Processo nº 746/2020
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 18 de Março de 2021
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 05.06.2020 que declarou a caducidade da autorização de residência da Recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 5 de Junho de 2020 pelo Excelentíssimo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que decretou a caducidade da autorização de residência temporária em Macau do período compreendido entre 5/12/2012 a 27/3/2015 (exarado na Proposta do IPIM n.º 03010/AJ/2019 de 12 de Dezembro de 2019).
2. Em 24/11/2006, o recorrente foi autorizado a residência temporária pela IPIM por fixação de residência de quadros dirigentes e técnicos especializados ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e para tal trabalhando como gerente geral por conta de B有限公司.
3. Em 6/2/2008 foi o recorrente autorizado a residência temporária pela IPIM por fixação de residência de quadros dirigentes e técnicos especializados ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 como vice-gerente geral (副總經理) pela entidade empregadora C Company Limited C有限公司.
4. Em 5/1/2010 e 5/12/2012 foi o recorrente sucessivamente autorizado a renovação de residência temporária pela IPIM por fixação de residência de quadros dirigentes e técnicos especializados ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 como vice-gerente geral (副總經理) pela entidade empregadora C有限公司.
5. Pelo motivo da autorização de residência, foi em 18/4/2008 emitido ao recorrente o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau, n.º 14XXXXX(6), sendo a última emissão em 22/7/14, com prazo validade até 22/7/2024.
6. A esclarecer que conforme como requereu as referidas últimas três autorizações/renovações de fixação de residência temporária, o recorrente celebrou contratos de trabalho com a C Company Limited, respectivamente, em 1/10/2008, 12/10/2011, e 26/3/2015, contratos esses todos com duração de 3 anos já apensos aos respectivos processos renovações.
7. Como vice-gerente geral da companhia, na realidade, exige o recorrente muito tempo de se deslocar para fora da RAEM a exercer as tarefas, e cuja condição de trabalho essa já estava estabelecida nas cláusulas dos contratos de trabalho, conforme 4.ª cláusula dos contratos de 2008 e 2011, e l.ª cláusula do contrato de 2015.
8. Na realidade, nos anos entre 2008 a 2015, enquanto o recorrente trabalhava pela C Company Limited, foi destacado em missão de serviço para fora e em tempo longo para a cidade de Beijing, em 北京市XX街XX街XX號, D有限公司e de Zhuhai, em 珠海市XX鎮XX灣, E有限公司.
9. Que foi o patrão dele, F ou seja o Director Geral da C Company Limited, quem solicitou o recorrente para trabalhar nos referidos locais exteriores de Macau.
10. No entanto, o recorrente tinha ainda como centro efectivo em Macau, e tinha como residência habitual em Macau, princípio em XX花園XX園XX樓XX, e posteriormente em XX花園XX大廈XX樓XX座.
11. Ao ora recorrente foi decretado, no dia 5 de Junho de 2020, a caducidade da autorização de residência temporária em Macau do período compreendido entre 5/12/2012 a 27/3/2015, (conforme se pode ler no despacho recorrido exarado na Proposta do IPIM n.º 03010/AJ/2019 de 12 de Dezembro de 2019.
12. A análise da Proposta n.º 03010/AJ/2019 de 12 de Dezembro de 2019 de 2 de Dezembro de 2019 é reveladora de que a conclusão e as diligências realizadas nas quais se baseou a decisão ora recorrida não podem concluir que o recorrente não ter residido habitualmente em Macau, uma vez que o recorrente já expôs o motivo da sua ausência na audiência escrita, e que mais uma vez passo alinhar no presente recurso.
13. Não corresponde a verdade as imputações movidas contra o ora recorrente, nomeadamente os contantes no número 9 da Proposta n.º 03010/AJ/2019.
14. Na alínea 1) do número 9 da Proposta n.º 03010/AJ/2019 imputa que o recorrente não tinha comunicado ao IPIM que esteve trabalhar fora da RAEM, incumprindo o dever de comunicação sobre alteração de situação nos termos do art.º 18.º do R.A. 3/2005.
15. Não lhe assiste razão, uma vez que conforme já devidamente exposta, o ora recorrente como vice-gerente geral da companhia, na realidade, exige que o recorrente muito tempo de se deslocar para fora da RAEM a exercer as missões de serviço da companhia, e que condição de trabalho essa já estava estabelecida nas cláusulas dos contratos de trabalho, conforme 4.ª cláusula dos contratos de 2008 e 2011, e 1ª cláusula do contrato de 2015.
