Processo n.º 1093/2020
(Autos de recurso cível)
Data: 6/Maio/2021
Recorrente:
- A Limitada (recorrente)
Recorridos:
- B e C (recorridos)
Objecto do recurso:
- Decisão que indeferiu o recurso de revisão
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limitada, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso extraordinário de revisão contra B e C, alegando que houve nulidade de citação e falta de conhecimento da citação por facto que não lhe foi imputável, ao abrigo da alínea f) do artigo 653.º do CPC.
Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi indeferido liminarmente o requerimento por se entender que preenchidos não estão os requisitos previstos na referida disposição legal.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“i. O presente recurso tem por objecto a sentença que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão, interposto pela aqui recorrente, da sentença de 21 de Fevereiro de 2020, o qual declarou o Recorrido B como único titular dos saldos bancários constantes das contas n.º 11-01-10-1XXXX5 e n.º 11-11-10-1XXXX0, abertas no Banco da D (Sucursal de Macau) por se tratarem de seus bens próprios estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal; e único proprietário da fracção autónoma por “D5”, do prédio urbano n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX7-I, e da fracção autónoma designada por “P17” do prédio urbano localizado na Estrada dos XX, n.º XX, por se tratarem de bens próprios, estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal.
ii. O recurso de revisão da sentença de 21 de Fevereiro de 2020 foi interposto pela ora recorrente com fundamento na nulidade de citação e falta de conhecimento da citação por facto não imputável à ré e ora recorrida, o que foi julgado improcedente pelo tribunal aqui recorrido, considerando ainda que o mesmo foi interposto intempestivamente, o que, salvo o devido respeito, a recorrente não se pode conformar, por entender que existe quer erro na apreciação da matéria quer na aplicação do direito.
iii. Da matéria de facto nos autos, o tribunal a quo considerou como relevante e provado que:
- A ora recorrente alterou o pacto social em 04.10.2019, passando a ter como sócia E e sede na 澳門XX XX號XX大廈XX樓XX座 – 2ª alínea.
- Foi efectuada a citação pessoal da recorrente por carta registada com aviso de recepção remetida para a Avenida da XX, XX, XXº andar, em Macau, indicada pelo recorrido – 4ª alínea.
- Foi efectuada uma notificação à ora recorrida por carta registada de 25.11.2019, para a Avenida da XX, XX, XXº andar, em Macau – 7ª alínea.
- Foi efectuada notificação da sentença final por carta registada de 03.03.2020, para a aqui recorrida, na morada Avenida da XX, Hotel XX, XXº andar, em Macau – 9ª alínea.
iv. Foi alegado pela aqui recorre que a Sra. F não era administradora nem desempenha funções de representação da recorrente, e que levantou a carta de citação na estação dos correios, por sua iniciativa própria e sem o conhecimento de qualquer representante da recorrente,
v. E que mesmo depois de levantar a carta de citação a referida F nunca chegou a dar qualquer conhecimento da mesma aos administradores da recorrente.
vi. Acresce que a morada para onde foi remetida a citação corresponde a uma sala de jogo VIP no Hotel Casino G, em Macau, explorado pela recorrente, mas na qual não funciona a sua administração nem se encontra, por regra, qualquer administrador.
vii. Assim, mais alegou a recorrente que a carta de citação nunca foi entregue na sede ou em qualquer outra morada da recorrente e nenhum administrador ou legal representante desta recebeu ou teve conhecimento da mesma.
viii. Entende, pois, a recorrente que ficou aqui demonstrado que esta nunca teve conhecimento da citação e, dessa forma, deveria ser considerada ilidida a presunção prevista no art. 180º, n.º 4, do CPC, contrariamente ao sustentado pela sentença recorrida.
ix. A primeira notificação a que o tribunal a quo alude não foi efectuada em 20.03.2019, mas sim em 25.11.2019, donde resulta que ambas as notificações ocorreram em data posterior à alteração da administradora e da sede da aqui recorrente.
x. Salvo o devido respeito, não se vê como poderia a recorrente conhecer das referidas notificações, considerando que já não tinha a sua sede na referida morada e na qual de resto, nem funcionava a sua administração nem tinha, por regra, qualquer administrador.
