Processo n.º 948/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 18 de Março de 2021
ASSUNTOS:
- Cláusula especificadamente acordada para a não concretização do negócio fixado no contrato-promessa
SUMÁRIO:
Quando as partes de contrato-promessa acordaram uma cláusula com o conteúdo de “após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro”, e a promitente-vendedora resolveu o respectivo contrato mediante notificação judicial, há lugar à aplicação desta “cláusula penal” expressamente acordada, quer por força do princípio da autonomia privada, quer por força da ressalva feita na 1ª parte da norma do artigo 436º do CCM.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 948/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 18 de Março de 2021
Recorrente : Companhia de Desenvolvimento A, Limitada(A發展有限公司)
Recorrida : Sociedade de Investimento imobiliário B, S.A.(B置業發展股份有限公司)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
Companhia de Desenvolvimento A, Limitada(A發展有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença novamente proferida pelo Tribunal de primeira instância, em cumprimento do acórdão do TUI, datado de 29 de Novembro de 2019 (Proc. nº 111/2019) , datada de 22/04/2020, dela veio, em 30/06/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 754 a 760, tendo formulado as seguintes conclusões :
I. Na decisão recorrida o Tribunal a quo analisou erradamente a causa de pedir dos pedidos subsidiários formulados na acção, e interpretou erradamente a decisão do TSI proferida em 04.04.2019, violando o caso julgado formal entretanto formado quanto ao direito de indemnização que assiste à Autora.
II. Flui dos factos alegados na p.i, designadamente da matéria dos art.s 47.°, 50.° e 53.°, que estava em causa a hipótese de não ser reconhecida à Autora o direito à execução específica dos três contratos-promessa.
III. Subjacente aos pedidos subsidiários formulados estava o direito a uma indemnização pelo não cumprimento dos contratos, o qual, por mais voltas que se dê, não ocorreu.
IV. No processo não ficou assente que a resolução unilateral dos contratos-promessa por parte da Ré tivesse como fundamento o incumprimento da obrigação por causa imputável à Autora, de molde a que a Ré tivesse o direito de fazer sua a coisa entregue (os sinais) - solução prevista no art.° 436.°, n.º 2, primeira parte, do CC.
V. A própria Ré, no art.º 67.° da contestação, pugnou pelo reconhecimento da resolução dos contratos-promessa por via da notificação judicial avulsa, com o concomitante direito da Autora a receber o dobro dos sinais pagos.
VI. Assim, o Tribunal a quo proferiu uma decisão sem que estejam provados factos que permitam a solução jurídica encontrada, cometendo um notório erro de julgamento.
VII. A sentença recorrida faz, assim, uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 436.°, n.º 2 e n.º 4, do CC, na medida em que nega ao "sinal" o cariz de "arras penitenciais" no caso em que ocorre revogação do contrato.
VIII. Acresce que, com a solução jurídica dada ao caso, o Tribunal a quo alterou a decisão proferida em 04/04/2019 pelo TSI quanto às consequências da revogação dos contratos-promessa, a qual, por não ter sido modificada pelo TUI nesta parte, assume a força de caso julgado formal (dentro do processo).
IX. No acórdão do 04/04/2019 o TSI declarou resolvidos ou revogados os contrato-promessa dos autos com a notificação judicial avulsa da Ré, remetendo os autos ao TJB para apreciar os pedidos subsidiários.
X. Se a consequência lógica desta decisão do TSI fosse o indeferimento do pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelo não cumprimento da promessa de venda das fracções, o TSI teria decidido esta questão de imediato, por se tratar de matéria de direito.
XI. No acórdão de 04/04/2019 o TSI reconheceu o direito da Autora a uma indemnização pela revogação dos contratos, só não tendo fixado o montante dessa indemnização por ter entendido que não tinha todos os elementos necessários à resolução desta questão, motivo pelo qual mandou baixar os autos.
XII. Ou seja, a questão da existência do direito à indemnização pelo não cumprimento dos contratos já foi decidida pelo TSI e nesta parte transitou em julgado.
