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Processo n.º 142/2021 Data do acórdão: 2021-4-9
Assuntos:
– polícia de segurança pública
– abrigar imigrante clandestino em Macau
– crime de acolhimento qualificado
– art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004
– art.o 337.o, n.o 1, do Código Penal
– crime de corrupção passiva para acto ilícito
– solicitar promessa de concessão de vantagens
– crime de violação de segredo
– crime continuado
– art.o 29.o, n.o 2, do Código Penal
– art.o 73.o do Código Penal
S U M Á R I O

1. A conduta do então polícia de segurança pública ora arguido recorrente de guiar e levar um imigrante clandestino em Macau, para entrar num posto fronteiriço de Macau a fim de sair de Macau já preenche o conceito de “abrigar” empregue no tipo legal de acolhimento descrito, nos seus traços fundamentais, no n.o 1 do art.o 15.o da Lei n.o 6/2004, uma vez que “abrigar” significa “dar protecção a” ou “amparar”.
2. O facto provado de o arguido recorrente ter recebido recompensa com valor patrimonial pela sua conduta de guiar e levar tal indivíduo clandestino a entrar no dito posto fronteiriço sustenta cabalmente o cometimento, por ele, de um crime consumado de acolhimento qualificado previsto e punível mormente nos termos do n.o 2 do art.o 15.o da Lei n.o 6/2004.
3. Por outro lado, o facto provado de ter o mesmo arguido solicitado a outrem a promessa de concessão, para si e para colega de trabalho seu, de vantagens de valor patrimonial como recompensa da conduta de ajudar tal indivíduo clandestino a sair de Macau dá para suportar legalmente a condenação dele próprio em sede do tipo delitual penal de corrupção passiva para acto ilícito previsto e punível pelo n.o 1 do art.o 337.o do Código Penal.
4. Inexistindo qualquer situação exterior, pressuposta no n.o 2 do art.o 29.o do Código Penal, susceptível de diminuir consideravelmente o grau de culpa do arguido na prática do segundo acto, e nos subsequentes actos, de violação de segredo, não é de aplicar a regra especial da punição plasmada no art.o 73.o do Código Penal, para os seus crimes de violação de segredo.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 142/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 2872 a 2940 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR5-20-0189-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado, como co-autor material, na forma consumada, e em concurso real efectivo, de:
(– a respeito dos comprovados factos descritos no despacho de pronúncia sob os n.os 4 a 20, correspondentes aos factos descritos na acusação sob os n.os 4 a 16:)
– um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art.o 337.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de três anos de prisão (dentro da moldura penal de 1 a 8 anos de prisão);
– um crime de acolhimento qualificado, p. e p. pelo art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004, com respectiva moldura penal agravada nos termos do art.o 23.o da mesma Lei, na pena de cinco anos e seis meses de prisão (dentro da moldura penal assim agravada aplicável de 5 a 11 anos de prisão);
– um crime de falsificação informática (por funcionário no exercício das suas funções), p. e p. pelo art.o 10.o, n.os 1 e 4, alínea 1), da Lei n.o 11/2009, na pena de dois anos e nove meses de prisão (dentro da moldura penal de 1 a 5 anos);
(– a respeito dos comprovados factos descritos no despacho de pronúncia sob os n.os 21 a 35, correspondentes aos factos descritos na acusação sob os n.os 17 a 30:)
– nove crimes de violação de segredo, p. e p. pelo art.o 348.o, n.o 1, do CP, na pena de nove meses de prisão (dentro da aplicável moldura penal de prisão de um mês a 3 anos de prisão) por cada um;
(– a respeito dos comprovados factos descritos no despacho de pronúncia sob os n.os 36 a 134, correspondentes aos factos descritos na acusação sob os n.os 31 a 77:)
– 57 crimes de violação de segredo, p. e p. pelo art.o 348.o, n.o 1, do CP, na pena de nove meses de prisão por cada um;
– dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art.o 337.o, n.o 1, do CP (a respeito dos comprovados factos descritos no despacho de pronúncia sob os n.os 123 a 133), na pena de três anos de prisão por cada um;
– e, em cúmulo jurídico de todas as penas de prisão acima referidas, finalmente na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial), e rogando o seguinte (na motivação apresentada a fls. 2955 a 2963 dos presentes autos correspondentes):
