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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 19/03/2021. --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.--------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 194/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A




DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por despacho judicial de 4 de Fevereiro de 2021, foi aplicada a prisão preventiva (com simultânea determinação da suspensão da sua execução, com obrigação de permanência domiciliária, salvo deslocações para fora para efeitos de consulta médica) à arguida (actualmente grávida) A, acabada de ser condenada por acórdão do dia anterior no ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR2-20-0296-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelos art.os 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), e 196.o, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de três anos de prisão, e de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelos art.os 199.o, n.os 1 e 4, alínea b), e 196.o, alínea b), do CP, na pena de dois anos e nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, e no pagamento de MOP$203.160,00 e de THB$2.237.091,29 (quantia de moeda tailandesa essa convertível em montante não superior a MOP566.352,00) à ofendida dos autos a título de indemnização civil dos danos sofridos por esta, com juros legais a contar a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformada, veio recorrer a arguida para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, a título principal, a revogação daquela medida coactiva de prisão preventiva (por entender, materialmente falando, em síntese, e no seu essencial, que como não há, por parte dela, perigo concreto de fuga (por ser uma residente de Macau com emprego e domicílio estáveis em Macau), nem de perturbação do decurso do processo (por sobretudo o processo já ter sido julgado em primeira instância), nem de perturbação da ordem ou tranquilidade social, nem de continuação da actividade criminosa, sendo, alegadamente, violados também pela M.ma Juíza a quo os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade norteadores da decisão sobre aplicação de prisão preventiva), e, subsidiariamente, a revogação da decisão de imposição da obrigação de permanência domiciliária (tida por ela violadora do disposto no art.o 195.o, n.o 3, do Código de Processo Penal (CPP), já que no seu entender esta obrigação é incompatível mormente com a necessidade de exercício, por ela, das funções de mãe, com duas filhas a seu cargo).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (cfr. o teor da resposta a fls. 58 a 60), no sentido de improcedência do recurso.
Subido imediatamente o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Ajunta, em sede de vista dos autos, parecer (a fls. 569 a 570v), pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o seguinte:
Por acórdão (cuja fundamentação fáctica está certificada a fls. 487 a 490 do presente processado recursório) de 3 de Fevereiro de 2021 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR2-20-0296-PCC, a arguida (ora recorrente), sem antecedentes criminais em Macau, ficou condenada por prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, na pena de três anos de prisão, e de um crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, na pena de dois anos e nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, e no pagamento de MOP$203.160,00 e de THB$2.237.091,29 à ofendida dos autos a título de indemnização civil dos danos sofridos por esta, com juros legais a contar a partir da data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Segundo a fundamentação do mesmo acórdão, a conduta da arguida causou à ofendida MOP$103.160,00 e THB$2.237.091,29 de prejuízos patrimoniais.
No dia seguinte, por despacho ora recorrido (cujo teor, constante de fl. 506 a 506v dos autos, se dá por aqui integralmente reproduzido), a M.ma Juíza titular do processo aplicou à arguida prisão preventiva, por entender inclusivamente haver perigo de fuga, para além de determinar, ao mesmo tempo, a suspensão da execução dessa medida de coacção, atento o facto de a arguida estar grávida, com obrigação dela de permanência domiciliária, salvo deslocações para fora para efeitos de consulta médica.
Antes da realização da audiência de julgamento em primeira instância, a arguida depositou à ordem dos autos a quantia de MOP$50.000,00, para efeitos de indemnização da ofendida.
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Havendo que decidir nesses parâmetros, começa-se por decidir do pedido de revogação da prisão preventiva.
A este respeito, defendeu a recorrente que não há, em relação a ela, qualquer dos perigos previstos no art.o 188.o do CPP.
Entretanto, diversamente do preconizado por ela na motivação do recurso, há perigo concreto de perturbação da ordem social, se não se lhe aplicar a prisão preventiva. É que o crime de burla em valor consideravelmente elevado, cometido inclusivamente pela arguida é um crime de natureza grave (para constatar isto, basta ver a respectiva moldura penal de prisão, de dois a dez anos), e o crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado também é grave, pois é punível até oito anos de prisão, e com toda a sua conduta criminosa, causou ela à ofendida um valor total de prejuízos patrimoniais muito consideráveis (de MOP$103.160,00 e THB$2.237.091,29), daí que há que acautelar as expectativas da sociedade na vigência de normas legais punitivas em questão.
Como basta a verificação desse perigo previsto materialmente na alínea c) do art.o 188.o do CPP para se dar por satisfeita a exigência desse próprio artigo, já não é mister decidir da verificação ou não de outro qualquer perigo aí referido.
Por outro lado, cabe observar que nem estão postergados pelo despacho judicial recorrido os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, porquanto sendo, para já, a burla em valor consideravelmente elevado um delito penal grave punível com pena de prisão até dez anos, e sendo o abuso de confiança em valor consideravelmente elevado punível com pena de prisão até oito anos de prisão, e estando a recorrente condenada concreta e efectivamente em primeira instância na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, por prática dos referidos dois crimes não leves, é mesmo necessária, adequada e proporcional a aplicação, a ela, da medida coactiva máxima de prisão preventiva (cfr. mormente os art.os 186.º, n.º 1, alínea a), e 178.º, n.os 1 e 3, do CPP).
E o facto de ela ter depositado MOP$50.000,00 à ordem dos autos antes da realização da audiência de julgamento em primeira instância não tem a virtude de fazer atenuar as acima mencionadas exigências cautelares do caso.
Por fim, quanto à questão de permanência domiciliária:
O facto de a arguida não precisar de estar presa preventivamente na Cadeia já lhe acalma as suas preocupações relativas aos cuidados a prestar às duas filhas suas.
Não se vislumbra, assim, qualquer violação do disposto no art.o 195.o, n.o 3, do CPP, sendo irrelevante a alegação da necessidade de assegurar o sustento económico da família (porque a valer este tipo de argumento da recorrente, isto implicaria, a montante, o fim do instituto jurídico da prisão preventiva), e sendo de frisar que quanto à não permissão das deslocações para fora da sua habitação por motivo que não seja de consulta médica, isto, embora com natural inconveniência para a sua vida quotidiana, já é muito melhor, na óptica dela falando, do que a execução, em imediato, da sua prisão preventiva.
É, pois, de rejeitar o pedido do recurso, por manifestamente improcedente, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará a arguida recorrente as custas do presente recurso, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 19 de Março de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)



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