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Processo nº 105/2021


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

No âmbito da acção de processo comum do trabalho, registada no Tribunal Judicial de Base, sob o nº LB1-20-0096-LAC, instaurada por A contra a B, S. A. e a C, S.A., ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designadas por B e C, foi em sede de contestação apresentada pela Ré B deduzida a excepção peremptória de prescrição do direito aos créditos contra ela reclamados, reportados ao período de tempo compreendido entre 13JAN2002 e 21JUL2003.

Pela decisão inserida no saneador, a excepção foi julgada procedente nos seguintes termos:
  Excepção da prescrição
  A 1.ª Ré arguiu a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor na medida em que a relação laboral em causa nos presentes autos se iniciou a 13/01/2002 e terminou a 21/07/2003, pelo que todos os créditos reclamados pelo Autor se encontram prescritos.
  O Autor, em sede de resposta, vem, resumidamente, invocar que, não obstante a diferente personalidade jurídica das duas Rés, o Autor (e os demais 280 trabalhadores não residentes) mantém a mesma actividade profissional, no mesmo local, com a mesma natureza, na 2.ª Ré (C), tendo ocorrido apenas uma mera sucessão de entidades patronais, muito embora sob a égide de uma só relação de trabalho, alegando assim que a prescrição dos créditos laborais reclamados não se completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral.
  Cumpre decidir.
  A questão que nos é colocada tem sido alvo de aturada discussão nos Tribunais da RAEM tendo a jurisprudência maioritária decidido que os créditos reclamados nesta acção estão sujeitos ao prazo geral consagrado no artigo 302.º do Código Civil por estarmos em face de prestações de cariz indemnizatório e não remuneratório (sendo certo que não existe uma norma específica a regular esta matéria como acontece, por exemplo, na legislação laboral substantiva vigente em Portugal, v.g. no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
  Os factos em causa nos presentes autos iniciaram-se a 13/01/2002 e terminaram a 21/07/2003; assim, o prazo ordinário aplicável ao caso é o do actual Código Civil de Macau, entrado em vigor em 01 de Novembro de 1999.
  Assim sendo, de acordo com o artigo 302.º do actual Código Civil, o prazo de prescrição de 15 anos foi efectivamente interrompido com a notificação da 1.ª Ré para a tentativa de conciliação em 04/06/2020, pelo que os factos posteriores a 04/06/2005 poderiam ser conhecidos agora em juízo.
  Contudo, o artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil vigente dispõe na sua versão chinesa que “一、 在下列期間,時效不完成:( ... ) c) 就擔任家務工作之人與其僱主間所存在之一切債權,在此種工作關係存續期間直至關係終止後兩年;對於其他工作關係之當事人之間就該工作關係而產生之債權,在工作關係存續期間直至關係終止後一年;(…)1” (sublinhado nosso).
  Sendo a relação de trabalho em causa não doméstico, a prescrição só não se completaria se o trabalhador exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da mesma relação.
  No caso em apreço, o Autor formulou pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
  Na verdade, de acordo com o aludido Despacho do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças (fls. 41 a 43 dos autos) estabelece-se nos 5.º e 6.º parágrafos que:
  “Autorizo, após parecer favorável da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, a transferência das autorizações concedidas para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, afectos ao casino XXX - B para a C, S.A. segundo o regime do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, devendo esta apresentar contrato de prestação de serviços com a entidade habilitada como fornecedora de mão / de - obra não residente, nos termos da línea c) do despacho 12/GM/88 de 1 de Fevereiro.
  Cancelo, nos termos do nº 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao Casino XXX/B, para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços.”(sublinhado nosso)
  Para o efeito, após estar ao serviço da 1.ª Ré (B), o Autor passou a estar o serviço da 2.ª Ré (C). Tratando-se de entidades patronais diferentes, sendo que a 2.ª Ré (C) apenas surge em 2003, ocorrendo nesta data a transferência de trabalhadores da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), mesmo que os trabalhadores, incluindo o Autor, trabalhavam nas mesmas ou semelhantes condições.
  Não alegando nem se provando que a 1.ª Ré (B) transferiu todos os seus elementos constitutivos para a 2.ª Ré (C) e que por força dessa transferência esta adquiriu todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho celebrados anteriormente, não se pode concluir que o Autor trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
  Está configurada a acção, estamos em presença, no lado passivo da relação jurídica processual, de uma coligação, uma vez que o Autor demandou as Rés, com pedidos indemnizatórios diferentes cuja procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (artigo 64.º, n.º 2 do CPC).
  A coligação analisa-se numa cumulação, no mesmo processo, de pedidos que poderiam ser deduzidos em acções intentadas separadamente; logo, na coligação de Rés - como é o caso em apreço - há uma pluralidade de partes, do lado passivo, sendo autónomos os direitos invocados e os correspondentes pedidos formulados contra cada uma delas, uns e outros fundados nas mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas; há, portanto, no mesmo processo, uma cumulação ou reunião de acções, em cada uma das quais são exercidos direitos autónomos e independentes entre si que poderiam ser dirimidos em processos diferenciados. Tudo se passa como se o Autor intentasse acções separadas que, depois, seriam apensadas, para efeitos de julgamento conjunto.
  Pelo exposto, para o efeito do artigo 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil, a prescrição só não se completaria se o Autor exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da relação de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré, ou seja, a contar do dia 21/07/2003.
  Sem necessidade de outras considerações, julga-se totalmente procedente a alegada excepção peremptória declarando-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor contra a 1.ª Ré e em consequência, absolvendo-se a 1.ª Ré do pedido, nos termos do artigo 412.º, n.º3 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPT.
  Custas pelo Autor.
  Notifique.

