gases poluentes foram alteradas, por via da publicação do Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8 de Abril, este veículo deixou de beneficiar da "redução da taxa" do IVM previsto no nº3 do artigo 16° do RIVM, em MOP60.000,
24. E, em face da venda a particular na data supramencionada importa efectuar a liquidação do valor em falta, decorrente da não efectivação da afectação do veículo para uso da recorrente com a devida e necessária promoção do procedimento de matrícula e registo a seu favor no prazo legal.
25. A prática descrita pela recorrente corresponde a uma inadmissível tentativa de fraude à lei fiscal mas também à lei e ao regulamento do trânsito rodoviário e ao comércio jurídico da venda de veículos.
26. Sem a concretização da matrícula e do respectivo registo em favor da recorrente a mesma actuou de modo equivalente ao ter adquirido o lote para armazenamento para venda futura com o benefício indevido do valor reduzido da taxa de IVM prevista na alínea 3) do artigo 16°2do RIVM.
27. Isto porque este benefício está dependente, quando há sucessão de normas, como é o caso da alteração nas tabelas operada pela entrada em vigor do Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8 de Abril, ao momento da exigibilidade do imposto que, in casu passou a ser o momento da transmissão do veículo para o consumidor, conforme dispõe a alínea 1) do artigo 4.° do RIVM;
28. Efectivamente, o veículo em termos legais ficou como novo por não ter sido feito o registo do veículo para obtenção de matrícula e subsequente registo em favor da recorrente no prazo de 30 dias nos termos do disposto no n." 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 49/93/M.
29. E o aproveitamento que foi feito, por motivos de economia processual, do montante da liquidação feita pela recorrente em Março de 2015 em nada prejudicou esta, muito pelo contrário, foi apenas uma forma expedita de modo a evitar o incomodo à contribuinte com pedido e processamento da devolução do montante e subsequente pagamento de valor maior em total em dívida. Deste modo pagou apenas a diferença em falta ..
30. O veículo, contrariamente ao alegado pela recorrente, não foi considerado novo duas vezes, porquanto ao não ter sido requerida a matrícula e o registo o veículo nunca chegou a constar na titularidade e esfera jurídica da recorrente, sendo apenas matriculado e registado como novo na esfera jurídica do particular adquirente.
31. A ser admitida a prática defendida pela recorrente ficaria aberta a possibilidade de todos os importadores e concessionários, perante uma futura alteração das normas ecológicas, importar massivamente lotes de veículos mais poluentes para ficarem armazenados e irem sendo vendidos até com a publicitação desse benefício ilegítimo: "Comprem que estes ainda tiveram a redução de MOP60.000 de IVM!"
32. Ora isto seria uma inquestionável fraude a lei fiscal bem como das políticas da RAEM de promoção da qualidade ambiental, dando esse benefício apenas em função de uma cada vez melhor economia energética e redução das emissões poluentes.
33. Contrariamente ao vertido no ponto 29.° da P.I. a entidade recorrida não considera provado o alegado "Uso próprio", admite outrossim um eventual uso circunstancial, quiçá até simulado para dar a aparência, mas conformado com o que a seguir citamos da notificação da recorrente do despacho da entidade recorrida no âmbito da decisão do recurso hierárquico necessário - Cf ofício n.º 056/NAJ/MG/2020:
"4. Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM, com base no alegado "uso próprio" do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
5. Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de "chapa de Experiência" na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o "registo do veículo – 1º pedido" na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
6. Ora não tendo logrado nem em sede de reclamação, nem em sede do presente recurso hierárquico juntar a documentação comprovativa dos actos necessários a prova dos actos supra mencionados, a qual lhe competia demonstrar, considera a administração fiscal que não ficou demonstrado o alegado.
7. Em conformidade com o que antecede, que é reforçado com os indícios de que o uso foi, no limite, meramente circunstancial, do lote de 25 veículos, no qual se incluí o que respeita ao acto ora recorrido, porquanto foi imediatamente cancelada a chapa de experiência,
8. O que teve como consequência que aquando da aquisição pelo efectivo consumidor final, o mesmo efectuou o pedido e obteve a matricula do mês e ano do momento da aquisição e efectuou o registo do veículo com a data correspondente a Novembro de 2015, sendo que, como decorrência o veículo não tem, como devia, junto ao processo qualquer sinal registral ou administrativo de ter tido o alegado uso por parte do importador, ora recorrente.”
34. Improcede de igual modo o alegado no ponto 47.º da P.I. A recorrente é que pretende o melhor dos dois mundos, qual seja o de ter pago antecipadamente o valor do IVM, beneficiando das regras de redução de MOPS60.000 em Março, mantendo o veículo novo em face da virgindade em termos registrais e de matrícula na DSAT (a qual beneficiou da obtida conforme a numeração a data posterior à venda em Janeiro de 2016.
35. Como supra se disse o valor do IVM corrigido pela liquidação oficiosa respeita ao facto tributário real que foi a venda do veículo ao particular e não a simulada ou não concretizada aquisição para uso próprio da recorrente, tendo sido considerado, por razões de economia processual que beneficiam a recorrente que o valor seja pago pelo montante em falta, ou seja, pelo pagamento em falta ao imposto já anteriormente pago no montante de MOP$358,000.00 (trezentos e cinquenta e oito mil patacas), competia ainda liquidar a título de imposto a quantia de MOP$178,400.00, acrescida de MOP$12,867.00 a título de juros compensatórios.
36. Foi a recorrente que, com a sua actuação, em desconformidade com as normas legais imperativas, quer se considere uma simulação do alegado "uso próprio" quer tenha mudado de intenção supervenientemente, por o(s) veículo(s) afinal não terem sido necessários para o fim inicial pretendido, deu origem a necessidade de liquidação oficiosa.
37. Se a Administração Fiscal tivesse procedido, como parece defender a recorrente no ponto 53° e 54.°, anulando a primeira liquidação e procedendo a uma nova, teria dado o mesmo resultado em termos de valor porquanto o veículo foi vendido sem ter averbado qualquer registo de propriedade em favor da recorrente nem tão pouco tendo uma matrícula anterior a definitiva obtida após a venda ao particular em Janeiro de 2016.
38. Continua a recorrente sempre na sua tese olvidando que foi a própria quem, erroneamente, requereu a liquidação de Março de 2015, com base em factualidade e juridicidade falsos, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, de 30 de Março, foi publicado no Boletim Oficial no dia 8 de Abril, tendo entrado em vigor no dia seguinte.
39. Pelo que foram cumpridas todas as normas tributárias e muito se estranha que a recorrente venha agora contestar o aproveitamento processual da liquidação de Março de 2015, e dado que o sujeito passivo é sempre a própria recorrente, nos termos da norma de incidência pessoal do artigo 3.° do RIVM, simplesmente tendo-se constatado a venda ao particular sem se ter consolidado na ordem jurídica o registo do veículo para "uso próprio" prevalecendo assim a verdade material tributária, ou seja a alínea a).
40. Pugnar por um purismo tributário quando foi a mesma quem deu origem a desconformidade consubstancia uma ofensa à boa fé decorrente de um "venire contra factum proprium". A Administração Fiscal confia na declaração do contribuinte ... até ter prova em contrário, como foi o caso sub judice.
41. É um pouco como, metaforicamente a criança que apanhada a furtar o chupa chupa na mercearia vir pedir, em reconvenção, uma indemnização por ter tido uma dor de barriga...
