Processo n.º 1094/2020
(Autos de recurso cível)
Data: 13/Maio/2021
Recorrentes:
- A e B (exequentes)
Recorridos:
- C, Limitada (credor reclamante)
- Ministério Público (credor reclamante)
- D (executado)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pelos exequentes A e B, melhor identificados nos autos (doravante designados por “recorrentes”), contra o executado D, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrido”), foi proferida, no apenso àqueles autos, sentença que procedeu à graduação dos créditos.
Inconformados, recorreram os exequentes jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 在應有的尊重下,對於原審法院作出否決請求執行人於卷宗第92頁及續後提出的對要求清償債權的爭執,上訴人表示不予認同,為此,現提起上訴及作出陳述如下:
2. 根據尊敬的原審法院法官 閣下於卷宗第109頁所載,尊敬的原審法官 閣下於否決上訴人提出之爭執之理由在於 “Os exequentes apresentaram a impugnação a fls. 92 e ss., compulsados os elementos dos autos, a E, não é executada na execução, pelo que vai indeferido a impugnação.”,在應有的尊重下,上訴人對此表示不予認同。
3. 事實上,被查封之獨立單位E2的所有權人為被執行人D,及其妻子E,而所有權人E並非本案的被執行人,且於本案中沒有任何當事人的身份,但上訴人認為這並非否決請求執行人提出對要求清償債權人之爭執的理據。
4. 原因在於,獨立單位E2的所有權人之一的E在本案中非為本案之當事人,影響的應當是要求清償債權人提出要求清償債權時,所需具備的訴訟前提。
5. 根據涉案獨立單位E2存在的兩個要求清償債權人C有限公司之意定抵押登記,分別為登錄編號XXXXXC,擔保金額為MOP$2,681,900.00,抵押人為D及妻子E (以取得共同財產制結婚);以及登錄編號為XXXXXXC,擔保金額為MOP$4,641,750.00,抵押人為D及妻子E (婚姻財產制度修改為分別財產制)。
6. 由此可見,上述獨立單位E2存在兩個意定抵押登記,抵押人均為D及妻子E 。
7. 根據《民法典》第692條第1款之規定 “一、除另有約定外,抵押權屬不可分割因而對每一抵押權屬不可分割,因而對每一抵押物及組成該物之每一部分保持抵押權之完整性,即使有關物或債權已被分割或債權已部分滿足亦然。”
8. 在本案中,要求清償債權人現只是針對被執行人D及獨立單位E2之1/2份額提出要求清償全部的債權。
9. 然而,既然抵押權具有不可分割性,那麼,要求清償債權人在行使上述獨立單位E2之兩個意定抵押權賦予的優先受償權時,必須一次性全部行使,而不限於涉案獨立單位的1/2份額。
10. 根據《民事訴訟法典》第68條第4款之規定,在涉及執行事宜上之正當性,以一項不可分割的擔保物權來提出執行,則必須以整個(不可分割)的抵押權來主張,亦即要針對包括: 被執行人D 及擔保人E 提出執行程序,否則便會對於抵押人/物或權利人的防禦權利造成傷害。
11. 基於抵押人與抵押權人之間的法律關係的性質,當抵押權人在訴訟程序中行使其抵押權時,必須針對全部的抵押人,有關的訴訟屬必要共同訴訟。
12. 那麼,要求清償債權人在行使抵押權及其賦予之優先受償權,以優先獲得債務的清償時,上訴人認為應當是針對整個獨立單位E2,且需要針對全體的抵押人,即D及妻子E 提出。
13. 在本案當中,上述獨立單位E2之所有權人E 並非為本案之被執行人,在本案當中亦不存在任何當事人的身份,要求清償債權人在行使抵押權時,相關的被訴正當性存在欠缺,根據澳門《民事訴訟法典》第394條第1款c)項之規定,有關的要求清償債權聲請,應予以初端駁回。
14. 上訴人並非不認同要求清償債權人所具有的抵押權,只是上訴人認為本執行程序僅對上述獨立單位E2的1/2份額進行查封,即使將之進行司法拍賣,亦無法完全滿足要求清償債權人之債權MOP$936,280.73及MOP$3,700,000.57,以及相關債權之利息。
15. 根據《民事訴訟法典》第764條第1款之規定 “如就相同財產有多於一個執行程序正處待決,則就該等財產較遲提出查封之執行程序中止,且提起此執行程序之人得於較早提出查封之執行程序中要求清償其債權;如查封須登記者,則以有關登記決定查封之先後。”
16. 所以,上訴人認為要求清償債權人如果要行使其抵押權及其賦予的優先受償權,是應當另案提起一個執行訴訟程序,將整個獨立單位E2進行查封,以滿足要求清償債權人之全部債權,而非於本案當中,要求就已查封的1/2份額的獨立單位E2,來要求清償其債權。
17. 綜上所述,在應有的尊重下,尊敬的原審法院法官 閣下忽略了本案中欠缺另一名獨立單位E2的所有權人E 的參與,實際上是令到要求清償債權人在行使其權利時欠缺一項重要的訴訟前提,因此,懇請尊敬的中級法院法官 閣下撤銷卷宗第108頁至第110背頁之判決。
