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Processo n.º 106/2021
(Autos de recurso em matéria laboral)

Relator: Fong Man Chong
Data: 15 de Abril de 2021

ASSUNTOS:

- Transferência dos trabalhadores duma entidade patronal para uma outra e prazo de prescrição previsto no artigo 311º/-c do CCM

SUMÁRIO:

I - No caso de transferência dos ex-trabalhadores não residentes da B para a C, autorizada pelo Governo da RAEM na sequência do pedido formulado conjuntamente por aquelas sociedades comerciais anónimas, não há cessão pelos trabalhadores de relações laboral definitiva com a anterior entidade patronal, visto que, para além da coexistência actual dos referidos dois entes comerciais, uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.

II - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, pelo que, há que entender-se que não se verifica a suspensão do prazo de prescrição prescrita no artigo 311º/-c) do CCM aquando da transferência em causa.



O Relator,

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Fong Man Chong
















Processo nº 106/2021
(Autos de recurso em matéria laboral)

Data : 15 de Abril de 2021

Recorrente : - A (Autor)

Objecto do Recurso : - Despacho que julgou procedente a excepção peremptória da 1ª Ré (裁定第一被告的永久抗辯理由成立的批示)

Rés : - B (1ª Ré)
- C (2ª Ré)
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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I – RELATÓRIO
    A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 11/11/2020, que julgou procedente a excepção peremptória invocada pela 1ª Ré/B (prescrição dos créditos reclamados pelo Autor), dele veio, em 27/11/2020, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 307 a 313, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Versa o presente Recurso sobre o douto Despacho Saneador na parte em que julgou totalmente procedente a excepção por prescrição invocada pela 1.ª Ré (B) e, em consequência, julgou prescritos os créditos reclamados pelo Autor, absolvendo a 1.ª Ré do pedido;
     2. Salvo o devido respeito, está ora Recorrente em crer que, na referida parte, o douto Despacho Saneador enferma de erro de direito, porquanto não teve em conta que o Recorrente se encontra ainda hoje a prestar a sua actividade profissional de "guarda de segurança" para a 2.ª Ré (C) sob a égide de uma única relação jurídica, assente na autorização de contratação de 280 trabalhadores não residentes inicialmente concedida à 1.ª Recorrida (B) e que por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, de 17 de Julho de 2003, foi transferida para a 2.ª Ré (C);
     3. Daqui resulta que o ora Recorrente ainda hoje mantém com a 2.ª Recorrida (C) a mesma actividade profissional de "guarda de segurança" que de forma contínua e ininterrupta se iniciou em 04/07/2001 até ao presente;
     4. E a ser assim, nos termos do disposto no art. 311.°, n.º 1, al. c) do Código Civil: "a prescrição não se completa (...) entre as partes de quaisquer (...) tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho", razão pela qual, em caso algum se devem ter por prescritos os créditos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer;
     5. Trata-se, de resto, da posição que tem vindo a ser sufragada pelo douto Tribunal de Recurso, nos termos do qual tem vindo a ser aceite que: "(...) só nos limitamos a dizer que, em vez de cessação da relação de trabalho entre o Autor e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição de um sujeito antecessor (a XXXX) por um outro sucessor (a YYY) numa mesma relação de trabalho que permanece. Na verdade, não tendo a modificação subjectiva ocorrida em 21JUL2003 feito cessar a relação laboral, o Autor não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos a que se alude o artº 311°/1-c) do CC, à luz do qual a prescrição não se completa...... entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho (...) Tendo em conta a tal particularidade, cremos que a razão de ser da causa de suspensão de prescrição prevista no artº 311°/1-c) do CC continua a estar presente no caso em apreço mesmo depois da sucessão da posição contratual da XXXX pela YYY" SI (Cfr. entre outros o Ac. do TSI, Proc. n.º 1280/2019);
     6. De onde, visto que a relação de trabalho ainda hoje perdura em caso algum se verifica uma qualquer prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, ora Recorrente, sabido que a mesma se não completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou, pelo que deve improceder a excepção peremptória da prescrição invocada pela 1.ª Ré (B), o que desde já e para os legais efeitos se alega e requer.
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    B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 315 a 324, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida no Despacho Saneador de fls. 295 a 300, pelo douto Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou totalmente procedente a excepção por prescrição invocada pela 1.ª Ré (B) e, em consequência, julgou prescrito os créditos reclamados pelo Autor, absolvendo a 1ª Ré do pedido, por entender que, a sobredita decisão proferida no Despacho Saneador de fls. 295 a 300, enferma de erro de direito por entender que o Recorrente manteve somente uma única relação jurídica em relação às duas Rés, B e C, por força do despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003.
     II. Em 20/05/2020, o Autor, ora Recorrente, intentou contra a aqui Recorrida e a C a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré B no pagamento de uma indemnização global de MOP$156.186.00, e da 2ª Ré C no valor global de MOP$656,891.00, a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à 1ª Ré B entre 04/07/2001 a 21/07/2003, e prestou serviço à 2ª Ré C desde 22/07/2003 até ao presente.
     III. Em sede de contestação, a Ré aduziu uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré B, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.°, n.º 1, ambos do Código Civil.
     IV. O Autor apresentou resposta, alegando, em suma, que os créditos reclamados pelo Autor não se encontram prescritos.
     V. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 295 a 300 dos autos, o Despacho ora recorrido, concordou com o teor da contestação da 1ª Ré (B) e decidiu julgar procedente a excepção peremptória da prescrição.
     VI. Verificou-se uma efectiva cessação - termo - do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e 1ª Ré iniciou-se a 04/07/2001 e terminou a 21/07/2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27.°, n.º 3 do CPT, e artigos 302.°,311.°, n.º 1, alínea c) e 315.°, n.º 1, todos do CC.
     VII. A 1ª e a 2ª Rés, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrente.
     VIII. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
     IX. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, ora Recorrida, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
     X. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: "Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO D - B para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços".
     XI. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré B, ora Recorrida, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré C, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo.
     XII. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré B.
     XIII. Sendo mesmo esse o entendimento do Tribunal a quo.
     XIV. A decisão constante do douto Despacho proferido a 295 a 300 dos autos, isto é, a decisão de julgar procedente a excepção peremptória da prescrição invocada pela Ré (B) ora Recorrida, declarando-se em conformidade prescritos os créditos reclamados pelo Autor, devendo assim improceder aqui o Recurso a que ora se responde.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    São fixados os factos assentes constantes de fls. 297º/v a 298º/v dos autos, cujo teor se dá por reproduzido a qui para todos os efeitos.
    
