Processo n.º 764/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 22/Abril/2021
Descritores:
- Apresentação extemporânea da reclamação
- Falta de audiência prévia se degrada em formalidade não essencial, não invalidante do acto
SUMÁRIO
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 8/2014, dispõe que a notificação por via postal é feita por meio de carta registada, sem aviso de recepção, e presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte nos casos em que o referido terceiro dia não seja dia útil, quando efectuada para, entre outros, o endereço de contacto ou a morada indicados pelo próprio notificando no procedimento por infracção administrativa.
Mais prevê o n.º 5 da mesma disposição legal que “a presunção prevista no número anterior só pode ser ilidida pelo notificando quando a recepção da notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões imputáveis aos serviços postais.”
Considerando que, por um lado, a carta de notificação foi remetida para o endereço indicado pela recorrente, e por outro, não se vislumbram razões imputáveis aos serviços postais que pudessem ter conduzido à recepção tardia da notificação por parte da mesma recorrente, andou bem o Tribunal recorrido ao julgar extemporânea a reclamação apresentada pela recorrente.
Uma vez que a recorrente não apresentou tempestivamente a reclamação, a falta de audiência prévia não prejudica o resultado final, degradando a sua omissão em formalidade não essencial, não invalidante do acto.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 764/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 22/Abril/2021
Recorrente:
- A Limitada
Recorrido:
- Director dos Serviços de Protecção Ambiental
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limitada, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), notificada do despacho do Director dos Serviços de Protecção Ambiental (doravante designada por “recorrido” ou “entidade recorrida”) que indeferiu a reclamação por si apresentada, dele não se conformando, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo (TA).
Por decisão do TA, foi julgado improcedente o recurso contencioso e, consequentemente, confirmado o acto recorrido.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A Recorrente não se conforma com a Douta decisão a qual mantém a decisão da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (adiante DSPA) que indefere a reclamação apresentada pela Recorrente por a considerar extemporânea, não só por não ver verdadeira essa conclusão, mas, também, por aquela entidade administrativa ter tomado a decisão sem a participação da ora Recorrente.
2. O processo de contra-ordenação em causa, seguiu os seus trâmites legais, com a notificação da Recorrente para o exercício do direito de audição prévia, tendo esta exercido esse direito e posterior notificação da decisão, a qual seguiu no sentido de condenar a Recorrente.
3. Posteriormente, a Recorrente foi notificada da decisão de condenação, por carta datada de 14/03/2019.
4. Tal notificação apenas chegou às mãos da Recorrente em 25/03/2019, o que não se deveu a qualquer acto desta, mas tão só aos serviços postais.
5. A referida notificação foi remetida para a morada do estabelecimento da Recorrente, que está aberto quase todos os dias, pelo que apenas por culpa dos serviços postais aquela carta não foi entregue mais cedo.
6. Ora, se a Recorrente apenas teve conhecimento daquela decisão em 25/03/2019, o respectivo prazo, de 15 dias, começou a correr apenas no dia seguinte, pelo que terminava no dia 09/04/2019, mas foi cumprido, em tempo, no dia 08/04/2019.
7. Pelo exposto, deve a reclamação da Recorrente ser considerada apresentada em tempo, seguindo-se os trâmites legais para a apreciação do seu mérito.
8. Mais cumpre dizer a Entidade Recorrida notificou a ora Recorrente da decisão que tomou de indeferir a sua Reclamação, sem antes a ter notificado dessa intenção.
9. Assim, a Entidade Recorrida - a Autoridade Administrativa - não admitiu que a Recorrente tivesse conhecimento e participasse naquela decisão.
10. Sendo certo que o artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo determina que os órgãos da Administração Pública – como é o caso da Entidade Recorrida – devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos desse Código.
11. In casu, não se verifica nenhuma excepção para a preterição da audiência dos interessados, ou seja, o presente caso não se enquadra nas excepções previstas no artigo 96º e 97º do CPA.
12. A audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo configura um princípio estruturante da actividade administrativa e, portanto, uma formalidade legal essencial.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. certamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, anulando-se a Decisão do Tribunal Administrativo, e, em consequência, seja a reclamação da Recorrente considerada entregue em tempo, com as demais consequências legais,
Assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Contra-alegou o recorrido formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A notificação da decisão de aplicação da sanção de multa, por violação do n.º 2 do artigo 9º da Lei n.º 8/2014 (Lei de Prevenção e controlo do ruído ambiental), foi enviada para a morada da Recorrente no dia 14 de Março de 2019, por carta sob correio registado nos Serviços de Correios e Telecomunicações de Macau que, em 15 de Março de 2019 procederam a tentativa de entrega, tendo deixado um 1º Aviso de Correio Registado.
