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Processo nº 218/2021/A
Data do Acórdão: 31MAR2021


Assuntos:

Suspensão de eficácia do acto administrativo
Grave lesão do interesse público na não execução imediata
Prejuízos de de difícil reparação


SUMÁRIO

1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

2. O requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

3. Não se pode dar por verificado o requisito exigido pelo artº 121-/1-b) do CPAC, se a revogação da autorização de permanência tiver em vista salvaguardar a paz social e a segurança pública, já postas em causa pela conduta do requerente, e prevenir especialmente contra a eventual prática no futuro pelo requerente dos factos susceptíveis de lesar ou pôr em perigo de novo esses mesmos bens jurídicos, dada a personalidade algo anti-social demonstrada pelo comportamento doloso do requerente nos factos que estão na origem da prolação do despacho que determinou a revogação, de cuja eficácia se requer a suspensão.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 218/2021/A


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer com fundamentos seguintes, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 18JAN2021, do Senhor Secretário para a Segurança, que determinou a revogação da autorização especial de permanência para fins de estudo, que lhe foi concedida anteriormente e válida até ao 17AGO2021:
  A, solteiro, maior, estudante, titular do Salvo Conduto nº XXX e do Bilhete de Identidade da República Popular da China nº XXX, onde reside, mas com domicilio escolhido na XXX, em Macau, tendo sido notificado, em 8 de Fevereiro de 2021, do despacho de 18 de Janeiro de 2021 do Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança, que decidiu revogar a “autorização especial de permanência – estudante” que lhe havia sido concedida (cfr. cópia simples da notificação efectuada ao recorrente que junta como doc. nº 1, que aqui se dá integralmente por reproduzida para os legais efeitos), vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante CPAC), a
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
  Do acto contido no despacho supra identificado, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I - Dos factos e do acto suspendendo

  O Requerente é um cidadão da República Popular da China, a estudar na Universidade da Cidade de Macau, onde frequenta o Curso de licenciatura em Gestão de Serviços (服務業管理學士學位課程), como já consta do procedimento administrativo;

  Para o efeito, e ao abrigo do disposto no artigo 8° da Lei 4/2003, requereu e foi-lhe concedida em 18/11/2017, uma “autorização especial de permanência – estudante”;

  Tal autorização especial de permanência foi concedida com validade até ao final do último ano lectivo do curso que frequenta, ou seja, até ao dia 31/08/202l.

  O Requerente encontra-se matriculado no 4° e último ano do Curso de licenciatura em Gestão, sempre tendo sido um bom aluno, pois tem concluído, com aproveitamento, a quase totalidade das disciplinas de cada um dos semestres de aulas até agora ministradas, apenas lhe faltando concluir duas disciplinas (cfr. cópia simples do extracto das notas obtidas pelo Requerente retirado do site da Universidade da Cidade de Macau que junta como doc. nº 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).

  Inclusive, já concluiu o primeiro semestre deste último ano lectivo com aproveitamento em todas as disciplinas, faltando-lhe apenas concluir o segundo e último semestre deste último ano, consistente num estágio, e as duas disciplinas atrasadas, para assim terminar o curso de licenciatura em Gestão (服務業管理學士學位課程).

  Sendo seu desejo e intenção continuar a estudar na Universidade da Cidade de Macau até concluir o seu curso de licenciatura em Gestão (服務業管理學士學位課程).

  Acontece que, nos finais de Outubro e princípios de Novembro do ano passado, o Requerente agindo irrefletidamente (onde não faltou a influência de outros estudantes como é normal em ambiente académico) numa brincadeira de “mau gosto” derramou cola no corpo de uma outra pessoa, que por sinal era um seu professor.

