Processo nº 228/2020
Data do Acórdão: 13MAIO2021
Assuntos:
Regime de arguição das nulidades processuais
Regime de arguição das nulidade de sentença
Princípio da livre apreciação das provas
Impugnação de matéria de facto
Erro de facto
Erro de direito
SUMÁRIO
1. Diz-se nulidade a ilegalidade por inobservância do formalismo processual prescrito na lei, ou por prática de um acto processual proibido ou por omissão de um acto prescrito na lei. Ou seja, são os casos em que por trás da ilegalidade cometida foi praticado ou omitido um acto, mas o tribunal não chegou a pronunciar-se expressamente sobre a legalidade do acto ou da omissão.
2. Diz-se decisão judicial que contem já a pronúncia expressa sobre a legalidade da prática ou da omissão de um acto, ou que autoriza ou ordena expressamente a prática ou a omissão de um acto.
3. Dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se.
4. Do despacho que decidir a arguição da nulidade é que se recorre.
5. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
6. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
7. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
8. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
9. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 228/2020
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de acção ordinária nº CV1-17-0076-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
Companhia de Administração Predial A, com registo comercial nº XXX, com sede em Macau, na XXX;
B, casado, titular do BIRNPM nº XXX, com endereço em Macau-Taipa, na XXX.
Vêm instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra,
C, casado, titular do BIRPM nº XXX, com endereço em Macau, na XXX.
A sociedade Autora e um dos sócios vêm instaurar a presente acção contra o outro sócio da sociedade alegando que a sociedade se candidatou e ganhou vários concursos para a gestão e administração de parques de estacionamento, sendo que, a partir de determinado momento o sócio aqui Réu deixou de informar o 2º Autor sobre a actividade da sociedade, recebendo as quantias que eram pagas à sociedade na conta bancária desta e transferindo-as para a sua conta pessoal sem estar autorizado a fazê-lo, tendo o Réu violado os seus deveres de administrador da sociedade, o que causou danos patrimoniais e não patrimoniais à 1ª Autora e ao 2º Autor.
Concluindo pede que seja o Réu condenado a reembolsar à 1ª Autora o valor de cinco milhões, cento e noventa mil e sessenta patacas (MOP5.190.060,00) e todos os activos levantados da companhia, não destinados à operação e gestão de actividades da companhia da 1ª Autora, desde 1 de Abril de 2017 e seguintes, juntamente, com os juros legais, contados a partir da data de citação do Réu até ao integral pagamento, bem como, condenar o Réu no pagamento do valor de cem mil patacas (MOP100.000,00) a título de danos não patrimoniais à 1ª Autora e no pagamento do valor de cem mil patacas (MOP100.000,00) a título de danos não patrimoniais ao 2º Autor, valores esses acrescidos dos juros legais, contados desde a data de citação do Réu até ao integral pagamento.
Citado o Réu para querendo contestar veio este fazê-lo defendendo-se por impugnação e deduzindo Reconvenção na qual alega que após a constituição da sociedade Autora pelo 2º Autor e o aqui Réu, por apresentação daquele ao Réu juntou-se-lhes um outro indivíduo o qual passou a colaborar com o 2º Autor e Réu no sentido de concorrerem e ganharem os concursos para a administração e manutenção dos auto-silos, usando a sociedade para concorrerem, mas participando nos encargos e lucros na proporção que cada um (desses três) entendesse participar naquele concurso específico, tendo para o efeito aberto uma conta em nome da 1ª Autora para movimentarem especificamente as receitas, despesas e distribuição de lucros relativos a estes concursos, não servindo essa conta para os outros negócios da Autora. Posteriormente foram concorrendo e conseguindo a adjudicação em nome da 1ª Autora da gestão e manutenção de parques de estacionamento, sendo que o 2º Autor por não ter capital para investir deixou de participar na gestão e administração dos parques que vieram a ser adjudicados não recebendo também os lucros. Porém alguns meses após o 2º Autor veio exigir participar na gestão de alguns dos parques que haviam sido adjudicados, sendo que, como o Réu já tinha adiantado o dinheiro para esses trabalhos exigiu do 2º Autor que restituísse ao Réu as quantias que este havia adiantado e depois podia ficar com a administração desse parque, contudo o 2º Autor nunca restituiu essa quantia. Mais tarde o terceiro indivíduo que se havia associado com o 2º Autor e Réu, também alegando falta de capital para investir deixou de participar nos concursos, continuando o Réu a concorrer e a adiantar as quantias necessárias para as despesas de gestão e manutenção dos parques de estacionamento que lhe eram adjudicados. Para a gestão dos parques de estacionamento cuja gestão foi sendo sucessivamente atribuída ao Réu este despendeu as quantias que indica uma vez que a 1ª Autora não dispunha de fundos para o efeito e o 2º Autor nada pagou, pelo que, tem o Réu a haver os valores que indica.
Concluindo pede o Réu que seja absolvido dos pedidos formulados pelos Autores, sendo estes condenados como litigantes de má-fé no pagamento de multa e indemnização a favor do Réu no valor de cento e cinquenta mil patacas (MOP150.000,00) em função dos honorários do mandatário judicial, e de quinhentas mil patacas (MOP500.000,00) em função dos demais prejuízos, tudo acrescido dos juros legais, contados a partir da data em que for proferida a sentença até ao pagamento efectivo;
Caso assim não entenda, pede subsidiariamente, que julgando-se procedentes a reconvenção e pedidos apresentados pelo Réu, seja a 1ª Autora condenada a restituir ao Réu a dívida de 4.963.095,00 patacas e pagamento de juros legais, contados a partir da data em que for proferida a sentença até ao pagamento efectivo ou caso a 1ª Autora não tenha capacidade para a restituição da aludida quantia, fique o 2º Autor obrigado a restituir ao Réu, 2.382.285,60 patacas, segundo a proporção da quota que detém, bem como ao pagamento de juros legais, contados a partir da data em que for proferida a sentença até ao pagamento efectivo;
Caso assim não entenda, subsidiariamente, pede que, julgando-se procedente a reconvenção seja a 1ª Autora condenada a restituir ao Réu a quantia de 4.963.095,00 patacas, por enriquecimento sem causa, e pagamento de juros legais, contados a partir da data em que for proferida a sentença até ao pagamento efectivo, ou se a 1ª Autora não possuir dinheiro suficiente para a restituição da aludida quantia, fique o 2º Autor obrigado a restituir ao Réu a quantia de 2.382.285,60 patacas, segundo a proporção da quota que detém, bem como ao pagamento de juros legais, contados a partir da data em que for proferida a sentença até ao pagamento efectivo.
Replicando, vieram os Autores sustentar não ser admissível a Reconvenção, caso fosse admitida ser inepta, ilegitimidade do 2º Autor para a Reconvenção e defender-se por impugnação à matéria da mesma, sustentando a litigância de má-fé do Réu, concluindo que:
1. A Reconvenção não seja admitida;
ou, caso assim não se entenda:
2. Seja declarada inepta a petição inicial da reconvenção por falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir e não seja admissível a reconvenção; ou
3. julgue procedente a excepção e falta de legitimidade passiva, invocada pelo 2º Autor, quanto à reconvenção e, em consequência, seja o mesmo absolvido de instância reconvencional deduzida pelo Réu;
4. que os factos e fundamentos de direito da reconvenção do Réu não possam ser dados como provados e seja indeferido o pedido reconvencional do Réu;
5. seja condenado o Réu em litigância de má-fé e a indemnizar os dois Autores, no valor total de cem mil patacas (MOP100.000,00).