42. Que teria ganho a recorrente com a anulação da primeira liquidação e a liquidação subsequente pelo valor devido a data da venda ao particular? Zero!
43. Outrossim sucederia, o que não se concede, se fosse acolhida a tese do pretenso uso próprio e venda do veículo usado ao particular.
44. Ora nem em sede de recurso hierárquico nem na petição inicial nos presentes autos a recorrente consegue arguir qualquer facto que obste ao entendimento supra mencionado bastamente em ambas as sedes, qual seja:
"Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM em Março de 2015, com base no alegado "uso próprio" do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de "chapa de Experiência" na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o "registo do veículo – 1º pedido" na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
45. A mesma factualidade, relativamente a outro veículo da recorrente, foi julgada recentemente - Cf Acordão do TSI, de 28 de Maio, p.p, processo n°27/2019 no qual o colectivo doutamente julgou improcedente o recurso porquanto:
"Ora, não é difícil perceber que enquanto a transmissão contemplada na alínea 1) do art.2º do RIVM é aleatória por natureza, a importação para uso próprio e a afectação para uso próprio dependem, predominantemente ou até exclusivamente, da vontade de importares ou de agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização referidos nas alíneas 2) e 3) do art.2º citado, por isso e nesta medida, as situações tipificadas nas alíneas 2) e 3) são controláveis pelos correspondentes sujeitos passivos.
Assim, e visto que as três modalidades da incidência real estabelecidas no mencionado art.2º correspondem aos momentos da exigibilidade diferentes (art.4° deste diploma legal), a prevenção e combate com evasão fiscal exigem imperativamente que o uso próprio tenha de ser real, efectivo e duradouro, não seja meramente ocasional e episódico, designadamente não possa ser manobra ou pretexto da fraude fiscal.
No vertente caso, sucede que a recorrente solicitou ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego que "作為贊助亞洲電影大奬於2015年3月25日接載嘉賓之用,現該活動已圓滿結束,所以特函貴局申請取消該試車牌,並願意繳付有關費用" (doc. de fls.34 do P.A. sublinha nossa.). Reconheceu ela, e bem, que o referido patrocínio tivera também em vista a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados (art.7° da petição inicial).
Sem embargo do merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que tal patrocínio não constitui nem equivale à afectação para uso próprio definida na alínea 3) do art.º 2.º do RIVM, portanto, é irrelevante para os efeitos consagrados na alínea 3) do art.4° deste RIVM. O que implica que o momento da exigibilidade do imposto recaiu em 12/11/2015 data da venda aludida no art.º16° da petição. E não existindo real afectação para uso próprio nem matrícula e registo efectivos até 12/11/2015 acima, os veículos utilizados tão-só para concretização do dito patrocínio não deixam de ser novos para efeitos do imposto sobre veículo motorizados.
Tudo isto impulsiona a inferir que a venda ocorrida em 12/11/2015 constitui a primeira disposição dos veículos para os efeitos consignados na alínea 3) do art. 4.º e no n.º3 do art.16.º do RIVM, pelo que ao caso sub judice se deve aplicar o Despacho n.º 59/2015 do Chefe do Executivo que entrou em vigor desde 09/04/2015 - dia seguinte à sua publicação, e revogou as Tabelas I e II anexas ao Despacho n.º 41/2012 do mesmo.
Sendo assim, e na medida em que a liquidação em 22/03/2015 pela recorrente se baseou na inexistente afectação para uso próprio e provocou prejuízo à RAEM, o director da DSF pode e deve proceder à liquidação oficiosa adicional dentro do prazo de cinco anos contado a partir da sobredita venda em 12111/2015 (arts.18°/1 e 19° do RIVM).
Nesta linha de raciocínio e tendo em conta que em 20/10/2016 o Sr. director da DSF proferiu o despacho que ordenou a liquidação oficiosa adicional (doc. de fls.1 a 3 do PA.), não podemos deixar de colher que a mesma liquidação oficiosa que viu confirmada e mantida pelo despacho ora em questão é por completo legal e legítimo, não infringindo nenhuma norma mencionada na conclusão 17) da petição."
...
"Em face do disposto nos art.ºs 2º e 4° do «Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados», não é tida como integrante em qualquer das situações previstas nas várias alíneas desse art.° 2º a afectação pelo importador, a título temporário e não translativo da propriedade, de veículos novos como forma do patrocínio em espécie no determinado evento, com vista à promoção da imagem da marca do veículos que comercializa e/ou do seu fabricante, nem o momento da tal afectação considerado o da exigibilidade do imposto a que se refere o citado art.° 4°."
46. Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 96 a 100):
Nos termos previstos na norma do artigo 69.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público emitir o parecer que segue:
1.
B Concessionários (Macau), Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico necessário oportunamente apresentado e manteve a liquidação oficiosa adicional de Imposto sobre Veículos Motorizados no montante de 178,400.00 patacas e de juros compensatórios no montante de 12,867.00 patacas efectuada pelo Director dos Serviços de Finanças.
2.
2.1
A questão que vem colocada no presente recurso é, em formulação sintética, a de saber se é legal a liquidação adicional e oficiosa de imposto sobre veículos motorizados (IVM) efectuada pela Administração fiscal.
De acordo com a Recorrente, tal liquidação é ilegal uma vez que já havia procedido à liquidação nos termos previstos nos artigos 2.º. alínea 3), 4.º, alínea 3) e 17.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM) aprovado pela Lei n.º 5/2002, no momento em que afectou o dito veículo ao seu uso próprio.
Como tal, prossegue a Recorrente, «não poderia a Administração Fiscal efectuar agora uma liquidação oficiosa que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, qual seja a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do mesmo Regulamento» (artigo 31.º da petição inicial do recurso contencioso).
A nosso ver, pelos fundamentos que de seguida enunciaremos, a Recorrente tem razão.
2.2.
De acordo com o artigo 2.º do RIVM, «o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
(…)
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores».
Por outro lado, nos termos da norma do artigo 4.º do mesmo Regulamento, «o imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
(…)
3). No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
(…)».
No caso, a Recorrente alegou que em virtude do apoio que concedeu à 9.ª edição dos «Asian Film Awards» se viu obrigada a matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os ao uso próprio e que, por via dessa afectação, procedeu à liquidação do respectivo IVM dado que, como resulta do artigo 21.º, n.º 2 do RIVM, nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou beneficia de isenção.
A Administração fiscal efectou a liquidação oficiosa (adicional) aqui impugnada porque considerou que, quando a Recorrente procedeu à venda do veículo automóvel aqui em causa a um terceiro estava obrigada a proceder à liquidação do IVM, dado que essa transmissão estava sujeita a imposto nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, por se tratar de um veículo que estava como novo.
Todavia, com todo o respeito pela opinião contrária, nomeadamente, a que foi acolhida no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 27/2019 e, mais recentemente, no processo n.º 401/2020, parece-nos que, ao actuar desta forma, a administração fiscal incorreu em evidente violação de lei.
Procuraremos demonstrar.
(i)
Em primeiro lugar, porque ao liquidar imposto pela transmissão do veículo automóvel ao terceiro nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, a Administração fiscal desconsiderou a anterior afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente ou, mais rigorosamente, a anterior declaração de afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente e com base na qual foi efectuada a primeira liquidação de imposto.