  O Requerente manifestou já, por diversas vezes, tanto no Ministério Público (no âmbito do inquérito) como na Polícia (no âmbito do procedimento administrativo que levou à prática do acto suspendendo) que estava sinceramente arrependido dos actos praticados, sendo seu desejo proceder à reparação dos danos e a um pedido formal de desculpas ao ofendido.
  Tanto que,

  Em 8 de Fevereiro de 2021, o Requerente apresentou ao Ministério Público, para serem apreciados, uma declaração redigida em língua chinesa pelo ofendido, e por ele assinada, e uma outra redigida em português, e assinada pelo ofendido e pelo mandatário do Recorrente, em ambas declarando o ofendido desistir do procedimento criminal e civil contra o aqui Recorrente (cfr. cópias que se juntam como docs. nºs 3 e 4, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos).
10º
  Tendo até já sido proferido despacho de extinção do procedimento criminal e consequente arquivamento dos autos (cfr. Cópia da notificação e despacho emanados do Ministério Público que junta como doe. nº 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).
11º
  A desistência por parte do ofendido, de qualquer procedimento criminal e civil, retira ao facto praticado alguma censurabilidade que pudesse existir no seu início.
12º
  A pronta atitude de pedido de desculpas por parte do Requerente e a sua prontidão em assumir algum dano por si provocado, demonstra que este não actuou com alguma intenção dolosa contra o ofendido, pois pretendeu de imediato reparar algum dano que eventualmente tenha provocado.
13°
  Porém, surpreendentemente, no mesmo dia em que entregou os documentos supra referidos no Ministério, foi notificado do despacho proferido em 18 de Janeiro de 2021 pelo Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança que se limitou a decidir que concorda com a revogação da “autorização especial de permanência – estudante” que havia sido concedida ao Requerente para estudar em Macau (cfr. doc. nº 1), sendo este o acto que se requer seja suspenso, pois
14º
  A simples revogação da “autorização especial de permanência – estudante”, sem justificar nem fundamentar o acto praticado provoca vícios insanáveis de fundamentação, que tornam o acto nulo.
15º
  De tal acto administrativo interpôs o Requerente, nesta mesma data, Recurso Contencioso de Anulação, por no seu entendimento o mesmo estar inquinado de diversos e graves vícios, como ali melhor se explanará, nomeadamente por não se encontrar devidamente fundamentado e, além disso, ser manifestamente desproporcional,
16º
  Pois a decisão de revogação da “autorização especial de permanência – estudante” foi decidida por um órgão da Administração numa total desrazoabilidade do exercício dos seus poderes discricionários, consubstanciado numa clara violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, o que constitui uma ilegalidade por vício de violação de lei e determina, por conseguinte, a anulabilidade da decisão proferida pela Administração nos termos do disposto no artigo 124º do CPA.
17º
  Além de que o Requerente é primário, nunca antes tendo praticado qualquer crime ou sido condenado em processo crime (cfr. Pública-forma do certificado do registo criminal que junta como doc. nº 6, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos).
18º
  Ora, de acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 2º do CPAC, “a todo o direito subjectivo público ou interesse legalmente protegido corresponde um ou mais meios processuais destinados à tutela jurisdicional efectiva, bem como os procedimentos preventivos e conservatórios necessários para acautelar o efeito útil de tais meios”.
II - Dos pressupostos e requisitos
A - Da legitimidade
19º
  O Requerente tem legitimidade, porquanto é o titular do direito subjectivo ou interesse legalmente protegido lesado pelo acto suspendendo - cfr. artigos 33º, alínea a) e 121º, nº 1, do CPAC.
B - Da competência do Tribunal
20º
  O Tribunal de Segunda Instância é o competente, nos termos do artigo 36°, nº 8 (2) e (11) da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei 9/1999 de 20 de Dezembro de 1999 com as alterações introduzidas pelas Leis nº 7/2004, 9/2004, 9/2009 e 4/2019.
C - Do conteúdo positivo do acto suspendendo
21º
  O acto administrativo de revogação da “autorização especial de permanência – estudante” concedida ao Requerente proferido em 18.1.2021 pelo Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança é, de acordo com o artigo 120°, alínea a) do CPAC, susceptível de suspensão da sua eficácia, porquanto é, sem qualquer dúvida, um acto com conteúdo positivo, pois altera a situação jurídica existente para o Requerente, de modo desfavorável;
D - Do prejuízo de difícil reparação
22º
  Conforme já se referiu supra, o Requerente é um cidadão da República Popular da China, a quem em 18.11.2017, foi concedida uma “autorização especial de permanência-estudante” com validade até 31.08.2021, com vista a que o mesmo pudesse estudar na Universidade da Cidade de Macau, onde se encontra matriculado e a frequentar o Curso de licenciatura em Gestão de Serviços (服務業管理學士學位課程);
23º
  O Requerente está já no 4° e último ano do referido curso de licenciatura, tendo concluído, com aproveitamento, a quase totalidade das disciplinas de cada um dos semestres de aulas até agora ministradas, apenas lhe faltando concluir duas disciplinas atrasadas e o estágio deste último semestre (cfr. cópia simples do extracto das notas obtidas pelo Requerente retirado do site da Universidade da Cidade de Macau que junta como doc. nº 2, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).
24º