Pelo Réu foi apresentada tréplica na qual respondeu à matéria das excepções invocadas pelos Autores na Réplica, concluindo que:
1. Fosse admitida a reconvenção, apresentada pelo Réu;
2. Julgada improcedente a invocada ineptidão da petição reconvencional, arguida pelos 2 Autores;
3. Declarado o 2º Autor parte legítima;
4. Declarados os 2 Autores litigantes de má-fé;
5. Declarada a improcedência, referente à litigância de má-fé do Réu;
Foi proferido despacho saneador onde não foi admitida a reconvenção ficando assim prejudicada a apreciação das excepções invocadas pelos Autores quanto à Reconvenção.
Foi seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
De acordo com a argumentação dos Autores e Réu a questão a decidir nesta sede processual consiste em começar por apreciar se a actividade de gestão e administração de parques de estacionamento era desenvolvida pela sociedade e nesse caso se impende sobre o Réu a obrigação de pagar aos Autores os valores pedidos, ou, em face do alegado pelo Réu, se no caso em apreço ocorre a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, uma vez que, embora a actividade fosse desenvolvida supostamente em nome da sociedade na prática o que ocorria é que a actividade subjacente a estes autos era levada a cabo pelos sócios individualmente ou agrupados mas não de acordo com as regras societárias.
Da má-fé dos Autores e Réus.
Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
a) A Sociedade de Administração de Propriedades A (adiante designada por “1ª A.”) é uma sociedade limitada, constituída na RAEM nos termos legais, e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis da RAEM sob o nº XXX, cujo registo de constituição foi efectuado em 9 de Julho de 2013, com capital social de MOP25.000,00 (vinte e cinco mil patacas), com sede da pessoa colectiva em Macau, na XXX, cujo objecto é a administração de propriedades de prédios, escolas e lares de idosos, segurança, limpeza, serviços diversos, flor e erva, árvore, reparação de pavimento e administração de auto-silos; (alínea a) dos factos assentes)
b) O 2° A. e o R. são sócios da 1ª A., possuindo o 2° A. uma acção com valor nominal de MOP12.000,00 (doze mil patacas) e o R. uma acção com valor nominal de MOP13.000,00 (treze mil patacas); (alínea b) dos factos assentes)
c) O 2° A. e o R. exercem simultaneamente as funções de administrador da 1ª A.; (alínea c) dos factos assentes)
d) Em 2015, mediante discussões e consentimento unânime do 2° A. e do R., a 1ª A. apresentou proposta nos concursos realizados pela DSAT do Governo da RAEM, no âmbito de prestação de serviços de administração e manutenção dos auto-silos públicos abaixo indicados, nos prazos estipulados:
- Zona provisória para estacionamento de autocarros em Cotai, no período compreendido entre 1 de Setembro de 2015 e 30 de Abril de 2016;
- Auto-Silo Pak Lek, no período compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2016.
(alínea d) dos factos assentes)
e) A 1ª A. conseguiu obter a adjudicação pela DSAT do Governo da RAEM em relação aos concursos mencionados no item d), tendo prestado serviços de administração e manutenção nos respectivos auto-silos, nos prazos estipulados; (alínea e) dos factos assentes)
f) Mediante negociações entre o 2° A., o R. e E, os três concordaram em unânime que, na proporção de 40% para o R., 40% para o 2° A. e 20% para E, cooperavam na exploração dos dois projectos mencionados no item d), para tal, celebraram um “Acordo tripartido de cooperação”; (alínea f) dos factos assentes)
g) Foi referido no ofício de resposta emitido pela DSAT no dia 24 de Novembro de 2016 que, desde 2015 até 24 de Novembro de 2016, a 1ª A. prestou serviços de administração e manutenção nos seguintes auto-silos públicos de Macau:
1. Auto-Silo do Edifício da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, de 1 de Maio a 30 de Junho de 2016;
2. Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio, de 1 de Junho a 30 de Novembro de 2016;
3. Auto-Silo do Edifício Fai Fu, de 1 de Fevereiro a 31 de Maio de 2016;
4. Auto-Silo do Lido, de 1 de Abril a 31 de Outubro de 2016;
5. Auto-Silo do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, de 1 de Agosto a 31 de Outubro de 2016;
6. Zona provisória para estacionamento de autocarros em Cotai, de 1 de Setembro de 2015 a 30 de Abril de 2016;
7. Auto-Silo Pak Lek, de 1 de Janeiro a 31 de Outubro de 2016;
8. Auto-Silo da Rua do Delegado, de 12 de Setembro a 30 de Novembro de 2016.
(alínea g) dos factos assentes)
h) No dia 25 de Novembro de 2016, registaram-se dez depósitos na conta bancária n° 577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang, no valor total de MOP2.530.903,68 (dois milhões quinhentas e trinta mil novecentas e três patacas e sessenta e oito avos); (alínea h) dos factos assentes)
i) No dia 28 de Novembro de 2016, registou-se saída de duas quantias avultadas na conta bancária mencionada no item h), sendo uma delas efectuada por meio de transferência, no valor de MOP1.830.000,00 (um milhão oitocentas e trinta mil patacas), e outra efectuada por meio de levantamento em numerário, no valor de MOP600.000,00 (seiscentas mil patacas), perfazendo o total de MOP2.430.000,00 (dois milhões quatrocentas e trinta mil patacas); (alínea i) dos factos assentes)
j) A quantia de MOP1.830.000,00 (um milhão oitocentas e trinta mil patacas), mencionada no item i), foi transferida para outra conta coligada do R. do mesmo banco, nº 250624-101, mediante talão por este preenchido; (alínea j) dos factos assentes)
k) A conta bancária nº 250624-101 não era titulada pela 1ª A.; (alínea k) dos factos assentes)
l) A conta bancária nº 250624-101 também não pertencia à DSAT; (alínea l) dos factos assentes)
m) A conta bancária nº 577117-100 da 1ª A. só tinha, até 31 de Dezembro de 2016, o saldo de MOP77.297,63 (setenta e sete mil duzentas e noventa e sete patacas e sessenta e três avos); (alínea m) dos factos assentes)
n) No dia 18 de Janeiro de 2017, registaram-se sete depósitos na conta bancária nº577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang, no valor total de MOP2.933.154,00 (dois milhões novecentas e trinta e três mil cento e cinquenta e quatro patacas); (alínea n) dos factos assentes)
o) No dia 19 de Janeiro de 2017, registou-se saída de três quantias avultadas na conta bancária n° 577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang, sendo duas delas efectuadas por meio de transferência, respectivamente no valor de $500.060,00 patacas e $1.000.000,00 de patacas, e outra efectuada por meio de levantamento em numerário, no valor de $1.260.000,00 patacas, perfazendo o total de $2.760.060,00 patacas; (alínea o) dos factos assentes)
p) As transferências bancárias e levantamento em numerário mencionados no item o) foram efectuados mediante talões emitidos pelo R.; (alínea p) dos factos assentes)
q) As quantias de $2.430.000,00 patacas e $2.760.060,00 patacas, transferidas e levantadas pelo R., respectivamente no dia 28 de Novembro de 2016 e no dia 19 de Janeiro de 2017, na conta bancária nº 577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang, não foram entregues à DSAT a título de tarifas diárias de estacionamento; (alínea q) dos factos assentes)
r) Verificadas movimentações exclusivamente realizadas pelo R., a conta bancária n° 577117-100 da 1ª A. só tinha, até 1 de Abril de 2017, o saldo de MOP62.676,29 (sessenta e duas mil seiscentas e setenta e seis patacas e vinte e nove avos); (alínea r) dos factos assentes)
s) A 1ª A. não convocou nenhuma assembleia geral de accionistas no sentido de deliberar e aprovar os actos de transferência bancária ou de levantamento na conta bancária da 1ª A., efectuados pelo R., mencionados no item i) e o); (alínea s) dos factos assentes)
t) O R. não convocou nenhuma reunião da administração no sentido de deliberar e aprovar os levantamentos na conta bancária supracitada, por si efectuados no dia 28 de Novembro de 2016 e no dia 19 de Janeiro de 2017, no valor total de MOP5.190.060,00; (alínea s-1) dos factos assentes)
u) No dia 14 de Fevereiro de 2017, a 1ª A. e o 2° A. instauraram um procedimento cautelar comum contra o R., que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o n° CV1-17-0005-CPV, tendo requerido ao tribunal que ordenasse a apreensão da quantia transferida pelo R., no dia 28 de Novembro de 2016, da conta bancária da 1ª A. para a conta bancária n° 250624-101, e que ordenasse a proibição do R. de movimentar, transferir e ocultar por qualquer forma o numerário por si levantado na conta bancária da 1ª A., no dia 28 de Novembro de 2016; (alínea t) dos factos assentes)
v) No dia 27 de Julho de 2017, foi proferido acórdão do Processo nº 472/2017 do Tribunal de Segunda Instância, que concedeu provimento ao recurso interposto pela 1ª A. e pelo 2° A. contra a sentença proferida pelo tribunal a quo, em que foi julgado improcedente o procedimento cautelar de arresto e indeferido o pedido, bem como determinou ordenar a realização de providência cautelar contra o R., sendo seguinte o texto original constante do acórdão:
“…
2. Conceder provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida.
2.1 – Julgar procedente a providência cautelar comum e, em consequência:
2.1.1 – Ordena-se, até nova ordem em contrário, a apreensão da quantia de MOP1.830.000,00 transferida em 28/11/2016 da conta nº 5771117-100 para a conta nº 250624-101 do Banco Weng Hang;
2.1.2 – Caso inexista saldo suficiente na referida conta nº 250624-101 do Banco Weng Hang, determina-se:
a) A apreensão da quantia que ali estiver depositada nessa conta; e
b) A apreensão da quantia restante, até perfazer aquele valor, que existir depositada em nome do requerido em outras instituições bancárias.
3. – Determina-se ainda a apreensão da quantia de MOP600.00,00 que o requerido tiver depositado em qualquer instituição de Macau;
3.1 – Cada um dos bancos deve reportar ao tribunal a respectiva cativação, que perdurará até nova comunicação do tribunal, o que ocorrerá logo que se apure a desnecessidade da apreensão.”
(alínea u) dos factos assentes)
w) No dia 5 de Junho de 2017, a 1ª A. convocou uma assembleia geral extraordinária de accionistas e aprovou as seguintes deliberações: (i) A companhia vai intentar acção de responsabilidade contra o R.; (ii) O sócio (B), ou seja o 2° A., em representação da companhia, vai intentar acção de responsabilidade contra o R.; (alínea v) dos factos assentes)
x) Não existem na certidão de registo de trabalhadores constante do arquivo da contribuição industrial da 1ª A. os seguintes indivíduos: Chan XX, Chan XX, Ho XX, Wong XX, Wong XX, Wong XX, Wong XX, Lou XX, Lei XX, Leong XX, Lam XX, Lam XX, Lao XX, Mak XX, Ng XX, Ng XX, Ng XX, Sio XX, Sio XX, Ieong XX, Ip XX, Iok XX, Un XX, Chong XX, Chu XX; (alínea w) dos factos assentes)
y) A caderneta da conta bancária mencionada no item z) era guardada pelo R.; (alínea w-1) dos factos assentes)
z) Em sede da adjudicação da prestação de serviços de administração e manutenção dos auto-silos públicos mencionados no item d), a 1ª A. abriu uma conta exclusiva junto do Banco OCBC Weng Hang de Macau, com o n° 577117-100; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
aa) A conta n° 577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang de Macau, destinava-se ao depósito das tarifas de estacionamento diariamente cobradas nos auto-silos públicos mencionados no item d), ao pagamento à DSAT das tarifas de estacionamento e ao recebimento das despesas pagas pela DSAT inerentes à adjudicação da prestação de serviços de administração e manutenção dos auto-silos públicos mencionados no item d); (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
bb) A partir da data da constituição da 1ª A. até Fevereiro de 2016, o 2° A. e o R., em conjunto e na qualidade de administradores, geriram e exploraram as actividades da companhia; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
cc) O 2° A. não consentiu com a transferência bancária e o levantamento em numerário efectuados pelo R., mencionados no item i); (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
dd) O 2° A. não sabia nem consentiu com a transferência bancária e o levantamento em numerário efectuados pelo R., mencionados no item o); (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
ee) A 1ª A. não convocou nenhuma assembleia geral de accionistas no sentido de deliberar e aprovar a distribuição aos sócios dos fundos depositados na conta bancária mencionada no item z); (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
ff) A 1ª A. não convocou nenhuma assembleia geral de accionistas no sentido de deliberar e aprovar qualquer finalidade dos fundos depositados na conta bancária mencionada no item z); (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
gg) Com o intuito de se inteirar do funcionamento da companhia, nomeadamente do paradeiro das duas quantias avultadas saídas no dia 28 de Novembro de 2016, movimentadas pelo R., o 2° A. pediu, no dia 9 de Janeiro de 2017, através do seu advogado, ao R. que facultasse as informações sobre a 1ª A., incluindo livros sociais, inventário e diários da companhia; (resposta ao quesito nº 20 da base instrutória)
hh) O R. não forneceu ao 2° A. as informações mencionadas no item anterior; (resposta ao quesito nº 21 da base instrutória)
ii) O 2° A., E e o R. decidiram em conjunto participar nos concursos de prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos públicos do Governo de Macau, usando para o efeito o nome da companhia aqui 1ª Autora; (resposta ao quesito nº 26 da base instrutória)
jj) O 2° A. e E sugeriram ao R. que, sendo o 2° A. e o R. sócios e administradores da 1ª A., com o intuito de evitar conflitos eventuais no futuro, se vencessem os concursos de prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos públicos do Governo de Macau, os três iam combinar uma nova percentagem de comparticipação de cada um nos projectos adjudicados, e não seria adoptada a proporção de detenção de quotas da 1ª A.; (resposta ao quesito nº 27 da base instrutória)
kk) O 2° A., E e o R. acordaram que investiriam capitais, assumiriam prejuízos e partilhariam lucros consoante a percentagem de comparticipação devidamente combinada em sede de cada um dos projectos adjudicados, sendo desnecessária a movimentação dos capitais da 1ª A. e esta alheia aos prejuízos e lucros; (resposta ao quesito nº 28 da base instrutória)
ll) Entre o 2° A., E e o Réu estabeleceu-se que se algum deles não quiser participar nalgum concurso, aquele que desistisse não precisava de fazer o investimento de capital inicial, não assumiria os prejuízos se os houvesse e não participaria nos lucros se os houvesse; (resposta ao quesito nº 29 da base instrutória)
mm) Foram o R., o 2° A. e E que venceram, em nome da 1ª A., os concursos dos projectos mencionados no item d); (resposta ao quesito nº 31 da base instrutória)
nn) Conforme o acordo celebrado entre o R., o 2° A. e E, os três concordaram em unânime que:
1. Concorriam na prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos públicos do Governo de Macau em nome da 1ª A., mas, na realidade, ficava esta alheia aos prejuízos e lucros desses projectos;
2. Iam combinar uma nova percentagem de comparticipação em relação a cada projecto adjudicado, e não adoptada a proporção de detenção de quotas constante do estatuto da 1ª A. para efeitos da responsabilidade por prejuízos ou da partilha de lucros;
3. Se qualquer das partes não participasse no determinado projecto adjudicado, ficava então alheia aos assuntos ao qual diziam respeito, não necessitando de investir capitais, assumir prejuízos nem partilhar lucros;
(resposta ao quesito nº 32 da base instrutória)
oo) Foi o R. que venceu, em nome da 1ª A., os concursos da prestação de serviços de administração e manutenção dos Auto-Silo do Edifício da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio, Auto-Silo do Edifício Fai Fu, Auto-Silo do Lido, Auto-Silo do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, Auto-Silo Pak Lek (de 1 de Maio de 2016 a 31 de Outubro de 2016) e Auto-Silo da Rua do Delegado, mencionados no item g); (resposta ao quesito nº 33 da base instrutória)
