--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 30/04/2021. --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.--------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 245/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 123 a 127 do ora subjacente Processo Comum Singular n.º CR1-20-0368-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelos art.os 89.o e 94.o, alínea 2), da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena de noventa dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total, pois, de nove mil patacas de multa (convertível em sessenta dias de prisão, no caso de não pagamento nem de substituição pelo trabalho), com inibição de condução por um ano.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte, na sua motivação de fls. 136 a 142 dos presentes autos correspondentes:
– houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, porquanto, no entender dela, do facto provado de que ela após a ocorrência do acidente de viação abriu a porta do carro sem ter descido do carro e depois conduziu o carro para sair do local não se pode deduzir directamente que ela já tenha conhecimento da ocorrência do acidente de viação e que tenha intuito de fugir à responsabilidade, daí que violou a decisão condenatória recorrida o princípio de in dubio pro reo, devendo ela passar a ser absolvida do crime de fuga à responsabilidade;
– e fosse como fosse, seria demasiadamente pesada a pena de inibição de condução de um ano, atendendo a que ela já prestou indemnização total à ofendida, devendo, pois, ser reduzida a duração dessa pena.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 144 a 146 dos presentes autos, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 155 a 156v, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o texto da sentença ora recorrida consta de fls. 123 a 127 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido;
– o Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos, tendo explicado os motivos pelos quais não acreditou na justificação dita pela arguida na audiência de julgamento (cfr. o teor do aresto recorrido, a partir da sua página 5 até ao primeiro parágrafo da página seguinte, a fl. 125 a 125v).
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Decidindo nesses parâmetros, e no tocante à questão principal esgrimida pela arguida ao Tribunal sentenciador recorrido, de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP:
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido nesse preceito processual penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, atentos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão judicial ora recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o pedido da arguida de sua absolvição do crime de fuga à responsabilidade, tendo-se a recorrente limitado a tentar fazer impor o seu ponto de vista sobre a factualidade provada no concernente à conduta dela, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do mesmo Código.
Com efeito, o Tribunal recorrido já explicou (mormente nos últimos dois parágrafos da página 5 do texto da sentença e no primeiro parágrafo da página seguinte), com suficiente congruência lógica, por quê é que considerou, após examinados os meios de prova referidos na fundamentação da sua sentença, ter a arguida conhecido da ocorrência da colisão de veículos e tido a intenção de se furtar à responsabilidade por essa colisão.
O resultado do julgamento de factos feito pelo mesmo Tribunal não é manifestamente desrazoável ou ilógico. Nota-se que a livre convicção do Tribunal sentenciador foi formada, como foi frisado no quarto parágrafo da página 5 do texto da sentença, com base na análise global e crítica sobre as provas dos autos.
É, pois, em face da factualidade já tida por provada em primeira instância sem erro notório nenhum de apreciação da prova (nem de violação do princípio de in dubio pro reo), de manter o juízo judicial de verificação do crime referido, cometido em autoria material, na forma consumada, pela arguida.
Por fim, quanto à medida concreta da pena de inibição de condução, a razão também não está no lado da recorrente, posto que depois de vistas, para os efeitos dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, todas as circunstâncias provadas no caso, e tendo em conta as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral do crime de fuga à responsabilidade, não se mostra como patente que o Tribunal recorrido tenha aplicado essa pena acessória em termos demasiado pesados.
Há, por conseguinte, que rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará a arguida as custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária pela rejeição do recurso, e mil e quinhentas patacas de honorários a favor do Ex.mo Defensor Oficioso que minutou a motivação do recurso, e trezentas patacas de honorários a favor do seu actual Ex.mo Defensor.
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença recorrida) ao Serviço de Acção Penal do Ministério Público.
Macau, 30 de Abril de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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