  Semestre que termina em meados de Junho próximo (cfr. cópia do horário retirado do site da Universidade da Cidade de Macau que junta como doc. nº 7, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos), sendo que os exames finais das disciplinas em atraso terão lugar um em Maio e outro em Julho ou Agosto, altura em que o Recorrente conta ter concluído o seu curso.
25º
  Ora, a revogação da autorização especial de permanência, tem como consequência imediata a de impedir o Requerente de frequentar as aulas na Universidade da Cidade de Macau, e de prestar as provas nas disciplinas deste último semestre;
26º
  E não podendo frequentar as aulas nem prestar as provas, o ano fica irremediavelmente perdido, e bem assim a mais que provável conclusão do seu curso superior fica comprometida, quando apenas lhe faltam 5 ou 6 meses de aulas e exames finais das disciplinas do último semestre.
27º
  Além de que, como é do conhecimento geral, não é possível a um qualquer aluno que se encontre a frequentar o último ano de um curso de licenciatura prosseguir os seus estudos numa outra universidade fora de Macau, sem ter de começar de novo ou de voltar a frequentar disciplinas de anos anteriores, por os programas curriculares diferirem de universidade para universidade, levando ao não reconhecimento de disciplinas já concluídas.
28º
  O que representará deitar para o “lixo” todo o esforço de 3 anos e meio de estudo, aulas e exames concluídos com sucesso, e os inerentes gastos, que ficarão irremediavelmente perdidos.
29º
  Factos estes que, sendo notórios e sem necessidade de prova, são por demais demonstrativos do prejuízo de difícil reparação decorrente do acto suspendendo e, como tal, preenchido está o requisito a que alude o artigo 121º, nº 1, alínea a) do CPAC.
E - Da não lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto
30º
  Entende o Requerente que não existe qualquer factor de lesão grave do interesse público que possa estar a ser postergado com a suspensão do acto que revogou a “autorização especial de permanência – estudante”,
  Porquanto,
31º
  Sendo certo que o acto proferido provoca em si mesmo danos muito superiores aos provocados pelo Requerente, os quais são praticamente inexistentes, como aliás reconhece o ofendido ao desistir de qualquer procedimento criminal e civil, e
32º
  Estando já reparados os danos provocados pelo Requerente, tendo o ofendido (o professor) desistido do procedimento criminal e civil (cfr. docs. nºs 3 e 4);
33º
  Faltando apenas 5 ou 6 meses para o Requerente concluir o seu ciclo de estudos de Licenciatura em Gestão, no qual tem sido um bom aluno, aplicado, que tem obtido aproveitamento em todos os anos lectivos;
34°
  Encontra-se mais que verificado e comprovado, no caso concreto, o requisito da suspensão da eficácia do acto previsto no artigo 121º, nº 1, alínea b) do CPAC.
35°
  Mesmo que não se venha a entender estar verificado este requisito, sempre se dirá que, em face das circunstâncias concretas do caso já referidas, quer neste articulado quer no Recurso Contencioso e estando verificados os demais requisitos previstos no nº 1 do artigo 121º do CPAC, a imediata execução do acto causa ao Requerente prejuízos desproporcionalmente superiores.
36°
  Pelo que, nos termos do disposto do artigo 121º, nº 4 do CPAC, poderá ser concedida a suspensão da eficácia do acto em causa.
F - Da não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso
37°
  Impõe o artigo 121º, nº 1, alínea c) do CPAC que para ser deferida a suspensão da eficácia do acto administrativo, "do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso".
38°
  Sobre o preenchimento deste requisito tem sido entendimento unânime desse Venerando Tribunal de Segunda Instância que “só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência” (veja-se, entre outros o acórdão de 14 de Junho de 2007 proferido no Processo nº 278/2007/A).
39º
  Ora, do despacho supra identificado cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (cfr. o ofício cuja cópia se junta como doc. nº 1), o qual apreciará certamente todos os vícios do acto referido na presente petição, nomeadamente a não fundamentação do acto recorrido.
40º
  Assim, sendo o acto em causa recorrível, e estando o Requerente em tempo de interpor o devido recurso contencioso, está verificado o requisito negativo imposto pela alínea c) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, como vem sendo entendimento unânime desse Venerando Tribunal.
III - PEDIDO
  Nos termos exposto e nos mais de direito que V. Exa doutamente suprirá, requer-se a V. Exas que, nos termos do artigo 125º nº 3 do CPAC, se proceda à citação do órgão administrativo que proferiu o acto suspendendo - o Excelentíssimo Senhor Secretário para a Segurança - com domicilio na Calçada dos Quartéis, em Macau, para contestar o presente pedido, querendo, no prazo de 10 dias, com expressa menção do previsto nº artigo 126º, nº 1 do CPAC, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais, decretando-se a requerida suspensão da eficácia nos termos supra referenciados.
Prova documental:
  1 - O original do processo administrativo pertinente e todos os demais documentos atinentes à matéria do recurso contencioso, a juntar pela entidade recorrida em cumprimento do disposto no artigo 55°, nº 1 do CPAC;
  2 - Os documentos juntos com este pedido.
  Por último, o Requerente vem, ao abrigo e para os efeitos dos artigos 9º da Lei Básica da RAEM, e 1º, n.º 2, 8º n.º 1 e artigo 9° do Decreto-Lei n.º 101/99/M de 13 de Dezembro, requerer a V. Exa, muito respeitosamente, que todos os actos sejam processados em língua portuguesa.