– o prazo para o exercício do procedimento criminal pelos 66 (9 + 57) crimes de violação de segredo em causa já se esgotou antes da data de instauração do próprio procedimento, porquanto é de considerar que o Senhor Director da Polícia Judiciária, no dia 22 de Junho de 2014 (em que por seu despacho mandou instaurar o procedimento), já tomou conhecimento sobre o teor e objectivo da investigação, sem ter chegado, dentro do prazo de seis meses previsto no art.o 107.o do CP, a manifestar o desejo de procedimento criminal por esses crimes, mas sim, tardiamente, apenas em 26 de Setembro de 2019, com a achega de que o Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública também, já tardiamente, só manifestou o desejo de procedimento criminal por esses crimes em 18 de Setembro de 2019, ambos em resposta ao ofício de 12 de Setembro de 2019 do Ministério Público, de maneira que a condenação do ora recorrente nos tais crimes esbarra frontalmente com o disposto nos art.os 107.o, n.o 1, e 348.o, n.o 2, do CP;
– por outro lado, perante a factualidade tida por provada e relevante, o próprio recorrente não cometeu o crime de acolhimento qualificado do art.o 15.o, n.o 2, da Lei n.o 6/2004 por que vinha condenado em primeira intsância, porquanto ele não acolheu um indivíduo de nome B, nem o abrigou, nem o alojou nem o instalou em algum sítio em Macau, sendo patente que os factos envolventes disseram respeito a uma conduta de corrupção passiva para acto ilícito apenas, de maneira que ele não pode ser duplamente punido (corrupção passiva e acolhimento) pelos mesmos factos, sob pena de violação do princípio de ne bis in idem;
– quanto ao crime de corrupção passiva para acto ilícito por que vinha condenado relativamente ao referido indivíduo B, diz-se no acórdão recorrido que como recompensa pelo trabalho feito foi paga em dinheiro, por um indivíduo chamado C, a despesa de massagem usufruída pelo ora recorrente numa sala de sauna; supostamente, esse senhor pagou a despesa e seria utente de determinado número de telemóvel; e o recibo comprovativo do pagamento da referida despesa consta num outro processo ainda em fase de investigação, e, como tal, ainda sujeito a segredo de justiça; daí que a condenação no dito crime de corrupção passiva se baseou em manifesta falta de prova (por se ter invocado uma prova inacessível para os presentes autos, com inaceitável violação do princípio do contraditório), verificando-se, assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e também o vício de erro notório na apreciação da prova;
– outrossim, o recorrente foi condenado por prática de 66 (9 + 57) crimes de violação de segredo, mas erroneamente: não devem ser computados tantos crimes quantos os actos de execução, uma vez que todas as condutas em causa consubstanciam a prática de um crime continuado nos termos do art.o 29.o, n.o 2, do CP, ao invés de 66 crimes.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fls. 2965 a 2974), no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 2985 a 2989), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 2872 a 2940, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Nesse acórdão, chegou a ser decidida – nos termos expostos a partir dos últimos dois parágrafos da página 46 do respectivo texto, a fl. 2894v, até o terceiro parágrafo da página 49 do mesmo texto, a fl. 2896 – a questão de tempestividade da queixa pelos crimes de violação de segredo.
3. Em 23 de Junho de 2014, o Senhor Director da Polícia Judiciária mandou abrir processo de investigação de corrupção passiva para acto ilícito do art.o 337.o do CP – cfr. o despacho exarado a fl. 2, sobre uma informação escrita prestada pela Divisão de Investigação Especial do Departamento de Informações e Apoio dessa Polícia, da qual constando que em 19 de Junho de 2014 essa Divisão recebeu informações a apontar que vários agentes da Polícia Judiciária e do Corpo de Polícia de Segurança Pública tinham conluio recíproco, recebendo benefícios ilícitos de grupos e pessoas criminosos, dando a estes informações confidenciais policiais, tais como horas de operações policiais. (Entretanto, nessa informação escrita, não se especificaram quais os agentes policiais suspeitos em causa, nem quais os actos concretos de revelação, nem datas desses actos, de informações confidenciais policiais).
4. Em 12 de Setembro de 2019, o Ministério Público oficiou ao Senhor Director da Polícia Judiciária e ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, expondo, no seu essencial, que o arguido A, guarda policial de segurança pública, estava envolvido, por suspeita, em actos de relevação, no período de 2014 a 2016, de informações confidenciais da Polícia Judiciária, e, portanto, em prática de conduta criminosa de violação de segredo do art.o 348.o, n.o 1, do CP, e perguntando a ambos os destinatários se iam apresentar queixa nos termos do n.o 2 desse artigo – cfr. o teor do ofício de 12 de Setembro de 2019, a fls. 2371 a 2372 dos autos.
5. Em 18 de Setembro de 2019 e 26 de Setembro de 2019, o Senhor Comandante e o Senhor Director acima referidos responderam por via escrita, respectivamente, ao Ministério Público que desejavam o procedimento criminal contra o arguido – cfr. os documentos-respostas de fls. 2375 e de fls. 2376 a 2377.