xi. A citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação postal – art. 180º, 2 al. a) do CPC.
xii. Na citação de pessoas colectivas ou sociedades, a carta deve ser remetida para a sua sede ou para o local onde normalmente funciona a administração e só pode, em regra, ser entregue ao seu legal representante – art. 182º, n.º 1 do CPC.
xiii. No caso em apreço, verifica-se que na morada para onde foi remetida a carta de citação não funciona a administração da recorrente, o que era previsível, visto que se trata apenas de uma sala de jogo VIP, pertencente às instalações de um hotel casino.
xiv. Além disso, a citação foi entregue na estação dos correios, a quem não tinha competência para tal nem poderes de representação da recorrente, pelo que não se pode considerar como tendo sido entregue na sede ou no local onde normalmente funciona a administração e muito menos a um dos administradores da recorrente.
xv. Tendo, porém, a citação sido entregue a pessoa diversa do citando, deveria o tribunal ter remetido carta registada à recorrente, nos termos fixados no art. 187º do CPC, o que não sucedeu.
xvi. Entende a recorrente que estes factos não podem deixar de ser considerados por provados e em consequência, como não tendo sido feita a citação da recorrente nem tendo sido o acto efectuado na sede (ou no local onde funciona normalmente a administração), mas tendo a citação sido efectuada perante outra pessoa fora da sede, o que se traduz em nulidade da citação, nos termos do artº 144º, n.º 1 do CPC.
xvii. Por outro lado, o tribunal recorrido não considerou os factos que contextualizam a citação da recorrente e da própria instauração da presente acção, pelo recorrido.
xviii. Conforme alegado pela recorrente e consta da matéria dos presentes autos, o requerido intentou a presente acção na pendência de um processo de separação de bens no âmbito de processo executivo, e enquanto se encontrava em sede de recurso.
xix. Em 25.03.2020, o TJB cumpriu a decisão do TUI e declarou a suspensão do apenso de separação de bens, notificando o cabeça-de-casal e aqui recorrido para intentar acção declarativa tendente a demonstrar que os bens penhorados são seus bens próprios, no prazo de 30 dias.
xx. Porém, ao invés de juntar comprovativo da propositura da referida acção declarativa, o recorrido veio informar aquele tribunal que essa acção já tinha corrido os seus termos através dos presentes autos, e cuja decisão até já tinha transitado em julgado.
xxi. Ora, a presente acção foi intentada em 04.01.2019, enquanto o recorrido requeria simultaneamente nos autos de separação de bens para que lhe fosse concedido um prazo para intentar precisamente esta mesma acção.
xxii. Ou seja, o recorrido utilizou o pedido de suspensão do apenso de separação de bens e de prazo para discutir a titularidade dos bens penhorados e acção declarativa autónoma não como instrumento de legitimidade processual, mas de ocultação da presente acção da exequente e ora recorrente.
xxiii. E não obstante poderem ambas as instâncias processuais constituir uma situação de litispendência e servirem para a mesma finalidade jurídica, o facto é que o recorrido nunca manifestou nos autos de execução e respectivos apensos e recursos, que se propunha intentar já estava, afinal, a correr os seus trâmites, sonegando deliberadamente tal informação, que poderia ser essencial para a boa decisão da causa e para a efectiva tutela jurídica dos interesses da ora recorrente.
xxiv. O recorrido agiu com manifesta total falta de lealdade processual, omitindo e desviando as atenções da ora recorrente, em flagrante violação do disposto no art. 9º do CPC.
xxv. Essa conduta do ora recorrido fez a recorrente acreditar que não existia a presente acção, contribuindo, como já se referiu, para que esta não viesse aos presentes autos apresentar contestação, vindo a beneficiar assim do efeito cominatório, o que certamente foi útil ao recorrido, evitando ter de produzir qualquer prova – que bem sabe não existir – para sustentar o seu pedido.
xxvi. Tendo em conta todos os factos acima aludidos e que devem ser considerados como provados, compreende-se que a aqui recorrente não poderia saber da pendência dos presentes autos, e em concreto da carta de citação, antes da referida notificação nos autos de separação de bens, em 23.04.2020.
