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Processo n.º 38/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 18 de Março de 2021

ASSUNTOS:

- Despacho proferido no âmbito do artigo 764º/1 do CPC (várias execuções sobre o mesmo imóvel)

SUMÁRIO:

    Para efeitos dos artigo 764º/1 do CPC, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o Tribunal, perante o requerimento de reclamação de créditos apresentado pelo credor hipotecário, deve suspender quanto a estes a execução em que a penhora tenha sido posterior, e, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, errou quando proferiu o despacho de não admissão da reclamação de crédito, por desrespeitar o artigo 764º/1 do CPC, o que é razão bastante para revogar o despacho recorrido.

O Relator,

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Fong Man Chong


Processo nº 38/2021
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 18 de Março de 2021

Recorrente : A, Limitada (A股份有限公司) (Reclamante)

Objecto do Recurso : Despacho que manteve a condenação de reclamante de créditos em custas (維持判處提出清償要求之債權人訴訟費之批示)

Exequente : Banco B, S.A. (B股份有限公司)

Executada : C

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I – RELATÓRIO
    A, Limitada (A股份有限公司), Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 17/07/2020 (fls. 64), que não admitiu a reclamação do crédito apresentado pelo ora Recorrente, por a penhora de um bem ter sido feita noutro processo (CV2-18-0220-CEO), não obstante ter sido citado para este efeito, e, ele foi condenado em custas, dele veio, em 20/10/2020, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 73 a 77, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A. O despacho recorrido enferma de error in judiciando e faz errada interpretação do disposto no artigo 226º, nº 1 alínea d) e artigo 377º, nº 1 do CPC.
     B. Da decisão de sustação da execução em virtude de penhora prévia não decorre a extinção do apenso da reclamação de créditos por inutilidade superveniente da lide mas antes a sustação/suspensão da instância.
     C. O Mmo. Juiz a quo, no enanto, considerou verificar-se nos presentes autos de reclamação de créditos a impossibilidade superveniente da lide e condenou em custas o Recorrente.
     D. Mesmo a admitir-se tal hipótese, o Recorrente nunca seria responsável pelo pagamento das custas por a elas não ter dado causa.
     E. A intervenção jurisdicional do Recorrente, teve a sua justificação na necessidade de tutelar os seus interesses, perante a exercitação de um direito do exequente.
     F. O Recorrente reclamou créditos na sequência de citação pessoal feita pelo Tribunal Judicial de Base, a requerimento do exequente, Banco B.
     G. A impossibilidade susperveniente dos presentes autos, não resultando de facto imputável ao Recorrente, é, nos termos do artigo 377º, nº 1 do CPC, da responsabilidade do exequente.
     H. Mesmo que assim não fosse, quem seria responsável pelo pagamento das custas judiciais da presente demanada seria o executado, quer porque não procedeu ao pagamento da quantia em dívida na data do vencimento, quer porque não impediu a penhora sobre o imóvel hipotecado ao Recorrente, provocando assim que este viesse reclamar os seus créditos nos presentes autos.
     I. O Recorrente só poderia ser responsabilizado pelas custas, se a sua reclamação tivesse chegado ao fim e o seu crédito não fosse reconhecido.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – OBJECTO DO RECURSO:
    É do seguinte teor o despacho contra o qual foi interposto o presente recurso pelo Recorrente:
     “Uma vez que a execução sobre a fracção autónoma "K10" penhorada nos autos principais foi suspensa nos termos do artigo 764.° n.º 1 do CPC, por a penhora que incide sobre a mesma nos autos CV2-18-0220-CEO (cfr. fls 22) é mais antiga em relação aos presentes autos, pelo que é aí se deve reclamar o respectivo crédito.
     Nestes termos, determino a não admissão da reclamação de créditos nos presentes autos.
     Custas pela requerente.
     Notifique e DN.”
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IV – FUNDAMENTAÇÃO

