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Processo n.º 70/2020
(Autos de recurso contencioso)

Data: 11/Março/2021

Recorrente:
- Associação dos Advogados de Macau

Entidade recorrida:
- Conselho Superior de Advocacia

Contra-interessadas:
- A (1ª) e B (2ª)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com a deliberação tomada pelo Conselho Superior da Advocacia, que aprovou o acórdão proferido nos autos de processo disciplinar instaurados contra as advogadas estagiárias A e B, as quais vieram a ser condenadas na pena disciplinar de “advertência”, interpôs a Associação dos Advogados de Macau o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “A. Tendo em conta os factos acima salientados em sede de alegações, a Recorrente não considera adequada a medida da pena aplicada, pelas razões que a seguir se expõem.
     B. Os factos dados como provados “pecam por defeito”, uma vez que não foi tido em conta, no espírito da norma do art.º 14º, al. a), do Código Deontológico (CD), o facto que facilmente se extrai do comportamento das contra-interessadas, de que, “Em última instância, as Arguidas pretenderam também defraudar a AAM, ou pelo menos, os serviços desta”.
     C. O acórdão ora em causa viola o princípio da proporcionalidade, na parte referente à análise dialéctica entre a culpa do contra-interessado e a medida da pena.
     C. Da análise dos factos dados como provados e da sua subsunção aos princípios deontológicos fundamentais da advocacia, resulta um juízo de culpa relativamente ao comportamento das Contra-interessadas em grau elevado, resultante de uma conduta a todos os níveis reprovável.
     D. Tendo em conta os princípios e deveres deontológicos violados pelas Contra-interessadas, bem como a repercussão do comportamento defraudante das mesmas, parece-nos que a medida da pena aplicada é manifestamente desadequada, por demasiado branda.
     E. O comportamento das Contra-interessadas teve imediata repercussão externa, fora do âmbito da AAM e dos seus serviços, a qual se revela um intolerável prejuízo para a imagem da AAM e da classe profissional que a mesma representa, já de si algo afectada por outros episódios de comportamentos violadores dos deveres deontológicos.
     F. E entre os advogados estagiários, o comportamento das Contra-interessadas não passou despercebido, constituindo um terrível exemplo para aqueles que se encontram em formação para ser advogados, uma formação que se pretende principalmente “enformada” pela Deontologia Profissional.
     G. Transparece do comportamento das Contra-Interessadas uma acentuada “leviandade” relativamente aos princípios deontológicos basilares da profissão forense e, principalmente, da responsabilidade e honra que lhes cabe enquanto advogadas estagiárias.
     H. O posterior arrependimento declarado pelas mesmas não pode relevar como atenuante do dolo evidenciado pelo seu comportamento fraudulento, porque a consciência da nobreza e dignidade do papel de servidores da justiça, que cabe também aos advogados estagiários, tem de existir a partir do momento em que os formandos são admitidos à frequência do estágio.
     I. No entanto, a elevada censurabilidade do comportamento das Contra-interessadas não se traduz na medida da pena decidida aplicar, apenas a primeira, do elenco de seis penas estabelecido no art.º 8º, n.º 3, do EA e no art.º 41º, n.º 1 do CDA.
     J. Sendo elevada a intensidade do dolo revelado pelas Contra-interessadas no seu intuito de defraudar os funcionários do CFJJ e, em última instância, a própria AAM, através das condutas ora em crise, estas deveriam ser, pelo menos, punidas com uma pena nunca inferior à de censura.
     K. Só assim, ficariam devidamente servidos os princípios de prevenção geral e especial da pena.
     L. Não sendo a medida da pena aplicada às Contra-interessadas adequada à gravidade do seu comportamento, o acórdão ora em causa encontra-se ferido do vício de violação do princípio da proporcionalidade.
     Termos em que, padecendo a decisão ora recorrida do vício acima invocado, deve a mesma ser anulada por V. Exas., fazendo assim, a devida JUSTIÇA!”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