No entanto, a legalidade da desconsideração dessa declaração por parte da Administração fiscal com a consequente liquidação oficiosa com base noutro facto tributário, estava dependente da prova de que a Recorrente não efectuou tal afectação ao uso próprio e de que, por isso, a declaração em causa não deveria ter originado a liquidação de imposto por consubstanciar uma operação de planeamento fiscal abusivo e por isso ineficaz a qualquer título.
Ora, constitui entendimento pacífico o de que o ónus dessa prova dos factos constitutivos do direito de liquidar oficiosamente o IVM ou, dito de outra forma, dos factos integradores dos pressupostos dessa actuação agressiva da Administração recai sobre esta.
Acontece que a Administração fiscal não fez qualquer prova, nem em sede do procedimento tributário que culminou com a prática do acto agora impugnado, nem em sede contenciosa, de factos que pudessem justificar a desconsideração da afectação do veículo ao uso próprio que foi declarada pela Recorrente e com base na qual esta liquidou o imposto.
É certo que a Recorrente, depois de obter a matrícula provisória não obteve a matrícula definitiva nem registou a aquisição na Conservatória competente. No entanto, daí não resulta que não tenha sido sua intenção afectar o veículo ao uso próprio, como, infundadamente, concluiu a Administração fiscal e, sobretudo, não significa que não o tenha utilizado enquanto tal. O que sucedeu foi que, face à efémera utilização do veículo no âmbito da 9.ª edição dos «Asian Film Awards», não se justificaria, na perspectiva da Recorrente, desenvolver outras formalidades, nomeadamente registrais, tendo por objecto tal veículo, uma vez que o mesmo se destinava a ficar armazenado para, no futuro, ser vendido a terceiros.
Com todo o respeito, não vemos que a lei exija que a afectação ao uso próprio seja duradoura ou permanente como se diz na fundamentação do acto recorrido. Apenas exige, a nosso ver, que ela seja efectiva como no caso foi.
Diremos, portanto, que o facto de o automóvel ter sido usado no âmbito do «Asian Film Awards» retirou-lhe a característica de «veículo novo», afastando a tributação à luz da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM.
Também não se vislumbra que a lei determine em alguma norma que o registo seja condição necessária para se considerar que existiu afectação a uso próprio.
De resto, do ponto de vista do combate à fraude e à evasão fiscal, não vemos que diferença faz entre tributar a afectação ao uso próprio e tributar a transmissão de um veículo novo a um consumidor, na medida em que o imposto a pagar numa e noutra situação é exactamente o mesmo.
Mais. Parece-nos que a tributação da afectação do uso próprio foi legalmente prevista para, justamente impedir situações de evasão fiscal.
O que no caso aconteceu foi que, a diferença que se verificou no montante do imposto liquidado decorreu, não do facto de a Recorrente ter afectado o veículo ao uso próprio, mas de uma circunstância aleatória e conjuntural que foi a da alteração do quadro legal. Se essa alteração não tivesse ocorrido antes da transmissão do veículo a terceiro, não haveria qualquer diferença na tributação, o que só por si demonstra a falta de fundamento para enquadrar esta situação na norma do artigo 18.º do RIVM, nos termos da qual a liquidação oficiosa depende da verificação da falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau.
Diz a Entidade Recorrida que, no caso, terá havido uma «inadmissível tentativa de fraude à lei fiscal». No entanto, não cuida de demonstrar em que é consistiu essa fraude nem como é que a Recorrente sabia ou podia estar certa de que iria haver uma alteração da tabela das taxas do IVM e que essa alteração ia ser no sentido agravador das taxas, sendo que tal conhecimento era essencial para o êxito da dita operação de planeamento fiscal fraudulento, uma vez que se essa alteração não ocorresse o imposto a pagar no momento da transmissão do veículo ao consumidor final seria exactamente o mesmo. Em regra, as operações de planeamento fiscal fazem-se tendo em atenção o quadro legal existente num determinado momento.
Finalmente, é incontornável que, face ao disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a matrícula provisória, indispensável à circulação do veículo, dependia do pagamento do imposto, pelo que este não podia deixar de ser liquidado e pago pela Recorrente como efectivamente foi e não se vê de que outra forma isso pudesse ser feito senão através da sua afectação ao uso próprio.
Não cremos, portanto, que a Administração fiscal tenha logrado demonstrar os pressupostos da liquidação oficiosa de IVM que efectuou e era sobre a Administração e não sobre o particular que recaía tal ónus.
(ii)
Além disso, a Administração fiscal, apesar de considerar que a Recorrente não terá provado a alegada afectação o veículo ao seu uso pessoal e que, portanto, não se verificava o facto tributário tipificado na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ainda assim não deixou de manter essa liquidação e de efectuar uma liquidação oficiosa que tem natureza adicional. Fê-lo, todavia, com base num facto tributário diverso daquele que justificou a primeira liquidação: já não a afectação do veículo ao uso próprio, mas antes a transmissão para o consumidor de um veículo motorizado, não obstante a anterior matrícula provisória.
Como facilmente se compreende, isto não pode ser.
Na lição de ALBERTO PINHEIRO XAVIER, o acto tributário adicional «é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida» (cfr. do Autor citado, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pp. 127-128).
Isso mesmo é o que resulta do artigo 18.º do RIVM, nos termos do qual «o director dos Serviços de Finanças promove oficiosamente a liquidação sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau».
Como se vê, portanto, o acto de liquidação adicional é determinado em razão da verificação de uma omissão de que resultou a fixação de um quantitativo de imposto inferior ao devido. No entanto, quando está em causa um imposto de obrigação única, como é o caso IVM, o facto tributário que subjaz ao acto de liquidação adicional não difere do que justificou a prática do acto tributário primitivo. Se for outro, a liquidação já não será adicional: ela não será um plus, mas, antes, um aliud.
Porém, no caso, a Administração fiscal não constatou qualquer omissão ou erro no primeiro acto de liquidação e, portanto, não estava legitimada a actuar ao abrigo da norma do artigo 18.º do Regulamento. Entendeu, diferentemente, que o facto tributário subjacente à liquidação efectuada pela Recorrente não se verificou. Ora, se o facto tributário se não verificou, a consequência a extrair pela Administração fiscal só poderia ser a da anulação da referida liquidação com a consequente efectivação de uma nova liquidação tendo por base um outro facto tributário, no caso, a transmissão do veículo ao consumidor final. O que não podia era manter a liquidação anterior e efectuar, oficiosamente uma liquidação adicional com base num facto tributário diverso.
Ao contrário daquilo que a Entidade Recorrida parece sustentar na sua alegação facultativa, não se trata de «purismo tributário» (seja isso o que for…) mas da estrita observância da lei.
Do ponto de vista jurídico não é inócuo falar-se de uma liquidação adicional ou de uma liquidação que não é adicional. Com efeito, uma de duas: ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM (afectação do veículo a uso próprio) ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM (transmissão do veículo novo a um consumidor final). Não podem ter ocorrido os dois factos tributários; eles excluem-se mutuamente. Se o veículo foi afectado a uso próprio do comerciante, a subsequente transmissão a um terceiro deixa de constituir um facto tributário.