16. E na verdade, no número 3 da Proposta n.º 03010/AJ/2019, a entidade recorrida e IPIM sabiam e reconhecem perfeitamente que existem as referidas cláusulas dos contratos e por isso não há nexo em acusar que o recorrente não tinha comunicado a “situação” ao IPIM.
17. Por outro lado, não se trata de facto de uma alteração de situação previsto no art.º 18.º do R.A. 3/2005, uma vez que o recorrente apenas foi cumprir as obrigações do contrato, mantendo por inteira a situação jurídica relevante no acto da autorização, continuando reunir os pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização.
18. Teve o recorrente apenas de obedecer a sua entidade empregadora para trabalhar em nome duma Companhia radicada em Macau, no exterior de Macau.
19. Por sua vez, na alínea 2) do número 9 da Proposta n.º 03010/AJ/2019 imputa que o recorrente já deixou de ser residente habitual de Macau porque estando poucos dias em Macau, e situação mesma também se verificou com o seu cônjuge.
20. Também não lhe assiste razão, pois contudo, trabalhando fora da RAEM, não se significa constituir violação da norma do art.º 9.º n.º 3 da Lei n.º 4/2003 em que se refere “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”, uma vez que segundo apenso aos processos de renovações de autorização, os contratos de trabalhos já estabeleceram que o recorrente podia ser exigido pela entidade empregadora para trabalhar fora de Macau, e que realmente teve essa necessidade.
21. Para salvaguardar os residentes bona fide de Macau, nomeadamente os cidadãos trabalhando em companhias sediadas em Macau e que tenham necessidade de trabalhar fora do território e ao mesmo tempo para que esses cidadãos não percam o estatuto de residente habitual, estabelece no art.º 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 que para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, assim no caso do recorrente devia especialmente apreciar na alínea (3) do no art.º 4.º n.º 4 da Lei n.º 8/1999 “se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau”.
22. Logo, não é justo imputar o recorrente como não sendo residente habitual em virtude de trabalhar fora de Macau, à ordem da sua entidade empregadora de Macau.
23. Por outro lado, conforme estipulado pelo n.º 1 do artigo 30.º Código Civil “... a residência habitual em Macau não depende de qualquer formalidade administrativa, mas presume-se residente habitual no território de Macau aquele que tenha direito à titulariedade do bilhete de identidade de residente de Macau.”, assim, desde j á, uma vez que o recorrente é titular de bilhete de identidade de residente de Macau, é considerado já um residente habitual.
24. Igualmente no aludido Lei 8/1999 no n.º 1 do seu artigo 5.º também estipula “Presume-se que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente de Macau, abreviadamente designado por BIR, de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM e de Bilhete de Identidade de Residente da RAEM válidos, residem habitualmente em Macau.”
25. Na alínea 3) do número 9 da Proposta n.º 03010/AJ/2019 mais uma vez imputa a razão que o recorrente estava ausente no Território e que não tem provas sobre aquisição ou arrendamento de moradias.
26. Também não assiste razão, uma vez que o recorrente tem domicílio permanente em Macau, que tem em Macau o centro da sua vida profissional e paga os seus impostos em Macau, e com intenção de aqui permanecer definitivamente.
27. O recorrente foi em 6/2/2008, 5/1/2010 e 5/12/2012 sucessivamente autorizado e renovados a residência temporária pela IPIM por fixação de residência de quadros dirigentes e técnicos especializados ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
28. Desde já, ficou assim na dúvida porque para quadros dirigentes e técnicos especializados exige também ao recorrente de adquirir uma casa? Será que na instrução do processo confundiu com a da fixação de residência por investimento?
29. Como já atrás mencionado o motivo da ausência foi por trabalhar fora de Macau à ordem da entidade empregadora, e por isso, a esposa do recorrente também esteve ao seu encalço na vida temporária, e segundo a lei apenas exige a comunicação ao IPIM dos incidentes relacionados com o recorrente, portanto, com o devido respeito, o recorrente entende que não houve alguma falha por parte dele quanto respeitante ao paradeiro da sua esposa.