XIII. O que não foi decidido pelo TSI e cabia ao Tribunal a quo decidir era o quantum indemnizatório.
XIV. Consequentemente, na sentença ora sob recurso o TJB violou o princípio do caso julgado formal ou interno, estabelecido no art.º 575.° do CPC.
XV. Termos em que, a sentença recorrida não tem qualquer eficácia jurídica, devendo o processo baixar novamente ao TJB para cumprimento do anterior acórdão do TSI.
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Por despacho do relator, datado de 20/11/2020 (fls. 784 a 786), a Recorrente foi convidada para aperfeiçoar as conclusões do recurso, vindo ela a manter basicamente as mesmas conclusões inicialmente apresentadas.
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A Recorrida, Sociedade de Investimento imobiliário B, S.A.(B置業發展股份有限公司), veio, 08/09/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 771 a 774, tendo formulado as seguintes conclusões:
Por douta Sentença proferida nos autos a fls. 742 a 745, foi julgada improcedente a presente acção, porquanto todos os pedidos nela formulados assentam no incumprimento dos Contratos-Promessa dos autos por parte da Recorrida, estando já definitivamente julgado que a Recorrida não incumpriu os mesmos.
Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso, alegando, em síntese (i) que o Tribunal de Segunda Instância já decidiu que lhe assiste o direito a uma indemnização e (ii) que tem direito, pelo menos, à devolução do dobro dos sinais por parte da Recorrida.
No entanto, afigura-se à ora Recorrida que não lhe assiste razão.
Por um lado, não existe decisão transitada em julgado quanto ao direito da Recorrente a ser indemnizada.
O que o Tribunal de Segunda Instância decidiu no douto Acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no Processo n.º 327/2017, foi o seguinte:
"Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e também não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida.".
Com efeito, não existia na data de emissão do aludido Acórdão qualquer decisão das instâncias sobre os pedidos subsidiários da Recorrente.
O que ali se decidiu foi mandar baixar os autos para apreciação ex novo de um dos pedidos, que até essa data estava prejudicado, mas que cumpria apreciar na medida em que a decisão anterior foi revogada (apreciação que este Tribunal não fez, nessa sede, por não se encontrar no objecto do recurso ali em causa).
O que é bem diferente de julgar procedente tal pedido, mas sem decidir em que medida (ou o quantum da indemnização), como alega a Recorrente.
Por outro lado, como bem se refere na douta Sentença em crise, já está determinado que a Recorrida não incumpriu os Contratos-Promessa dos autos.
Consequentemente, a Recorrida não pode ser condenada em nenhum pedido que dependa desse seu alegado incumprimento.
A Recorrente, na sua alegação, insiste no alegado direito a receber o dobro dos sinais pagos.
Cumprindo assinalar que, mesmo que a Recorrente tenha direito a receber alguma quantia por força da resolução dos Contratos-Promessa, nunca será por efeito dos n.os 2 e 4 do artigo 436.º do Código Civil (cuja aplicação depende sempre de incumprimento), mas sim por força do que está acordado na Cláusula 2.2 dos Contratos-Promessa:
"Após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro.".
Sucede, porém, que a Recorrida sempre se prontificou a cumprir tal cláusula (como alegou na Contestação e a douta Sentença em crise bem refere), disponibilizando-se para restituir o sinal em dobro à Recorrente, sendo que esta não peticiona tal restituição.
A Recorrente não peticiona o cumprimento da sobredita cláusula, mas sim a condenação da Recorrida no pagamento de uma sanção, ou indemnização, por alegadamente ter incumprido os Contratos-Promessa - os quais foram resolvidos e não incumpridos, como é consabido.
Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo, porquanto não só o douto Acórdão citado pela Recorrente não determina que lhe assiste uma indemnização, apenas manda baixar os autos para apreciação do mesmo, como qualquer das indemnizações que peticiona a título subsidiário depende de um incumprimento da Recorrida que tal Acórdão decidiu inexistir.