6. Para efeitos de instrução então requerida pelo arguido, a M.ma Juíza de Instrução chegou a pedir (cfr. o teor de fls. 2408 e 2409) ao Comissariado contra a Corrupção a realização de investigação complementar sobre o caso do arguido, tendo esse Comissariado feito juntar, depois, aos autos penais ora em causa, um relatório de conclusão de investigação, inclusivamente (cfr. o relatório a que aludem as fls. 2521 a 2525v dos autos, e a referência feita a esse relatório no penúltimo parágrafo da página 3 da acta do debate instrutório de fls. 2694 e seguintes). No ponto 16 desse relatório (a que alude a fl. 2523v), foi mencionado o pagamento, por outrem, de despesas do serviço de sauna usufruído pelo arguido e por seu amigo, como recompensa da falsificação de trâmites de entrada em Macau de um indivíduo clandestino e da saída desse indivíduo de Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido começou por preconizar, na sua motivação de recurso, a tese de ter já sido esgotado o prazo legal para apresentação da queixa criminal por quem de direito a respeito dos seus crimes de violação de segredo.
O art.o 107.o do CP, com a epígrafe de “Extinção do direito de queixa”, dispõe, no seu n.o 1, o seguinte: O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.
No caso dos autos, é certo que já em 23 de Junho de 2014 o Senhor Director da Polícia Judiciária mandou abrir processo de investigação de corrupção passiva para acto ilícito do art.o 337.o do CP – cfr. o seu despacho exarado a fl. 2, sobre uma informação escrita prestada pela Divisão de Investigação Especial do Departamento de Informações e Apoio dessa Polícia, da qual constando que em 19 de Junho de 2014 essa Divisão recebeu informações a apontar que vários agentes da Polícia Judiciária e do Corpo de Polícia de Segurança Pública tinham conluio recíproco, recebendo benefícios ilícitos de grupos e pessoas criminosos, dando a estes informações confidenciais policiais, tais como horas de operações policiais.
Mas, também não é menos certo que atento o teor dessa informação (no qual não se especificou, nomeadamente, quais os agentes policiais suspeitos em causa, nem quais os actos concretos de revelação de informações confidenciais policiais), não foi possível ao mesmo Senhor Director inteirar-se, por exemplo, de quem tenha sido o revelador concreto de segredos, pelo que o prazo legal para o exercício da queixa criminal pela conduta do arguido ora recorrente de revelação de segredos não pode ter começado a contar a partir do acima referido dia 23 de Junho de 2014.
Ora bem, considerando que em 12 de Setembro de 2019 o Ministério Público oficiou ao Senhor Director da Polícia Judiciária e ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, expondo, no seu essencial, que o arguido A, guarda policial de segurança pública, estava envolvido, por suspeita, em actos de relevação, no período de 2014 a 2016, de informações confidenciais da Polícia Judiciária, e, portanto, em prática de conduta criminosa de violação de segredo do art.o 348.o, n.o 1, do CP, e perguntando a ambos os destinatários se iam apresentar queixa nos termos do n.o 2 desse artigo, por um lado, e, por outro, que em 18 de Setembro de 2019 e 26 de Setembro de 2019 o Senhor Comandante e o Senhor Director acima referidos responderam por via escrita, respectivamente, ao Ministério Público que desejavam o procedimento criminal contra o arguido, é de julgar efectivamente, sem mais indagação por desnecessária, pela total tempestividade da queixa criminal apresentada por ambos contra o arguido ora recorrente pelos factos de revelação de informações confidenciais policiais.
Improcede, assim, a primeira questão posta no recurso.
Por outro lado, o arguido defendeu que o Tribunal recorrido tinha usado prova, inacessível para os presentes autos, de um outro processo para o condenar no crime de corrupção passiva para acto ilícito a que se reportam os factos descritos no despacho de pronúncia sob os n.os 4 a 20.
