Processo n.º 179/2021 Data do acórdão: 2021-3-18
Assuntos:
– crime de roubo em valor elevado
– apreensão da parte do valor pecuniário roubado
– não restituição voluntária do valor roubado
– relevância autónoma do valor da coisa roubada
– grau de intensidade do dolo na prática do crime
– suspensão da execução da pena de prisão com condições
– art.o 49.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Em princípio, a suspensão ou não da pena de prisão do crime de roubo não se poderia fundar na apreensão, ou não, da parte do valor pecuniário roubado, quando a quantia apreendida em causa nem sequer tivesse sido objecto de restituição voluntária pelo arguido para efeitos de reparação do prejuízo causado à pessoa ofendida.
2. O legislador penal acabou por elevar, no caso de estar em causa o roubo de coisa alheia de valor pecuniário acima de trinta mil patacas no momento da prática dos factos, para três anos de prisão o limite mínimo de um ano de prisão aplicável à conduta de roubo simples, o que significa que o valor pecuniário da coisa roubada também releva autonomamente para efeitos de agravação da moldura penal da conduta de roubo.
3. Quando o grau da intensidade do dolo com que praticou o crime de roubo de valor elevado não é grande, o tribunal pode suspender a execução da respectiva pena de prisão, com subordinação a certas condições, impostas nos termos, nomeadamente, do art.o 49.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 179/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido (arguido): B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 250 a 257v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR3-20-0167-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na parte em que se decidiu suspender, por três anos, a execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido B pela prática, por este, em autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo qualificado (roubo de coisa alheia de valor elevado), p. e p. pelos art.os 204.o, n.o 2, alínea b), e 198.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), veio o Digno Delegado do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar, na motivação apresentada a fls. 264 a 267v dos presentes autos correspondentes, a execução imediata da dita pena de prisão, ante sobretudo as exigências de prevenção geral do crime.
Ao recurso, respondeu o arguido a fls. 271 a 276 dos presentes autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 284 a 285 dos autos, pugnando pela procedência do mesmo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
O texto do acórdão ora recorrido consta de fls. 250 a 257v dos autos, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida, como fundamentação fáctica da presente decisão do recurso.
Desse texto, sabe-se que o arguido, um cidadão e residente no Interior da China, é delinquente primário em Macau, e não admitiu a prática dos factos de roubo, sendo certo que já foi apreendida à ordem dos autos penais em causa a quantia em numerário de vinte e nove mil dólares de Hong Kong (enquanto o numerário então roubado por ele foi de trinta mil dólares de Hong Kong), na sequência da investigação policial do caso (de notar que não foi o arguido quem entregou ou restituiu voluntariamente esse numerário de vinte e nove mil dólares – cfr. os factos provados 9 a 12).
Segundo a factualidade provada em primeira instância (cfr. sobretudo os factos provados 1, 4 a 8): o arguido e a ofendida já se conheceram entre si; a conduta do roubo de trinta mil dólares de Hong Kong foi praticada pelo arguido contra a ofendida depois de esta lhe ter recusado o pedido de empréstimo desse mesmo montante; e após a subtracção desse montante pelo arguido, a ofendida, por ter medo de que o arguido viesse a roubar mais dinheiro inicialmente contido na sua mala de mão, acabou por fingir, perante o arguido, que estava disposta a conceder o empréstimo de trinta mil dólares de Hong Kong em numerário, e exigiu ao arguido que lhe passasse um documento comprovativo do pedido de empréstimo no valor de trinta mil dólares de Hong Kong.
Foi provado também em primeira instância que o arguido aufere cinco mil renminbis por mês como rendimento, sem pessoa a seu cargo.
No acórdão recorrido, o arguido foi condenado também a pagar mil dólares de Hong Kong de indemnização (com juros legais a vencer a partir da data do próprio acórdão até integral e efectivo pagamento), arbitrada oficiosamente, à ofendida, porquanto a quantia de vinte e nove mil dólares de Hong Kong já apreendida nos autos ia ser restituída à ofendida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No caso concreto dos autos, da fundamentação jurídica do acórdão ora recorrido, resulta que o Tribunal sentenciador decidiu suspender a execução da pena de prisão do arguido, porque entendeu que seria de conceder uma oportunidade a ele, depois de considerar as seguintes circunstâncias: o montante de numerário roubado só excedeu um pouco o limite da quantia pecuniária a partir da qual a lei a qualifica como sendo de valor elevado, e a grande parte do numerário roubado já foi apreendida e poderia ser restituída à pessoa ofendida, o que iria diminuir de modo muito relevante o prejuízo sofrido pela mesma.