2. A referida notificação presumiu-se realizada no dia 18 de Março de 2019, de acordo com a alínea 1) do n.º 4 do artigo 21º da Lei n.º 8/2014, já que o terceiro dia posterior ao do registo (17 de Março de 2019) não foi dia útil.
3. A carta com notificação veio a ser recebida no dia 23 de Março de 2019, tendo a Recorrente apresentado a Reclamação da decisão de sancionamento em 8 de Abril de 2019.
4. Muito para além dos 15 dias de prazo, a contar da data de notificação presumida.
5. A Recorrente não provou, nem para tal fez esforço, que a recepção da notificação apenas ocorreu no dia 23 de Março de 2019 por razões imputáveis aos serviços postais, ilidindo a presunção, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 21º da Lei n.º 8/2014.
6. O prazo para reclamar terminou no dia 2 de Abril de 2019 – 15 dias a contar da data da notificação presumida nos termos da lei.
7. A Reclamação foi, por isso, extemporânea, tendo sido indeferida.
8. Na verdade, a Reclamação não podia ser atendida por ter sido apresentada fora do prazo previsto na alínea b) do artigo 149º do CPA, não estando o órgão ao qual foi dirigida obrigado ao dever de decisão sobre o seu mérito mas apenas vinculado a ditar o seu indeferimento.
9. Assim sendo, a finalidade de audiência da interessada Recorrente degradou-se em formalidade não essencial pelo que a sua não realização não violou o princípio da participação plasmado no artigo 10º do CPA.
10. Logo a decisão recorrida não padece de vício de violação de lei, devendo por isso ser mantida.
Termos em que,
Deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional,
Assim se fazendo JUSTIÇA.”
*
Findo o prazo para alegações, o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, a recorrente pediu a “anulação” da sentença do MMº Juiz a quo que julgou improcedente o correspondente recurso contencioso, assacando o erro de julgamento no que toca à causa de pedir configurada na petição inicial.
*
No caso sub judice, sucede que a notificação presumida teve lugar em 18/03/2019 que é o primeiro dia útil contemplado no n.º 4 do art. 21º da Lei n.º 8/2014, por outro lado, de acordo com o alegado pela recorrente no art. 34º da petição, ocorreu em 25/03/2019 a notificação efectiva.
Salvo merecido e, elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, não podemos deixar de colher que a recorrente nunca apresentou quaisquer provas ou indícios que possam cabalmente mostrar a existência das “razões imputáveis aos serviços postais” imperativamente exigidas pelo n.º 5 do art. 21º da Lei n.º 8/2014.
O que nos leva a inferir que não foi nem é ilidida a presunção juris tantum consagrada no n.º 4 do art.21º acima, e sufragamos a posição do MMº Juiz a quo, traduzida em considerar ser extemporânea a Reclamação da ora recorrente por ficar fora do prazo previsto no art. 149º do CPA.
*
Assinale-se que o despacho contenciosamente recorrido tem por objecto a referida Reclamação e, deste modo, constitui acto administrativo do 2º grau, pese embora esse despacho consubstancie em rejeitar tal Reclamação por ser extemporânea, em vez de negar provimento à mesma.
É verdade que em bom rigor, não houve instrução no procedimento culminante com a prolação do supramencionado despacho de rejeição da Reclamação. Nestes termos e no que atine concretamente ao caso sub judice, seguimos à inspirativa doutrina inculcando que não há audiência do reclamante (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim: Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, pp. 746 e 769).
De qualquer forma, podemos aceitar, a título de por cautela, a tese do MMº Juiz a quo, no sentido de que “Cremos, não obstante isso, que tal falta cometida pela Entidade administrativa não poderá produzir os efeitos invalidantes no caso concreto, tendo em conta o facto de que o indeferimento seria a única solução concretamente possível, perante uma reclamação graciosa apresentada fora do prazo, em violação do disposto no artigo 149.º, n.º 1, do CPA.”
Nestes termos, estamos convictos de que a não realização da prévia audiência antes de se proferir o sobredito despacho de rejeição da Reclamação não provoca invalidade de tal despacho, pelo que não enferma do assacado erro de julgamento a douta sentença recorrida na parte de julgar improcedente o pedido da anulação desse despacho de rejeição, pedido que foi formulado na petição inicial.