Citada, a entidade requerida contestou pugnando pelo indeferimento do pedido por não preenchimento de alguns dos pressupostos para tal legalmente exigidos.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 53 a 55v dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento do pedido da suspensão de eficácia.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do presente procedimento cautelar.

De acordo com os elementos constantes doa autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* O requerente é estudante universitário não residente, a quem foi deferida a autorização especial de permanência, para fins de estudo, com validade até ao dia de 17AGO2021;

* O requerente encontra-se a frequentar o 4º ano do curso de licenciatura em gestão de serviços, ministrado pela Universidade da Cidade de Macau;

* Com base nos seguintes factos da autoria do requerente :

……利害關係人……由於其學校導師B在一次期末考試給予其不合格,故心存怨念。於2020年10月29日,乘導師在校內廁所小解期間,向其迎面潑了一杯膠水,沾到導師身體,作案後逃離現場;及後,再於2020年11月17日,乘其行經氹仔徐日昇寅公馬路澳門城市大學行政樓外圍時,從二樓平台倒下一瓶膠水,並成功沾到其身體,造成其眼部、頸部痛楚及衣物受損。……

descritos na informação nº 1554/2020/CII elaborado pelo pessoal do Comissariado de Inquéritos do Departamento Policial das Ilhas da PSP, foi desencadeado o procedimento administrativo na PSP, que culminou com a prolação do despacho datado de 18JAN2021 do Senhor Secretário para a Segurança que lhe determinou a revogação da autorização de permanência;

* Do despacho o requerente foi notificado através do ofício cuja cópia se junta aos presentes autos a fls. 8;

* Inconformado, o requerente formulou, mediante o requerimento datado de 10MAR2021, o presente pedido de suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização especial de permanência na RAEM, e dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante a petição datada da mesma data.

Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.

Tratando-se in casu de revogação de uma autorização especial de permanência antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de um statu quo e que da execução do acto da revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.

Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.

Comecemos então pela análise da verificação ou não do requisito exigido na alínea c) que se nos afigura relativamente simples.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data em que o requerente foi notificado do despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão e a data em que a petição de recurso contencioso deu entrada na Secretaria do TSI, assim como a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

Então passemos a analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

Essencialmente falando, para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que com a execução imediata da revogação da autorização de permanência, ele fica impedido de continuar a frequentar e concluir o curso universitário que lhe faltam 5 ou 6 meses de aulas e exames finais das disciplinas do último semestre. Mais alega que é do conhecimento geral e notório, portanto sem necessidade de prova, que não é possível a um qualquer aluno que se encontre a frequentar o último ano de um curso de licenciatura prosseguir os seus estudos numa outra universidade fora de Macau, sem ter de começar de novo ou de voltar a frequentar disciplinas de anos anteriores, por os programas curriculares diferirem de universidade para universidade, levando ao não reconhecimento de disciplinas já concluídas.

Ora, como se sabe, o instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

In casu, se é certo que se pode dar por provado o forçoso abandono da RAEM, não é menos verdade que o requerente se limita a alegar a impossibilidade de continuar a estudar na RAEM para concluir pela existência dos prejuízos de difícil reparação, no entanto, nada em concreto foi dito para nos convencer da probabilidade da verificação daqueles prejuízos e o nexo de causalidade entre a impossibilidade de continuar a estudar na RAEM e os alegados prejuízos, por ele reputados de difícil reparação.

Para nós, tal como alegou a entidade requerida em sede de contestação, o requerente não logrou demonstrar a impossibilidade de prosseguir os seus estudos e de se inscrever e obter o reconhecimento das disciplinas concluídas com aproveitamento numa outra instituição fora da RAEM, nomeadamente numa das centenas de instituições académicas que o Interior da China oferece.

Concordamos inteiramente com a observação nestes termos por parte da entidade requerida, uma vez que, dada a natureza vulgar do curso que frequenta na RAEM e sendo jovem que é, não se vê como é que o requerente não pode prosseguir os seus estudos em qualquer das instituições de ensino superior sediadas no Interior da China ou no estrangeiro, com ou sem reconhecimento das disciplinas já concluída com aproveitamento na RAEM.

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC.

Passemos assim a debruçar-nos sobre o requisito exigido na alínea b).

Tendo sido invocado pela Administração que a não execução imediata do despacho gerará grave lesão do interesse público que a prolação do despacho visa tutelar, não se opera, ao abrigo do disposto no artº 129º/1 do CPAC, a presunção da verificação do requisito previsto no artº 121º/1-b) do CPAC.

A este propósito, alega o requerente que não existe qualquer factor de lesão grave do interesse público que possa estar a ser postergado com a suspensão do acto e que estando já reparados os danos provocados pelo Requerente, tendo o ofendido (o professor) desistido do procedimento criminal e civil.

Antes de mais, é de frisar que não nos podemos deixar orientados pelo simples facto do invocado arquivamento, por desistência do procedimento criminal por parte do ofendido contra o requerente, do inquérito-crime que tem por objecto os factos imputáveis ao requerente e que estão na origem da revogação da autorização de permanência.

Pois consabidamente, as razões cuja ponderação levará o Ministério Público a decidir o arquivamento do inquérito por desistência da queixa criminal contra o agente dos factos são de ordem de pressupostos processuais e nada têm a ver com a dignidade penal e a censurabilidade dos factos, nem com o carácter ofensivo e violador dos bens jurídicos desses mesmos factos.

Assim, não comportando qualquer juízo de valor sobre os factos quanto à sua censurabilidade e ao seu carácter ofensivo e violador dos bens jurídicos, o despacho do arquivamento não pode ter a virtualidade de influir na nossa valoração quanto à ilicitude e ao grau de censurabilidade dos factos que estão na origem da prática do acto administrativo de revogação da autorização de permanência, com vista a ajuizar se a não execução imediata desse acto causa grave prejuízo ao interesse público que a prática do mesmo acto visa prosseguir.