pp) Sempre que houve nova adjudicação ou renovação de projectos, até Fevereiro de 2016 o R. informou o 2° A. e até Maio de 2016 informava também E perguntando-lhes, até àquelas datas se queriam combinar a cooperação e a percentagem de comparticipação de cada um nos projectos adjudicados; (resposta ao quesito nº 34 da base instrutória)
qq) A partir de Fevereiro de 2016 o 2º Autor deixou de participar nos projectos com E e o Réu; (resposta ao quesito nº 35 da base instrutória)
rr) Atendendo à não participação do 2° A. nos três projectos adjudicados abaixo indicados, o R. e E acordaram que, na proporção de 60% para o R. e 40% para E, cooperavam na exploração desses projectos, para tal, celebraram um “Acordo bilateral de cooperação”:
1. Auto-Silo do Edifício Fai Fu - período de exploração: 1 de Fevereiro a 31 de Maio de 2016;
2. Auto-Silo Pak Lek - período de exploração: 1 de Maio a 31 de Maio de 2016; e
3. Auto-Silo do Lido - período de exploração: 1 de Abril a 31 de Maio de 2016;
(resposta ao quesito nº 39 da base instrutória)
ss) No dia 27 de Abril de 2016, o 2° A. disse no grupo de wechat: “Eu, B … 1. Assumo plenamente a gestão dos Silos da DSAT e do Terminal Marítimo da Taipa, a mim cabem todos os seus lucros e responsabilidades. 2. Quanto à distribuição dos lucros dos Silos Pak Lek e Provisório da Taipa (Zona provisória para estacionamento de autocarros em Cotai), segue a forma combinada, isto é, 40% para B, 40% para C e 20% para E, até 30 de Abril de 2016. 3. Relativamente à distribuição dos lucros dos Silos Fai Fu e Lido, só peço a recuperação de 20% dos seus lucros, até 30 de Abril de 2016.”; (resposta ao quesito nº 42 da base instrutória)
tt) O R. explorou sozinho a prestação de serviços de administração e manutenção do “Auto-Silo do Edifício da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego”; (resposta ao quesito nº 45 da base instrutória)
uu) O R. explorou sozinho a prestação de serviços de administração e manutenção do “Auto-Silo do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa”; (resposta ao quesito nº 47 da base instrutória)
vv) A partir do final de Maio de 2016 E também deixou de participar nos projectos já adjudicados e a serem adjudicados; (resposta ao quesito nº 50 da base instrutória)
ww) Em cumprimento dos projectos de prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos públicos adjudicados pela DSAT, o R. pagou pelo menos um valor total de $4.337.276,00 patacas, incluindo:
1. Salários no valor total de $3.278,670,00 patacas, abrangendo:
a) Auto-Silo do Edifício da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego - $259.399,00 patacas;
b) Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio - $658.316,00 patacas;
c) Auto-Silo do Lido - $442.227,00 patacas;
d) Auto-Silo do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa - $219.646,00 patacas;
e) Auto-Silo Pak Lek - $429.122,00 patacas;
f) Auto-Silo da Rua do Delegado - $211.968,00 patacas;
g) Auto-Silo da Rua da Ponte Negra na Taipa - $213.027,00 patacas;
h) Pessoal administrativo - $844.965,00 patacas;
2. Contribuições ao Fundo de Segurança Social: $10.189,00 patacas;
3. Despesas de manutenção de elevadores: $120.699,00 patacas;
4. Despesas de manutenção de sistemas de cancela e de pagamento de tarifas: $158.040,00 patacas;
5. Despesas de manutenção de sistemas de equipamentos de electricidade: $92.000,00 patacas;
6. Despesas de manutenção de sistemas contra incêndio: $39.260,00 patacas;
7. Despesas de obras electromecânicas: $21.000,00 patacas;
8. Despesas de manutenção de obras de fornecimento de electricidade, de CCTV e de canalizações de água: $195.000,00 patacas;
9. Despesas de manutenção de ar condicionado: $16.000,00 patacas;
10. Despesas de serviços prestados pela companhia de segurança: $222.244,00 patacas;
11. Imposto de selo e emolumentos para celebração de contratos notariais: $31.774,00 patacas;
12. Despesas para aquisição de livranças: $6.000,00 patacas;
13. Prémios de seguro contra incêndio e de responsabilidade pública: $146.400,00 patacas;
(resposta ao quesito nº 51 da base instrutória)
xx) Para além das despesas emergentes da exploração dos projectos adjudicados, mencionadas no item anterior, o R. tinha que prestar caução de garantia em relação a cada projecto adjudicado, a pedido da DSAT; (resposta ao quesito nº 52 da base instrutória)
yy) Durante o período de prestação de serviços do parque de estacionamento do Pak Lei o Réu tinha que adiantar as despesas indispensáveis, tais como as de electricidade, de água e de telefone, a pedido da DSAT; (resposta ao quesito nº 53 da base instrutória)
zz) Até finais de 2016, o R. recebeu do Governo da RAEM um valor total de $5.386.980,00 patacas, a título de despesas de prestação de serviços, mais concretamente:
1. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Edifício da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, respeitantes ao mês de Junho de 2016, no valor de $219.658,00 patacas;
2. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo da Rua do Delegado, respeitantes ao período compreendido entre 12 de Setembro de 2016 e 30 de Novembro de 2016, no valor de $370.000,00 patacas;
3. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Edifício Fai Fu, respeitantes aos meses de Março a Maio de 2016, no valor de $486.596,00 patacas;
4. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, respeitantes aos meses de Agosto a Outubro de 2016, no valor de $587.307,00 patacas;
5. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo Pak Lek, respeitantes aos meses de Abril a Julho de 2016, no valor de $640.778,00 patacas;
6. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo Pak Lek, respeitantes aos meses de Agosto a Outubro de 2016, no valor de $512.790,00 patacas;
7. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Lido, respeitantes aos meses de Abril a Junho de 2016, no valor de $490.278,00 patacas;
8. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Lido, respeitantes ao mês de Julho de 2016, no valor de $162.774,00 patacas;
9. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo do Lido, respeitantes aos meses de Agosto a Outubro de 2016, no valor de $488.322,00 patacas;
10. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio e do Terminal de Autocarros, respeitantes ao mês de Junho de 2016, no valor de $227.346,00 patacas;
11. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio e do Terminal de Autocarros, respeitantes ao mês de Julho de 2016, no valor de $227.346,00 patacas;
12. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio e do Terminal de Autocarros, respeitantes aos meses de Agosto e Setembro de 2016, no valor de $476.159,00 patacas;
13. Despesas inerentes à prestação de serviços de administração e manutenção do Auto-Silo da Rua do Almirante Sérgio e do Terminal de Autocarros, respeitantes aos meses de Outubro e Novembro de 2016, no valor de $497.626,00 patacas;
(resposta ao quesito nº 54 da base instrutória)