18. 同時,基於要求清償債權人在行使抵押權時,相關的被訴正當性存在欠缺,根據澳門《民事訴訟法典》第394條第1款c)項之規定,懇請尊敬的中級法院法官 閣下改判及駁回有關的要求清償債權聲請。
綜上所述,懇請尊敬的中級法院法官 閣下作出判決如下:
1. 撤銷原審法院於卷宗第108頁至第110背頁所作之判決;
2. 基於要求清償債權人在行使抵押權時,相關的被訴正當性存在欠缺,根據澳門《民事訴訟法典》第394條第1款c)項之規定,駁回要求清償債權人於卷宗第4頁至第12頁提出之要求清償債權聲請。
最後,懇請尊敬的中級法院法官 閣下,一如既往,作出公正的裁決!”
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Ao recurso respondeu o credor reclamante C nos seguintes termos conclusivos:
“A. De acordo com o artigo 692º do CC a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.
B. Neste preceito consagra-se o princípio da indivisibilidade ou da solidariedade da hipoteca, o que significa que o credor hipotecário pode reclamar a totalidade do seu crédito para ser pago pelo produto da venda da quota da coisa ou direito onerado (neste caso 1/2 da fracção designada por “E2”).
C. A indivisibilidade da hipoteca consiste na faculdade de vincular qualquer das partes à satisfação de todo o crédito.
D. Não interessa à eficácia da hipoteca a circunstância da dívida ser conjunta ou solidária, ou ainda a de ser penhorada toda ou só parte da coisa hipotecada.
E. Daí que cumprindo a característica da indivisibilidade e da solidariedade, e exercendo o direito de sequela, o Reclamante, ora Recorrido, veio aos autos reclamar a totalidade do seu crédito, apesar de apenas estar penhorado 1/2 da fracção “E2”.
F. Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, o princípio supletivo da indivisibilidade da hipoteca refere-se ao direito de garantia por ele veiculado e não à coisa sobre que incide.
G. Resulta do disposto no artigo 758º do CPC que os pressupostos essenciais da reclamação de créditos são a existência de garantia real sobre os bens penhorados e a existência de título executivo.
H. Tendo o Banco Recorrido hipoteca a seu favor e título executivo, não tem aqui aplicação o artigo 764º do CPC.
I. Como não se aplica o artigo 68º, n.º 4 do CPC, nem sequer extensivamente, porquanto o Executado, proprietário de 1/2 da fracção penhora, não é terceiro, antes figura no título executivo do Credor Reclamante como devedor.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas, doutamente suprirão deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na integra a douta sentença recorrida.”
Mais apresentou o executado D resposta, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão recorrida:
“Nos presentes autos, foi penhorado 1/2 da fracção autónoma E2, identificada nos autos de execução.