Afigurando-se não merecer censura a douta Sentença em crise.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
Após o primeiro julgamento, o Tribunal recorrido fixou os seguintes factos assentes:
1. O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da Baía da Praia Grande, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n.º XXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição n.º 2023, a fls. 174 do Livro F8K da aludida Conservatória. (alínea A) dos factos assentes)
2. A Ré é titular das fracções autónomas "A1", do primeiro andar "A", "F1", do primeiro andar "F", "G1", do primeiro andar "G", para escritórios, do prédio supra identificado, registadas a seu favor na CRP, sob a inscrição n.º 4301, a fls. 88 do Livro F20K (adiante também designadas por "Fracções"), e com o título constitutivo da propriedade horizontal definitivamente inscrito sob o n.º 33712F. (alínea B) dos factos assentes)
3. No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntárias, para garantia de créditos até ao limite de HK$250,000,000.00 (MOP$257.500.000,00), despesas até ao limite de MOP$25,750,000.00 e, bem assim, juros à taxa anual de 2,82%, acrescidos de 3% em caso de mora, a favor do "Banco C (Macau), S.A." sobre o prédio supra identificado. (alínea C) dos factos assentes)
4. Por três contratos-promessa de compra e venda formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e a Autora prometeu comprar, as seguintes fracções autónomas:
* fracção "A1", do primeiro andar "A", pelo preço de HK$817,000.00 equivalente a MOP$841,510.00; e
* fracção "F1", do primeiro andar "F", pelo preço de HK$1,087,000.00 equivalente a MOP$1,119,610.00; e
* fracção "G1", do primeiro andar "G", pelo preço de HK$1,672,000.00 equivalente a MOP$ 1,722,160.00;
todas do prédio urbano acima identificado em A) - cfr. os documentos constantes de fls. 60 a 71 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea D) dos factos assentes)
5. O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa. (alínea E) dos factos assentes)
6. Em 21 de Junho de 2013, a Autora requereu e obteve, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, "na sequência das apresentações n.ºs 87 (Fracção "A1"), 88 (Fracção "F1") e 89 (Fracção "G1") de 15 de Agosto de 2013". (alínea F) dos factos assentes)
7. A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições referidas em F). (alínea FI) dos factos assentes)
8. Em 22/05/2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa da Autora para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-promessa - cfr. os documentos constantes de fls. 79 a 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea G) dos factos assentes)
9. Em 05/06/2014, a Autora respondeu à declaração resolutiva dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto 1);que ela não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ela se recusava a aceitar a indemnização ali proposta (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - cfr. o documento constante de fls. 281, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alínea H) dos factos assentes)
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Da Base Instrutória :
- Em 25 de Abril de 2011 e 6 de Outubro de 2014 a Autora pagou o imposto de selo e selo do conhecimento relativo às relativo transmissões intercalares das Fracções no valor MOP$42,465.00 (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado (quesito 3° da base instrutória);
- Durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em valor não apurado, mas não superior a HK$849.00 por pé quadrado (quesito 4° da base instrutória).
- Em 1 de Junho de 2012, a Ré comunicou à Autora o escrito constante de fls. 184, que aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A Autora recusou-se a proceder a esse pagamento (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença (novamente) proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I) RELATÓRIO
Companhia de Desenvolvimento A, Limitada (A發展有限公司), com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXX, vem intentar a presente
ACÇÃO ORDINÁRIA contra
Sociedade de Investimento Imobiliário B, SARL (B置業發展股份有限公司), com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.ºXXX.
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Com base na p.i. constante de fls. 2 a 10, pretendeu a Autora, a título principal, a execução específica dos três contratos-promessa celebrados com a Ré e subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento de indemnização, fundamentando no incumprimento imputável à Ré.
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A Ré apresentou a contestação, excepcionando a falta de interesse de agir em relação ao pedido subsidiário constante da alínea iv), e, deduzindo a reconvenção no sentido de declarar-se validamente resolvidos os referidos contratos-promessa, tudo conforme consta do articulado de fls. fls. 114 a 159 dos autos.
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Saneados os autos, admite-se a reconvenção deduzida pela Ré e foram seleccionados factos considerados assentes e os factos que se integram na base instrutória.