Portanto, se a Administração fiscal manteve a primeira liquidação é porque considerou que ocorreu o facto tributário que a justificou e se assim é, parece-nos evidente que não pode efectuar uma liquidação adicional da qual resulte a aplicação a esse facto tributário ocorrido em Março de 2015 não só da nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, publicado em 8 de Abril de 2015 e que entrou em vigor no dia seguinte, como também da nova tabela de taxas do IVM introduzida pela Lei n.º 14/2015, em vigor desde 24 de Dezembro de 2015, dessa forma eliminando, retroactiva e, por isso, ilegalmente, o benefício fiscal resultante do n.º 3 do artigo 16.º do RIVM que havia sido considerado na primeira liquidação e bem assim aplicando à matéria colectável uma taxa que não vigorava no momento em que o imposto se tornou exigível.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Pela Entidade Recorrida foi proferida a seguinte decisão, ora posta em crise, que contem os factos relevantes para a análise do caso:
Assunto: Notificação do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 29/06/20.
Por referência ao Recurso Hierárquico Necessário apresentado por V.Exª., relativo ao Imposto sobre Veículos Motorizados - (M/6 2016/09/800066/7), cumpre-me notifica-lo, nos termos dos artigos 68° e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 29 de Junho de 2020, exarado na Proposta n° 017/NAJ/MG/2020, de 29 de Maio, consistindo o seu teor no seguinte:
根據建議書的分析,同意局長的意見,並行使第181/2019號行政命令授予的權限,駁回本必要訴願。
經濟財政司司長
XXX
2020年6月29日
Da proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
"B CONCESSIONÁRIOS (MACAU), LIMITADA, contribuinte n.º ********, com sede em Macau, na Rua ......, n.º ...-..., ..., notificada da resposta à reclamação apresentada contra a liquidação oficiosa do Imposto sobre Veículos Motorizados efectuada na sequência da recepção da Guia n.º 2016-09-908186-5-0 apresentou recurso hierárquico necessário.
Alega a recorrente que:
"1.º Nos termos da notificação n.º 2016/09/800066/7, de 11 de Novembro de 2016, foi dado conhecimento à ora Recorrente da liquidação oficiosa determinada por despacho do Exmo. senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.° 0734/NVT/DOI/RFM/2016, ao abrigo do artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados ("RIVM'').
2.° Segundo a referida notificação, tal liquidação oficiosa ficou a dever-se a omissões ou erros, dos quais resultou prejuízo para a RAEM, sendo que ao imposto já anteriormente pago no montante de MOP$358,000.00 (trezentos e cinquenta e oito mil patacas), competia ainda liquidar a título de imposto a quantia de MOP$178,4.00, acrescida de MOP$12,867.00 a título de juros compensatórios.
3° Na sequência dessa notificação, a ora Recorrente apresentou uma reclamação no dia 1 de Dezembro de 2016, a qual depois veio a ser complementada e esclarecida nos termos do artigo 78° do código do procedimento administrativo (CPA) no dia 16 de Janeiro de 2017.
4° A Reclamação apresentada veio a ser indeferida conforme se pode constatar do ofício n.° 2820/NVT/DOI/RFM/2018, de 3 de Dezembro de 2018
5.º Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal decisão padece de vícios de facto e de direito que implicam a invalidade do acto ora impugnado.
Senão vejamos,
II - DOS VÍCIOS DE FACTO E DE DIREITO
6.° Em primeiro lugar, importa referir que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados ("IVM'') ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.° do RIVM
7.° Com efeito, no dia 25 de Março de 2015 teve lugar em Macau a 9ª edição dos "Asian Film Awards", sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da B, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados.
8.° Uma vez que o número de carros registados em nome da Recorrente não era suficiente para as necessidades do evento, foi necessário matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os assim para uso próprio, nos termos acima explicitados em apoio à 9.ª edição dos "Asian Film Awards".
9.° Como "Nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou que beneficia de isenção." (artigo 21.º n.º 2, do RIVM), a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido, corno se disse, nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM
10.º Daqui resulta que o facto tributário, isto é, a situação de facto concreta prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados.
11.º Situação que não mereceu qualquer censura ou oposição por parte da Administração Fiscal, que procedeu à respectiva cobrança junto da Recorrente, com base no preço fiscal de MOP$760,000.00
12.º Importa ainda mencionar que a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
13.º Razão pela qual foi cobrado a titulo de IVM, o montante total de MOP$358,000.
14.º Na sequência do pagamento do IVM nos termos acima descritos, veio o veículo em causa a ser utilizado no âmbito da 9.ª edição dos ''Asian Film Awards", após o que foi cancelada a respectiva matrícula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
15.º Entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015.
16.º E em momento que a reclamante não sabe precisar, o preço fiscal fixado para o veículo motorizado em apreço passou de MOP$760,000.00 para MOP$745,000.00.
17.º E no dia 24 de Dezembro de 2015 entraram em vigor as alterações ao RIVM promovidas pela Lei n.º 14/2015, entre as quais uma nova tabela de taxas de imposto (artigo 3.º e anexo da Lei n.º14/2015).
18.º Posteriormente, no dia 28 de Janeiro de 2016 a recorrente vendeu aquele automóvel a terceiro.
19.º A coberto dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa, por omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para um terceiro estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM
20.º Ora, com a nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015), o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.º, n.º 3, do RIVM.
21.º Pelo que, segundo a Administração Fiscal, haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o montante resultante da redução das taxas de IVM.
22.º O que acrescido ao novo Preço Fiscal do veículo em causa e às alterações ao RIVM constantes da Lei n. º14/2015, que entrou em vigor no dia 23 de Dezembro de 2015 (isto é, depois do pagamento do ivm pela Recorrente em 22 de Março de 2015, provoca um agravamento em MOP$178,400.00 no montante total de IVM
23.º Ao fim e ao cabo, a Direcção dos Serviços de Finanças, arbitrariamente, passou a considerar como facto tributário a transmissão para um terceiro, socorrendo-se para tanto da alínea 1) do artigo 2.º do IVM e, uma vez que essa transmissão ocorreu não só depois da entrada em vigor da nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes mas também após a Lei n.º 14/2015 que provocou um agravamento do IVM devido, razões pelas quais o imposto anteriormente pago (ao abrigo de um outro facto tributário!) não só não poderia gozar de uma redução nos termos do artigo 16.º, n.º 3, do RIVM como devia ainda ser agravado ao abrigo da nova tabela das taxas de IVM!
24.º Como é bom de ver, tal interpretação efectuada pela Direcção dos Serviços de Finanças não tem base legal, o que se diz sem prejuízo de melhor opinião.
25.º Desde logo, porque o veículo já havia sido afectado para uso próprio da Recorrente, tendo por isso pago o competente IVM, não sendo por isso um veículo motorizado novo conforme exige a norma de incidência real prevista na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, mas antes um veículo usado.
26.º Até porque não se oferecem quaisquer dúvidas quanto à natureza mutuamente excludente das diversas alíneas do artigo 2.º do RIVM, já que um veículo motorizado só pode ser novo por uma única vez.
27.º Donde se retira que a transmissão efectuada pela Recorrente para um terceiro, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim a liquidação adicional oficiosa em erro nos pressupostos de facto e de direito.
28.º Mais relevante ainda, o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
29.º Não poderia, pois, a Administração Fiscal efectuar agora urna liquidação oficiosa que se pretende adicional com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), qual seja, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1 do artigo 2.º do RIVM!
30.º Desse modo retirando, a posteriori, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
31.º E agravando ainda o montante total de IVM ao abrigo da nova tabela de taxas de IVM constante da Lei n.º 14/2015, que só entrou em vigor no dia 24 de Dezembro de 2015, muito depois do facto tributário em que assentou a liquidação de 22 de Março de 2015!