xxvii. Ainda que se entenda não ter havido nulidade da citação, deve ser considerado estarem reunidos os pressupostos da falta de citação, por o acto não ter chegado ao conhecimento da recorrente, por facto que não lhe é imputável.
xxviii. Nos presentes autos, faltou a citação da recorrente, na qualidade de ré, pelo que devem ser anulados os termos do processo posteriores à citação do réu ou ao momento em que a citação devia ter sido efectuada – art. 662º, al. a) do CPC.
xxix. E em todo o caso, deve ser anulado tudo o processado após a petição inicial, nos termos conjugados do art. 141º, al. a), art. 141º, al. e) e art. 143º, al. a), bem como do art. 147º, n.º 2, todos do CPC.
xxx. No que respeita à invocada intempestividade do recurso de revisão, já ficou demonstrado que a recorrente não recebeu qualquer notificação nestes autos, tendo em conta que já nem tinha a sede no XXº andar do XX, tendo somente conhecimento destes autos através da notificação de 23.04.2020 no processo de separação de bens.
xxxi. Pelo que o recurso foi interposto no prazo de 60 dias, sendo, assim, tempestivo, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo.
xxxii. O tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de que o fosse admitido recurso jurisdicional, a título subsidiário, o que a recorrente também não pode concordar.
xxxiii. Compulsados os presentes autos, verifica-se a fls. 226 dos mesmos que em 03.03.2020, o tribunal remeteu uma carta de notificação da sentença para recorrente, na morada na Avenida da XX, XX, XXº andar, Macau.
xxxiv. De facto, a notificação da sentença não foi enviada para a morada da sede da recorrente – que tinha sido alterada em 04.10.2019.
xxxv. Não tendo a ré e recorrente sido notificada na morada da sua actual sede, e não podendo esta ser desconhecida no processo, não pode a notificação ser considerada como efectuada, nos termos do art. 202º, n.º 4 do CPC.
xxxvi. Salvo melhor entendimento, a sentença não transitou em julgado, estando assim a recorrente em tempo para interpor recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, nos termos do art. 591º, n.º 1 do CPC, caso não seja dado provimento ao recurso de revisão – o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona -, nos termos dos arts. 591º, 601º, 603º e 607º, n.º 1 do CPC.
Termos em que, requer-se a V. Ex.a que seja declarado procedente o presente recurso e, em consequência, sejam anulados os termos do processo posteriores à citação da 2ª Ré ou ao momento em que a citação devia ter sido efectuada, ordenando-se que seja efectuada a citação da ora recorrente; ou, subsidiariamente,
Admitido a recorrente interpor recurso da sentença proferida, para o Tribunal de Segunda Instância, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos arts. 591º, 601º, 603º e 607º, n.º 1 do CPC.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade:
A Recorrente é sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 3XXX9 SO, com sede na Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau (ver fls. 78 a 82 dos autos).
Pela alteração parcial do pacto no dia 4 de Outubro de 2019, a sócia E passa-se à administradora da recorrente e a sede da Recorrente é alterada para “澳門XX XX號XX大廈XX樓XX座”, devidamente inscrita na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis pelas apresentações n.ºs 14/0XXXX019 e 16/0XXXX019, respectivamente (ver idem e fls. 83 a 85 dos autos).