     “1. Nos termos da lei, o CSA é o único órgão independente com competência exclusiva para o exercício da jurisdição disciplinar sobre Advogados e Advogados-estagiários.
     2. A deliberação do CSA não viola princípios alguns e é justa e adequada à situação factual provada nos autos de Processo Disciplinar.
     3. A fundamentação do Senhor Instrutor e na qual o CSA inteiramente se louva, é muito clara em todos os seus aspectos, mormente no que à pena proposta (e aprovada) respeita.
     4. No âmbito do processo disciplinar não pode nem deve o Tribunal sindicar a medida da pena ou anular a deliberação que aplicou a pena, sem estar a invadir a margem de liberdade de que goza a Administração, numa área designada de “justiça administrativa”.
     5. O Tribunal pode e deve avaliar a legalidade da punição, desde que esta ofenda os critérios de individualização e graduação previstos na lei, ou apreciar os critérios de graduação e os resultados da sua aplicação se forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.
     6. Não padece de qualquer vício a deliberação do CSA, que aplicou a pena correcta, proporcional e adequada de Advertência às duas Advogadas-estagiárias.
     Termos em que, deve ser mantida a deliberação primitiva do CSA, assim se promovendo a almejada Justiça!”
*
Citadas as advogadas estagiárias, na qualidade de contras-interessadas para, querendo, contestarem, foram apresentadas as seguintes contestações:
Pela 1.ª contra-interessada A, nos seguintes termos conclusivos:
     “a. Vem a Recorrente recorrer da pena disciplinar de advertência aplicada à ora Contra-Interessada pelo CSA por entender que o acórdão padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade, alegando que a medida da pena disciplinar aplicada às Contra-Interessadas não é adequada à gravidade do seu comportamento.
     b. Com o devido respeito, não pode a ora Contra-Interessada deixar de discordar com várias alegações da Recorrente.
     c. Com efeito, as acções da ora Contra-Interessada foram, ainda que insensatas, motivas por boa intenção, e não com um intuito fraudulento.
     d. Tento o CSA tomado tal facto em consideração na determinação da medida da pena nos termos do artigo 42º do Código Disciplinar dos Advogados.
     e. Assim como considerou o arrependimento demonstrado pela Contra-Interessada pela sua conduta.
     f. Por outro lado, não pode a Contra-Interessada concordar com a imputação de condutas violadoras de deveres deontológicos por outros profissionais como agravante ao presente caso.
     g. Tais comportamentos alheios à Contra-Interessada, não deverão relevar para os presentes casos nem para a determinação da medida da pena a aplicar.
     h. Pelo que se questiona a intenção da Recorrente de punir a Contra-Interessada pelo comportamento de outros profissionais.
     i. É ainda de relevar a angústia sofrida pela Contra-Interessada pela retenção da nota da Contra-Interessada referente ao módulo de Direito Administrativo.
     j. Tal decisão tomada pela Recorrente não foi notificada à Contra-Interessada, da qual só teve conhecimento em momento posterior.
     k. Decisão que a ora Recorrente não se dignou a justificar ou fundamentar apesar dos vários pedidos verbais de esclarecimento que as Contra-Interessadas apresentaram.
     l. Tal suspensão consubstancia-se numa pena acessória à advertência que a Contra-Interessada veio receber, a qual lhe causou imensa angústia, incerteza e ansiedade.
     m. Todo este processo (que se arrasta há dois anos) demonstra-se desproporcional ao comportamento que teve na sua génese, visto que, tal como indicado supra, a pena disciplinar aplicada pelo CSA cumpre os fins das penas disciplinares no presente caso.
     n. Tudo ponderado, entende-se que a pena disciplinar de advertência aplicada às Contra-Interessadas, é proporcional e ajustada ao presente caso.
     o. Por outro lado, o CSA exerce jurisdição disciplinar exclusiva sobre os advogados e advogados estagiários.
     p. Tal como tem vindo a entender a jurisprudência de Macau.
     q. Nestes termos, o CSA aplicou a pena disciplinar correcta, proporcional e adequada à conduta da ora Contra-Interessada.
     Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve o presente Recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a deliberação do CSA, como é de JUSTIÇA!”