aaa) O R. depositou na conta bancária nº 577117-100, aberta pela 1ª A. junto do Banco OCBC Weng Hang, as despesas de prestação de serviços mencionadas no item anterior; (resposta ao quesito nº 55 da base instrutória)
bbb) O 2º Autor em 04.05.2016, 04.06.2016 e 30.06.2016 recebeu MOP307.524,00 referente a parte da proporção a que tinha direito nos lucros correspondentes ao “Acordo tripartido de cooperação (mencionado na alínea F) dos factos assentes)” e E no final de Maio de 2016 já havia recebido tudo o que tinha a receber quanto àquele acordo e ao “Acordo bilateral de cooperação (mencionado no item rr)”; (resposta ao quesito nº 56 da base instrutória)
ccc) Os dois AA., bem sabendo da existência do acordo celebrado com o R., mencionado no item nn), aproveitando-se do facto do Réu continuar a explorar o mesmo ramo de actividade em nome da 1ª Autora, distorceram e ocultaram factos, com a intenção de obter vantagens a que sabiam não ter direito; (resposta ao quesito nº 59 da base instrutória)
ddd) O R. pagou, em sede da presente acção intentada pelos dois AA., ao seu mandatário os honorários no valor de $150.000,00 patacas; (resposta ao quesito nº 60 da base instrutória)
eee) Os dois AA. instauraram um procedimento cautelar comum contra o R. (Processo n° CV1-17-0005-CPV do Tribunal Judicial de Base e Processo n° 472/2017 do Tribunal de Segunda Instância), fazendo com que este não pudesse movimentar os depósitos da sua conta bancária, tendo lhe causado inconveniências na vida quotidiana; (resposta ao quesito nº 61 da base instrutória)
fff) No período compreendido entre 1 de Janeiro de 2016 e 1 de Abril de 2017, registaram-se na conta bancária n°577117-100 da 1ª A. receitas cujo valor total atingia $20.703.662,66 patacas; (resposta ao quesito nº 63 da base instrutória)
ggg) Os dois Autores instauraram o procedimento cautelar referido supra e esta acção com os fundamentos constantes dos mesmos; (resposta ao quesito nº 65 da base instrutória)
hhh) O R. recebeu da DSAT os projectos de auto-silos em nome da 1ª A., e, conforme o acordado, coube-lhe a cobrança de tarifas de estacionamento junto dos clientes e o consequente depósito na conta bancária da 1ª A., a seguir devolveu essas tarifas de estacionamento à DSAT, por meio de aquisição de livranças; (resposta ao quesito nº 67 da base instrutória)
iii) O R. já devolveu à DSAT as tarifas de estacionamento por si cobradas, no valor total de $11.045.248,00 patacas, sendo-lhe emitidos os respectivos recibos; (resposta ao quesito nº 68 da base instrutória)
jjj) Durante o período em que o R. tomava conta da companhia (a 1ª A.), incumbiu a um empregado para tratar dos procedimentos de pagamento de salários, e foi este empregado que assinava os respectivos documentos em representação do R.; (resposta ao quesito nº 70 da base instrutória)
kkk) A 1ª Autora não tem livros sociais. (resposta ao quesito nº 71 da base instrutória)
Cumpre apreciar e decidir.
Da factualidade apurada o que resulta demonstrado é que entre o 2º Autor e Réu foi constituída a sociedade aqui Autora. Porém a partir de 2015 o 2º Autor e o Réu coligaram-se com outro indivíduo, E e em conjunto começaram a participar em concursos de prestação de serviços de administração e manutenção de auto-silos do governo – cf. al. f), ii) a pp) -. Uma vez que para participarem nos concursos em causa precisavam de o fazer através de uma sociedade, estes três indivíduos concorriam como se fosse a sociedade aqui Autora, quando na prática quem se candidatava eram eles os três e não a sociedade. Para o efeito foi acordado entre os três que cada um destes três indivíduos participaria no capital necessário ao investimento de cada um dos concursos que ganhassem na proporção que fosse acordada entre os três em função de cada um dos concursos ganhos, não sendo obrigatória a participação dos três em todos os concursos, sendo que, aquele que não quisesse participar não tinha de participar nas despesas nem tinha participação nos lucros – cf. al. f), jj) a pp) -. Para o efeito os três indicados sujeitos abriram uma outra conta bancária em nome da sociedade aqui Autora mas que se destinava a ser movimentada exclusivamente para os recebimentos e pagamentos relacionados com esta actividade exercida pelos três em conjunto e à qual a sociedade era estranha – cf. al. z) e aa) -. Esta situação manteve-se até Fevereiro de 2016 data em que o 2º Autor deixou de participar nos projectos com os outros dois, continuando até Maio de 2016 entre o Réu e E, data em que também este deixou de participar – cf. al. pp), qq) e rr) -. Após Maio de 2016 o Réu passou a participar sozinho nos concursos, embora continuando a usar o nome da sociedade aqui Autora, tal como antes sucedia.
Ou seja, do exposto o que resulta é que os “três sócios de actividade” usavam a sociedade aqui Autora para se candidatarem aos concursos uma vez que segundo alegam tal seria necessário, mas esta actividade – manutenção e gestão dos auto-silos – estava separada da actividade da sociedade, tendo inclusivamente, ainda que em nome da sociedade, sido aberta uma outra conta bancária para gerir o dinheiro conexo.
As sociedades constituem um ente autónomo das pessoas singulares (ou colectivas) que as compõem dotadas de personalidade jurídica permitindo que os seus sócios possam exercer a actividade comercial por intermediação desta e não directamente.
Sendo as sociedades sujeitos com personalidade jurídica distinta e autónoma da dos sócios, através da responsabilidade limitada, elas garantem a protecção do património próprio dos sócios enquanto pessoas singulares, não sendo estes responsáveis pelas dívidas da sociedade.
Contudo e para afastar situações abusivas tem vindo a Doutrina e a Jurisprudência a construir o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, permitindo afastar a protecção de que os sócios beneficiam pela via da responsabilidade limitada, quando a sociedade é criada ou usada para fins ilícitos, no interesse dos sócios e em detrimento de terceiros.
Só em 1920, na Alemanha, é que surge a primeira decisão a aceitar que no caso de uma sociedade unipessoal o sócio único pode ser responsabilizado, declarando que «o juiz deve dar mais valor ao poder dos factos e à realidade da vida do que à construção jurídica ...»1.
Esta teoria já vinha sendo defendida no Norte da América aceitando-se que os sócios fossem responsabilizados sempre que a pessoa colectiva fosse usada para prejudicar terceiros, nomeadamente credores. No entanto a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade só se impunha em situações de fraude ou de abuso.
Ou seja, desde cedo se começaram a tentar defenir os contornos desta figura, permitindo-se que a realidade se sobrepusesse ao conceptualismo jurídico, tentando contudo a Doutrina balizar as situações em que tal podia ocorrer.
Sendo considerado como subjectivista porquanto fazia depender o levantamento da intenção abusiva do agente é Serik2quem na Alemanha procede ao estudo deste instituto, justificando-o sempre que houver situações de abuso, utilizando-se a pessoa colectiva para se contornar a lei, violar deveres contratuais ou prejudicar fraudulentamente terceiros.
