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Processo nº 203/2020 Data: 19.03.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Acção especial de despejo.
Caducidade do contrato de arrendamento.
Mora do arrendatário.
Indemnização.
“Prejuízos excedentes”.
(Art. 1027° do C.C.M.).



SUMÁRIO

1. Findo o contrato de arrendamento, deve o arrendatário proceder à (pronta) entrega do imóvel arrendado sob pena de incorrer no dever de pagamento de uma “indemnização” calculada com base no valor da renda ou seu dobro, (cfr., art. 1027°, n.° 1 e 2 do C.C.M.).

2. Para a sua condenação no pagamento de uma indemnização por “prejuízos excedentes”, (prevista no n.° 3 do referido comando legal), imprescindível é que alegada e provada esteja a “efectiva” e “concreta” verificação destes “danos”, não bastando a (mera) alegação e prova, (como no caso sucede), do possível valor de uma “estimada renda”, (encontrado por cálculo ou peritagem), sem que, efectivamente assente esteja, igualmente, uma “real possibilidade” de arrendamento a troco do seu pagamento.

O relator,

José Maria Dias Azedo




Processo nº 203/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), sociedade com sede em Macau, propôs no Tribunal Judicial de Base “acção especial de despejo” contra B (乙) e C (丙), pedindo a condenação dos Réus a:

“a) Reconhecerem que o contrato de arrendamento celebrado em 30 de Maio de 1994 referente ao prédio sito na [Rua(1)], 10, em Macau, descrito na CRP sob o n° XXXXX, aí inscrito a seu favor sob o n° XXXXXG, e inscrito na matriz predial sob o n° XXXXX, caducou em 31 de Maio de 2017, nos termos da alínea a), n° 1, do artigo 1022.° do CC;
b) Entregarem à Autora o referido prédio, livre de pessoas e bens, e no estado previsto na alínea j) dos artigos 983.° e 1025.°, do CC;
c) Pagarem à Autora uma indemnização equivalente ao valor em dobro das rendas estipuladas pelas partes, até à efectiva entrega do imóvel à Autora, desde 1 de Junho de 2017 e até à efectiva entrega do imóvel, desocupado de pessoas e bens, nos termos do art.1027.°, n° 2, do CC;
d) Pagarem ainda à Autora uma indemnização pelos prejuízos excedentes, no montante de HK$420.000,00 (equivalente a MOP$ 432.600,00) por cada trinta dias de calendário, a contar de 1 de Junho de 2017 e até à efectiva entrega do imóvel à Autora, livre e desocupado de pessoas e bens, nos termos do artigo 1027.°, n° 3, do CC”; (cfr., fls. 2 a 9 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, por sentença do Mmo Juiz Presidente do Colectivo julgou-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada, e declarando-se que o referido contrato de arrendamento caducou em 29.05.2017, decidiu-se condenar os RR. a pagar à A. a indemnização de MOP$2.988.000,00”; (cfr., fls. 322 a 327).

*

Em sede do recurso que do assim decidido os RR. interpuseram, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 23.07.2020, (Proc. n.° 519/2020), negando provimento ao recurso; (cfr., fls. 387 a 399).

*

Ainda inconformados, trazem os ditos RR. o presente recurso, alegando para concluir nos termos seguintes:

“A. Por douta sentença do Tribunal Judicial de Base de 17/12/2019, condenaram-se os Réus, ora Recorrentes a pagar à Autora a indemnização no valor de MOP2.988.000,00;
B. Os Recorrentes interpuseram recurso dessa decisão para o douto Tribunal de Segunda Instância que proferiu o acórdão em crise, negando provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida;
C. Os ora Recorrentes, por não se conformarem com a decisão do douto Tribunal a quo, designadamente quanto à interpretação e aplicação do n.° 3 do artigo 1027.° do Código Civil, interpuseram o presente recurso que incide sobre a manutenção de decisão que os condenou a pagar à Autora a indemnização no valor de MOP2.988.000,00;
D. O douto Tribunal a quo argumentou que "em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado", e "a solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027.°/3 do CCM.";
E. O que realmente se apurou foi apenas o valor de mercado da renda mensal do imóvel se cifra em MOP360.000,00;
F. Porém, a Recorrida nunca alegou, muito menos provou, a existência de interessados em arrendar o imóvel dos autos; nem sequer alegou, muito menos provou, qualquer iniciativa por parte da Recorrida com vista a dar de arrendamento o imóvel dos autos, por qualquer valor.
G. Como pode ler-se na douta Sentença do Tribunal Judicial de Base proferida no processo n.° CV3-17-XXXX-CPE (acção de despejo do prédio contíguo ao imóvel destes autos), que tomou a posição quanto à aplicação do artigo 1027.° do CC:
"[…] uma coisa é o valor de renda do mercado, outra coisa é a efectiva proposta de arrendamento. Como se sabe, o valor de mercado é apenas um indício de rendimento e não rendimento efectivo, poderá acontecer que há um valor estimado mas sem interessado ou há interessado mas na renda diversa mais baixa.
(…)
Para que haja um dano real e efectivo, é necessário alegar e provar a existência da proposta de arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios, sendo insuficiente a mera prova do valor da renda do mercado dos prédios.
Pelo que, os danos alegados são mais hipotéticos do que reais, não se justifica a atribuição de mais indemnização para além da sanção estipulada nos n° 1 e 2° do art° 1027.° do C.C.";
H. Por outro lado, como foi decidido pelo Tribunal de Segunda Instância no douto Acórdão de 13/07/2017, proferido no Processo n.° 746/2016:
"Ao abrigo do artigo 1027.° do CC, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado a pagar ao senhorio, a título de indemnização e consoante o caso, a respectiva renda ou o dobro da renda, sem prejuízo dos prejuízos excedentes, se os houver.
Não tendo os senhorios logrado a prova de factos concretos traduzidos nos prejuízos excedentes sofridos, é o que ocorre, por exemplo, quando tenham recebido alguma proposta de arrendamento durante o período em que os locatários mantiveram a posse do imóvel, mas tendo os locatários sido interpelados para a sua entrega mas não o fizeram, estes ficam obrigados a pagar aos senhorios, a título de indemnização, o dobro da renda.";
I. Podemos concluir que o valor de mercado é um mero indício de rendimento, mas não é um rendimento efectivo;
J. Nada garante que haverá interessados em pagar a renda pelo valor estimado;
K. Por outro lado, a Recorrida igualmente não alegou nem provou que tinha promovido, por iniciativa própria, qualquer diligência no sentido de angariar novo arrendatário;
L. No caso concreto, atendendo à factualidade alegada e provada, uma vez que não se verifique a existência de qualquer efectivo prejuízo excedente a que alude o douto Tribunal a quo, quando determina aplicar o disposto no n.° 3 do artigo 1027.° do CC, deve, salvo o respeito devido por opinião diversa, a decisão ora recorrida ser revogada, por violação dessa mesma norma;
M. Caso assim não se entenda, o que não se espera e se equaciona por mera cautela de patrocínio, a interpretação do n.° 3 do artigo 1027.° do CC pelo douto Tribunal a quo, na sua fundamentação, não se cinge à letra da lei, na medida em que interpreta o citado preceito como se no mesmo se tivesse escrito "se os houvesse" ou "caso possa existir";
N. O legislador escreveu "se os houver", o que significa que os prejuízos excedentes têm de ser efectivamente sofridos, e não meramente hipotéticos;
O. O teor literal da lei é o limite, dentro do fim ou ratio subjacente à mesma, ou ao sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete ou aplicador;
P. Contudo, afigura-se aos Recorrentes que o douto Tribunal a quo interpretou o n.° 3 do artigo 1027.° do CC como sendo aplicável aos casos em que "pudesse ter havido" prejuízo, quando a norma só se aplica aos casos em que "houver" prejuízo;
Q. Assim, salvo melhor opinião, a Recorrida tem simplesmente direito a ser indemnizada por prejuízos que tenha efectivamente sofridos (os que "houver"), mas já não por prejuízos que hipoteticamente poderia ter sofrido, padecendo a decisão recorrida de vício de violação de lei, nomeadamente o n.° 3 do artigo 1027.° do CC, devendo, em consequência, ser a mesma ser revogada”; (cfr., fls. 405 a 416).