    Neste recurso são duas questões que importa resolver:
    1) – Correcta interpretação e aplicação do artigo 764º/1 do CPC;
    2) – O responsável pelo pagamento de custas deste processo, o reclamante/Recorrente ou o executado?
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    Comecemos pela primeira questão.
    O artigo 764º (Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens) do CPC estipula:

    1. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, suspende-se quanto a estes a execução em que a penhora tenha sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina.
    2. A reclamação é apresentada dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos; se, porém, o reclamante não tiver sido citado pessoalmente nos termos do artigo 755.º, pode apresentar a reclamação nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de suspensão.
    3. A reclamação suspende os efeitos da graduação dos créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
    4. Na execução suspensa, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e nomear outros em sua substituição.
    5. Se a suspensão for total, as custas da execução suspensa são graduadas a par do crédito que lhe deu origem, desde que o reclamante junte ao processo, até à liquidação final, certidão comprovativa do seu montante e de que a execução não prosseguiu noutros bens.
    Ora este artigo corresponde basicamente ao artigo 871º do CPC de 1961, relativamente ao qual existe jurisprudência com o seguinte entendimento dominante (citada aqui em nome do Direito Comparado):
    
    O art. 871.º do Cód, Proc. Civil, ao estabelecer que, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, será sustada a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o seu crédito na outra execução, refere-se a execuções em movimento, ou seja a correrem os seus normais termos, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (Ac. RP, de 30.5.1989: BMJ, 387.º-656).