E pela 2.ª contra-interessada B, nos seguintes termos conclusivos:
     “a. Foi imputada à Advogada Estagiária ora 2ª Contra-interessada, a prática de factos que consistem por si na violação de deveres profissionais, aos quais se encontrava (e encontra) obrigada, pela sua qualidade de Advogada Estagiária e pelas regras deontológicas a que se encontra sujeita.
     b. A 2ª Contra-interessada revelou, desde o sucedido o seu arrependimento quanto aos factos.
     c. A 2ª Contra-interessada assumiu, desde o início do procedimento disciplinar, todos os factos de que foi indiciada.
     d. Contactou a Recorrente e procurou solucionar o problema ab initio.
     e. E arcou com a censura social e a censura profissional, associadas ao seu comportamento.
     f. O CSA, cuja competência neste tipo de procedimentos é exclusiva, após as devidas análise e discussão, deliberou e aplicou unanimemente a sanção de Advertência, que considerou justa e adequada, a qual apenas por este órgão pode ser aplicada, uma vez que é uma competência exclusiva e cujo exercício se reveste da discricionariedade administrativa que lhe está associada.
     g. Inconformada com a decisão do CAS, a ora Recorrente interpôs o presente Recurso Contencioso daquela decisão.
     h. Por entender que tal pena não cumpre os desígnios da AAM, cuja imagem foi, segundo a própria, lesada.
     i. Note-se que a alegada “lesão” da imagem da AAM apenas se encontra alegada, sem se encontrar sequer demonstrada uma lesão concreta e o seu nexo de causalidade com os factos em causa.
     j. Como é bom de ver, os danos carecem de prova da sua quantificação e do seu nexo de causalidade.
     k. Por outro lado, entendeu a Recorrente que a 2ª Contra-interessada agiu com dolo, que não prova nem se digna a concretizar de onde retira tal conclusão.
     l. Acresce que, no artigo 10º da douta petição de recurso, alega a Recorrente que a atitude da 2ª Contra-interessada causou um “… intolerável prejuízo para a imagem da AAM e da classe profissional que a mesma representa, já de si algo afectada por outros episódios de comportamentos violadores dos deveres deontológicos, por parte de alguns profissionais forenses.”
     m. O que demonstra claramente que a ora Recorrente pretende com a presente demanda “castigar” e punir a 2ª Contra-interessada por comportamentos de outros profissionais.
     n. Atitudes essas que são totalmente alheias à 2ª Contra-interessada.
     o. Entendeu também a Recorrente que o comportamento das Contra-interessadas não passou despercebido entre os colegas da profissão.
     p. Assiste razão à Recorrente, porquanto até ao momento a 2ª Contra-interessada se encontra a sofrer as consequências no seio profissional.
     q. Assim, questiona-se, não estarão já cumpridos os fins do processo disciplinar e das penas, através da aplicação da pena de Advertência?
     r. Entende a 2ª Contra-interessada que sim, porquanto as necessidades de prevenção geral e especial não justificam, por tudo o explanado, que se aplique uma pena mais gravosa.
     Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de v. Exa., deve o presente Recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a deliberação do CAS.
     Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