32.º Como é evidente, pelo princípio "tempus regit actum" impede a Direcção dos Serviços de Finanças efectue uma liquidação pretensamente adicional (por supostos erros ou omissões) que, na verdade, mais não traduz do que a exclusão de um beneficio fiscal em virtude de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo despacho do chefe do executivo nº59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015, e num agravamento do IVM ao abrigo da nova tabela de Taxas de IVM aprovada pela Lei n.º 14/2015, que entrou em vigor no dia 24 de Dezembro de 2015.
33.º Situação com a qual a recorrente não poderia razoavelmente contar em 22 de Março do mesmo ano!
34.º Por outro lado, é também claro e inegável que não há quaisquer erros ou omissões se, no momento inicial da liquidação, a Recorrente gozava de um benefício fiscal que deixaria de usufruir de acordo com regras em vigor em momento posterior.
35.º Tão pouco existindo quaisquer erros ou omissões se o agravamento do IVM se deve a uma alteração legislativa que ocorreu muito posteriormente à liquidação inicial!
36.º Pelo que o artigo 18.º do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso pela Direcção dos Serviços de Finanças, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada.
37.º E não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM
38.º Acresce que são ainda contabilizados pela Autoridade Tributária juros compensatórios no total de MOP$12,867.00.
39.º Ainda que fosse de entender que a Administração Fiscal pode, arbitrariamente, alterar o facto tributário relevante no âmbito de uma liquidação adicional (!), o que só por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que a lei já não permitiria liquidar juros compensatórios neste tipo de situações.
40.º Com efeito, diz o artigo 20.º, n.º 1, do RIVM que "sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação do imposto devido a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.".
41.º No presente caso, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, pelo que o imposto foi devidamente cobrado.
42.º Sucede que apenas posteriormente, por alteração dos pressupostos de facto, de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, veio a ser efectuada uma liquidação oficiosa (alegadamente) adicional nos termos descritos acima.
43.º Não se compreendendo em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM
44.º Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.º do RIVM
45.º Em suma, a liquidação oficiosa "adicional" padece de erros nos pressupostos de facto e de lei que conduzem à sua anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, designadamente porque a coberto de uma pretensa liquidação adicional oficiosa, a Administração Fiscal vem, efectivamente, realizar uma nova liquidação com base num suposto facto tributário que só teria ocorrido já depois da devida liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, passando a considerar de forma completamente arbitrária que o carro nunca foi vendido, quando a lei prevê no n.º 1 do artigo 1.º do RIVM outros factos tributários além da transmissão para os consumidores de veículo novo!
46.º Nunca explicando a DSF em que termos é que uma liquidação adicional (à liquidação efectuada em Março de 2015) pode ter na sua base factos que ocorreram posteriormente à liquidação, isto é, a entrada em vigor de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes em 9 de Abril de 2015 (Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015) e também um agravamento das taxas de IVM que entrou em vigor no dia 24 de Dezembro de 2015!
47.º Donde se retira que a DSF omite o princípio "tempus regit actum" e efectua liquidações "adicionais" com base em elementos que não existiam à data da prática do acto de liquidação, razão pela qual também o acto em apreço sofre do vício de violação de lei, pelo que deverá ser revogado.
Confrontando o alegado pela recorrente com a factualidade que a mesma ofereceu aos autos e o respectivo enquadramento legal:
1. O Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados, doravante RIVM, aprovado pela lei n.º 5/2002 consagrou uma regra de incidência real, no artigo 2.º, que dispõe que o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
2) As importações de veículos motorizados novos para uso próprio do importador;
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores.
2. E a norma de incidência pessoal prevista no artigo 3º determina que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que:
1) Transmitam veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado;
2) Procedam à importação de veículos motorizados novos para uso próprio;
3) Procedam às afectações para uso próprio referidas na alínea 3) do artigo 2.º;
3. Finalmente no que concerne ao momento da exigibilidade do imposto o artigo 4º dispõe que o imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
2) Na data da notificação, pela Direcção dos Serviços de Economia, da emissão da licença de importação, nos casos de importação para uso próprio;
3) No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
4. Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM, com base no alegado "uso próprio" do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
5. Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de "chapa de Experiência" na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o "registo do veículo – 1º pedido" na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
6. Ora não tendo logrado nem em sede de reclamação, nem em sede do presente recurso hierárquico juntar a documentação comprovativa dos actos necessários a prova dos actos supra mencionados, a qual lhe competia demonstrar, considera a administração fiscal que não ficou demonstrado o alegado.
7. Em conformidade com o que antecede, que é reforçado com os indícios de que o uso foi, no limite, meramente circunstancial, do lote de 25 veículos, no qual se incluí o que respeita ao acto ora recorrido, porquanto foi imediatamente cancelada a chapa de experiência,
8. O que teve como consequência que aquando da aquisição pelo efectivo consumidor final, o mesmo efectuou o pedido e obteve a matricula do mês e ano do momento da aquisição e efectuou o registo do veículo com a data posterior ao momento da aquisição pelo terceiro, sendo que, como decorrência o veículo não tem, como devia, junto ao processo qualquer sinal registrai ou administrativo de ter tido o alegado uso por parte do importador, ora recorrente.
9. Tendo sido, como reconhece e é publico, publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º59/2015, em 8/4/2015, que Alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012 (que por sua vez Aprovou as «Normas Ecológicas de Emissão de Gases Poluentes por Automóveis Ligeiros Novos»), o mesmo entrou em vigor no dia 9 de Abril.
10. Por último, e em conformidade com o que antecede foi efectuada a liquidação oficiosa (adicional) ao abrigo do disposto no artigo 18º do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$178,400.00, acrescido de MOP$12,867.00 a título de juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 20.º do mesmo diploma. Isto em decorrências das normas ecológicas em vigor a 12 de Novembro de 2015 - porquanto, nos termos do disposto nos artigos 2,º 1) e 4.º 1) após ter chegado ao conhecimento da Administração Fiscal a noticia da venda do veículo ao consumidor final sem que a recorrente tivesse promovido o registo e matrícula do veículo em stock, não se verificando a consubstanciação da aquisição para um uso próprio permanente, não sendo de considerar a mera alegação do uso meramente circunstancial para a "promoção e publicidade" como bastante, deveria a recorrente ter promovido na data da venda ao terceiro a liquidação adicional segundo as normas em vigor nessa data. De referir que foi feito o acerto relativo a alteração do preço fiscal correspondente ao veículo que, entretanto, tinha diminuído.
結論 Conclusões
1. 進口新機動車輛供自用或將新機動車輛撥作自用,又或在澳門特區將新機動車輛移轉予消費者時,須徵收機動車輛稅;納稅主體是指從事將新機動車輛出售予消費者的人,不論移轉是否屬其從事的業務範圍,抑或只屬一次性之行為、還有是進口新機動車輛供自用或將新機動車輛撥作自用的人。
O imposto sobre veículos motorizados incide sobre as importações ou afectações para uso próprio de veículos motorizados novos ou sobre as transmissões para os consumidores de veículos motorizados novos efectuadas na RAEM, sendo sujeitos passivos as pessoas que exerçam a actividade de venda de veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado, e os que procedem à importação ou afectação de uso próprio de veículos motorizados novos.