Em 04/01/2019, o Recorrido, B, intentou contra a Recorrida C e a Recorrente a acção declarativa com processo comum, autuando sob o processo n.º CV2-19-0006-CAO, formulado os pedidos seguintes:
“a) declarar-se o Autor como o legítimo e único proprietário dos saldos bancários constantes das contas n.º 11-01-10-1XXXX5 e n.º 11-11-10-1XXXX0, abertas junto da instituição bancária Banco da D, (Sucursal de Macau) por se tratarem de seus bens próprios estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal;
b) declarar-se o Autor como o legítimo e único proprietário da fracção autónoma designada por “D5” do prédio urbano localizado na Estrada XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX7-I e inscrito a favor do ora Autor sob o n.º 1XXXX0G e da fracção autónoma designada por “P17” do prédio urbano localizado na Estrada dos XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX8 e inscrito a seu favor sob o n.º 1XXXX3G, por se tratarem de bens próprios nos termos do acordo modificativo do regime de bens celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal;
c) declarar-se o Autor como o legítimo e único proprietário da fracção autónoma designada por “D5” do prédio urbano localizado na Estrada XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX7-I e inscrito a favor do ora Autor sob o n.º 1XXXX0G e da fracção autónoma designada por “P17” do prédio urbano localizado na Estrada dos XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX8 e inscrito a seu favor sob o n.º 1XXXX3G, por se tratarem de bens próprios porque adquiridos com o produto de rendimentos anteriores ao seu casamento com a 1.ª Ré estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal;
d) declarar-se o Autor como o legítimo e único proprietário da fracção autónoma designada por “D5” do prédio urbano localizado na Estrada XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX7-I e inscrito a favor do ora Autor sob o n.º 1XXXX0G e da fracção autónoma designada por “P17” do prédio urbano localizado na Estrada dos XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX8 e inscrito a seu favor sob o n.º 1XXXX3G, por as haver adquirido por usucapião;
e) seja ordenado o cancelamento e levantamento da penhora que sobre as fracções autónomas incide como consequência dos pedidos formulados nas alíneas b), c) ou d).” (ver fls. 166 a 177 dos autos apensos).
Pela carta registada com aviso de recepção foi efectuada a citação pessoal da Recorrente no dia 20/03/2019 na morada “Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau”, indicada pelo Recorrido na petição inicial (ver fls. 181 e verso, 183 e 215 a 222v dos autos apensos).
No respectivo aviso de recepção assinado, consta a advertência com o teor seguinte: “Em caso de ENTREGA a pessoa DIFERENTE DO DESTINATÁRIO Deve o Distribuidor do Serviço Postal adverti-la expressamente do dever de pronta entrega ao Destinatário.” (ver fls. 183 dos autos apensos).
Não foi apresentada qualquer contestação pelas Rés tendo sido pessoal e regularmente citadas, por despacho exarado a fls. 202 dos autos apensos foi determinado que os factos alegados pelo Recorrido se considerem reconhecidos ao abrigo do n.º 2 do art.º 405.º do C.P.C. (ver fls. 202 dos autos apensos).
Pela carta registada de 25/11/2019 foi efectuada a notificação da Recorrente do referido despacho na morada “Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau” (ver fls. 205 e verso dos autos apensos).
Pela sentença final de 21 de Fevereiro de 2020 transitada em julgado no dia 16 de Março de 2020, foi declarado o Recorrido como o único titular dos saldos bancários constantes das contas n.º 11-01-10-1XXXX5 e n.º 11-11-10-1XXXX0, abertas junto da instituição bancária Banco da D, (Sucursal de Macau) por se tratarem de seus bens próprios estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal; e o único proprietário da fracção autónoma designada por “D5” do prédio urbano localizado na Estrada XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX7-I e inscrito a seu favor sob o n.º 1XXXX0G e da fracção autónoma designada por “P17” do prédio urbano localizado na Estrada dos XX n.º XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX8 e inscrito a seu favor sob o n.º 1XXXX3G, por se tratarem de bens próprios nos termos do acordo modificativo do regime de bens celebrado entre o Recorrido e a Recorrida, estando, como tal, excluídos da comunhão conjugal (ver fls. 215 a 222v e 229 dos autos apensos).
Pela carta registada de 03/03/2020 foi efectuada a notificação da Recorrente da sentença final na morada “Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau” (ver fls. 226 e verso dos autos apensos).
A Recorrente apresentou o petitório do presente recurso de revisão junto do Tribunal Judicial de Base no dia 22 de Junho de 2020 (ver fls. 2 dos autos).