Dando uma vista de olhos aos elementos existentes nos autos, somos levados a crer que será manifesta ou ostensiva a grave lesão do interesse público se não for imediatamente executado o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão.

Senão vejamos.

Ora para defender a não verificação in casu desse requisito, a entidade requerida alega que:

35.
  E que na origem daquela decisão de 18.01.2021 esteve o comportamento do Requerente quando, em Outubro e Novembro do ano transacto, nas instalações daquela Universidade lançou, em duas distintas ocasiões, cola líquida contra o professor que lhe havia dado nota negativa num exame, atingindo-o em diversas partes do corpo, para além de danificar alguns dos seus pertences, situação que levou a vítima a participar criminalmente tais factos.
36.
  Pese embora não restasse outra opção ao Ministério Público senão a do arquivamento do inquérito por, em face da desistência da queixa pelo professor ofendido, ser legalmente inadmissível o procedimento já que estavam em causa os crimes semipúblicos de ofensa simples à integridade física e de dano, previstos nos artigos 137º e 206º do Código Penal, o certo é que não existem dúvidas de que o Requerente agiu da forma descrita, tendo, inclusive, confessado os factos.
37.
  Foi a conduta adoptada pelo Requerente, após ser confrontado com uma nota negativa numa das disciplinas do curso que frequenta, que deu origem à decisão ora suspendenda.
38.
  Os dois episódios de agressão infligidos pelo Requerente contra um dos seus professores, movido por um espírito de vingança, constituem acções criminosas e são demonstrativas dos traços de personalidade do Requerente.
39.
  Onde predomina a desinibição, a impulsividade, sentimentos de alienação e de agressão, características típicas de pessoas criminosas e que procuram o perigo e rejeitam os valores convencionais.
40.
  É inquestionável que a conduta do Requerente, além de deliberada, grave e reiterada, revela-se altamente reprovável e ofensiva dos padrões morais e éticos e incompatível com os bons costumes desta Região.
41.
  Tanto assim, que a dimensão dos actos do Requerente mereceu, inclusive, a atenção dos meios de comunicação social que, prontamente, noticiaram os referidos episódios...
42.
  O Requerente não teve qualquer pejo em exercer acções criminosas e socialmente não aceites e em repetir o comportamento, exacerbando sentimentos de poder e de raiva, revelando ser uma pessoa perigosa.
43.
  De facto, o Requerente veio do interior da China para Macau estudar num estabelecimento de ensino superior ao qual foi concedida "autorização especial de permanência" para fins de estudo até 31.08.2021.
44.
  Ora, tendo presente a demora que a decisão que julgue o recurso contencioso apenso a este processo possa envolver e não se perspectivando que até àquela data (31.08.2021) ocorra o trânsito em julgado da mesma, caso seja deferido o presente pedido de suspensão de eficácia o acto suspendendo perderá qualquer utilidade no que respeita aos efeitos que possa produzir.
45.
  O que se afigura inaceitável face à gravidade dos eventos que estiveram na sua génese e ao interesse público subjacente à revogação da autorização especial de permanência de que o Requerente beneficiava.

Uma coisa é certa, se o acto administrativo visa à prossecução do interesse público, é necessariamente lógico que a simples suspensão da sua execução implica sempre prejuízo imediato do interesse público que o acto prossegue.

Portanto, para o decreto da providência da suspensão de eficácia, a lei exige que o prejuízo seja grave.

A fim de avaliar se é grave o prejuízo, é preciso que identifique o interesse público a que visa prosseguir a revogação da autorização especial de permanência que foi anteriormente concedida ao ora requerente para fins de estudo e temos de nos inteirar das razões de facto e de direito subjacentes à prática do acto, não obstante reconhecermos que, no procedimento de suspensão de eficácia, não nos cabe apreciar a existência de fumus boni juris quanto à questão de fundo que será objecto da discussão em sede do recurso contencioso de anulação.