30. Finalmente nas alínea 4) a 6) do número 9 da Proposta n.º 03010/AJ/2019 imputa o ora recorrente, no decorrer dos anos o recorrente e a sua esposa residem poucos dias em Macau pelo que não satisfazem o conceito de residente habitual.
31. Conforme o disposto da Lei n.º 8/1999, artigo 4.º n.º 4, “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente:1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”.
32. De como o recorrente, pelo motivo da autorização de residência, foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau.
33. Na realidade, nos anos entre 2008 a 2015, enquanto o recorrente trabalhava pela C Company Limited, foi destacado em missão de serviço para fora e em tempo longo para a cidade de Beijing, em 北京市XX街XX街XX號, D有限公司e de Zhuhai, em 珠海市XX鎮XX灣, E有限公司.
34. Razão do que resultou que nesses últimos anos, o recorrente permaneceu raramente em Macau, mas no entanto reunindo ainda os pressupostos de residente habitual apreciando nos termos da Lei n.º 8/1999, artigo 4.º n.º 4, nomeadamente na situação prevista na alínea 3).
35. O recorrente já expôs a situação na audiência escrita e já procedeu a entrega dos contratos com as respectivas cláusulas, mas, porém o IPIM parecia que não chegou diligenciar ou confirmar o que foi pronunciado na audiência escrita e reprovou-a, limitando a dizer porque o recorrente trabalhou fora de Macau.
36. Afigura-se que a entidade recorrida e IPIM só se limitou fazer a contagem dos dias de permanência do recorrente e do seu cônjuge em Macau, e deixou de fazer as diligências necessárias no sentido de confirmar o que estão contidos nas cláusulas dos contratos e o porque do recorrente foi trabalhar fora de Macau.
37. Em síntese, em virtude que o recorrente ser empregado de uma entidade empregadora sediada em Macau e que careceu o recorrente a trabalhar fora, pelo que nunca deixa de se considerar o recorrente de ser um residente habitual só por motivo de trabalhar fora de Macau.
38. O acto recorrido é, em consequência dos apontados vícios de violação de lei anulável nos termos gerais do direito administrativo.
Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar apresentando as seguintes conclusões:
I. A residência habitual em Macau exige que a pessoa tenha aqui o “centro efectivo e estável da sua vida pessoal” (CC, art. 30, n. 2);
II. O mero facto de um não residente celebrar um contrato com um empregador local e obter autorização de residência temporária ao abrigo do RA 3/2005 não significa que ele tenha residência habitual na RAEM;
III. São as circunstâncias de facto do caso, e não o conteúdo do contrato de trabalho, que determinam se o trabalhador tem ou não residência habitual na RAEM;
IV. Se o trabalhador, ao serviço de um empregador local, exerce as suas funções permanentemente no exterior não tem residência habitual em Macau;
V. A presunção da existência de residência habitual constante do art. 5, n. 1, da Lei 8/1999 é ilidível;
VI. Num período de 8 anos o recorrente esteve em Macau 15 dias - i.e., em média menos de 2 dias por ano;
VII. O cônjuge do recorrente também não vivia em Macau e passou muitos anos sem aqui entrar;
VIII. O recorrente não conseguiu explicar de forma convincente que as suas longas ausências não significavam que ele não trabalhasse ou não tivesse residência habitual em Macau;
IX. Perante o registo das entradas em Macau do recorrente (e do seu cônjuge), e as pouco convincentes explicações dadas pelo mesmo em sede de audiência, nada mais havia que se justificasse investigar para apreciar a questão da residência habitual;
X. O recorrente não conseguiu indicar que outros factos poderiam, se tivessem sido investigados pela administração, ter abalado seriamente a conclusão de que ele não tinha residência habitual em Macau.
Notificadas as partes para querendo apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer.
Foram colhidos os Vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Pelo Instituto de Promoção do Comércio e do investimento de Macau em 02.12.2019 foi lavrada a proposta nº 0310/AJ/2019 com o seguinte teor:
1. «Nos termos do Regulamento Administrativo nº 3/2005, foi deferido, em 24/11/2006, o pedido de autorização de residência provisória do requerente A, por trabalhar como “director-geral” na “B Limitada”. Em 6/2/2008, o requerente passou a trabalhar na “C Limitada”, exercendo o cargo de “director-geral adjunto”, ao qual foi concedida a autorização de residência provisória. Posteriormente, em 5/1/2010 e 5/12/2012, foi-lhe renovada a autorização de residência até a 27/3/2015 e a autorização completou sete anos em 24/11/2013.