Notificado e inconformado com o despacho saneador na parte que julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu a Ré B dos pedidos, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo na petição de recurso motivada que:
1. Versa o presente Recurso sobre o douto Despacho Saneador na parte em que julgou totalmente procedente a excepção por prescrição invocada pela 1.ª Ré (B) e, em consequência, julgou prescritos os créditos reclamados pelo Autor, absolvendo a 1.ª Ré do pedido;
2. Salvo o devido respeito, está ora Recorrente em crer que, na referida parte, o douto Despacho Saneador enferma de erro de direito, porquanto não teve em conta que o Recorrente se encontra ainda hoje a prestar a sua actividade profissional de “guarda de segurança” para a 2.a Ré (C) sob a égide de uma única relação jurídica, assente na autorização de contratação de 280 trabalhadores não residentes inicialmente concedida à 1.ª Recorrida (B) e que por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, de 17 de Julho de 2003, foi transferida para a 2.ª Ré (C);
3. Daqui resulta que o ora Recorrente ainda hoje mantém com a 2.a Recorrida (C) a mesma actividade profissional de "guarda de segurança" que de forma contínua e ininterrupta se iniciou em 13/01/2002 até ao presente;
4. E a ser assim, nos termos do disposto no art. 311.º, n.º 1, al. c) do Código Civil: “a prescrição não se completa (...) entre as partes de quaisquer (...) tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho”, razão pela qual, em caso algum se devem ter por prescritos os créditos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer;
5. Trata-se, de resto, da posição que tem vindo a ser sufragada pelo douto Tribunal de Recurso, nos termos do qual tem vindo a ser aceite que: “(...) só nos limitamos a dizer que, em vez de cessação da relação de trabalho entre o Autor e a XXXX, o que aconteceu é no fundo apenas a modificação subjectiva, consistente na substituição de um sujeito antecessor (a XXXX) por um outro sucessor (a YYY) numa mesma relação de trabalho que permanece .Na verdade, não tendo a modificação subjectiva ocorrida em 21JUL2003 feito cessar a relação laboral, o Autor não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos a que se alude o artº 311°/1-c) do CC, à luz do qual a prescrição não se completa……entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho (...) Tendo em conta a tal particularidade, cremos que a razão de ser da causa de suspensão de prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC continua a estar presente no caso em apreço mesmo depois da sucessão da posição contratual da XXXX pela YYY” SI (Cfr. entre outros o Ac. do TSI, Proc. n.º 1280/2019);
6. De onde, visto que a relação de trabalho ainda hoje perdura em caso algum se verifica uma qualquer prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, ora Recorrente, sabido que a mesma se não completa antes de corridos 2 anos sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou, pelo que deve improceder a excepção peremptória da prescrição invocada pela 1.ª Ré (B), o que desde já e para os legais efeitos se alega e requer.

Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente irão suprir, devem as presentes Alegações de Recurso ser aceites e, em consequência, ser julgado nulo o douto Despacho Saneador na parte em que absolveu a 1.ª Ré (B) do pedido, assim se fazendo a costumada Justiça.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida imediata por força do disposto no artº 112º/1-5) do CPT, foi a Ré B notificada das alegações do recurso, veio responder pugnando pela improcedência do recurso – cf. as fls. 286 a 295 dos p. autos.

Feito imediatamente subir a este TSI, onde pelo Relator do processo foi liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos legais dos Juízes Adjuntos.

Cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

A única questão suscitada pelo recorrente é no fundo a questão de saber se houve cessação da relação de trabalho no momento em que os 280 trabalhadores não residentes, incluindo o Autor, foram transferidos da B para a C.

Ora a idêntica questão já foi devidamente tratada no Acórdão deste TSI, datado de 05MAR2020, tirado no processo nº 1280/2019, onde este mesmo Colectivo já chegou a pronunciar-se nos termos seguintes:

Na verdade, não tendo a modificação subjectiva ocorrida em 21JUL2003 feito cessar a relação laboral, o Autor não deve ficar impedido de beneficiar da causa de suspensão por 2 anos a que se alude o artº 311º/1-c) do CC, à luz do qual a prescrição não se completa …… entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos corridos sobre o termo do contrato de trabalho.

Como se sabe, a mens legislatoris dessa causa de suspensão da prescrição é prevenir o não exercício tempestivo do direito por parte de um trabalhador subordinado, por causa da chamada inibição psicológica do exercício do direito, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que poderá colocar, inclusivamente, em risco o seu emprego.

Admitimos que nas situações normais, tal inibição psicológica cessa logo com a entrada de uma nova entidade patronal na posição contratual da mesma relação laboral.

Todavia, existe uma particularidade no caso sub judice, que nos leva a crer que tal inibição psicológica permanece presente mesmo após a sucessão da C no lugar da B na mesma relação laboral com o Autor.

Particularidade essa que é justamente o facto notório, ou pelo menos o facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das funções, de que, não obstante juridicamente distinta da C, a entidade antecessora B, enquanto sociedade vulgarmente denominada sociedade-mãe da C por ser sócio dominante desta, continua a ser a entidade a quem o Autor se encontrava, “de facto, subordinado”.

Tendo em conta a tal particularidade, cremos que a razão de ser da causa de suspensão de prescrição prevista no artº 311º/1-c) do CC continua a estar presente no caso em apreço mesmo depois da sucessão da posição contratual da B pela C.

Não se nos afigura outra solução melhor do que a de manter aqui essa posição nossa, já assumida no Acórdão e reputada por nós como correcta, e reproduzir aqui os fundamentos ai invocados para a fundamentação do presente Acórdão.

Na esteira do entendimento sufragado nesses fundamentos e tendo em conta que o Autor esteve ao serviço da C pelo menos até 31DEZ2019, que a presente acção foi intentada em 21MAIO2020 e que a tentativa de conciliação foi realizada em 18JUN2020, obviamente não se encontram prescritos os créditos alegadamente emergentes das relações laborais e reclamados contra a B, reportados ao período de tempo compreendido entre 13JAN2002 e 21JUL2003.

Assim, é de julgar procedente o recurso do Autor, revogando a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção peremptória deduzida pela B e determinando a baixa dos autos à primeira instância para a continuação da sua tramitação.

Sem mais delonga, resta decidir.
III

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Autor:

* Revogando a decisão recorrida;

* Julgando improcedente a excepção peremptória deduzida pela B; e

* Determinando a baixa dos autos à primeira instância para a continuação da sua tramitação.


Custas pela recorrida B.

RAEM, 22ABR2021

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 Mesmo que haja discrepância entre a versão chinesa e a portuguesa do texto legal, entende o Tribunal que, salvo o melhor entendimento, a primeira reflecte mais correctamente o pensamento legislativo e que deve ter a prevalência relativamente à segunda.
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Ac. 105/2021-2