打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Criminal do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 9 de Julho de 2008, condenou, à revelia, a arguida A na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de branqueamento de capitais.
Entretanto detida, a arguida apresentou recurso da decisão condenatória, em 30 de Julho de 2008.
Por despacho de 30 de Julho de 2008 foi decretada a medida de coacção de prisão preventiva.
Em 31 de Julho de 2008 a arguida interpôs recurso deste despacho.
A Ex.ma Juíza recebeu o recurso para subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, nos termos dos arts. 389.º, 391.º, n.º 1, alínea b), 396.º, 397.º, n.º 1, alínea c), 398.º, 401.º e 402.º do Código de Processo Penal.
Recebido este recurso no Tribunal de Segunda Instância (TSI), o Ex.mo Presidente emitiu um despacho determinando que o recurso não fosse distribuído, mas antes incorporado no recurso, entretanto distribuído, do Acórdão condenatório de 9 de Julho de 2008.
Para tal, entendeu que o recurso do despacho decretando a prisão preventiva não deveria ter sido mandado subir em separado dos autos principais, já que aquando da sua interposição já estava a ser processado o recurso que a arguida interpusera do Acórdão condenatório, pelo que os dois recursos deveriam ter subido nos próprios autos da causa principal.
Incorporado o presente recurso nos autos do processo principal, cujos recursos (da arguida e de outros) já tinham sido distribuídos, o Ex.mo Relator destes recursos entendeu que na prática a incorporação do recurso constituía uma apensação de processos, pelo que a decisão do Ex.mo Presidente do TSI de não proceder à distribuição encerrava um erro na distribuição. E invocando o disposto no art. 174.º do Código de Processo Civil, determinou que se procedesse à distribuição do recurso do despacho decretando a prisão preventiva.
Regressado o processo ao Ex.mo Presidente do TSI, reiterou este a anterior decisão de não proceder à distribuição do recurso e mandou notificar a recorrente e o Ministério Público para estes solicitarem a resolução da divergência ao Presidente do Tribunal de Última Instância, o que o Ministério Público fez.
Ouvidos os Ex.mos Juízes em conflito, reafirmaram as suas posições já relatadas.
A Arguida solicitou a decisão urgente do conflito.
O Ex.mo Procurador-Adjunto entende que, na esteira do Acórdão deste Tribunal de 4 de Junho de 2008, no Processo n.º 16/2008, a decisão do Relator deve prevalecer sobre a do Presidente do TSI.

II - O Direito
1. Poderes do juiz que preside à distribuição
O Ex.mo Presidente do TSI decidiu que não havia lugar à distribuição de um recurso (este) e determinou a sua incorporação noutro recurso já pendente e distribuído, donde resultava que o primeiro fosse apreciado pelo Relator ( e Adjuntos) deste último.
O Ex.mo Relator não aceitou receber o novo recurso sem que este fosse distribuído.
Independentemente de saber se decidiu bem ou mal, o juiz que preside à distribuição pode recusar a distribuição de um papel. É o que resulta do disposto no art. 160.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal e nos arts. 32.º, n.º 1, 42.º, alínea 3) e 51.º, alínea 4) da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Como referimos no Acórdão de 4 de Junho de 2008, no Processo n.º 16/2008, o juiz que, nos tribunais de 1.ª instância, em turnos quinzenais, preside à distribuição, tem exactamente os mesmos poderes que os juízes que nos tribunais superiores, no TSI e TUI procedem a essa tarefa, e que são os respectivos presidentes.
Quer dizer, o facto de serem os presidentes do Tribunal de Última Instância (TUI) e do TSI que presidem à distribuição de processos nos respectivos Tribunais, não lhes dá mais poderes, quanto a este acto processual, que o juiz que preside à distribuição nos tribunais de 1.ª instância. Isso resulta com grande nitidez, nas normas que regem o acto da distribuição no Código de Processo Civil (arts. 155.º a 174.º), aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, bem como das normas que se referem à distribuição na Lei de Bases da Organização Judiciária – arts. 32.º, n.º 1, 42.º, alínea 3) e 51.º, alínea 4).