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    É o seguinte despacho que constitui o objecto deste recurso, proferido pelo Tribunal de primeira instância:
    “(…)
     Excepção da prescrição
     A 1.ª Ré arguiu a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor na medida em que a relação laboral em causa nos presentes autos se iniciou a 04/07/2003 e terminou a 21/07/2003, pelo que todos os créditos reclamados pelo Autor se encontram prescritos.
     O Autor, em sede de resposta, vem, resumidamente, invocar que, não obstante a diferente personalidade jurídica das duas Rés, o Autor (e os demais 280 trabalhadores não residentes) mantém a mesma actividade profissional, no mesmo local, com a mesma natureza, na 2.ª Ré (C), tendo ocorrido apenas uma mera sucessão de entidades patronais, muito embora sob a égide de uma só relação de trabalho, alegando assim que a prescrição dos créditos laborais reclamados não se completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral.
     Cumpre decidir.
     A questão que nos é colocada tem sido alvo de aturada discussão nos Tribunais da RAEM tendo a jurisprudência maioritária decidido que os créditos reclamados nesta acção estão sujeitos ao prazo geral consagrado no artigo 302.º do Código Civil por estarmos em face de prestações de cariz indemnizatório e não remuneratório (sendo certo que não existe uma norma específica a regular esta matéria como acontece, por exemplo, na legislação laboral substantiva vigente em Portugal, v.g. no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
     Os factos em causa nos presentes autos iniciaram-se a 04/07/2003 e terminaram a 21/07/2003; assim, o prazo ordinário aplicável ao caso é o do actual Código Civil de Macau, entrado em vigor em 01 de Novembro de 1999.
     Assim sendo, de acordo com o artigo 302.º do actual Código Civil, o prazo de prescrição de 15 anos foi efectivamente interrompido com a notificação da 1.ª Ré para a tentativa de conciliação em 04/06/2020, pelo que os factos posteriores a 04/06/2005 poderiam ser conhecidos agora em juízo.
     Contudo, o artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil vigente dispõe na sua versão chinesa que “一、在下列期間,時效不完成:(…)c) 就擔任家務工作之人與其僱主間所存在之一切債權,在此種工作關係存續期間直至關係終止後兩年;對於其他工作關係之當事人之間就該工作關係而產生之債權,在工作關係存續期間直至關係終止後一年;(…)1” (sublinhado nosso).
     Sendo a relação de trabalho em causa não doméstico, a prescrição só não se completaria se o trabalhador exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da mesma relação.
     No caso em apreço, o Autor formulou pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
     Na verdade, de acordo com o aludido Despacho do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças (fls. 41 a 43 dos autos) estabelece-se nos 5.º e 6.º parágrafos que:
     “ Autorizo, após parecer favorável da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, a transferência das autorizações concedidas para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, afectos ao CASINO D – B para a C segundo o regime do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, devendo esta apresentar contrato de prestação de serviços com a entidade habilitada como fornecedora de mão / de – obra não residente, nos termos da línea c) do despacho 12/GM/88 de 1 de Fevereiro.
     Cancelo, nos termos do nº 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO D/B, para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços.” (sublinhado nosso)
     Para o efeito, após estar ao serviço da 1.ª Ré (B), o Autor passou a estar o serviço da 2.ª Ré (C). Tratando-se de entidades patronais diferentes, sendo que a 2.ª Ré (C) apenas surge em 2003, ocorrendo nesta data a transferência de trabalhadores da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), mesmo que os trabalhadores, incluindo o Autor, trabalhavam nas mesmas ou semelhantes condições.
     Não alegando nem se provando que a 1.ª Ré (B) transferiu todos os seus elementos constitutivos para a 2.ª Ré (C) e que por força dessa transferência esta adquiriu todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho celebrados anteriormente, não se pode concluir que o Autor trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
     Está configurada a acção, estamos em presença, no lado passivo da relação jurídica processual, de uma coligação, uma vez que o Autor demandou as Rés, com pedidos indemnizatórios diferentes cuja procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (artigo 64.º, n.º2 do CPC).
     A coligação analisa-se numa cumulação, no mesmo processo, de pedidos que poderiam ser deduzidos em acções intentadas separadamente; logo, na coligação de Rés – como é o caso em apreço – há uma pluralidade de partes, do lado passivo, sendo autónomos os direitos invocados e os correspondentes pedidos formulados contra cada uma delas, uns e outros fundados nas mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas; há, portanto, no mesmo processo, uma cumulação ou reunião de acções, em cada uma das quais são exercidos direitos autónomos e independentes entre si que poderiam ser dirimidos em processos diferenciados. Tudo se passa como se o Autor intentasse acções separadas que, depois, seriam apensadas, para efeitos de julgamento conjunto.
     Pelo exposto, para o efeito do artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil, a prescrição só não se completaria se o Autor exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da relação de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré, ou seja, a contar do dia 21/07/2003.
     Sem necessidade de outras considerações, julga-se totalmente procedente a alegada excepção peremptória declarando-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor contra a 1.ª Ré e em consequência, absolvendo-se a 1.ª Ré do pedido, nos termos do artigo 412.º, n.º3 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT.
     Custas pelo Autor.
     Notifique.
    (…)”.
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    Quid Juris?