2. Em 18/12/2013, ao requerente A, na qualidade de “director-geral adjunto” da C Limitada, foi concedida a autorização de residência provisória do seu cônjuge G e esta autorização foi renovada em 12/9/2015 até 27/3/2018. Em 3/1/2019, a referida autorização foi declarada caducada por não for renovada no prazo de 180 dias após a sua expiração (vd. Anexo 1).
3. Os dados constantes dos processos 0397/2006/01R, 02R, 03R e 04R revelaram que o certificado de trabalho e contrato de trabalho emitidos pela “C Limitada” indicaram as seguintes informações: o requerente exerce o cargo de “director-geral adjunto”, responsável pelo trabalho de gestão da empresa e aufere um salário mensal de MOP55.000, deve prestar trabalho conforme o horário semanal de trabalho, começa às 9:00 e acaba às 18:00, o local principal de trabalho em Macau, podendo exercer o cargo de director-geral adjunto na C Limitada fora de Macau caso seja necessário (vd. Anexo 2).
4. Segundo os dados no registo comercial da “C Limitada”, a sede da pessoa colectiva situa-se em Macau, na Avenida do XX nº XX, XX Tower, XXº andar – XX, XX (vd. Anexo 3).
5. No intuito de verificar o tempo de permanência em Macau do requerente durante o período de residência temporária autorizada para cumprir efectivamente o seu contrato de trabalho, com vista a manter a situação jurídica relevante que fundamentou a concessão da autorização, o IPIM pediu, via ofício, ao CPSP os registos de saída/entrada do território do requerente (vd. Anexo 4):
Período de tempo (requerente A)
Número de dias de permanência em Macau
01/01/2006 – 31/12/2006
231
01/01/2007 – 31/12/2007
150
01/01/2008 – 31/12/2008
4
01/01/2009 – 31/12/2009
0
01/01/2010 – 31/12/2010
2
01/01/2011 – 31/12/2011
2
01/01/2012 – 31/12/2012
0
01/01/2013 – 31/12/2013
5
01/01/2014 – 31/12/2014
2
01/01/2015 – 31/12/2015
0
Período de tempo (cônjuge G)
Número de dias de permanência em Macau
01/01/2007 – 31/12/2007
11
01/01/2008 – 31/12/2008
0
01/01/2009 – 31/12/2009
0
01/01/2010 – 31/12/2010
0
01/01/2011 – 31/12/2011
0
01/01/2012 – 31/12/2012
0
01/01/2013 – 31/12/2013
0
01/01/2014 – 31/12/2014
2
01/01/2015 – 31/12/2015
0
6. De acordo com os dados acima indicados, o requerente e o seu cônjuge residiram pouco tempo em Macau em cada ano a partir de 2008, o que demonstra que o requerente e o seu cônjuge não consideram Macau como o centro da vida familiar durante o período de residência temporária autorizada, não residindo habitualmente no território. Além disso, do número dos dias em que permaneceu em Macau durante o período de residência temporária autorizada não resultou que o requerente tivesse exercido efectivamente as suas funções em Macau, o que demonstra indirectamente que ele não mantém firmemente o “particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau” que fundamentou a concessão da sua autorização.