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Realiza-se a audiência de discussão e julgamento por Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
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Por sentença proferida em 08 de Novembro de 2106, foram julgados parcialmente procedentes os pedidos principais formulados pela Autora, decidindo a substituição da Ré para emitir a declaração de vender à autora as fracções autónomas designadas por "A1", "F1" e "G1"do 1º andar "A", "F" e "G" por escritório, do prédio descrito sob o nº 22295, inscritas a favor da Ré e julgada improcedente a reconvenção da Ré.
Essa sentença foi objecto de recurso interposto pela Ré, por acórdão tomado pelo Tribunal da Segunda Instância, já transitado em julgado, que concedeu provimento ao recurso, declarando resolvidos os contratos-promessa celebrados entre a Autora e a Ré com a notificação judicial avulsa, e mandar a baixa dos autos para apreciar os pedidos subsidiários formulados pela Autora.
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Perante a improcedência dos pedidos principais, cumpra apreciar os pedidos subsidiários da Autora, na sequência do acórdão do T.S.I..
II. Factos
Com a alteração de matéria de facto ordenada pelo Tribunal de Segunda Instância e Tribunal de Última Instância, são considerados assentes os factos constantes de fls. 437 a 430 mais os seguintes factos: Quando a Autora assinou os contratos-promessa, sabia que os preços de compra das fracções eram abaixo dos preços do mercado (quesito 3° da base instrutória) e durante o ano de 2011, os custos de construção de fracções para comércio (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das fracções), aumentaram em valor não apurado, mas não superior a HK$849.00 por pé quadrado (quesito 4° da base instrutória).
III. Enquadramento Jurídico
São seguintes pedidos formulados pela Autora, em subsidiariedade:
(a) A condenação da Ré no pagamento de MOP$74.899.745,00, correspondente ao dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente - correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, com com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
(b) A condenação da Ré no pagamento de MOP$7.409.025,00, correspondente ao dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa, com os juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Em relação aos pedidos subsidiários de restituição da quantia correspondente ao dobro do sinal, deduziu a Ré a excepção de falta de interesse processual por parte da Autora por a Ré disponibilizar à Autora a quantia em causa que esta recusou a receber.
Ao abrigo do disposto do art°72° do C.P.C., que "Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais."
Conforme os factos alegados pela Autora, entende esta que a Ré incumpriu culposamente os contratos celebrados, pretendendo que esta seja condenada a indemnizar por danos a ele causados, que corresponde ao dobro do sinal mais os danos excedentes correspondente à diferença entre este e do valor actual das três fracções, assim como as despesas que ele tinha realizado para dar o cumprimento dos contratos.
Ainda que a Ré disponibilizasse a quantia correspondente ao dobro do sinal à Autora, essa quantia não satisfaz a totalidade dos prejuízos que a Autora entende ter direito a receber por incumprimento do contrato imputável à Ré, o que jusitifica o recurso ao Tribunal por parte da Autora para fazer tutelar o alegado direito, à míngua da questão se, ao abrigo do direito substantivo, a Autora terá ou não direito à indemnização reclamada.
Assim, não procede a excepção dilatória invocada pela Ré.
Debruçamos sobre a questão de mérito dessas pretensões subsidiárias.
Dispõe-se o disposto do art°787° do C.C., que "O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor."
Prevê-se, por outro lado, o nº2 do art°436° do C.C. que "Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este ultimo, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado."
É pacífico que estão condicionadas as indemnizações preceituadas desse preceito com incumprimento definitivo do contrato imputável à outra parte.
No caso em apreço, os dois pedidos subsidiários têm como causa de pedir o incumpirmento definitivo e culposo por parte da Ré, os dois pedidos só se divergem no valor da indemnização.
Ora, na consequência lógica do acórdão tomado pelo Tribunal da Segunda Instância que declaram os três contratos-promessa celebrados entre a Autora e a Ré validamente resolvidos com a notificação judicial avulsa, a partir desse momento, jamais poderá haver lugar o incumprimento dos contratos.