O Ministério Público reclamou os seus créditos, no seu requerimento que se dá por integralmente reproduzido. O C reclamou os seus créditos, no seu requerimento que se dá por integralmente reproduzido.
Os exequentes apresentaram a impugnação a fls. 92 e ss., compulsados os elementos dos autos, a E, não é executada na execução, pelo que vai indeferida a impugnação.
O C reclamou os seguintes créditos:
1) na quantia de MOP$936.280,73, a título de capital, e MOP$1.489,71, a título de juros vencidos e não pagos, até 13 de Setembro de 2019, a que acrescem os juros vincendos, a uma taxa anual correspondente a 2.85% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do Banco, sujeita a flutuação, acrescida de 3% em caso de mora; e
2. o crédito reclamado na quantia de MOP$3.700.522,57, a título de capital, e MOP$6.615,32, a título de juros vencidos e não pagos, até 13 de Setembro de 2019, a que acrescem os juros vencidos e os vincendos, a uma taxa anual correspondente a 1.75% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do Banco, sujeita a flutuação, acrescida de 3% em caso de mora, e honorários de advogado do Reclamante nos presentes autos, no montante de MOP$100.000,00.
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Por escritura de 21 de Agosto de 2009, o Executado D e a sua mulher E, constituíram a favor do Reclamante hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma, designada por “E2” do 2º andar “E”, para habitação, do prédio sito em Macau, com os números 1 a 3-L da Avenida XXXX e números 2 e 4 da Travessa XXXX, inscrito na matriz sob o artigo nº XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a fls. 144v do Livro B37, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº XXXXXF.
A hipoteca sobre a fracção acima identificada, ficou registada sob o nº XXXXXC.
Por escritura de 26 de Novembro de 2015, o Executado D e a sua mulher E constituíram a favor do Reclamante uma segunda hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma, designada por “E2”, melhor identificada nos autos de execução.
A hipoteca sobre a fracção acima identificada, ficou registada sob o nº XXXXXX do Livro C.
De acordo com o registo pedial, B e A constituíram hipoteca judicial que está registada sob o n.º de inscrição: XXXXXXC, com n.º de apresentação n.º 167 de 22/11/2016.
Foi registada a penhora sobre 1/2 de E2, sob apresentação n.º 43 de 15 de Junho de 2018.
As hipotecas de que beneficia o C, porque registadas anteriormente à penhora de que beneficia o exequente, prevalecem sobre esta (arts. 682º, nº 1 e 812º do Código Civil).
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O MP reclamou os seus créditos. O crédito de imposto de Contribuição Predial inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora e nos dois anos anteriores têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição (arts. 736º, nº 1 e 729º do Código Civil). No entanto, o crédito de imposto de Contribuição Predial reclamado pelo MP, não são de dois anos anteriores à data da penhora, pelo que não goza de privilégio, indefiro a reclamação do MP.
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As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados (art. 384º do C.P.C.).
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Pelo exposto, decide-se graduar o crédito exequente e os créditos reclamados, para serem pagos pelo produto da venda que futuramente venha a ser feita na execução apensa pela ordem seguinte:
1º - as custas da execução;
2º - o crédito reclamado pelo C Limited, relativo à hipoteca, com apresentação n.º 53 de 2-09-2009, com inscrição n.º XXXXXC;
3º - o crédito reclamado pelo C Limitada, relativo à hipoteca, com apresentação n.º 141 de 30-11-2015, com inscrição n.º XXXXXXC;
4º - o crédito exequendo.
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Os créditos reclamados pelo MP nos presentes autos não gozam de privilégio nos termos do artigo 736º do CC, indefiro a reclamação do MP (駁回檢察院的要求).
Os exequentes apresentaram a impugnação a fls. 92 e ss., vai indeferida a impugnação (否決請求執行人的爭執).
Custas pelos executados.
Registe, notifique e D.N.”
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No caso dos autos, foi penhorada 1/2 da fracção autónoma pertencente ao executado D.
Feita a graduação dos créditos, os créditos reclamados pelo reclamante C foram graduados à frente do crédito exequendo.