*
O recorrente insurge-se contra a seguinte decisão proferida pelo Tribunal recorrido:
“Para sustentar o presente recurso de revisão, a Recorrente invoca o fundamento da falta de citação no disposto no art.º 656.º, alínea f) do C.P.C. por dois motivos seguintes: a nulidade da citação por não tendo efectuada no local de funcionamento normal da Administração e perante uma pessoa alheia da Administração; e a sua falta sem ter chegado ao conhecimento da Recorrente por facto que não lhe é imputável.
Segundo os factos provados não se verifica qualquer correspondência, tanto a citação como as duas notificações enviadas à Recorrente na morada “Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau” indicada pelo Recorrido, no âmbito dos autos principais, foi devolvida. Na verdade, essa morada era sempre a sede social da Recorrente desde a sua constituição, e foi somente por alteração parcial do pacto no dia 4 de Outubro de 2019 é alterada para a morada “澳門XX XX號XX大廈XX樓XX座”. Porém, não se consta nos autos apensos qualquer informação relativa à mudança da nova sede social da Recorrente nem ao não funcionamento da Administração da Recorrente na sede social original.
Para a citação por via postal, é disposto no art.º 182.º do C.P.C. que:
“Artigo 182.º
(Citação por via postal)
1. A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva, para a respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração, e inclui todos os elementos a que se refere o artigo anterior.
2. No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
3. Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes de qualquer documento oficial que permita a identificação.
4. Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.
5. Não sendo possível a entrega da carta, é deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante 8 dias à sua disposição em estação postal devidamente identificada.
6. Se o citando ou qualquer das pessoas a que alude o n.º 2 recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, antes de a devolver, procedendo-se à citação nos termos do artigo 186.º.”
Segundo a disposição citada, não é difícil de concluir foi efectuada a citação pessoal da Recorrente junto da sede social, na Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau. Isto é, ainda que foi deixado apenas o aviso de levantamento da carta de citação pelo distribuidor do serviço postal sem entrega da respectiva carta de citação, a carta de citação, tal como a Recorrente alega, foi entregue a uma pessoa devidamente identificada. Não se pode deixar de anotar que no respectivo aviso de recepção assinado, consta a advertência com o teor seguinte: “Em caso de ENTREGA a pessoa DIFERENTE DO DESTINATÁRIO Deve o Distribuidor do Serviço Postal adverti-la expressamente do dever de pronta entrega ao Destinatário.”
De acordo com o n.º 4 do art.º 180.º do C.P.C., “Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento. ”
E prevê-se a alínea e) do nº 1 do art.º 141.º do C.P.C. que, “Há falta de citação: …e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.”
Dado que foram posteriormente efectuadas duas notificações à mesma morada da sede social da Recorrente na Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau, nos dias 20/03/2019 e 03/03/2020, respectivamente, dá-se comprovadamente intervinda a Recorrente na acção ordinária dos autos apensos sem ter registado qualquer arguição.
Reza o art.º 142.º do C.P.C. que, “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade. ”
Posto isto, não se pode ilidir a presunção de que a Recorrente ter sido transmitido o conteúdo do acto de citação à Recorrente por pessoal que foi entregue a carta de citação, nem os actos praticados pelo Recorrido naqueles autos de execução do processo n.º CV1-15-0111-CEO-C basta justificar a inimputabilidade da Recorrente do alegado desconhecimento do conteúdo do acto de citação efectuado nos autos apensos.
Pelas considerações expostas não parece que se pode resultar a alegada irregularidade e consequente nulidade da citação pessoal efectuada à Recorrente, por força do comando legal do art.º 144.º, n.º 1 do C.P.C., ainda que a pessoa que acusou à recepção da carta de citação não é representante legal da Recorrente e foi-lhe entregue a carta de citação em estação postal. A par disto, não é verificada a alegada falta de citação por desconhecimento do conteúdo do acto de citação da Recorrente por facto que não lhe seja imputável aludida na alínea e) do art.º 141.º do C.P.C.
De outro lado, nos termos do art.º 656.º, alínea b), do C.P.C., “O prazo para a interposição do recurso de revisão é de 60 dias, a contar: … b) Nos outros casos, da data em que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base ao recurso de revisão. ”
Uma vez que pela carta registada de 03/03/2020 foi efectuada a notificação da Recorrente da sentença final dos autos apensos na morada “Avenida da XX, XX, XX.º andar, em Macau”, o que implica a manifesta intempestividade da interposição do presente recurso de revisão por esgotamento do prazo de 60 dias.