Pedro Cordeiro em “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais” vem justificar este instituto «como um dos remédios possíveis para evitar o abuso do instituto sociedade comercial ou, como já se disse, da pessoa colectiva em geral».
Abandonando-se a teoria subjectiva preconizada por Serik, vem a teoria objectiva do abuso do direito basear a desconsideração numa solução genérica assente no “abuso do instituto” e “utilização contrária à sua função” sem que esteja dependente da intenção de cometer o abuso por parte do “homem oculto”.
Tentando apresentar uma solução concreta para o problema Pedro Cordeiro vem colocar o problema na utilização abusiva da pessoa colectiva pelos seus membros.
Veja-se a propósito o que escreve na obra citada a pág. 73, em nota de rodapé nº 75:
«(75) – Não se incluem, pois, no conceito de desconsideração aqueles casos em que existe uma causa própria de imputação do “homem oculto” ou da sociedade (Exs.: fiança, assunção de dívida, contrato de garantia, responsabilidade por facto ilícito, etc.).
O mesmo se diga da responsabilidade dos administradores, directores e gerentes – regulada nos arts. 78.º a 80.º do C.S.C..
Nestes casos a lei impõe a responsabilidade aos membros dos órgãos da sociedade porque essas pessoas agiram de maneira contrária à lei ou ao contrato social, no exercício das suas funções.
Não foi a pessoa colectiva que viu desvirtuada a sua finalidade, que foi, portanto, manipulada, mas sim o seu administrador, director ou gerente que procedeu ilicitamente.
Ora, nos casos de desconsideração o que se passa é que a própria pessoa colectiva foi desviada da rota que o ordenamento jurídico lhe traçou. A sociedade é, pois, utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade.»
A Doutrina, tem vindo a colocar a necessidade de recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade àquelas situações em que através da aplicação de normas/interpretação de contratos não é possível chegar à figura do “homem oculto”3.
A Doutrina tem vindo a agrupar os casos típicos de desconsideração da personalidade jurídica em jurídica em grupos.
Para Menezes Cordeiro – ob. Cit. pág. 364 – essas situações são as de:
- confusão de esferas jurídicas;
- a subcapitalização;
- o atentado a terceiros e o abuso da personalidade;
- relações de domínio qualificadas.
Pedro Cordeiro agrupa essas situações entre subcapitalização e mistura de patrimónios, correspondendo esta ultima àquilo que Menezes Cordeiro chama de confusão de esferas jurídicas.
A subcapitalização justifica a desconsideração da personalidade jurídica sempre que o capital com o qual foi constituída a sociedade de responsabilidade limitada seja manifestamente insuficiente em função do objecto. Pedro Cordeiro distingue ainda entre subcapitalização nominal e material, consistindo a primeira nas situações em que embora o capital seja insuficiente os sócios adstringem à sociedade o capital que esta necessita mas através de empréstimos, constituindo-se simultaneamente credores e a segunda – material – nos casos em que os meios financeiros ou não são postos à disposição da sociedade ou são-lhe retirados.
Na mistura de patrimónios ou a confusão de esferas jurídicas enquadram-se as situações de sociedades unipessoais, várias sociedades com sócios comuns e objectos iguais ou semelhantes sediadas no mesmo local em que não se distingue o que é de um ou de outro.
Pedro Cordeiro acaba por concluir que a desconsideração se justifica quando há por banda do “homem oculto” a desfuncionalização da responsabilidade limitada sendo «a Autonomia patrimonial, levada às ultimas consequências nestas sociedades, é, assim, utilizada de forma contrária aos fins do ordenamento jurídico», justificar-se-à o recurso ao instituto da desconsideração sempre que houver “o abuso da responsabilidade limitada”.
Importa transcrever o que a respeito escreve Pedro Cordeiro na obra citada a pg. 129/130:
«3. O que é então o abuso de responsabilidade limitada?
Os fundamentos mais importantes do conceito de abuso de responsabilidade limitada terão de ser encontrados no fim e objectivo das sociedades de capitais em geral e da responsabilidade limitada e das normas que a consagram em particular.
São por isso importantes as normas que se referem:
- ao capital social;
- à sua intangibilidade;
- à defesa dos direitos dos credores.
Como vimos, a limitação de responsabilidade tem dois tipos de consequências.
Logo pode também ser de dois tipos o abuso que dela é feito.
Isso significa que são de considerar abusos de instituto, quer a invocação abusiva da limitação de responsabilidade (1.º grupo), quer o prejuízo causado ao património social (2.º grupo). Por outras palavras, existirá abuso da limitação de responsabilidade quando alguém invocar e insistir na autonomia patrimonial da sociedade usando e abusando da limitação de responsabilidade em seu favor e em prejuízo dos credores desta (1.º grupo) e, por outro lado, quando esse mesmo sujeito, em seu favor e em prejuízo dos credores da sociedade, desrespeitar a limitação de responsabilidade (2.º grupo).
Este abuso pressupõe, obviamente, duas coisas:
- Em primeiro lugar deve a utilização de direitos resultantes da limitação de responsabilidade ser em princípio permitida, quer dizer, o comportamento concreto tem de se basear numa posição juridicamente legitimada.
- Em segundo lugar este comportamento tem de ser realizado de forma que contrarie os fins ou os objectivos da limitação de responsabilidade.
E quando é que isso acontecerá?
A tal questão não se pode responder de forma genérica.
Há sim que ponderar caso a caso, face à situação concreta e aos limites imanentes do próprio instituto, quando existirá abuso de responsabilidade limitada.
Por isso, quem pretender investigar se uma determinada situação constitui ou não um abuso da limitação de responsabilidade, só poderá contar com as considerações que até agora foram feitas, para a partir delas analisar o caso concreto.
No entanto, a consideração dos casos já detectados pela jurisprudência e pela doutrina pode-nos ajudar nessa valoração.»
Em jeito de conclusão poderíamos adiantar que para a Doutrina a desconsideração da personalidade jurídica se justifica apenas naquelas situações que pela aplicação das normas existentes não seja possível alcançar uma solução e que tenha havido por banda do “homem oculto” daquele que actuava sobre a “capa” da personalidade colectiva “uma desfuncionalização desta, ou seja, uma utilização da personalidade colectiva para fins contrários àqueles para os quais existe, isto é, de forma abusiva.
Não sendo abundante a Jurisprudência sobre esta matéria, mostra-se adequado fazer uma breve observação sobre algumas das situações em que se concluiu pela desconsideração da personalidade jurídica.
Na Jurisprudência Portuguesa temos o Acórdão do STJ de 10.01.2012. Ali se concluiu pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que havia sido constituída entre dois sujeitos casados entre si com o propósito de adquirirem para a sociedade de outrem imóvel que pessoalmente um deles havia prometido vender ainda antes de o adquirir. Deste modo o promitente vendedor eximia-se à execução específica do contrato de promessa de compra e venda. Ali se refere: «I- Justifica-se o levantamento da personalidade colectiva de sociedade que outorgou escritura de compra e venda em 21-12-1995, constatando-se que essa sociedade era mero testa de ferro do oculto comprador, seu sócio dominante com 85% do capital, considerando-se, por via do levantamento ou desconsideração da personalidade dessa sociedade, celebrado o contrato entre o oculto comprador e os demais intervenientes na compra e venda.