2. 上訴人申辯已根據《機動車輛稅規章》第二條(三)項有關課徵對象的規定,於2015年3月22日結算機動車輛稅。
A Recorrente alega que, no dia 22 de Março de 2015, liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados ("IVM'') ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM
3. 由於該新車輛於《機動車輛稅規章》第十七條所指的“自行結算”之日符合第41/2012號行政長官批示所訂定的環保排放標準,因此,上訴人受惠扣減法定上限為澳門幣60.000.00元(澳門幣陸萬元)的機動車輛稅。
A Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria, na data da "auto liquidação" prevista no artigo 17.º do RIVM, com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
4. 於繳納機動車輛稅後,上訴人申辯有關車輛是用作“第九屆亞洲電影大獎”,隨後取消相關臨時車牌,並將使用過的車輛存於倉庫內。
Na sequência do pagamento do IVM alega que o veículo em causa foi utilizado no âmbito da 9.ª edição dos ''Asian Film Awards'', após o que foi cancelada a respectiva matrícula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
5. 取消臨時車牌後,上訴人沒有遵守述及的“供進口商自用之新車輛之進口”的法定要件:為取得車輛使用牌照而進行的車輛登記3及根據第49/93/M號法令6第五條第二款的規定於三十日內5以上訴人的名義進行後續登記4。
Ao ter cancelado a matrícula provisória não cumpriu os requisitos legais decorrentes da alegada "importação de veículos novos para uso próprio do importador", a saber o registo do veículo para obtenção de matrícula e subsequente registo em favor da recorrente no prazo de 30 dias nos termos do disposto no nº2 do artigo 5° do Decreto-Lei n.° 49/93/M.
6. 為此,有關申辯不應獲考慮,因為在檔案中沒有足夠證明,又因為已取消車牌/試車牌申請以及沒有作出登記,其後有關車輛在法律範疇中等同新車獲得首個車牌;而車輛售予第三人後,其人取得首個車牌,其後在商業及動產登記局取得車輛所有權的首次登記。
Pelo que não pode ser considerado, por não ter sido feita prova bastante no processo, o alegado, até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/Chapa de experiência e omissão de registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido primeira matrícula em data posterior, na sequência da venda, posteriormente, a um terceiro que obteve a primeira matrícula e subsequentemente obteve o primeiro registo da propriedade do veículo na conservatória do registo comercial e de bens móveis da RAEM
7. 2015年4月8日公佈的第59/2015號行政長官批示,修改了第41/20127號行政長官批示的附件表一和表二,新批示於2015年04月09日生效。稅務當局根據《機動車輛稅規章》第十八條規定,按上述附表對上訴的納稅人應繳納的欠款澳門幣178,400.00元,依職權作出附加結算,並根據同一法規第二十條規定,加上補償性利息澳門幣12,867.00元。
Tendo entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, sido publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.° 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.° 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015, tendo sido promovida pela Administração fiscal a liquidação oficiosa, adicional, efectuada em conformidade com a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 18° do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$178,400.00, acrescido de MOP$12,867.00 a título de juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 20.° do mesmo diploma.
從詳細解釋中可見,依職權結算的行政行為的有效性是毫無疑問的,因為具有《機動車輛稅規章》第一條、第二條、第四條、第十六條、第十七條、第十八條和第二十條所規定的事實和法律前提,而這些前提賦予課稅行為的依職權複評的理由,決定修正計稅基礎,並根據16/84/M號法令第二條的規定,有關公司已獲適當通知。
De tudo o quanto se explanou, não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa, uma vez que, estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos nos artigos 1º, 2º, 4º, 16º, 17º, 18° e 20.º do RIVM, que motivam a revisão oficiosa do acto tributário e determinam a correcção da matéria colectável, tendo a Sociedade sido notificada correctamente e nos termos do artigo 2º, do DL n.° 16/84/M.
綜上所述,這份必要訴願理由不成立,為此,謹建議 閣下否決這份訴願。
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V Ex.ª que seja negado o provimento ao mesmo.
倘上級認同,這就是我們的意見,除另有卓見。
Caso superiormente assim se entenda, este é, salvo melhor, nosso parecer. "
Pelas razões expostas, o senhor Secretário para a Economia e Finanças, no uso das competências delegadas pelo senhor Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 181/2019, exarou o despacho de concordância com a proposta e negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto.
Mais se comunica a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e no artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Apresento os meus cumprimentos,
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 3 de Julho de 2020.
* * *
Este recurso consiste em resolver a questão de saber se a afectação pelo importador, a título temporário e não translativo da propriedade, de veículos novos como forma do patrocínio em espécie no determinado evento, com vista à promoção da imagem da marca dos veículos que comercializa e/ou do seu fabricante, está sujeita ou não ao pagamento de imposto do veículo automóvel, através da liquidação oficiosa.
Ou seja, é legal ou não a liquidação adicional e oficiosa de imposto sobre veículos motorizados (IVM) efectuada pela Administração fiscal.
A este propósito, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI emitiu o seguinte douto parecer:
“1.
B Concessionários (Macau), Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico necessário oportunamente apresentado e manteve a liquidação oficiosa adicional de Imposto sobre Veículos Motorizados no montante de 178,400.00 patacas e de juros compensatórios no montante de 12,867.00 patacas efectuada pelo Director dos Serviços de Finanças.
2.
2.1
A questão que vem colocada no presente recurso é, em formulação sintética, a de saber se é legal a liquidação adicional e oficiosa de imposto sobre veículos motorizados (IVM) efectuada pela Administração fiscal.
De acordo com a Recorrente, tal liquidação é ilegal uma vez que já havia procedido à liquidação nos termos previstos nos artigos 2.º. alínea 3), 4.º, alínea 3) e 17.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM) aprovado pela Lei n.º 5/2002, no momento em que afectou o dito veículo ao seu uso próprio.
Como tal, prossegue a Recorrente, «não poderia a Administração Fiscal efectuar agora uma liquidação oficiosa que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, qual seja a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do mesmo Regulamento» (artigo 31.º da petição inicial do recurso contencioso).
A nosso ver, pelos fundamentos que de seguida enunciaremos, a Recorrente tem razão.
2.2.
De acordo com o artigo 2.º do RIVM, «o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
(…)
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores».
Por outro lado, nos termos da norma do artigo 4.º do mesmo Regulamento, «o imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
(…)
3). No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
(…)».
No caso, a Recorrente alegou que em virtude do apoio que concedeu à 9.ª edição dos «Asian Film Awards» se viu obrigada a matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os ao uso próprio e que, por via dessa afectação, procedeu à liquidação do respectivo IVM dado que, como resulta do artigo 21.º, n.º 2 do RIVM, nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou beneficia de isenção.
A Administração fiscal efectou a liquidação oficiosa (adicional) aqui impugnada porque considerou que, quando a Recorrente procedeu à venda do veículo automóvel aqui em causa a um terceiro estava obrigada a proceder à liquidação do IVM, dado que essa transmissão estava sujeita a imposto nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, por se tratar de um veículo que estava como novo.
Todavia, com todo o respeito pela opinião contrária, nomeadamente, a que foi acolhida no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 27/2019 e, mais recentemente, no processo n.º 401/2020, parece-nos que, ao actuar desta forma, a administração fiscal incorreu em evidente violação de lei.
Procuraremos demonstrar.