Pois bem, realiza o presente Tribunal de recurso que:
– em princípio, a suspensão ou não da pena de prisão do crime de roubo não se poderia fundar na apreensão, ou não, da parte do valor roubado, quando a quantia apreendida em causa nem sequer tivesse sido objecto de restituição voluntária pelo arguido para efeitos de reparação do prejuízo causado à pessoa ofendida;
– por outro lado, apesar de o montante então roubado pelo arguido ter excedido apenas um pouco o limite da quantia pecuniária a partir da qual a lei penal a qualifica como sendo de valor elevado, o certo é que o arguido praticou um crime de roubo no valor de trinta mil dólares de Hong Kong, que não é valor pequeno, mas sim um valor significante para a generalidade das pessoas na sociedade de Macau (sendo de frisar que o Legislador Penal acabou por elevar, no caso de estar em causa o roubo de coisa alheia de valor pecuniário acima de trinta mil patacas no momento da prática dos factos, para três anos de prisão o limite mínimo de um ano de prisão aplicável à conduta de roubo simples, o que significa que o valor pecuniário da coisa roubada também releva autonomamente para efeitos de agravação da moldura penal da conduta de roubo);
– o arguido, que é um cidadão e residente no Interior da China, veio praticar o crime de roubo em causa em Macau, e não admitiu a prática deste crime, e não são menos prementes as necessidades de prevenção geral do roubo, quando cometido por pessoa vinda do exterior de Macau;
– razões porque, em princípio, seria de entender que a circunstância de ser o arguido um delinquente primário em Macau não bastaria para se formar um juízo de prognose favorável a ele em sede e para os efeitos do art.o 48.o, n.o 1, do CP;
– não obstante, o caso concreto dos autos tem algo de peculiar: se bem que a conduta de roubo já tenha sido praticada integralmente pelo arguido antes da assinatura, por ele, a pedido fingido da ofendida, do documento comprovativo do pedido de empréstimo a esta do numerário de trinta mil dólares de Hong Kong, a intensidade da culpa (sob a forma de dolo) dele no roubo desse numerário contra a vontade real da ofendida não é grande, pelo que se admite efectivamente a suspensão, por três anos, da execução da pena de prisão dele, mas sob condição, sob a égide do art.o 49.o, n.o 1, alíneas a) e c), do CP, de (a) ele vir pagar à ofendida, no prazo de um mês, a quantia indemnizatória de mil dólares de Hong Kong já arbitrada no acórdão recorrido (com juros legais já vencidos a partir da data do acórdão recorrido até o dia de efectivação do pagamento integral dessa quantia), e de (b) ele vir prestar, no prazo de três meses, quinze mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, condição de contribuição pecuniária essa, conforme se crê, dará para fazer sensibilizar o arguido do mal do seu crime.
Procede, pois, parcialmente o alcance do recurso.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar parcialmente provido o recurso do Ministério Público, passando, por conseguinte, a subordinar, nos termos do art.o 49.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Código Penal, a suspensão, por três anos, da pena de três anos de prisão do arguido (aplicada no acórdão recorrido, por prática, por ele, de um crime de roubo de coisa alheia de valor elevado) à condição de ele vir pagar à ofendida, no prazo de um mês, a quantia indemnizatória de mil dólares de Hong Kong já arbitrada no acórdão recorrido (com juros legais já vencidos a partir da data desse acórdão até o dia de efectivação do pagamento integral dessa quantia), e à condição de ele vir prestar, no prazo de três meses, quinze mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Pagará o arguido a metade das custas do recurso, e correspondentemente uma UC de taxa de justiça. Fixam em mil patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso, a meias por ele e pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique o resultado da presente decisão de recurso à ofendida.
Macau, 18 de Março de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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