II- O abuso da personalidade colectiva da sociedade revela-se pela circunstância de que, com a intervenção dela, e não do seu sócio maioritário - homem oculto - na escritura de 1995, pretendia impedir-se que os imóveis adquiridos se integrassem no património desse sócio que, muitos anos antes (1988), outorgara contrato-promessa de compra e venda com traditio desses mesmos imóveis (apesar de ao tempo não ser deles ainda proprietário), sujeitando-se, se não se acobertasse em 1995 sob o manto da personalidade colectiva da “sua” sociedade, ao pedido de execução específica (artigo 830.º do Código Civil) por parte do promitente comprador de 1988, atenta a mora em que há muito incorria o promitente vendedor.
Decisão: concede-se parcialmente a revista, julgando-se, pelas razões expostas, outorgado o contrato de compra e venda de 21-12-1995 não com a sociedade compradora, mas com BB, aqui 1º réu, como comprador, e com os demais intervenientes, como vendedores; ordena-se o cancelamento do registo predial nos termos indicados na alínea c) do pedido constante da petição; reconhece-se a validade do contrato-promessa celebrado no dia 25-10-1988 e o incumprimento do promitente vendedor, ora 1º réu (pedido deduzido na alínea e); pela presente decisão consideram-se produzidos os efeitos da declaração negocial do promitente vendedor faltoso, ora réu BB, referente à promessa titulada pelo contrato-promessa de 25-10-1988 logo que efectuada em conformidade com a lei o depósito da parte do preço ainda não paga nos termos assinalados; nega-se a revista no que respeita à condenação dos réus intervenientes na escritura de 21-12-1995.»
Situação idêntica é relatada no Acórdão da Relação do Porto de 13.05.1993 em que os pais trespassam um estabelecimento comercial a sociedade constituída por dois dos seus filhos querendo beneficiar estes em prejuízo dos restantes filhos.
De comum nas situações constantes dos referidos Acórdãos temos casos em que a sociedade mais não é do que o “fantoche” que mascara uma situação de incumprimento ou de beneficio ilícito, ambos conseguidos através da sociedade constituída para o efeito.
De assinalar em ambos os casos é que o resultado (incumprimento ou beneficio ilícito) só foi possível ser alcançado através da separação de patrimónios que a personalidade jurídica da sociedade propicia e para o que, face á factualidade apurada em ambas as decisões foi o “meio” que o permitiu.
A respeito veja-se ainda o que no citado Acórdão do STJ se escreve em transcrição de um outro:
«A jurisprudência tem reconhecido o abuso da personalidade colectiva: assim, no Ac. do S.T.J. de 30-11-2010 (Fonseca Ramos), revista n.º 1148/03.5TVLSB.S1- 6ª secção onde se refere que “ a desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais - disregard of legal entity - tem na sua base o abuso do direito da personalidade colectiva […] e que a desconsideração, como instituto assente no abuso do direito - art. 334.º do CC -, tem em si abrangida a violação das regras da boa fé no interagir com terceiros, implica a existência de uma conduta censurável que só foi possível alcançar mediante a separação jurídica do ente societário - através da personalidade jurídica que a lei lhe atribui - e a pessoa dos sócios, para assim almejar um resultado contrário a uma recta actuação; ou ainda, o Ac. do S.T.J. de 21-2-2006 (Paulo Sá), revista n.º 3704/05 onde se menciona que, na vertente do abuso de personalidade, podem perfilar-se algumas situações em que a sociedade comercial é utilizada pelo(s) sócio(s) para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente assumiu.»
Ora, no caso dos autos o que ocorre é que os sócios da sociedade e um terceiro com quem se coligaram usaram a sociedade para exercerem uma actividade que apenas lhes era permitido exercer através de uma sociedade comercial, contudo nem havia identidade entre os sócios da sociedade e os sócios que de facto exerciam a actividade, nem a proporção em que o faziam correspondia às quotas que tinham na sociedade, nem tão pouco havia um comportamento estável e contínuo no modo como se associavam, uma vez que a proporção em que o faziam variava consoante a vontade/interesse de cada um em participar em cada um dos concursos. Financeiramente criaram até uma conta para separar as contas da sociedade das contas desta outra actividade.
No caso sub judice não podemos dizer que a actividade desenvolvida era ilícita ou contrária aos interesses da sociedade, nem que prejudicava interesses de terceiros.
Porém, o que é certo é que os sócios entre si excluíram a sociedade da actividade que em nome desta exerceram.
A figura do “homem oculto” encontra-se aqui na actividade desenvolvida mas à qual a sociedade é alheia.
Na situação sub judice a problemática da desconsideração da personalidade jurídica está colocada ao contrário.
Normalmente, nas situações que usam ser analisadas à luz da desconsideração da personalidade jurídica, o que ocorre é usar-se a sociedade para proteger o património dos sócios.
No caso em apreço o que ocorre é um dos simuladores usar a própria fantasia criada – a sociedade – para atacar património alheio.
Não sendo a sociedade aqui Autora a expressão nem a forma da associação criada entre 2º Autor, Réu e outro, nem nunca tendo sido vontade destes associarem-se para o efeito – exploração da actividade de gestão e manutenção dos silos autos – através desta sociedade aqui 1º Autora, vem um dos sujeitos que participou deste “acordo” usar a sociedade para atacar a actividade desenvolvida por um dos outros.
De simulação – negócio simulado – também não se trata, porque o que resulta é que a sociedade foi criada e bem mas com um outro objectivo. Depois é que decidiram usá-la para este outro.
Mas é na relação entre os sócios que se vem, agora, nesta acção reclamar a participação da sociedade e os direitos destas aos proveitos dessa mesma actividade.
Ora, como melhor resulta da fundamentação da resposta à base instrutória a sociedade foi sempre alheia ao exercício da actividade.
Esta situação leva-nos a que no caso em apreço a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade seja colocada em sentido contrário àquele que normalmente se usa. Ou seja, nesta caso o objectivo não é afastar a personalidade jurídica da sociedade para atingir o património dos sócios ou eliminar os efeitos de um negócio feito na esfera jurídica da sociedade mas com efeitos patrimoniais nos sócios. No caso em apreço a desconsideração da personalidade jurídica, tem como efeito retirar do aparente exercício da actividade da sociedade uma actividade que era exercida em conjunto ou individualmente pelos ou por alguns dos sócios entre si e com outros, mas à qual a sociedade apenas dava o nome sendo completamente alheia.
Seria aqui contrário aos interesses da sociedade aceitar que um dos sócios que aceitou e quis que a actividade se desenvolvesse fora do quadro societário, viesse agora, contra facto próprio, reivindicar o que entende daqueles com quem se associou e deixou de associar, usando a seu favor as regras da sociedade que o próprio afastou para se locupletar à custa do esforço alheio, neste caso, à custa do esforço do Réu.
A ser assim, a situação enquadrar-se-ia, também, no abuso de direito previsto no artº 326º do C.Civ.
De acordo com o disposto no artº 326º do C.Civ. “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Veja-se também a propósito António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., pág. 241.
No caso sub judice o 2º Autor por si e em representação da 1ª Autora, depois de com o Réu e outro ter acordado no exercício de uma actividade fora do âmbito da sociedade e onde esta era usada apenas para dar a “forma” legalmente exigível, vem alegar que a actividade era exercida pela sociedade. E usando as regras da sociedade pretende fazer seus os proveitos angariados por outro.
Vir agora recorrer às regras impostas para a administração da sociedade para exigir do Réu que preste contas do exercício dessa actividade viola os princípios da boa-fé.