Oportunamente, apresentaram a entidade recorrida e a 2ª contra-interessada alegações facultativas, reiterando as razões já deduzidas no seu anterior articulado.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
As contra-interessadas A e B são advogadas estagiárias.
Por Acórdão de 24.10.2019, proferido no âmbito de processo disciplinar, foram as duas advogadas estagiárias condenadas pela entidade recorrida na pena disciplinar de advertência, pela prática dos seguintes factos:
- As Arguidas naquele processo disciplinar comum e aqui contra-interessadas são advogadas estagiárias.
- As contra-interessadas frequentavam as aulas do módulo de Direito Administrativo, da componente escolar do estágio.
- No dia 5 de Setembro de 2018, no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) de Macau e com início às 09h30, teve lugar uma aula respeitante ao referido módulo.
- A segunda contra-interessada, Drª. B, estando atrasada na chegada ao CFJJ para frequentar a referida aula do módulo de Direito Administrativo, contactou através de telemóvel a primeira contra-interessada, Drª. A, pedindo-lhe que colocasse o seu nome no respectivo lugar da folha de presença.
- Acedendo ao pedido, a primeira contra-interessada, Dra. A, após assinar a própria presença na referida folha apôs, com o seu próprio punho, o nome da colega no respectivo lugar da mencionada folha de presença.
- Ao actuarem do modo descrito, as contra-interessadas, em conluio, procuraram enganar os responsáveis do CFJJ relativamente à presença atempada da participada Drª. B à referida aula.
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Na petição, a Direcção da AAM na qualidade da recorrente pediu a anulação da deliberação tomada pelo Conselho Superior da Advocacia e traduzida em aplicar a pena disciplinar de advertência separadamente às duas advogadas estagiárias, quais são a Dra. B e a Dra. A (doc. de fls. 15 a 18 verso dos autos), assacando a violação do princípio da proporcionalidade à tal deliberação.
*
De acordo com a doutrina e jurisprudência assentes (a título exemplificativo, cfr. Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, pp. 90 a 95; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim: Código do Procedimento Administrativo de Macau Comentado, Almedina 2ª ed., pp. 104 a 105; Acórdão do TSI no Processo n.º 548/2012), o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios ou máximas, quais são o da adequação (ou da idoneidade), o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido restrito.
A adequação exige que o acto deva servir o fim em vista do qual a norma jurídica configura o poder que este acto exercita e caracteriza-se pela eficácia do meio utilizado (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Almedina 4ª ed., pp. 67 a 68).
Significa o máxime da adequação que a medida adoptada para a prossecução do interesse público deve ser apropriada para a realização do fim ou fins a ele subjacentes, e no caso de a medida ser acto administrativo, o conteúdo do acto escolhido tem que constituir um meio adequado à realização do fim ditado pela norma (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: obra cit., p. 91).
Essas brilhantes inculcas doutrinais aconselham-nos a indagar se a advertência aplicada às referidas advogadas estagiárias pela deliberação em questão for ou não adequada para alcançar o fim subjacente. Para tal efeito, importa ter presente que como as penas penais, as disciplinares têm igualmente por objectivo e finalidade as prevenções geral e especial.
Dado o Código Disciplinar dos Advogados não exemplificar quaisquer indicadores da correspondência entre as infracções disciplinares e as penas disciplinares, afigura-se-nos que é útil e legítimo in casu chamar à colação as disposições nos arts. 312º a 314º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo D.L. n.º 87/89/M.
Ressalvado merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que próxima da repreensão escrita prescrita no art. 312º do apontado Estatuto, a advertência consagrada na alínea b) do n.º1 do art. 41º do Código Disciplinar dos Advogados se aplica tão-só às infracções leves.
No vertente caso, convém realçar que são assentes os seguintes dois factos, a saber: a Dra. B, estando atrasada na chegada ao CFJJ para frequentar a aula do módulo de Direito Administrativo, contactou através de telemóvel a Dra. A, pedindo-lhe que colocasse o seu nome no respectivo lugar da folha de presença, por sua vez, acedendo a esse pedido, a Dra. A, após assinar a própria presença na referida folha apôs, com o seu próprio punho, o nome da colega no respectivo lugar da mencionada folha de presença.
Ressalvado elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, estes factos levam-nos a colher que a Dra. B agiu com dolo directo, e a sua culpa é manifestamente mais intensiva do que a da Dra. A – aquela provocou esta para incorrer a infracção disciplinar, portanto, a sanção disciplinar daquela deve ser mais grave do da Dra. A. Daí decorre que, a nosso ver, o Acórdão in quaestio enferma a violação do princípio da justiça, violação que, pese embora não seja expressamente invocada na petição, determina suficientemente a anulação desse Acórdão (art. 74.º, n.º 6, do CPAC).
Sopesando a culpa e a ilicitude, afigura-se-nos que a Advertência aplicada à Dra. A não padeça da intolerável injustiça ou da total desrazoabilidade, pelo que não contende com o princípio da proporcionalidade, nem pode ser sindicada pelo tribunal.
Ora, o dolo directo da Dra. B e a consequência da correspondente infracção disciplinar aconselham-nos a opinar que a Advertência imposta a ela é sensivelmente insuficiente e inadequada para se realizarem as prevenções especial e geral, por isso, o Acórdão que titula essa Advertência infringe o princípio da proporcionalidade.
No caso sub judice, sucede que o Acórdão aprovado pela deliberação recorrida enunciou propositadamente que “às mesmas e a cada uma seja imposta a pena disciplinar de advertência.” Em esteira da doutrina preconizada pelo saudoso Professor Freitas do Amaral (Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa 1989, p. 91), colhemos que tal Acórdão tem a configuração de acto administrativo plural – comportando em si duas penas disciplinares que, pese embora sejam da mesma espécie, foram aplicadas individualizadamente a duas pessoas singulares reciprocamente independentes.
Sendo assim, a aparente unicidade do sobredito Acórdão não obsta a que o mesmo seja parcialmente anulado, em virtude de que é inválida só uma das duas penas disciplinares – em termos mais concretos, apenas a pena disciplinar aplicada à Dra. B.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela parcial procedência do recurso contencioso em apreço.”
*
Coloca-se apenas a questão de saber se o acto administrativo impugnado teria violado o princípio da proporcionalidade, na vertente da escolha da pena disciplinar.
Mais precisamente, assaca a recorrente ao acto administrativo violação do princípio da proporcionalidade, alegando que a pena disciplinar aplicada às duas advogadas estagiárias no caso concreto - pena de advertência -, é muito leve, sendo, na sua perspectiva, elevada a intensidade de dolo revelado pelas contra-interessadas, por ter defraudado os funcionários do Centro de Formação Jurídica e Judiciária e, em última instância, a própria Associação dos Advogados de Macau, devendo, no seu entender, ser anulado o acto recorrido por enfermar do vício apontado.
Vejamos.
Prevê o artigo 41.º do Código Disciplinar dos Advogados o seguinte:
1. As penas disciplinares são as seguintes:
a) Advertência;
b) Censura;
c) Multa até cem mil patacas;
d) Suspensão de dez dias a cento e oitenta dias;
e) Suspensão de seis meses a cinco anos;
f) Suspensão de cinco anos a quinze anos.