    Para efeitos do art. 871.º, n.º 1 do CPC, execução pendente é aquela que foi proposta ou intentada (art. 267.º, n.º 1), e se mantém como tal, sem estar extinta. II – Não obsta a essa pendência o facto da execução estar na situação de arquivada por falta de impulso processual, nos termos do art. 122.º, n.° 2, al. c) do Cód. Custas Judiciais, e sem estar finda. III – Na previsão do art. 871.º n.º 1 do CPC, o requerente de execução na qual haja penhora do prédio X, registada posteriormente ao registo de anterior penhora sobre o mesmo prédio, efectuada em diferente execução (B), pode ir reclamar o seu crédito nesta outra execução (B) sustando-se a execução A relativamente a esse prédio. IV ‒ A isto, não obstante a execução B estar na situação mencionada em 2, sem estar finda. V ‒ Feita a reclamação referida em 3, e tendo sido reconhecido o seu crédito na execução B, o reclamante passa a parte principal nesta, numa posição semelhante à do seu exequente. VI ‒ E pode então promover o desenvolvimento da execução B, quanto ao prédio penhoraxo x. VII ‒ Não obsta a este entendimento a não passagem do conteúdo do art. 61.º do CPC de 1939, para o CPC de 1961 (Ac. STJ, de 12.3.1991: AJ, 17.°-21).
    O raciocínio expendido nestes arestos continua a valer-se para o artigo 764º do CPC de Macau.
    No caso, o Recorrente formulou expressamente o seguinte pedido:
    “(…)
     Termos em que:
     (i) deve a presente execução ser suspensa quanto à fracção "K10" por a penhora mais antiga ser a que foi ordenada nos autos que correm termos sob o n.º CV2-18-0220-CEO;
     ou caso V. Exa. assim não entenda, o que não se admite e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio,
     (ii) deve o crédito reclamado, na quantia de:
     - MOP$6.145.689,09, a título de capital, e de MOP$629.026,96, a título de juros vencidos e não pagos, até 06 de Julho de 2020, a que acrescem os juros vencidos e os vincendos, a uma taxa anual correspondente a 3.37% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do Banco, sujeita a flutuação, até 23 de Julho de 2019, e 3.2% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do Banco, sujeita a flutuação, a partir de 24 de Julho de 2019, acrescida de 3 % pela mora,
     e as despesas, incluindo os honorários de advogado do Reclamante, no montante total de MOP$225.000,00,
     ser admitido, reconhecido, graduado e pago pelo produto da venda da fracção penhorada, com a preferência legal resultante da hipoteca atrás mencionada, e os acessórios referidos, até integral reembolso.
     Para tanto,
     Requer a V. Exa. que, autuada a presente reclamação por apenso ao processo de execução supra identificado, se digne deferir os ulteriores termos até final.”
    É de ver que o pedido principal do Recorrente consiste em suspender a presente execução, e só se o Tribunal a quo assim não entendesse é que se considerasse que vinha a reclamar o crédito no valor acima indicado.
    Pelo que, é de concluir que a suspensão destes autos (até ao momento em que é proferido o respectivo despacho, incluindo a recepção da peça da reclamação de crédito) é ordenada pelo legislador directamente, e também expressamente pedida pelo Recorrente, não tendo este conferido ao julgador o poder de não admitir a reclamação do crédito, compreende-se que assim seja, porque foi o Tribunal que mandou citar o credor/Recorrente para reclamar o seu crédito nestes autos, só que, depois veio a verificar-se que sobre o mesmo bem já existia penhora por ordem de um outro processo mais antigo, razão pela qual errou o Tribunal recorrido ao proferir o despacho de não admissão da reclamação do crédito apresentado pelo ora Recorrente (por desrespeitar o artigo 764º/1 do CPC), o que é razão bastante para revogar a decisão ora posta em crise.
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    Relativamente à segunda questão, tal como se refere anteriormente, o Recorrente reclamou créditos na sequência de citação feita pelo Tribunal Judicial de Base, a requerimento do Exequente, Banco B, e, depois, a impossibilidade superveniente dos presentes autos, não resultando de facto imputável ao Recorrente, é, nos termos do artigo 377º, nº 1 do CPC, da responsabilidade do Exequente.
    Ora, quem deu à causa foi o executado, porque não procedeu ao pagamento da quantia em dívida na data do vencimento, e também porque não impediu a penhora sobre o imóvel hipotecado ao Recorrente, provocando assim que este viesse reclamar os seus créditos nos presentes autos.
    O Recorrente só poderia ser responsabilizado pelas custas, se a sua reclamação tivesse chegado ao fim e o seu crédito não fosse reconhecido.
    Tal como se decidiu:
    “Ocorrendo inutilidade superveniente da lide executiva por causa não imputável ao executado, ficam a cargo do exequente as custas da execução e as dos embargos de executado (Ac. RC, de 17.6.1986: BMJ, 356.°-616).”
    O raciocínio contrário tirado da decisão referida vale para o caso dos autos.
    Ora, no caso, nitidamente a causa é imputada à Executada e como tal deve ser ela responsável pelo pagamento de custas judiciais.
    Por outro lado, existe também uma ambiguidade no caso, pois, pergunta-se, a condenação do Reclamante nas custas a que título? A título de custa incidental por a reclamação ter sido rejeitada? Ou a título de custas finais destes autos da reclamação de crédito? Como nenhuma das partes veio a suscitar esta questão e ela acaba por ser indirectamente resolvida pela decisão deste recurso, ficamos dispensados de sobre ela tecer considerações de propósito.
    Pelo expendido, revoga-se a decisão recorrida, por violar o artigo 764º/1, 226º/1-d) e 377º, todos do CPC, passando a decidir-se da seguinte forma: fiqucarem suspensos os presentes autos e o Executado vai condenado nas custas respectivas.
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    Síntese conclusiva:
    Para efeitos dos artigo 764º/1 do CPC, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o Tribunal, perante o requerimento de reclamação de créditos apresentado pelo credor hipotecário, deve suspender quanto a estes a execução em que a penhora tenha sido posterior, e, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, errou quando proferiu o despacho de não admissão da reclamação de crédito, por desrespeitar o artigo 764º/1 do CPC, o que é razão bastante para revogar o despacho recorrido.
    
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, passando a decidir-se da seguinte forma:
    - Ficarem suspensos os presentes autos em relação ao imóvel devidamente identificado, até à decisão judicial em sentido contrário, e, a Executada vai condenado nas custas respectivas.
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    Custas pela Recorrida/Executada.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 18 de Março de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong







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