*

Respondendo pede a A., recorrida, a improcedência do recurso; (cfr., fls. 422 a 428).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância estão indicados como “provados” os factos seguintes:

“a) A Autora é a actual proprietária do prédio sito na [Rua(1)], 10, em Macau, descrito na CRP sob o n° XXXXX, aí inscrito a seu favor sob o nº XXXXXG, e inscrito na matriz predial sob o n° XXXXX; (alínea A) dos factos assentes)
b) A Autora adquiriu o domínio útil desse prédio em 21.11.2003 à Santa Casa da Misericórdia de Macau, através de escritura pública de compra e venda outorgada e lavrada a fls. 44 do livro 171-A, do [Cartório do Notário Privado]; (alínea B) dos factos assentes)
c) O domínio útil da Autora sobre os ditos prédios encontra-se registado na CRP, a seu favor, pela inscrição nº XXXXXG, de 25.10.2004; (alínea C) dos factos assentes)
d) O domínio útil desses prédios, bem como de vários outros, encontra-se actualmente hipotecado como garantia de duas facilidades bancárias que foram concedidas à Autora pelo Banco Tai Fung SA; (alínea D) dos factos assentes)
e) Por contrato celebrado 30.05.1994 o prédio foi dado de arrendamento aos Réus, pela anterior proprietária, a Santa Casa da Misericórdia, por escritura pública do Notário Privado D (liv. 4, fls. 109); (alínea E) dos factos assentes)
f) O imóvel destina-se a fins comerciais, e mais especificamente para a “venda de, géneros alimentares, vestuário e utensílios para uso infantil”; (alínea F) dos factos assentes)
g) A renda mensal desse contrato era de sete mil patacas (MOP7.000,00), actualizada em vinte por cento de dois em dois anos; (alínea G) dos factos assentes)
h) Nos termos do contrato, a última renda foi actualizada para MOP10.080,00; (alínea H) dos factos assentes)
i) Em 23.05.2016, os Réus enviaram à Autora uma carta assinada, através do fax com o número XXXXXXXX, no qual os Réus pediam que fosse indicado o número da conta bancária da Autora para nela depositarem a renda, como se mostra pelo documento junto que se dá inteiramente por reproduzido; (alínea I) dos factos assentes)
j) Em 17.05.2018 o 1º Réu requereu aos autos que lhe seja admitido o depósito da chave à ordem da Autora; (alínea J) dos factos assentes)
k) Em 12.06.2018 a referida chave foi devolvida ao ilustre mandatário da Autora Dr. E através de funcionário de justiça; (alínea K) dos factos assentes)
l) A última renda paga pelos Réus à Autora foi em Janeiro de 2018; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
m) Em 27.05.2016 a Autora endereçou aos Réus uma carta para o número de fax XXXXXXXX através da qual notificou os Réus da sua expressa vontade de não renovar o contrato de arrendamento do prédio sito no nº 10 da [Rua(1)], declarando que o contrato de arrendamento cessava no termo do seu prazo (ou seja, em 31 de Maio de 2017); (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
n) O número de fax XXXXXXXX está registado em nome do 2º Réu C e é usado pelo F/G; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
o) O F/G é um estabelecimento comercial que faz parte do grupo empresarial H; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
p) Os Réus são sócios e administradores de empresas que se identificam como fazendo parte do grupo empresarial H; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
q) Os Réus receberam o fax mandado pela Autora; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
r) A renda mensal do concreto imóvel identificado nos autos está actualmente estimada em MOP360.000,00; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
s) Em 07.02.2018 os Réus deslocaram-se à sede da Autora, sita [Endereço], Macau, para lhe entregar a chave do imóvel; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
t) A Autora recusou de a receber. (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)”; (cfr., fls. 393 a 393-v).