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Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso jurisdicional.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte matéria de facto:
Por despacho da Entidade recorrida datado de 7/3/2019, exarado na Proposta n.º 0066/DIA/DCPA/2019, aplicou-se à Recorrente a multa no valor de MOP5,000.00 pela violação do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 8/2014 (Lei de Prevenção e controlo do ruído ambiental). (conforme o doc. junto a fls. 51 a 55 do P.A).
Em 14/3/2019, o Chefe do Departamento de Controlo da Poluição Ambiental da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental assinou o ofício da notificação da sanção dirigido à Recorrente (conforme o doc. junto a 62 a 63 do P.A).
A referida da carta de notificação foi enviada para a Rua XXXX, n.º 21, loja A, r/c, e 1.º andar, lojas B e C, r/c, Taipa, Macau (ibidem).
No mesmo dia, a expedição da referida carta de notificação encontrou-se registada nos serviços de correio (conforme o doc. junto a fls. 26 e v dos autos).
No dia 15/3/2019, a entrega da carta foi promovida com a emissão do 1.º aviso (conforme o doc. junto a fls.26)
No dia 25/3/2019, a referida carta de notificação foi recebida pela Recorrente (conforme o doc. junto a fls. 27 dos autos).
No dia 8/4/2019, a Recorrente apresentou a reclamação da decisão sancionatória (conforme o doc. junto a fls.64 a 68 do P.A).
No dia 18/4/2019, por despacho da Entidade recorrida, exarado na Proposta n.º 0859/DIA/DCPA/2019, de 18 de Abril de 2019, foi indeferida a reclamação apresentada pela ora Recorrente pela extemporaneidade (conforme fls. 78 a 79 dos P.A).
No dia 22/5/2019, a Recorrente interpôs recurso contencioso junto do TA.
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A questão que se coloca neste recurso jurisdicional é saber se foi correcta a decisão que julgou extemporânea a reclamação apresentada pelo recorrente.
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 8/2014, dispõe que a notificação por via postal é feita por meio de carta registada, sem aviso de recepção, e presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte nos casos em que o referido terceiro dia não seja dia útil, quando efectuada para, entre outros, o endereço de contacto ou a morada indicados pelo próprio notificando no procedimento por infracção administrativa.
Mais prevê o n.º 5 da mesma disposição legal que “a presunção prevista no número anterior só pode ser ilidida pelo notificando quando a recepção da notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões imputáveis aos serviços postais.”
Ora bem, no caso sub judice, considerando que a carta de notificação foi remetida para o endereço indicado pela recorrente, ao que acresce ainda o facto de que não se vislumbram razões imputáveis aos serviços postais que pudessem ter conduzido à recepção tardia da notificação por parte da mesma recorrente, andou bem o Tribunal recorrido ao julgar improcedente esta parte do recurso, indo este TSI confirmar a sentença recorrida nesta parte.
Em segundo lugar, no tocante à questão de saber se a preterição da audiência prévia do interessado degrada em formalidade não essencial, não invalidante do acto, louvamos a seguinte e acertada decisão recorrida:
“Ora bem, é inegável que, na situação vertente, houve preterição da audiência prévia do interessado antes da tomada da decisão recorrida, e a audiência prévia essa tem natureza obrigatória. Não sendo a situação enquadrável no disposto dos artigos 96.º e 97.º do CPA, esta preterição da formalidade gera, em princípio, o vício de anulabilidade do acto final praticado, que deve ser por isso anulado.
Cremos, não obstante isso, que tal falta cometida pela Entidade administrativa não poderá produzir os efeitos invalidantes no caso concreto, tendo em conta o facto de que o indeferimento de reclamação seria a única solução concretamente possível, perante uma reclamação graciosa apresentada fora do prazo, em violação do disposto do artigo 149.º, n.º 1 do CPA.
Uma vez que, no exercício dos poderes estreitamente vinculados como sucedeu no caso dos autos, a verificada falta de audiência do interessado degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo. (veja-se neste sentido Jurisprudências do TUI, entre muitos e por último, Ac. do TUI, de 29/11/2019, Processo n.º 81/2017).”
Em nossa opinião, concordamos com a decisão acima descrita e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC, aplicável subsidiariamente.
Melhor dizendo, não tendo a recorrente apresentado tempestivamente a reclamação, a falta de audiência prévia não prejudica o resultado final, degradando a sua omissão em formalidade não essencial, não invalidante do acto.
Nestes termos, há-de manter a sentença recorrida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 22 de Abril de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
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Mai Man Ieng
Recurso Jurisdicional 764/2020 Página 11