Pois, com a resolução válida dos contratos-promessa, deixando de produzir os efeitos entre as partes, então, não tendo Ré a obrigação de os cumprir, ou seja, de vender as fracções autónomas à Autora, assim, nem podendo dizer que a Ré incumpriu os três contratos, menos a ela imputável.
Não ocorrendo o incumprimento contratual imputável à Ré, única fundamentação para sustentar o direito de indemnização, logo, cairá por terra toda a argumentação da Autora das pretensões indemnizatórias.
Assim, há de improceder os pedidos subsidiários pretendidos pela Autora.
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IV. Decisão
Nestes termos, em face de tudo fica exposta, julga-se improcedente a acção formulada pela Autora Companhia de Desenvolvimento A Limitada contra a Ré Sociedade de Investimento Imobiliário B, absolvendo-a de todos os pedidos subsidiários formulados por aquela.
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Custas da acção e da reconvenção pela Autora.
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Registe e notifique.
Quid Juris?
Na sequência do decidido anterior, e confirmado pelo venerando TUI os contratos-promessa foram validamente resolvidos, resta apreciar os pedidos subsidiários formulados pela Autora em tempo.
Conforme o teor da PI, a Autora formulou na altura os seguintes pedidos subsidiários:
“(…)
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(i) Ser a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivl), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 556/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em (MOP$74.899.745,00 = MOP$16.927.058,00 + MOP$23.543.103,00 + MOP$34.429.584,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
(ii) Ser a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP$7.409.025,00 = MOP$841.510,00 + MOP$1.119.610,00 + MOP$1.722.160,00) x 2 + MOP$42.465,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”
Cabe sublinhar um ponto pertinente:
Quando este TSI mandou os autos ao TJB para apreciar os pedidos subsidiários formulados pela Autora, é para apreciar as pretensões com base nos factos já devidamente provados, e nunca para fazer um novo julgamento de factos. Pelo que, é ilógico e infundado neste recurso a Recorrente/Autora voltou a invocar os factos constantes dos artigos 47º, 50º a 53º da PI. O que releva, nesta sede, só os factos provados!
Pelo que, fica rematada logo a questão da indemnização pelo dano excedente, porque não há nenhum facto assente para sustentar esta pretensão! Não há omoletes sem ovos! Improcede obviamente esta parte do pedido.
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Quanto à restituição do sinal em singelo ou em dobro, sim, temos de valorar os factos e proferir a respectiva decisão em conformidade.
Desta vez o Tribunal recorrido fez o seguinte juízo valorativo:
Em relação aos pedidos subsidiários de restituição da quantia correspondente ao dobro do sinal, deduziu a Ré a excepção de falta de interesse processual por parte da Autora por a Ré disponibilizar à Autora a quantia em causa que esta recusou a receber.
Ao abrigo do disposto do art°72° do C.P.C., que "Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais."
Conforme os factos alegados pela Autora, entende esta que a Ré incumpriu culposamente os contratos celebrados, pretendendo que esta seja condenada a indemnizar por danos a ele causados, que corresponde ao dobro do sinal mais os danos excedentes correspondente à diferença entre este e do valor actual das três fracções, assim como as despesas que ele tinha realizado para dar o cumprimento dos contratos.
Ainda que a Ré disponibilizasse a quantia correspondente ao dobro do sinal à Autora, essa quantia não satisfaz a totalidade dos prejuízos que a Autora entende ter direito a receber por incumprimento do contrato imputável à Ré, o que jusitifica o recurso ao Tribunal por parte da Autora para fazer tutelar o alegado direito, à míngua da questão se, ao abrigo do direito substantivo, a Autora terá ou não direito à indemnização reclamada.
Assim, não procede a excepção dilatória invocada pela Ré.
Debruçamos sobre a questão de mérito dessas pretensões subsidiárias.
Dispõe-se o disposto do art°787° do C.C., que "O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor."
Prevê-se, por outro lado, o nº2 do art°436° do C.C. que "Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este ultimo, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado."
É pacífico que estão condicionadas as indemnizações preceituadas desse preceito com incumprimento definitivo do contrato imputável à outra parte.