Do direito

3. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Base com a qual se declarou que o contrato de arrendamento em questão nos autos caducou em 29.05.2017, condenando-se os RR., ora recorrentes, no pagamento à A. de uma indemnização a título de “prejuízo excedente” no valor (total) de MOP$2.988.000,00.

Dúvidas não havendo que são as conclusões das alegações de recurso que identificam as questões a tratar, cabe dizer que apenas uma é questão pelos RR., ora recorrentes, colocada, pois que apenas impugnam a dita decisão da sua condenação no pagamento à A. de uma “indemnização por prejuízos excedentes”.

Não se deixando de notar porém que se verifica uma ligeira discrepância entre a “data da caducidade do contrato” pela A. considerada como tal, e a pelas Instâncias declarada, mas tendo presente a supra referida única questão colocada na presente lide recursória, vejamos.

Em essência, dizem os ora recorrentes que:

“a Recorrida nunca alegou, muito menos provou, a existência de interessados em arrendar o imóvel dos autos; nem sequer alegou, muito menos provou, qualquer iniciativa por parte da Recorrida com vista a dar de arrendamento o imóvel dos autos, por qualquer valor”; e que,
“No caso concreto, atendendo à factualidade alegada e provada, uma vez que não se verifique a existência de qualquer efectivo prejuízo excedente a que alude o douto Tribunal a quo, quando determina aplicar o disposto no n.° 3 do artigo 1027.° do CC, deve, salvo o respeito devido por opinião diversa, a decisão ora recorrida ser revogada, por violação dessa mesma norma”; concluindo que,
“a Recorrida tem simplesmente direito a ser indemnizada por prejuízos que tenha efectivamente sofridos (os que "houver"), mas já não por prejuízos que hipoteticamente poderia ter sofrido, padecendo a decisão recorrida de vício de violação de lei, nomeadamente o n.° 3 do artigo 1027.° do CC, (…)”.

Ora, censura não merecendo a “decisão da matéria de facto” – que não vem impugnada nem se mostra de alterar – e considerando que a única questão a apreciar tem a ver com as “razões” da já aludida “indemnização”, cremos que se impõe reconhecer razão aos RR., ora recorrentes.

Com efeito, sobre esta matéria (e questão), ou seja, a título do seu “prejuízo excedente”, na petição inicial que apresentou, tão só, alegou a A. ora recorrida que:

“(…)
Artigo 19°
Portanto, os Réus deixaram de ter título válido desde 1 de Junho de 2017 para continuar a ocupar o prédio da Autora, e constituíram-se em mora na sua entrega desde então.
Artigo 20°
Todavia, até à data da apresentação desta P.I., os Réus ainda não entregaram o prédio à Autora, desocupado de pessoas e bens.
Artigo 21°
A ocupação dos Réus é ilegal e está a provocar danos patrimoniais à Autora, uma vez que, com essa ocupação, a Autora está impedida de arrendar o prédio a preços completamente diferentes daquele que estavam a ser pagos,
Artigo 22°
sendo certo que existe uma grande procura por imóveis para arrendar naquela zona da cidade,
Artigo 23°
e que o valor do arrendamento actual estimado é muito superior à renda, já muito antiga, que vinha a ser paga.
Artigo 24°
Para determinar o valor justo de um arrendamento actual, a Autora encomendou a uma empresa muito reconhecida, uma avaliação sobre a situação actual do mercado imobiliário e os montantes dos arrendamentos praticados naquela zona da cidade.
Artigo 25°
De acordo com um relatório elaborado pela empresa especializada I, a renda mensal do concreto imóvel identificado nos autos está estimada em HKD$420.000,00 (quatrocentos e vinte mil dólares de Hong Kong), documento que se junta e cujo se teor se dá aqui por inteiramente reproduzido (Doc. 6).
Artigo 26°
Ê esse o dano patrimonial que a Autora está a sofrer mensalmente devido à ocupação ilegal dos Réus.
(…)”; (cfr., fls. 5 a 6, acabando por concluir nos termos do pedido que em sede de relatório já se deixou transcrito).