7. Pela razão exposta, uma vez que o requerente não residiu habitualmente na RAEM no período de residência temporária autorizada, não satisfazendo o pressuposto ou requisito para a manutenção da autorização de residência temporária, assim, nos termos do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, subsidiariamente aplicáveis o artº 9º da Lei nº 4/2003 e o artº 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, pode declarar-se a caducidade da autorização de residência temporária do requerente. Para tal, foi efectuada a audição escrita do requerente (vd. Anexo 5)
8. Em 21/10/2019, o procurador do requerente apresentou resposta escrita e respectivos documentos, em que se concluiu da seguinte forma (vd. Anexo 6):
1) O requerente pediu a autorização de residência temporária com o fundamento de ser director-geral adjunto da “C Limitada”, cujo pedido foi autorizado;
2) Para efeitos do pedido de autorização de residência temporária, o requerente apresentou, respectivamente, em 1/10/2008, 12/10/2011 e 26/3/2015, o contrato de trabalho de três anos celebrado com a “C Limitada”;
3) Segundo as cláusulas contratuais: o requerente presta trabalho principalmente em Macau, podendo exercer, conforme as necessidades do trabalho, as funções de director-geral adjunto da “C Limitada” fora de Macau;
4) Desta forma, durante o período de 2008 a 2015, o requerente foi destacado pelo responsável da “C Limitada”, Sr. F, para trabalhar na empresa em Beijing (D有限公司 em北京市XX街XX街XX號) e na empresa em Zhuhai (E有限公司em珠海市XX鎮XX灣), razão pela qual ficou menos tempo em Macau;
5) Dado que o contrato de trabalho fixou que o requerente precisava de trabalhar fora de Macau, pelo que ele respeitou a organização de trabalhos feita pela empresa e trabalhava nos sítios fora de Macau. Desta forma, entende o requerente que o caso dele satisfaz a situação jurídica relevante que fundamentou a concessão da autorização;
6) Na resposta o interessado frisou que o requerente considera Macau como o centro efectivo da sua vida pessoal, o qual reside em Macau, no Edf. XX, XX Court, XXº andar – XX e XX大廈, XXº andar – XX. A sua ausência de Macau deveu-se ao facto de ele ter cumprido o trabalho que lhe foi designado pela empresa empregadora. O requerente considera Macau como residência habitual e o centro da sua profissão, tendo pago impostos conforme a lei.
7) Por outro lado, indicou o interessado: O artigo 30º, nº 1 (sic) do Código Civil dispõe que: “…presume-se residente habitual no território de Macau aquele que tenha direito à titulariedade do bilhete de identidade de residente de Macau”;
8) Ao requerente foi concedida a autorização de residência temporária, possuindo o bilhete de identidade de residente não permanente de Macau nº 14XXXXX(6). O actual bilhete de identidade de residente não permanente de Macau possuído é válido até 22/7/2024.
9) Pelo exposto, o requerente detém o bilhete de identidade de residente de Macau, assim, presume-se residente habitual no território de Macau o requerente, não devendo retirar a ilação de que o mesmo não reside habitualmente no território só com base no número dos dias em que permaneceu em Macau;
10) Importar referir que: Reza o artigo 4º da Lei nº 8/1999: “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
11) Pelas razões acima invocadas, não se deve declarar, com base nas disposições do artigo 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, a caducidade da sua autorização de residência temporária.
9. Agora vamos analisar a referida resposta e os documentos apresentados:
1) De acordo com a resposta apresentada pelo procurador do requerente, este foi contratado pela “C Limitada” mas foi destacada para trabalhar fora de Macau na maior parte do tempo em cada ano. Entende-se que o requerente não trabalhava em Macau, tal como foi fixado no contrato de trabalho que indicou que o local principal de trabalho era Macau e para exercer as funções de gestão no território. Deste modo, entende-se que há alteração do conteúdo funcional na relação de trabalho entre o requerente e a empregadora, o requerente não respeitou o dever de comunicação previsto no artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005;
2) Segundo o nº 4 do artigo 4º da Lei nº 8/1999: “Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
3) Dos dados constantes do processo resultou saber que o requerente e o seu cônjuge não apresentaram documentos para justificar a sua longa ausência de Macau, nem apresentaram documentos sobre a sua residência habitual em Macau (tal como casa adquirida ou arrendada em Macau) ou sobre o trabalho e vida em Macau do seu cônjuge;
4) De acordo com a resposta e documentos apresentados pelo procurador do requerente, o requerente tem endereço em Macau, mas não foi provado que tem residência no território, pelo que não se pode considerar que o requerente tem residência habitual. Além disso, não se provou a vida diária do requerente em Macau, nem se provou que o mesmo toma Macau como residência habitual.
5) Os registos de saída/entrada do território fornecidos pelo CPSP revelaram que (entre 1/1/2008 e 31/12/2015) os números dos dias em que o requerente permaneceu em Macau em cada um dos anos indicados são, respectivamente, 4, 0, 2, 2, 0, 5, 2, 0, e, quanto ao seu cônjuge, os números de dias são, respectivamente, 11, 0, 0, 0, 0, 0, 2, 0, o que demonstra que eles permaneceram pouco tempo em Macau, não fixando o seu centro da vida familiar na Região. Deste modo, entende-se que o requerente não considera Macau como a sua residência habitual.