No caso em apreço, os dois pedidos subsidiários têm como causa de pedir o incumpirmento definitivo e culposo por parte da Ré, os dois pedidos só se divergem no valor da indemnização.
Ora, na consequência lógica do acórdão tomado pelo Tribunal da Segunda Instância que declaram os três contratos-promessa celebrados entre a Autora e a Ré validamente resolvidos com a notificação judicial avulsa, a partir desse momento, jamais poderá haver lugar o incumprimento dos contratos.
Pois, com a resolução válida dos contratos-promessa, deixando de produzir os efeitos entre as partes, então, não tendo Ré a obrigação de os cumprir, ou seja, de vender as fracções autónomas à Autora, assim, nem podendo dizer que a Ré incumpriu os três contratos, menos a ela imputável.
Não ocorrendo o incumprimento contratual imputável à Ré, única fundamentação para sustentar o direito de indemnização, logo, cairá por terra toda a argumentação da Autora das pretensões indemnizatórias.
Assim, há de improceder os pedidos subsidiários pretendidos pela Autora.
Antes de apreciarmos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente, importa esclarecer aqui dois pontos da ordem processual em matéria de recurso da competência do TSI:
a) – Questão da competência do TSI:
A este propósito, o artigo 630º (Regra da substituição ao tribunal recorrido) do CPC manda:
1. O Tribunal de Segunda Instância conhece do objecto do recurso, mesmo que a sentença proferida na primeira instância seja declarada nula ou contrária a jurisprudência obrigatória.
2. Se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de Segunda Instância, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.
O TSI é um tribunal de recurso, competindo-lhe, em regra, apreciar as decisões proferidas pelos tribunais de 1ª instância, só em casos legalmente autorizados é que o TSI se substitui aos tribunais de 1ª instância.
No caso, o que foi decidido anteriormente foi mandar baixar os autos para apreciação ex novo de um dos pedidos subsidiários, que até essa data estava prejudicado, mas que cumpria apreciar na medida em que a decisão anterior foi revogada, apreciação que este Tribunal não fez, nessa sede, por não se encontrar no objecto do recurso ali em causa.
O que é bem diferente de julgar procedente tal pedido.
Ou seja, não existia na data de emissão do aludido acórdão qualquer decisão das instâncias sobre os pedidos subsidiários da Recorrente.
Foi por esta razão que se mandou o envio dos autos ao TJB para os fins respectivos.
Agora, nesta sede de recurso, vamos apreciar a nova decisão proferida pelo Tribunal recorrido, e, em caso de necessidade, será accionado o mecanismo previsto no artigo 630º/2 do CPC acima citado.
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b) – Relativamente ao pedido do recurso:
A Recorrente formulou o seguinte pedido nas conclusões do recurso:
XI. No acórdão de 04/04/2019 o TSI reconheceu o direito da Autora a uma indemnização pela revogação dos contratos, só não tendo fixado o montante dessa indemnização por ter entendido que não tinha todos os elementos necessários à resolução desta questão, motivo pelo qual mandou baixar os autos.
XII. Ou seja, a questão da existência do direito à indemnização pelo não cumprimento dos contratos já foi decidida pelo TSI e nesta parte transitou em julgado.
XIII. O que não foi decidido pelo TSI e cabia ao Tribunal a quo decidir era o quantum indemnizatório.
XIV. Consequentemente, na sentença ora sob recurso o TJB violou o princípio do caso julgado formal ou interno, estabelecido no art.º 575.° do CPC.
XV. Termos em que, a sentença recorrida não tem qualquer eficácia jurídica, devendo o processo baixar novamente ao TJB para cumprimento do anterior acórdão do TSI.
Com isso passemos a conhecer do mérito do recurso.
Na sequência da lógica e da argumentação tecida no anterior do acórdão deste TSI (confirmado pelo TUI), os contratos-promessa foram resolvidos com a interpelação feita pela Ré. Daí os efeitos jurídicos do instituto da resolução do contrato.