Pois, de outro modo, não estaríamos em condições para examinar a verificação ou não do requisito de grave prejuízo a que se refere o artº 121º/1-b) do CPAC.

Ora, encontramos na parte da fundamentação do acto suspendendo as seguintes razões de facto e de direito expostas pela entidade requerida:

……利害關係人承認由於其學校導師B在一次期末考試給予其不合格,故心存怨念。於2020年10月29日,乘導師在校內廁所小解期間,向其迎面潑了一杯膠水,沾到導師身體,作案後逃離現場;及後,再於2020年11月17日,乘其行經氹仔徐日昇寅公馬路澳門城市大學行政樓外圍時,從二樓平台倒下一瓶膠水,並成功沾到其身體,造成其眼部、頸部痛楚及衣物受損。……
……
3. 鑑於其行為已違反本澳法律,故意犯罪證據充份,且自己也承認有關罪行,故擬廢止已獲批予之學生類「逗留的特別許可」。在書面聽證程序期間,利害關係人及其母親提交了書面意見。(P.45-52)
4. 雖然法院尚未對本案作出最終判決,且利害關係人及其母親在書面陳述中表達了對有關犯罪行為之悔意,但該犯罪行為明顯影響公共安全,尤其校園間的師生關係,故建議即時廢止其學生類「逗留的特別許可」。
……

Trata-se do interesse em salvaguardar a paz social e a segurança pública, já postas em causa pela conduta do ora requerente, prevenindo nomeadamente contra a eventual prática no futuro pelo requerente dos factos susceptíveis de lesar ou pôr em perigo esses bens jurídicos, dada a personalidade algo anti-social demonstrada pelo comportamento doloso do requerente nos factos que estão na origem do despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão.

Eis o interesse público imediato que visa prosseguir a prática do acto suspendendo.

Evidentemente, os tais factos, confessados pelo ora requerente no âmbito das actividades de investigação desenvolvidas por órgãos da polícia criminal e não questionados pelo próprio requerente no presente procedimento cautelar, são efectivamente graves e altamente censuráveis.

Portanto, entendemos que a não execução imediata da revogação da autorização de permanência para fins de estudo, que permitirá a permanência física na RAEM do ora requerente, autor dos factos em abstracto qualificáveis pela nossa lei penal como da especial censurabilidade ou perversidade, é gravemente nociva para o interesse público em assegurar a segurança pública e a paz social da RAEM, salvaguardar a dignidade da lei, nomeadamente a penal, da RAEM, e a confiança geral que os cidadãos depositam na efectividade da ordem jurídica da RAEM.

Por outro lado, dada a manifesta superioridade dos bens jurídicos que visa tutelar a revogação da autorização de permanência em relação aos interesses do requerente que eventualmente poderão vir a ser prejudicados com a imediata execução da revogação, não se opera a situação ressalvada nos termos prescritos no artº 121º/4 do CPAC.

Cremos portanto que, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-b) do CPAC, o que, de per si, implica o indeferimento da pretendida suspensão.

Resumindo e concluindo:

1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

2. O requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

3. Não se pode dar por verificado o requisito exigido pelo artº 121-/1-b) do CPAC, se a revogação da autorização de permanência tiver em vista salvaguardar a paz social e a segurança pública, já postas em causa pela conduta do requerente, e prevenir especialmente contra a eventual prática no futuro pelo requerente dos factos susceptíveis de lesar ou pôr em perigo de novo esses mesmos bens jurídicos, dada a personalidade algo anti-social demonstrada pelo comportamento doloso do requerente nos factos que estão na origem da prolação do despacho que determinou a revogação, de cuja eficácia se requer a suspensão.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 18JAN2021, do Senhor Secretário para a Segurança que determinou a revogação da autorização de permanência anteriormente concedida ao requerente.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.

Registe e notifique.

RAEM, 31MAR2021

Lai Kin Hong
Cheong Un Mei
Shen Li

Fui presente
Paulo Martins Chan


Susp.ef. 218/2021/A-25