2. Poderes do juiz do processo ou do relator quanto à distribuição
Posto isto, há que enfrentar uma segunda questão:
O juiz (ou o relator nos tribunais superiores) a quem um processo é distribuído pode discordar da distribuição efectuada?
Se considerar que existe um erro na distribuição, o juiz do processo (ou o relator nos tribunais superiores) pode determinar a correcção do erro, como resulta do disposto nos arts. 166.º e 174.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Quer dizer, é indiscutível que o juiz do processo (ou o relator nos tribunais superiores) tem toda a autoridade para alterar a distribuição, incidente este a que é totalmente alheio o juiz que preside à distribuição. Este esgota a sua função no momento da distribuição e não pode mais voltar a imiscuir-se na tramitação de um processo que corre termos numa secção de processos.
Foi isto que decidimos no já mencionado Acórdão de 4 de Junho de 2008, invocando a autoridade de ALBERTO DOS REIS 1 e RODRIGUES BASTOS 2.
Se o que ocorreu não foi um erro na distribuição mas a simples falta de distribuição, tem o juiz do processo (ou o relator nos tribunais superiores) o poder de determinar que se proceda à distribuição, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado (art. 156.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, o que sucedeu foi que Juiz que preside à distribuição, o Ex.mo Presidente do TSI, decidiu que não havia lugar à distribuição de um recurso e determinou a sua incorporação noutro recurso pendente.
Em abstracto, tem o poder de recusar a distribuição de um papel, como já dissemos.
Também, em abstracto, o juiz do processo (ou o relator nos tribunais superiores), não tem o dever de se conformar com tal decisão, até porque pode ser prejudicado com a mesma ou pelo menos afectado, como foi, já que no sorteio calhou-lhe um recurso e recebeu um outro sem haver lugar a contagem. Ou seja, recebeu dois recursos, mas só lhe foi imputado um na contagem da distribuição.
Aliás, isso resulta do n.º 2 do artigo 156.º do Código de Processo Civil, que dispõe sobre divergências entre juízes a propósito da distribuição.

3. Competência para corrigir o regime fixado para a subida do recurso
Temos, pois, que entrar na apreciação do fundamento pelo qual foi recusada a distribuição.
Tendo sido interposto recurso da decisão que aplicou medida de coacção, a Ex.ma Juíza recebeu o recurso para subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Recebido este recurso no TSI, o Ex.mo Presidente emitiu um despacho determinando que o recurso não fosse distribuído, mas antes incorporado no recurso, entretanto distribuído, do Acórdão condenatório de 9 de Julho de 2008.
Entendeu o Ex.mo Presidente do TSI que tinha havido um erro no regime de subida do recurso, que devia ter subido nos próprios autos da causa e não em separado.
Só que o poder de corrigir o regime de subida do recurso não cabe ao juiz que preside à distribuição - que no TSI e no TUI são os respectivos Presidentes - mas ao relator a quem o processo vier a ser distribuído.
É o que dispõe, sem qualquer margem de dúvida, o art. 619.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal: compete ao relator corrigir o regime fixado para a subida do recurso. E o erro quanto ao regime de subida, é depois explicitado no art. 624.º, nos n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, esclarecendo o que compete fazer ao relator: se o recurso sobe em separado quando deveria subir nos próprios autos requisita o processo principal para lhe juntar o recurso indevidamente subido em separado. Se o recurso subiu nos próprios autos quando deveria ter subido em separado, o relator procede à separação dos recursos.
Esta competência não pertence ao juiz que preside à distribuição, pois nenhuma norma o habilita a tal. Pelo contrário, norma expressa [o art. 619.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil] atribui tal poder ao relator.
Em conclusão, embora, o Presidente do TSI tenha, em abstracto, o poder de determinar que um processo não seja distribuído, já, em concreto, depende do fundamento que invocar.
Seguramente, que, por exemplo, não pode determinar que um processo não seja distribuído mas afecto a um dos juízes, com fundamento em este ter menos carga de trabalho que os restantes, já que se trata de fundamento não permitido pela lei, violador do princípio da igualdade na distribuição (artigo 155.º do Código de Processo Civil) e do princípio do juiz natural.
E também o Presidente do TSI não tem tal poder de decidir que um processo não é distribuído, se o fizer com fundamento em erro no regime de subida do recurso (por dever ser nos autos principais e não em separado ou por dever ser em separado e não nos próprios autos) pois tal competência é do relator a quem o processo vier a ser distribuído.
Deste modo, o recurso dos autos deveria ter sido distribuído.

III – Decisão
Face ao expendido, determinam que o recurso do despacho que decretou a medida de coacção de prisão preventiva da arguida seja distribuído.

Macau, 31 de Outubro de 2008.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin


1 ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1945, vol. 2.º, p. 529 e 530.
2 RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 1963, 1.ª ed., 1.º vol., p. 423.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




9
Processo n.º 44/2008