Mas, não assiste razão ao recorrente, porquanto:
– desde já, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada levantado por ele, atentos os seus fundamentos concretos para suportar a existência desse vício, se reconduz, ao fim e ao cabo, ao vício de erro notório na apreciação da prova também invocado por ele contra a decisão de factos do Tribunal sentenciador (sobre o sentido e alcance próprios do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal, cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos deste TSI, de 22 de Julho de 2010, do Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018, do Processo n.o 817/2014);
– entretanto, diversamente do defendido pelo recorrente, toda a prova citada pelo Tribunal recorrido para efeitos de formação da livre convicção sobre esses factos pronunciados foi adquirida e produzida para os efeitos dos presentes autos penais, incluindo as diligências de investigação complementar feitas pelo Comissariado contra a Corrupção, então a pedido do Juízo de Instrução Criminal, na fase da instrução do presente processo (cfr. os dados processuais referidos no ponto 6 da parte II do presente acórdão de recurso), pelo que, naturalmente, não pode ter havido erro notório na apreciação da prova na parte em questão, por alegado uso de prova inacessível, sendo de frisar que não se mostra que o resultado do julgamento dos factos a que chegou o Tribunal recorrido tenha obtido por esse Tribunal com violação de quaisquer normas sobre o valor legal da prova, ou de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou de quaisquer leges artis;
– nem se vislumbra que tenha sido violado o princípio do contraditório nos presentes autos, na questão do pagamento, por outrem, de despesas do serviço de sauna usufruído pelo recorrente e seu amigo (a que se reporta inclusivamente no facto provado 19, a fl. 2899): é que, salienta-se, na fase de contestação escrita dos factos pronunciados pelo Juízo de Instrução Criminal, já assistiu ao arguido todo o direito processual de examinar todos os elementos probatórios constantes dos autos para efeitos de apresentação da contestação escrita;
– sendo líquido que independentemente da questão, já acima resolvida, da prova do pagamento efectivo da despesa do serviço de sauna, a factualidade provada (a que se reportam sobretudo os factos provados 5 a 7, a fl. 2897 a 2897v) de o recorrente ter solicitado a outrem a promessa de concessão, para si e para colega de trabalho seu, de vantagens de valor patrimonial (traduzidas no usufruir do serviço de sauna de borla) como recompensa da conduta de ajudar um indivíduo clandestino em Macau a sair, como que legalmente, de Macau para Hong Kong já dá para garantir a legalidade da condenação dele próprio em sede do tipo delitual penal de corrupção passiva para acto ilícito (descrito nos seguintes termos no art.o 337.o, n.o 1, do CP: O funcionário que, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, como contrapartida de acto ou de omissão contrários aos deveres do cargo, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos).
Não deixou de defender o recorrente que não tinha praticado ele o crime de acolhimento do indivíduo clandestino em causa chamado B, porque não tinha chegado ele a abrigar, nem alojar este em Macau.
Não pode proceder este argumento, uma vez que a sua conduta de guiar e levar tal indivíduo para entrar no posto fronteiriço de Macau no Terminal Marítimo dos autos (como tal referida concretamente no facto provado 13, a fl. 2898) já preencheu cabalmente o conceito de “abrigar” empregue no tipo legal de acolhimento descrito nos seus traços fundamentais no n.o 1 do art.o 15.o da Lei n.o 6/2004. Nota-se que “abrigar” significa “dar protecção a” ou “amparar”.
Não deixou de defender o recorrente que, sob pena da violação do princípio de ne bis in idem, a sua conduta de acolhimento não poderia ser punida, a par da punição da conduta, por que vinha também pronunciada penalmente, de corrupção passiva para acto ilícito.
Também a razão não está no lado do recorrente.
Com efeito, o facto provado de ele ter recebido recompensa com valor patrimonial, inclusivamente pela sua conduta de guiar e levar tal indivíduo clandestino a entrar no dito posto fronteiriço já sustenta cabalmente o cometimento de um crime consumado de acolhimento qualificado por que vinha condenado em primeira instância; e a factualidade provada (a que se reportam sobretudo os factos provados 5 a 7, a fl. 2897 a 2897v) de ele ter solicitado a outrem a promessa de concessão, para si e para colega de trabalho seu, de vantagens de valor patrimonial (traduzidas no usufruir do serviço de sauna de borla) como recompensa da conduta de ajudar tal indivíduo clandestino a sair, como que legalmente, de Macau para Hong Kong dá, como já se analisou acima, para suportar legalmente a condenação dele próprio em sede do tipo delitual penal de corrupção passiva para acto ilícito.
Por fim, pretendeu o recorrente que os seus crimes de violação de segredo pudessem passar a integrar um só crime continuado de violação de segredo, à luz do art.o 29.o, n.o 2, do CP.
Mas, também em vão, aos olhos do presente Tribunal de recurso.
É que atenta toda a matéria fáctica dada por provada em primeira instância, não é de julgar, desde logo e independentemente da indagação do demais, como existente, no caso, alguma situação exterior (pressuposta no n.o 2 do art.o 29.o do CP) susceptível de diminuir consideravelmente o grau da culpa do recorrente na prática do segundo acto, e nos subsequentes actos, de violação de segredo, pelo que não é de aplicar a regra especial da punição plasmada no art.o 73.o do CP (sobre o sentido e alcance da figura de crime continuado, cf. EDUARDO CORREIA, in DIREITO CRIMINAL, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, páginas 208 a 211).
Razões por que naufraga o recurso no seu todo, sem necessidade da outra abordagem.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido, com dez UC de taxa de justiça.
Comunique (com cópias também do acórdão recorrido) ao Ex.mo Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública e ao Ex.mo Senhor Director da Polícia Judiciária.
Macau, 8 de Abril de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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