(i)
Em primeiro lugar, porque ao liquidar imposto pela transmissão do veículo automóvel ao terceiro nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, a Administração fiscal desconsiderou a anterior afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente ou, mais rigorosamente, a anterior declaração de afectação ao uso próprio que foi feita pela Recorrente e com base na qual foi efectuada a primeira liquidação de imposto.
No entanto, a legalidade da desconsideração dessa declaração por parte da Administração fiscal com a consequente liquidação oficiosa com base noutro facto tributário, estava dependente da prova de que a Recorrente não efectuou tal afectação ao uso próprio e de que, por isso, a declaração em causa não deveria ter originado a liquidação de imposto por consubstanciar uma operação de planeamento fiscal abusivo e por isso ineficaz a qualquer título.
Ora, constitui entendimento pacífico o de que o ónus dessa prova dos factos constitutivos do direito de liquidar oficiosamente o IVM ou, dito de outra forma, dos factos integradores dos pressupostos dessa actuação agressiva da Administração recai sobre esta.
Acontece que a Administração fiscal não fez qualquer prova, nem em sede do procedimento tributário que culminou com a prática do acto agora impugnado, nem em sede contenciosa, de factos que pudessem justificar a desconsideração da afectação do veículo ao uso próprio que foi declarada pela Recorrente e com base na qual esta liquidou o imposto.
É certo que a Recorrente, depois de obter a matrícula provisória não obteve a matrícula definitiva nem registou a aquisição na Conservatória competente. No entanto, daí não resulta que não tenha sido sua intenção afectar o veículo ao uso próprio, como, infundadamente, concluiu a Administração fiscal e, sobretudo, não significa que não o tenha utilizado enquanto tal. O que sucedeu foi que, face à efémera utilização do veículo no âmbito da 9.ª edição dos «Asian Film Awards», não se justificaria, na perspectiva da Recorrente, desenvolver outras formalidades, nomeadamente registrais, tendo por objecto tal veículo, uma vez que o mesmo se destinava a ficar armazenado para, no futuro, ser vendido a terceiros.
Com todo o respeito, não vemos que a lei exija que a afectação ao uso próprio seja duradoura ou permanente como se diz na fundamentação do acto recorrido. Apenas exige, a nosso ver, que ela seja efectiva como no caso foi.
Diremos, portanto, que o facto de o automóvel ter sido usado no âmbito do «Asian Film Awards» retirou-lhe a característica de «veículo novo», afastando a tributação à luz da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM.
Também não se vislumbra que a lei determine em alguma norma que o registo seja condição necessária para se considerar que existiu afectação a uso próprio.
De resto, do ponto de vista do combate à fraude e à evasão fiscal, não vemos que diferença faz entre tributar a afectação ao uso próprio e tributar a transmissão de um veículo novo a um consumidor, na medida em que o imposto a pagar numa e noutra situação é exactamente o mesmo.
Mais. Parece-nos que a tributação da afectação do uso próprio foi legalmente prevista para, justamente impedir situações de evasão fiscal.
O que no caso aconteceu foi que, a diferença que se verificou no montante do imposto liquidado decorreu, não do facto de a Recorrente ter afectado o veículo ao uso próprio, mas de uma circunstância aleatória e conjuntural que foi a da alteração do quadro legal. Se essa alteração não tivesse ocorrido antes da transmissão do veículo a terceiro, não haveria qualquer diferença na tributação, o que só por si demonstra a falta de fundamento para enquadrar esta situação na norma do artigo 18.º do RIVM, nos termos da qual a liquidação oficiosa depende da verificação da falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau.
Diz a Entidade Recorrida que, no caso, terá havido uma «inadmissível tentativa de fraude à lei fiscal». No entanto, não cuida de demonstrar em que é consistiu essa fraude nem como é que a Recorrente sabia ou podia estar certa de que iria haver uma alteração da tabela das taxas do IVM e que essa alteração ia ser no sentido agravador das taxas, sendo que tal conhecimento era essencial para o êxito da dita operação de planeamento fiscal fraudulento, uma vez que se essa alteração não ocorresse o imposto a pagar no momento da transmissão do veículo ao consumidor final seria exactamente o mesmo. Em regra, as operações de planeamento fiscal fazem-se tendo em atenção o quadro legal existente num determinado momento.
Finalmente, é incontornável que, face ao disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a matrícula provisória, indispensável à circulação do veículo, dependia do pagamento do imposto, pelo que este não podia deixar de ser liquidado e pago pela Recorrente como efectivamente foi e não se vê de que outra forma isso pudesse ser feito senão através da sua afectação ao uso próprio.
Não cremos, portanto, que a Administração fiscal tenha logrado demonstrar os pressupostos da liquidação oficiosa de IVM que efectuou e era sobre a Administração e não sobre o particular que recaía tal ónus.
(ii)
Além disso, a Administração fiscal, apesar de considerar que a Recorrente não terá provado a alegada afectação o veículo ao seu uso pessoal e que, portanto, não se verificava o facto tributário tipificado na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ainda assim não deixou de manter essa liquidação e de efectuar uma liquidação oficiosa que tem natureza adicional. Fê-lo, todavia, com base num facto tributário diverso daquele que justificou a primeira liquidação: já não a afectação do veículo ao uso próprio, mas antes a transmissão para o consumidor de um veículo motorizado, não obstante a anterior matrícula provisória.
Como facilmente se compreende, isto não pode ser.
Na lição de ALBERTO PINHEIRO XAVIER, o acto tributário adicional «é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida» (cfr. do Autor citado, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pp. 127-128).
Isso mesmo é o que resulta do artigo 18.º do RIVM, nos termos do qual «o director dos Serviços de Finanças promove oficiosamente a liquidação sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau».
Como se vê, portanto, o acto de liquidação adicional é determinado em razão da verificação de uma omissão de que resultou a fixação de um quantitativo de imposto inferior ao devido. No entanto, quando está em causa um imposto de obrigação única, como é o caso IVM, o facto tributário que subjaz ao acto de liquidação adicional não difere do que justificou a prática do acto tributário primitivo. Se for outro, a liquidação já não será adicional: ela não será um plus, mas, antes, um aliud.
Porém, no caso, a Administração fiscal não constatou qualquer omissão ou erro no primeiro acto de liquidação e, portanto, não estava legitimada a actuar ao abrigo da norma do artigo 18.º do Regulamento. Entendeu, diferentemente, que o facto tributário subjacente à liquidação efectuada pela Recorrente não se verificou. Ora, se o facto tributário se não verificou, a consequência a extrair pela Administração fiscal só poderia ser a da anulação da referida liquidação com a consequente efectivação de uma nova liquidação tendo por base um outro facto tributário, no caso, a transmissão do veículo ao consumidor final. O que não podia era manter a liquidação anterior e efectuar, oficiosamente uma liquidação adicional com base num facto tributário diverso.
Ao contrário daquilo que a Entidade Recorrida parece sustentar na sua alegação facultativa, não se trata de «purismo tributário» (seja isso o que for…) mas da estrita observância da lei.
Do ponto de vista jurídico não é inócuo falar-se de uma liquidação adicional ou de uma liquidação que não é adicional. Com efeito, uma de duas: ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM (afectação do veículo a uso próprio) ou ocorreu o facto tributário integrador da previsão legal da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM (transmissão do veículo novo a um consumidor final). Não podem ter ocorrido os dois factos tributários; eles excluem-se mutuamente. Se o veículo foi afectado a uso próprio do comerciante, a subsequente transmissão a um terceiro deixa de constituir um facto tributário.