    Ora, em vários arestos este TSI já se pronunciou sobre esta questão da prescrição dos créditos laborais reclamados pelos ex-trabalhadores da B, apesar de ela não se figurar como questão principal do recurso, citando-se, aqui, como exemplo, as considerações por nós tecidas no acórdão do processo nº 330/2020, de 11/06/2020:
    “A questão levantada nesta parte do recurso consiste em saber se o facto de transferência dos 280 trabalhadores (dos quais fazia parte o ora Autor) da B para a C, tem ou não efeito de cessação da relação laboral que o Autor tinha para com a B.
    A Recorrente entende que sim, enquanto o Autor defende o contrário.
    Diga-se desse já que não se verificou uma "efectiva cessação" do contrato de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré em 21 de Julho de 2003.
    É que, não obstante a 1.ª e a 2.a Rés serem "pessoas jurídicas distintas" o Autor manteve de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as Rés entre 01/09/2002 a 20/07/2018 (Cfr. neste sentido e para data do início da relação de trabalho, a Declaração emitida pela 2.ª Ré (C) e junta sob o Doc. 2 da PI).
    E tal foi assim - conforme as Recorrentes bem o referem - por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a "transferência das autorizações para a contratação" de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos "pudessem passar a exercer funções na C", "permanecendo no seu posto de trabalho". (Cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial).
    Depois, sempre se recorda, que uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.
    Realcem-se 2 aspectos relevantes neste ponto:
    a) - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, nunca tal transferência foi “forçada” pelo Governo;
    b) – Às Rés compete invocar e provar que, a partir da data da transferência dos trabalhadores, houve cessão da relação laboral que o Autor mantinha com a B, mas nada isto foi feito.
    