Entendem os recorrentes, ora exequentes, que não sendo a esposa do executado parte nos autos, e não tendo sido penhorada a outra metade da fracção autónoma pertencente à sua esposa, o Banco reclamante não tem legitimidade para reclamar os seus créditos, tanto por força do disposto no artigo 692.º do Código Civil como nos termos do artigo 68.º do Código de Processo Civil.
A nosso modesto ver, entendemos não merecer reparo a decisão recorrida.
Dispõe o n.º 1 do artigo 692.º do Código Civil: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.”
Observam Pires de Lima e Antunes Varela1: “Consagra-se neste artigo o princípio da indivisibilidade ou da solidariedade da hipoteca. Tendo sido hipotecados vários prédios, o credor pode, à sua escolha, executar qualquer deles, ou parte de um deles, ainda que o crédito esteja dividido ou tenha já sido parcialmente satisfeito.”
Também Antunes Varela2 referiu que “se a hipoteca recair sobre dois ou mais prédios, homogéneos, a garantia recai por inteiro sobre cada um deles e não apenas parcelarmente, ou fragmentariamente, em proporção ao valor de cada um deles.”
Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/4/1997, citado a título de direito comparado: “O artigo 696.º do Cód. Civil veio, assim, consagrar, em toda a sua extensão, a referida regra de indivisibilidade da hipoteca em três planos diferentes: a) Determinou a subsistência da hipoteca, sobre cada uma das coisas oneradas, quando, como é natural, ela se haja, ab initio, constituído sobre um objecto múltiplo: é a hipoteca solidária do direito alemão; b) Determinou a subsistência da hipoteca, por inteiro, sobre cada uma das novas coisas resultantes da divisão de um bem inicial hipotecado ou sobre cada uma das partes de coisa autonomizadas a partir de um prédio, também anteriormente hipotecado: é a indivisibilidade romanística, firme no brocardo de Dumoulin; c) Determinou a subsistência da hipoteca, por inteiro, em prol de cada um dos credores investidos, mercê da divisão de um crédito anterior.”
Assim como vem referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 3921/05.0TBCLD-A.L1-2, também a título de direito comparado: “Por força das regras da venda em execução, o direito da executada seria transmitido livre dos direitos de garantia que o onerassem (n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil), ou seja, a garantia hipotecária do ora apelante caducaria nessa parte, passando a onerar tão só o direito do outro comproprietário (neste sentido, v.g.. acórdão da Relação do Porto, 27.01.2009, processo 0826515, Internet, dgsi-itij). Daí o interesse do ora apelante em reclamar na execução o seu crédito, a fim de poder obter a sua satisfação sobre o produto da venda da aludida quota (n.º 3 do art.º 824.º do Código Civil).”
Efectivamente, a indivisibilidade da hipoteca visa assegurar ao credor hipotecário a execução por inteiro sobre qualquer das coisas resultantes da divisão de um bem anteriormente hipotecado, ou seja, consiste na faculdade de vincular a parte devedora à satisfação de todo o crédito.
Sendo o executado e sua esposa comproprietários de determinado bem imóvel e, tendo ambos constituído hipoteca sobre o mesmo, não obstante a outra comproprietária não ser executada nos presentes autos, nada obsta a que, incindindo a penhora apenas sobre metade indivisa desse mesmo bem, os credores reclamantes venham reclamar a totalidade dos créditos garantidos por aquela hipoteca.
Isto posto, não se vislumbra a alegada violação do disposto no artigo 682.º do Código Civil.
E nem se diga que a falta de intervenção da comproprietária nos autos de execução acarretaria falta de legitimidade, sabendo que o Banco reclamante, munindo de título executivo bastante, tem condições de reclamar o seu crédito.
Nestes termos, há-de negar provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes A e B, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
***
RAEM, 13 de Maio de 2021
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 719
2 Das obrigações em geral, Volume II, 5.ª edição, pág. 549
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Recurso Cível 1094/2020 Página 8