Nesta conformidade, deve julgar-se improcedente o presente recurso de revisão interposto pela Recorrente, por falta manifesta de fundamento, nos termos do art.º 660.º, n.º 2 do C.P.C.”
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A questão que se coloca neste recurso jurisdicional é saber se houve falta ou nulidade de citação prevista na alínea f) do artigo 653.º do CPC.
Analisada a douta decisão de primeira instância que antecede, louvamos a acertada decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC.
Apenas mais umas achegas.
Efectivamente, é bom de ver que a carta de citação foi enviada para a sede indicada no registo comercial, e tendo a mesma sido recebida por alguém que trabalhava naquele local, a pessoa colectiva foi considerada citada pessoalmente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 176.º do CPC.
Diz a recorrente que o local indicado no seu registo comercial não foi o local onde funcionava normalmente a administração.
Ora bem, se assim fosse, ou a recorrente prestou falsas informações perante autoridades ou não está agora a dizer a verdade.
Mas independentemente da situação, a verdade é que, tendo sido registado o referido endereço como sendo o local onde funciona normalmente a administração, compete à recorrente provar o contrário, mas não logrou o mesmo ilidir essa factualidade.
Daí que, tendo a carta de citação sido recebida por alguém que prestava serviço naquele local, a recorrente considerava-se citada pessoalmente nos termos legais acima referidos.
E quanto à questão de saber se a pessoa que recebeu a carta nunca chegou a dar qualquer conhecimento da mesma aos administradores da sociedade recorrente, também cabe ao recorrente demonstrar esse facto e, não logrando a prova da matéria, não se pode afirmar que a recorrente não chegou a ter conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável.
E não se diga que se deva aplicar no caso vertente o disposto no artigo 187.º do CPC, pois o artigo só se aplica a situações em que a citação é efectuada em pessoa diversa do citando e não ao presente caso, uma vez que a recorrente é considerada citada pessoalmente.
Mesmo que assim não se entenda, a falta de cumprimento do disposto no artigo 187.º deve ser suscitada pela recorrente dentro do prazo fixado para arguição de nulidade, e em sede de recurso.
Face às considerações acima tecidas, somos a entender que verificada não está a suposta falta ou nulidade de citação a que se refere a alínea f) do artigo 653.º do CPC, improcedendo, assim, esta parte do recurso.
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E no tocante à questão de indeferimento do recurso ordinário interposto pela recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos verificar-se um equívoco.
Prevê o artigo 595.º, n.º 1 do CPC que “Do despacho que não admita o recurso ordinário ou que o retenha, pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso.”
Isto é, do despacho de primeira instância que não admita o recurso, cabe ao recorrente deduzir reclamação junto do presidente do tribunal de segunda instância, ou seja, a apreciação da admissão ou não do recurso é da competência do presidente do tribunal de instância imediatamente superior.
No caso dos autos, contra o despacho que indeferiu o pedido (subsidiário) de interposição de recurso ordinário, a recorrente em vez de deduzir reclamação veio interpor recurso ordinário, e tendo este último sido admitido, deve aplicar-se o disposto no n.º 2 do artigo 595.º do CPC, ou seja, o juiz deve mandar seguir os termos próprios da reclamação, no tocante à impugnação da decisão em que foi indeferido o recurso ordinário.
Nestes termos, este TSI decide não conhecer esta parte do recurso, devendo os autos baixar à primeira instância para os efeitos tidos por convenientes, nomeadamente para cumprimento do disposto no artigo 595.º, n.º 2 e 596.º, ambos do CPC.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
No referente à questão de impugnação da decisão que indeferiu o recurso ordinário, baixem os autos à primeira instância para os efeitos tidos por convenientes, nomeadamente para cumprimento do disposto no artigo 595.º, n.º 2 e 596.º, ambos do CPC.
Registe e notifique.
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RAEM, 6 de Maio de 2021
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
Recurso cível 1093/2020 Página 13