O artigo 427º (Efeitos entre as partes) do CCM estipula:
Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes
Aqui pode suscitar-se a questão de saber, no caso deve aplicar-se simplesmente o artigo 426º do CCM, ou aplicar-se o artigo 436º do CCM?
Ou seja, a Ré deve restituir o sinal em singelo? Por força do artigo 426º do CCM? Ou restituirá o sinal em dobro fazendo apelo ao artigo 436º do CCM?
O artigo 436º (Sinal) do CCM dispõe:
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Sendo certo que a Ré se disponibilizava pagar à Autora o sinal em dobro, mas esta recusou o receber, confissão da Ré, conforme o que esta alegou na sua contestação.
Importa recapitular o que este TSI decidiu no acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no Processo n.º 327/2017, tendo sido consignado o seguinte:
"Como a Autora/Recorrida chegou a formular pedido subsidiário que não foi apreciado pelo Tribunal de primeira instância e também não dispomos de todos os elementos necessários à resolução desta questão, outra alternativa não haverá senão a de mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para apreciar o respectivo pedido subsidiário em tempo formulado pela Autora/Recorrida.".
Ora, como bem se refere na douta sentença em crise, já está determinado que a Recorrida não incumpriu os contratos-promessa dos autos.
Consequentemente, a Recorrida não pode ser condenada em nenhum pedido que dependa desse seu alegado incumprimento.
A Recorrente, na sua alegação, insiste no alegado direito a receber o dobro dos sinais pagos.
Cumprindo assinalar que, se a Recorrente tem algum direito a receber alguma quantia por força da resolução dos contratos-promessa, não directamente por efeito dos n.os 2 e 4 do artigo 436.º do Código Civil, mas sim por força do acordo estabelecidos entre as partes, concretamente aquilo que está acordado na cláusula 2.2 dos contratos-promessa:
"Após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro.".
Sucede no caso que a Recorrida sempre se prontificou a cumprir tal cláusula (como alegou na contestação e a douta sentença em crise bem refere), disponibilizando-se para restituir o sinal em dobro à Recorrente.
Sendo certo que a Recorrente não peticionou DIRECTA E EXPRESSAMENTE o cumprimento da sobredita cláusula, acabou indirectamente fazê-lo, visto que o pedido subsidiário sob ii) contem este conteúdo.
Assim, por força da ressalva na primeira parte do artigo 436º do CCM (na ausência de estipulação em contrário, …), conjugado com a cláusula 2.2 dos contratos-promessa nos termos acima transcritos, é irrelevante saber quem é que culpado na hipótese da não concretização dos acordos (incumprimento), desde que a promitente-vendedora decidiu não vender as fracções autónomas, é o caso em apreciação, há lugar, então, à aplicação do mecanismo sancionatório acordado pelas partes através da cláusula acima referida.
Pelo expendido, a Recorrida vai ser condenada pela inexecução dos contratos-promessa a pagar à Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, acrescida de juros legais desde a data da prolação deste acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 793º do CCM (interpretação a contrário).
Quanto ao demais, mantém-se o decidido na sentença recorrida, julgando-se improcedentes os demais pedidos, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de facto e de direito necessários à procedência das pretensões formuladas.
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Síntese conclusiva:
Quando as partes de contrato-promessa acordaram uma cláusula com o conteúdo de “após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro”, e a promitente-vendedora resolveu o respectivo contrato mediante notificação judicial, há lugar à aplicação desta “cláusula penal” expressamente acordada, quer por força do princípio da autonomia privada, quer por força da ressalva feita na 1ª parte da norma do artigo 436º do CCM.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e passando-se a sentenciar da seguinte forma:
1) - Ser a Recorrida condenada pela inexecução dos contratos-promessa a pagar à Recorrente/Autora o dobro das quantias que este lhe pagou, acrescida de juros legais desde a data da prolação deste acórdão.
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2) - Manter-se o demais decidido na sentença recorrida e julgar-se improcedentes os restantes pedidos.
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Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção de 1/3 para a Recorrente e 2/3 para a Recorrida.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 18 de Março de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
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