Portanto, se a Administração fiscal manteve a primeira liquidação é porque considerou que ocorreu o facto tributário que a justificou e se assim é, parece-nos evidente que não pode efectuar uma liquidação adicional da qual resulte a aplicação a esse facto tributário ocorrido em Março de 2015 não só da nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, publicado em 8 de Abril de 2015 e que entrou em vigor no dia seguinte, como também da nova tabela de taxas do IVM introduzida pela Lei n.º 14/2015, em vigor desde 24 de Dezembro de 2015, dessa forma eliminando, retroactiva e, por isso, ilegalmente, o benefício fiscal resultante do n.º 3 do artigo 16.º do RIVM que havia sido considerado na primeira liquidação e bem assim aplicando à matéria colectável uma taxa que não vigorava no momento em que o imposto se tornou exigível.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido..”
É uma leitura possível perante o quadro factual que nos foi apresentado.
Porém, no processo nº 27/2019 do TSI, cuja decisão interviemos, proferida em 28/05/2020, em que foi discutida a mesma questão, tendo aí sido consignado o seguinte entendimento:
“(…)
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu, em sede de vista final, o seguinte parecer pugnando pela improcedência do presente recurso:
Na petição e nas suas alegações, a recorrente solicitou a anulação do despacho referido e transcrito no ofício n.º062/NAJ/MG/2018, argumentando que não se preenchem in casu o conceito da liquidação oficiosa adicional, nem os pressupostos da aplicação do art.20º do RIVM.
Exarado na Proposta n.º016/NAJ/MG/2018, o despacho em causa reza “同意建議,駁回本訴願”. Nos termos do preceito n.º1 do art.115º do CPA e de acordo com a brilhante jurisprudência (cfr. Sumário I do Acórdão do TSI no Processo n.º334/2017), a declaração de “同意建議” implica que tal despacho acolhe e absorve todo o conteúdo daquela Proposta.
Quid juris?
*
Ora, não é difícil perceber que enquanto a transmissão contemplada na alínea 1) do art.2º do RIVM é aleatória por natureza, a importação para uso próprio e a afectação para uso próprio dependem, predominantemente ou até exclusivamente, da vontade de importares ou de agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização referidos nas alíneas 2) e 3) do art.2º citado, por isso e nesta medida, as situações tipificadas nas alíneas 2) e 3) são controláveis pelos correspondentes sujeitos passivos.
Assim, e visto que as três modalidades da incidência real estabelecidas no mencionado art.2º correspondem aos momentos da exigibilidade diferentes (art.4º deste diploma legal), a prevenção e combate com evasão fiscal exigem imperativamente que o uso próprio tenha de ser real, efectivo e duradouro, não seja meramente ocasional e episódico, designadamente não possa ser manobra ou pretexto da fraude fiscal.
No vertente caso, sucede que a recorrente solicitou ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego que “作為贊助亞洲電影大獎於2015年3月25日接載嘉賓之用,現該活動已圓滿結束,所以特函貴局申請取消該試車牌,並願意繳付有關費用” (doc. de fls.34 do P.A. sublinha nossa.). Reconheceu ela, e bem, que o referido patrocínio tivera também em vista a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados (art.7º da petição inicial).
Sem embargo do merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que tal patrocínio não constitui nem equivale à afectação para uso próprio definida na alínea 3) do art.2º do RIVM, portanto, é irrelevante para os efeitos consagrados na alínea 3) do art.4º deste RIVM. O que implica que o momento da exigibilidade do imposto recaiu em 12/11/2015 data da venda aludida no art.16º da petição. E não existindo real afectação para uso próprio nem matrícula e registo efectivos até a 12/11/2015 acima, os veículos utilizados tão-só para concretização do dito patrocínio não deixam de ser novos para efeitos do imposto sobre veículo motorizados.
Tudo isto impulsiona a inferir que a venda ocorrida em 12/11/2015 constitui a primeira disposição dos veículos para os efeitos consignados na alínea 3) do art.4º e no n.º3 do art.16 do RIVM, pelo que ao caso sub judice se deve aplicar o Despacho n.º59/2015 do Chefe do Executivo que entrou em vigor desde 09/04/2015 – dia seguinte à sua publicação, e revogou as Tabelas I e II anexas ao Despacho n.º41/2012 do mesmo.
Sendo assim, e na medida em que a liquidação em 22/03/2015 pela recorrente se baseou na inexistente afectação para uso próprio e provocou prejuízo à RAEM, o director da DSF pode e deve proceder à liquidação oficiosa adicional dentro do prazo de cinco anos contado a partir da sobredita venda em 12/11/2015 (arts.18º/1 e 19º do RIVM).
Nesta linha de raciocínio e tendo em conta que em 20/10/2016 o Sr. director da DSF proferiu o despacho que ordenou a liquidação oficiosa adicional (doc. de fls.1 a 3 do P.A.), não podemos deixar de colher que a mesma liquidação oficiosa que viu confirmada e mantida pelo despacho ora em questão é por completo legal e legítimo, não infringindo nenhuma norma mencionada na conclusão 17) da petição.
*
Ora, a recorrente não realizou nem requereu liquidação adicional no prazo de 15 dias seguintes à venda ocorrido 12/11/2015, portanto parece-nos que é inatacável a (1) proposta no ponto 7 da Proposta n.º0701/NVT/ DOI/RFM/2016 (doc. de fls.1 a 3 do P.A.), no sentido de que “根據《機動車輛稅規章》第18條第1﹑2款及第20條之規定,依職權結算車輛之機動車輛稅差額,並加收補償性利息,利息計算期間由有關車輛申領試驗車牌日(13/11/2015)後15日(自應結算稅款之期間屆滿之翌日01/12/2015至本次局長之批示日止”.
O que nos leva a concluir que se verifica in casu o pressuposto da aplicação de juros compensatórios (arts.17º, n.º2 e 20º do RIVM), daí que é legal o despacho recorrido na parte de confirmar a aplicação de juros compensatórios à recorrente.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
(…)
Para nós, todas as questões efectivamente colocadas e delimitadas nas conclusões de recurso já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.”
Tendo em conta que contra esta decisão foi interposto recurso para o TUI, enquanto não se sabe a posição da douta Instância, parece-nos ser mais razoável manter a posição anteriormente assumida por nós.
Pelo que, mantendo os mesmos fundamentos consignados no processo nº 27/2019, nos termos acima transcritos, não havendo mais considerações que importa acrescentar, em nome do princípio da economia processual, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente que se fixam em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 4 de Março de 2021.
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 Artigo 4.° Momento da exigibilidade do imposto
O imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
2) Na data da notificação, pela Direcção dos Serviços de Economia, da emissão da licença de importação, nos casos de importação para uso próprio;
3) No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
4) No momento da afectação do veículo a finalidade diferente da que determinou a isenção ou da sua transmissão a terceiro que a altere;
5) Na data da emissão da factura, recibo ou outro documento de onde conste a liquidação indevida de imposto sobre os veículos motorizados.
2 beneficiam de uma redução de 50%, com o limite de 60 000,00 patacas, quando incidam sobre transmissões de veículos motorizados novos que reúnam as normas ecológicas de emissão de gases poluentes.
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2020-859-B-liquidação-adicional