6) Tendo-se em conta a situação supra mencionada, entende-se que o requerente não reside habitualmente na RAEM, nem cumpriu efectivamente o seu contrato de trabalho nem exerceu as suas funções em Macau tal como foi fixado no contrato de trabalho, por isso, não se pode manter a autorização de residência temporária válida até 27/3/2015 que foi concedida em 5/12/2012.
7) Face ao exposto, uma vez que o requerente A não reside habitualmente na RAEM e entende-se que o mesmo não cumpriu efectivamente o seu contrato de trabalho nem exerceu as suas funções aqui no território, o que não satisfaz qualquer pressuposto ou requisito para a concessão de autorização de residência provisória. Realizada a audição do requerente, propõe-se ao Exmº Sr. Secretário para a Economia e Finanças que declare, nos termos do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, subsidiariamente aplicáveis o artº 9º, nº 3 da Lei nº 4/2003 e o artº 24º, al. 2) do Regulamento Administrativo nº 5/2003, caducada a autorização de residência temporária (válido até 27/3/2015) do requerente A.».
- cf. fls. 257 a 260 do processo administrativo apenso -.
b) Pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças em 05.06.2020 foi proferido o seguinte despacho:
«No uso da competência conferida pela Ordem Executiva nº 3/2020 e nos termos do artº 23º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, subsidiariamente aplicáveis o artº 9º, nº 3 da Lei nº 4/2003 e artº 24º, al. 2) do Regulamento Administrativo nº 5/2003, concordo com a análise feita nesta proposta, declaro caducada a autorização de residência temporária do requerente.».
- cf. fls. 256 do processo administrativo apenso -.
c) Por carta registada recebida em 29.06.2020 o agora Recorrente foi notificado daquela decisão conforme consta de fls. 249 a 251 do processo administrativo apenso.
b) Do Direito
Nas suas alegações de recurso invoca a Recorrente que o despacho recorrido enferma do vício de violação de lei.
É o seguinte o teor do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças, datado de 5 de Junho de 2020, que declarou a caducidade da sua autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
Alega, no essencial e em síntese, que:
(i) O acto recorrido enferma de violação das normas do artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24.º, alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 5/2003;
(ii) O acto recorrido padece de falta de investigação e realização de diligências.
Citada, a Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do presente recurso contencioso.
2.
2.1.
O Recorrente obteve autorização de residência temporária em Macau ao abrigo da norma do n.º 3 do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, ou seja, enquanto quadro dirigente contratado por um empregador local que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, foi considerado de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau.
Essa autorização foi sendo objecto de sucessivas renovações.
No entanto, relativamente à última de tais renovações autorizativas, a Administração declarou a respectiva caducidade com o fundamento na falta de residência habitual do Recorrente em Macau.
Entende o Recorrente que o acto recorrido enferma de violação de das normas do artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24.º, alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
Salvo o devido respeito, cremos que não tem razão. Procuraremos justificar.
De acordo com o artigo 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003, «a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência» e do artigo 24.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que regulamenta aquela Lei, decorre que a falta de residência habitual do interessado na RAEM é causa de caducidade da autorização de residência.
Com base nestas normas e após ter concluído que o Recorrido não tinha a sua residência habitual em Macau, a Administração decidiu declarar a caducidade da autorização de residência temporária em Macau.
O conceito de residência habitual que é, fora de dúvida, um conceito indeterminado que não confere à Administração margem de livre apreciação e cujo preenchimento está, portanto, sujeito ao pleno controlo jurisdicional, é um conceito relativo ou de geometria variável em função, justamente, da teleologia própria das normas que dele fazem uso. Queremos com isto dizer que, em nosso entender, não é possível definir aprioristicamente um conceito de residência habitual que se adeque a todas as situações independentemente das finalidades normativas próprias que em cada caso se revelem.
A norma do artigo 30.º do Código Civil, sendo embora uma norma de conflitos, fornece um importante contributo no sentido de uma densificação judicativamente relevante do que seja a residência habitual: «considera-se residência habitual o lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal».
Pode dizer-se com alguma segurança que a residência habitual é o centro em torno do qual gravitam as ligações existenciais de uma determinada da pessoa, é, para usarmos a expressiva formulação da jurisprudência do Tribunal Federal Alemão (veja-se, por exemplo, a decisão de 20.03.2019, no processo XII ZB 530/17, disponível online), o «Daseinsmittelpunkt» da pessoa a considerar.