E, em face do assim alegado, e tendo-se presente que sobre o mesmo “prejuízo” tão só se provou (o que já consta do que atrás, em sede de “matéria de facto provada”, se deixou igualmente transcrito, em especial), que “A renda mensal do concreto imóvel identificado nos autos está actualmente estimada em MOP360.000,00; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)”, evidente se nos apresenta que insuficiente é tal factualidade para efeitos de aplicação do art. 1027°, n.° 3 do C.C.M. e consequente decisão de condenação na referida indemnização.

De facto, estatui este normativo que:

“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver”.

E, tendo-se presente a “ratio” do transcrito comando legal, (que já prevê, no seu n.° 2, uma indemnização, ou melhor, “sanção”, no valor do “dobro da renda acordada”, em caso de mora na restituição da coisa locada), apresenta-se-nos mais adequado que, para efeitos de condenação do locatário no pagamento dos ditos “prejuízos excedentes” em sede de indemnização pelo (referido) atraso na restituição da coisa locada – disposição legal que tem a sua origem no art. 19° do anterior “Regime do Arrendamento Urbano” previsto na Lei n.° 12/95/M, (e que no art. 1591° da lei civil italiana se apelida de “magior dano”) – imprescindível é que alegada esteja a “efectiva” e “concreta” verificação destes “danos” ou “prejuízos” com a sua consequente prova, não bastando a alegação e comprovação, como no caso sucede, do possível valor de uma “estimada renda”, encontrado por cálculo ou peritagem, e sem que, efectivamente assente esteja, igualmente, a existência de uma “real possibilidade” de arrendamento a troco do seu pagamento.

Na verdade, sendo de se identificar tais “prejuízos”, como “danos patrimoniais emergentes” ou “lucros cessantes”, (e ainda que) calculados com base no valor da “nova renda”, (ou do “valor locativo” actual do imóvel), mostra-se de considerar que os mesmos devem estar, sob pena até de (eventual) “enriquecimento sem causa”, devida e efectivamente “comprovados em toda a sua extensão” (e objectividade), não sendo de se admitir como bastante uma (mera) “situação hipotética” por, para além do demais, colidir, frontalmente, com o estatuído em matéria de “prova” no art. 335°, n.° 1 do C.C.M. – onde se preceitua que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” – o mesmo sucedendo com o princípio fundamental em matéria de “responsabilidade civil” – cfr., v.g., o art. 477°, n.° 1 do C.C.M., onde se prescreve que “Àquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” – vista nos parecendo estar assim a solução para a “questão” colocada, pois que à A., ora recorrida, não assiste o direito à reclamada “indemnização por prejuízos excedentes”.

Não se pode pois olvidar que na base de qualquer reclamado “direito a uma indemnização” terá de estar uma necessidade ou exigência de “justiça material” que, por sua vez, sob pena de se tornar virtual, não pode dissociar-se da realidade concreta, efectiva, e objectiva, imprescindível se apresentando, assim, que deve o requerente de uma indemnização justificar o porquê da “obrigação” do requerido, cabendo-lhe, desta forma, o ónus de comprovar a sua “origem” e “medida”.

Neta conformidade, e outra questão não havendo a tratar, resta pois decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido nos exactos termos consignados.

Custas pela recorrida.

Registe e notifique.

Macau, aos 19 de Março de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 203/2020 Pág. 16

Proc. 203/2020 Pág. 17