2. As penas previstas nas alíneas c), d), e) e f) do número anterior só serão aplicadas mediante deliberação que obtenha dois terços dos votos de todos os membros do Conselho.
3. Cumulativamente com quaisquer penas, pode ser imposta a restituição de quantias, documentos ou objectos e, conjunta ou separadamente, a perda de honorários.”

Mais determina o artigo 42.º do Código Disciplinar dos Advogados o seguinte:
“Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.”

Seguramente, os Tribunais da RAEM têm reiterada e pacificamente decidido que a violação dos princípios gerais da actividade administrativa, incluindo o princípio da proporcionalidade que agora está em causa, só releva no âmbito no exercício de poderes discricionários, e apenas é sindicável pelo Tribunal em caso de erro grosseiro ou utilização de critério manifestamente inadequado.
Estatui-se na alínea a) do artigo 14.º do Código Deontológico de Advogados que “constituem deveres do advogado para com a Associação dos Advogados colaborar na prossecução dos fins da Associação e zelar pelo seu prestígio e pelo da profissão de advogado.”
Por sua vez, dispõe o artigo 2.º do Código Disciplinar dos Advogados que “constitui infracção disciplinar a violação culposa, por acção ou omissão, dos deveres consignados no Estatuto do Advogado, no Código Deontológico e nas demais disposições em vigor.”
Também se prevê no n.º 4 do artigo 25.º do Regulamento de Acesso à Advocacia que “a frequência dos módulos e de outras iniciativas de comparência obrigatória nos termos do número anterior é comprovada através da assinatura de folhas de presença, ficando ainda os advogados estagiários vinculados ao cumprimento das demais obrigações determinadas nos respectivos programas.”
No presente caso, segundo a matéria de facto dada como provada, demonstrado ficou que a 2ª contra-interessada, por que ia chegar atrasada à aula organizada pela Associação dos Advogados e colaborada pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária, pediu à 1ª contra-interessada para que a ajudasse assinar a folha de presença, tendo esta última acedido ao pedido.
Como foi dito pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e bem, a 2ª contra-interessada agiu com dolo directo, e o grau de culpa é manifestamente mais intenso em relação ao da 1ª contra-interessada, tendo em conta que foi a 2ª quem “instigou” a 1ª a incorrer na prática da respectiva infracção disciplinar, ao passo que a culpa da 1ª contra-interessada é relativamente reduzida, por ter sido “instigada” pela 2ª a cometer a infracção.
Ora, sendo profissionais do Direito, somos a entender que o comportamento das contra-interessadas é inadequado e inaceitável, no fundo, as mesmas pretendiam defraudar os funcionários do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, bem assim a própria Associação dos Advogados, entidade que, como sabemos, teve a iniciativa de organizar as aulas de formação para os estagiários.
Isto posto, no que toca à 1ª contra-interessada, Dr. A, cremos que a entidade administrativa ao apreciar o caso, já teve a oportunidade de ponderar todas as circunstâncias, nomeadamente a intensidade do dolo, por isso aplicou a pena mais leve. A nosso ver, não vislumbramos ser uma medida intolerável nem desrazoável, pelo que aquela parte da deliberação não está enfermada de qualquer erro grosseiro ou manifesto.
Mas no respeitante à 2ª contra-interessada, Dr.ª B, salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que a violação do dever previsto no Código Deontológico pela mesma é gravosa, tendo com a sua conduta defraudado o Centro de Formação e, indirectamente, a Associação dos Advogados, deixando de zelar pelo prestígio da classe, daí que, a nosso ver, a pena disciplinar de advertência é manifestamente leve e desproporcional, enfermando esta parte da deliberação de erro manifesto, devendo, assim, ser anulada.
Posto isto, há-de julgar parcialmente procedente o recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar parcialmente procedente o recurso contencioso interposto pela Associação dos Advogados de Macau e, em consequência, anulando o acto administrativo impugnado, na parte referente à escolha da pena a aplicar à 2ª contra-interessada, Drª. B.
Custas pela recorrente, entidade recorrida e 2ª contra-interessada, em partes iguais, e com taxa de justiça em 4 U.C. cada.
Registe e notifique.
***
RAEM, 11 de Março de 2021

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng




Recurso Contencioso 70/2020 Página 35