    Pelo exposto, como a relação de trabalho apenas terminou no passado dia 20/07/2018 e que as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, em caso algum se verifica a alegada prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, sabido que a mesma (prescrição) se não completa antes de corridos 2 anos2 sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou.”
    Mutatis mutandis, o raciocínio expendido vale igualmente para a situação destes autos em análise.
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    Nas decisões mais recentes, relativamente à mesma questão (prescrição dos créditos laborais), ou seja, a eventual aplicação do artigo 311º do CCM aos créditos laborais reclamados pelos trabalhadores da B e C, este TSI tem sido também chamado a pronunciar-se, tendo consignado o seguinte entendimento dominante:
    “(…)
     Considerando a mens legislatoris da causa de suspensão da prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC que é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.
     E tendo em conta o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da YYY, a XXXX é uma sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da YYY por ser sócio dominante desta.
     Se, em vez de cessação definitiva da relação de trabalho entre o trabalhador e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição da XXXX (antecessor) pela YYY (sucessor) numa mesma relação laboral com o trabalhador, este não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos, a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, a contar apenas a partir da cessação da relação laboral com a YYY, para reclamar os créditos laborais devidos pela XXXX, uma vez que, mesmo após a sucessão da YYY na posição contratual da XXXX, esta não deixa de ser a entidade a quem o trabalhador se encontra “de facto subordinado”. (sumário do proce. nº 1280/2019, de 05/03/2020)
    
    Estas considerações continuam a ser válidas para o caso em análise, não encontramos razões bastantes para alterar a posição, o que determina necessariamente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e mandando-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para reformular o despacho saneador em conformidade e prosseguir a acção até final, se não existir outra causa que a tal obste.
    
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    Em síntese conclusiva:
    I - No caso de transferência dos ex-trabalhadores não residentes da B para a C, autorizada pelo Governo da RAEM na sequência do pedido formulado conjuntamente por aquelas sociedades comerciais anónimas, não há cessão pelos trabalhadores de relações laboral definitiva com a anterior entidade patronal, visto que, para além da coexistência actual dos referidos dois entes comerciais, uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.
    II - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, pelo que, há que entender-se que não se verifica a suspensão do prazo de prescrição prescrita no artigo 311º/-c) do CCM aquando da transferência em causa.
    
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    Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso e consequentemente:
    a) – Julgar improcedente a excepção da prescrição de créditos contra a 1ª Ré/B, revogando-se o despacho recorrido;
    b) – Mandar baixar os autos ao Tribunal a quo para reformular o despacho saneador, a fim de prosseguir a acção até final, se não existir outra causa que a tal obste.
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    Custas pela Recorrida nesta instância a conta final.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 15 de Abril de 2021.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong

1 Mesmo que haja discrepância entre a versão chinesa e a portuguesa do texto legal, entende o Tribunal que, salvo o melhor entendimento, a primeira reflecte mais correctamente o pensamento legislativo e que deve ter a prevalência relativamente à segunda.
2 Sempre se sublinha, salvo melhor opinião, que a solução não deixa de ser a mesma, ainda que exista a apontada "divergência" entre a versão chinesa e portuguesa relativa à concreta redacção do art. 311.°, n.º 1 al. c).
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