Não constitui residência habitual o lugar que serve de mera passagem, pois que não tem a estabilidade indispensável a radicar um centro existencial de vida e para escorar a formação paulatina, mas consistente, de um vínculo de pertença à comunidade que forma o substrato pessoal da Região e que, a final, vá culminar na aquisição do estatuto de residente permanente, pois que, como sabemos, tal aquisição, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica pressupõe, justamente, a residência habitual em Macau.
Isto dito, parece-nos claro que, face aos elementos de facto que fluem dos autos e que constituíram os pressupostos de facto do acto recorrido que o Recorrente não tem residência habitual em Macau.
Os registos das entradas e saídas do Recorrente na Região permitem verificar que, no período entre Janeiro de 2008 e Dezembro de 2015, ou seja, durante 8 anos, o Recorrente permaneceu em Macau esparsamente durante um total de 15 dias, numa média, portanto, inferior a 2 dias por ano. Ora, como bem se compreende, uma tão escassa permanência em Macau, tendo em conta a caracterização do conceito indeterminado da residência habitual que antes fizemos, está longe de ser suficiente para poder suportar em relação ao Recorrente a conclusão de que o mesmo, no período em causa, aqui manteve tal residência.
Na verdade, não se pode dizer, a nenhuma luz, que o Recorrente tinha o centro da sua vida em Macau e que, com maior ou menor frequência, se deslocava ao exterior ao serviço da sua entidade patronal. O que sucedeu foi que, durante o período de tempo antes assinalado, o Recorrente esteve permanentemente no exterior e só muito raramente se deslocou a Macau.
Deste modo, tendo o Recorrido incumprido o dever legal de manter a sua residência habitual em Macau e constituindo o incumprimento desse dever fundamento para a declaração de caducidade da autorização de residência temporária, é também evidente que outra não podia ser a decisão da Administração senão aquela que agora foi impugnada.
Em nosso modesto entendimento, deve, pois, improceder1 o primeiro fundamento do recurso.
2.2.
Em relação ao segundo dos fundamentos de recurso trazidos a pleito pelo Recorrente atinente a uma alegada falta de investigação e realização de diligências por parte da Administração, também cremos que não tem razão.
Como salienta a melhor doutrina, é ao órgão instrutor que compete julgar da necessidade das diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões de facto e de direito relevantes (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 459).
Assim, se o órgão instrutor ou a própria entidade decisora considera que a instrução efectuada é suficiente para suportar os pressupostos da sua actuação tal não representa qualquer violação de lei procedimental em razão de um défice instrutório que manifestamente não existe, antes representa o exercício de uma prerrogativa legalmente conferida.
O que sucede é que, como é evidente, ao particular fica legalmente assegurada a possibilidade de impugnar o acto final do procedimento, podendo então demonstrar, se for caso disso, a insubsistência dos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo assentou.
No caso, é manifesto que as diligências instrutórias efectuadas pela Administração e que esta considerou suficientes para escorar os pressupostos de facto do acto recorrido, nomeadamente no que concerne aos períodos de permanência do Recorrente em Macau durante o lapso temporal considerado (8 anos) e à falta de manutenção por parte deste da sua residência habitual em Macau, são-no efectivamente. Na verdade, os registos fornecidos pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública relativos aos movimentos de entrada e de saída do Recorrente em Macau demonstram, exuberantemente, os factos que a Administração considerou constitutivos dos pressupostos da sua actuação.
De resto, o Recorrente não só não produziu qualquer prova infirmadora da conclusão administrativa como nem sequer indicou que diligências terão sido e que, em seu entender, a terem sido realizadas, poderiam ter abalado os pressupostos do acto impugnado.
3.
Pelo exposto, deve o presente recurso contencioso ser julgado improcedente.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
Porque se mostra desnecessária acrescentar outras considerações ao Douto Parecer supra reproduzido, com o qual concordamos integralmente e a cuja fundamentação aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s – artº 89º nº 1 do RCT -.
Registe e Notifique.
RAEM, 18 de Março de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Correcção nossa uma vez que é evidente o lapso de escrita dado que se dizia “proceder” quando a premissa leva a concluir em sentido contrário.
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746/2020 REC CONT 23