--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 29/03/2021 ---------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -----------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 119/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (1.o arguido): B (B)
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 244 a 254 do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR4-20-0192-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou julgado que o 1.o arguido B cometeu um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal (CP), contra o 2.o arguido, com dispensa da pena simultaneamente decidida nos termos da alínea b) do n.o 3 do mesmo artigo, mas com obrigação de pagar três mil patacas de indemnização, arbitrada oficiosamente, ao 2.o arguido como ofendido desse crime, com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o 1.o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte, na sua motivação de fls. 289 a 294 dos presentes autos correspondentes:
– houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova no tocante à (judicialmente entendida como verificada) conduta do próprio recorrente de agressão ao 2.o arguido, porquanto do conteúdo das imagens de gravação visual sobre o local dos factos não pode ter resultado que ele tenha feito agressão física (ainda que apenas para efeitos de retorsão) contra o 2.o arguido (o qual nem sequer tenha sido seu alvo de agressão), daí que é de presumir razoavelmente, com recurso às regras da experiência comum, que as lesões corporais sofridas pelo 2.o arguido tenham sido provocadas por conduta deste de agressão contra o próprio recorrente, e como tal não podem ser imputadas ao recorrente, que não teve qualquer dolo de ofender o corpo do 2.o arguido, razões por que o recorrente deve passar a ser absolvido do dito crime de ofensa simples à integridade física;
– mesmo que assim não se entendesse, sempre teria o recorrente agido então em legítima defesa contra a conduta de agressão feita pelo 2.o arguido, pelo que não deixaria de merecer a absolvição da penalmente acusada conduta de agressão contra o 2.o arguido, com fundamento na verificação da causa de exclusão da ilicitude prevista mormente no art.o 30.o, n.o 2, alínea a), do CP;
– não tendo o recorrente feito com culpa a agressão contra o 2.o arguido, não precisa de pagar indemnização a favor deste, pelo que deve ser revogada a decisão de arbitramento oficioso da indemnização então tomada pelo Tribunal recorrido a favor do 2.o arguido.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 300 a 303 dos presentes autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 319 a 321v dos autos, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o texto do acórdão ora recorrido consta de fls. 244 a 254 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido;
– o Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos (cfr. o teor do aresto recorrido, a partir do último parágrafo da sua página 7 até ao último parágrafo da sua página 11, a fls. 247 a 249).
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Decidindo nesses parâmetros, e no tocante à questão principal esgrimida pelo 1.º arguido ao Tribunal sentenciador recorrido, de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP:
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido nesse preceito processual penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, atentos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão judicial ora recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o pedido do 1.o arguido de sua absolvição do crime, contra o 2.o arguido, de ofensa simples à integridade física tido por verificado pelo Tribunal recorrido, tendo-se o 1.o arguido ora recorrente limitado a tentar fazer impor o seu ponto de vista sobre a factualidade provada no concernente à conduta dele em relação ao 2.o arguido, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do mesmo Código.
Com efeito, o Tribunal recorrido já explicou, com suficiente congruência lógica, por quê é que considerou, após examinados os meios de prova referidos na fundamentação do seu acórdão, ter havido conduta, por parte do 1.o arguido, de agressão contra o 2.o arguido, ainda que para efeitos de exercício de retorsão contra este.
E o resultado do julgamento de factos feito pelo mesmo Tribunal não é manifestamente desrazoável ou ilógico. Nota-se que a livre convicção do Tribunal sentenciador foi formada com base na análise global e crítica sobre as provas dos autos, e não somente com base no teor das imagens visuais gravadas ao local dos factos.
É, pois, em face da factualidade já tida por provada em primeira instância sem erro notório nenhum de apreciação da prova, de manter o juízo judicial de verificação de um crime, cometido em autoria material, na forma consumada, por parte do 1.o arguido recorrente, de ofensa simples à integridade física do 2.o arguido, o que prejudica a tese, subsidiariamente defendida na motivação do recurso, de existência da legítima defesa contra a conduta de agressão feita pelo 2.o arguido no corpo do próprio recorrente.
Quanto à questão da indemnização a favor do 2.o arguido, como o respectivo valor pecuniário em que ficou o recorrente condenado em primeira instância não é superior à metade da alçada, vigente à data dos factos, da Primeira Instância em causa cível, é aliás manifestamente irrecorrível esta parte da decisão para este TSI (cfr. o disposto no art.o 390.o, n.o 2, do CPP, em conjugação com o art.o 74.o, n.o 3, do mesmo Código). E mesmo que assim não se entendesse, sempre estaria também certa a decisão do Tribunal recorrido nesta parte em questão, ante a factualidade já provada.
Há, pois, que rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o 1.o arguido recorrente as custas do recurso, com uma UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária pela rejeição do recurso, e duas mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 29 de Março de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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