Certo é, que a partir de determinado momento o Réu continua sozinho a exercer a actividade usando o nome da sociedade, mas isso mais não é do que uma decorrência do acordo anterior em que a actividade de gestão e manutenção dos silos-auto poderia ser desenvolvida em conjunto pelos três, ou por dois ou por apenas um se os outros não quisessem colaborar como aconteceu.
Tal como resulta da fundamentação da matéria de facto, o erro do Réu foi em vez de logo criar a sua sociedade como veio a fazer um ano após e como o aqui 2º Autor e o terceiro associado fizeram logo que se apartaram, ter – o Réu -, acreditando na boa fé do acordo anterior, continuado a exercer a actividade sob a aparência da sociedade aqui Autora.
Sendo que a partir de determinado a sociedade criada pelos aqui 2º Autor e outro com quem se haviam associado entre em concorrência com a sociedade aqui 1ª Autora sob cuja aparência o Réu continuou a exercer a actividade, estava bom de prever que a situação redundaria numa acção como esta, tando mais se o Réu ganhasse concursos que os outros perdessem…!
Porém, tendo o 2º Autor consentido que assim fosse, sob pena de haver abuso de direito, não pode agora vir reclamar que a actividade era da sociedade.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, permite-nos, também neste caso, afastar as regras da sociedade e considerar a actividade exercida apenas pelo sócio aqui Réu em nome pessoal, improcedendo deste modo os fundamentos da acção.
Mais se impõe referir que quanto aos pedidos por danos não patrimoniais, não se provou factualidade alguma que de acordo com o disposto no artº 489º do C.Civ. fundamente a fixação de algum montante indemnizatório a este título, o que, aliás, já se pedia de forma bastante insubsistente.
Da má-fé.
Autores e Réu pedem reciprocamente a condenação do outro como litigante de má-fé.
Da factualidade apurada o que resulta das alíneas ccc) e eee) é que os Autores deduziram a presente acção escamoteando a verdade, ocultando factos que conheciam e tentando alcançar resultados a que sabiam não ter direito.
Nos termos do artº 385º nº 2 do CPC diz-se que litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deva ignorar, tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa e tiver praticado omissão grave do dever de cooperação.
A actuação dos Autores preenche as duas alíneas do mencionado preceito, pelo que, devem ser condenados como litigantes de má-fé. Contudo, sendo a 1ª Autora uma pessoa colectiva aqui representada pelo 2º Autor, o qual foi também o sócio que votou a favor da deliberação para instaurar esta acção (cf. al. w)) é na pessoa deste que se verifica o dolo da actuação de má-fé e não na 1ª Autora, mero instrumento para legitimar a acção.
Nos termos do artº 386º do CPC a parte pode pedir que o litigante de má-fé seja condenado no pagamento de uma indemnização que inclua as despesas que tenha feito, nomeadamente honorários a advogado.
Da alínea ddd) resulta que o Réu teve de pagar a título de honorários a quantia de MOP150.000,00, pelo que, se justifica a condenação do 2º Autor como litigante de má-fé na condenação de uma indemnização a favor do Réu no valor de MOP150.000,00 e na multa igual a 3 UC´s – nº 2 do artº 101º do RCT -.
Termos em que, pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente porque não provada e em consequência absolve-se o Réu dos pedidos dos Autores, indo o 2º Autor condenado como litigante de má-fé na indemnização a favor do Réu de MOP150.000,00 e na multa igual a 3 UC´s, absolvendo a 1ª Autora e o Réu do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas a cargo dos Autores.
Registe e Notifique.
Não se conformando com essa sentença, vieram os Autores recorrer dela, impugnando ambos a decisão que absolveu o Réu dos pedidos e atacando o 2º Autor a parte que o condenou na litigância de má-fé, tendo ambos para efeito apresentado uma única peça motivada, concluindo e pedindo que:
1. 原審法院在原審判決中,裁定第一原告以及第二原告之請求不成立,並裁定第二原告為惡意訴訟。
2. 第一原告及第二原告並不同意原審法院之理解,因此提起本次上訴。
3. 首先,原審法院在審理本案中,並沒有處理到第一上訴人以及第二上訴人在反駁狀第九十二條至第一百零三條中所提起的爭議文件真實性之請求。
4. 上述調查的結果對於宣告被告惡意訴訟有至關重要的作用─尤其可能涉及「歪曲對案件裁判屬重要之事實之真相,或隱瞞對案件裁判屬重要之事實」,此外,這對於本案的主請求也有重要的影響。
5. 因此存在《民事訴訟法典》第571條第1款d項中遺漏審理之瑕疵。
6. 第二,原審法院一方面認定第二上訴人曾向被上訴人要求提供資訊,遭到被上訴人之拒絕,第二上訴人於2016年2月已放棄與被上訴人以及F之間的計劃;另一方面卻認定第二上訴人扭曲並隱藏三方協議,從而認為第二上訴人惡意訴訟。
7. 既然已證明第二上訴人既然無法得知第一上訴人於2016年2月後的情況,那麼其隨後行為,不可能存在《民事訴訟法典》第385條第2款中的故意或嚴重過失。
8. 因此原審判決有同一法典第571條第1款c項的瑕疵。
9. 除此之外,就已證事實tt, uu, ww, xx, yy, zz條,根據交通事務局提交的卷宗第907頁至1036頁,以及答辯狀文件7-19、21至26以及33,上述文件相關之對象為第一上訴人,而不是被上訴人,因此,以上事實應作出相應修改。
10. 而就已證事實jjj條,應考慮到證人G從來都沒有提到代表被上訴人簽發糧單,亦應作出修改。
11. 已證事實第nn條來源於答辯狀第63條(調查基礎事實第32條),被上訴人提交的答辯狀第65條所承認,三方從未書面訂立上述協議,而只是口頭協議。
12. 在被上訴人沒有提交任何證明文件的前提下,上述事實只能透過當事人陳述及證人證言來證明。
13. 但上訴人所做的當事人陳述中否認了上述口頭協議的存在。證人F所作的證言也顯示上述口頭協議並不存在。
14. 在三人從未有過已證事實第nn),即調查基礎事實第32條(答辯狀第63條)提及的協議的前提下,已證事實ccc)自然應被視為不被證實,因為原審法院在該事實中認為兩名上訴人隱瞞了「三方協議」。
15. 因此,已證事實第nn條及ccc條應被刪除,因為第nn條中提到的「三方協議」從未存在過。
16. 由於本案中,被上訴人所作出的所有行為均是以第一上訴人所作出。
17. 在第三人眼中(特別是交通事務局),作出行為之第一上訴人有獨立的法律人格。
18. 而且,本案已證事實中,受到損害的人不是第三人,因此並不適用 “desconsideração de persona1idade jurídica”之規定。
19. 被上訴人也不可能一邊利用與第二上訴人所創立的第一上訴人作出盈利行為,卻扼殺第一上訴人以及第二上訴人獲得利潤的權利。
20. 在第一上訴人看來,關於被上訴人、F及第二上訴人曾經的協議,更合理的理解,是他們擬接納F作為第一上訴人的「隱名股東」,三人真正目的是共同經營第一上訴人這間公司。
21. 即使認為基於被上訴人與其他人士的協議,第一上訴人已被架空,而是單純成了被上訴人及其他人士的「投標工具」(儘管第一上訴人完全不能認同此觀點),第一上訴人認為被上訴人仍有義務向第一上訴人做出賠償。
22. 因為被上訴人占有52%之公司股份,身為公司的控權股東,在架空第一上訴人的同時並搶走了第一上訴人應有的盈利,因此根據《商法典》第212條第1款,應向第一上訴人作出賠償。
23. 除此之外,被上訴人作為行政管理機關成員,違反了《商法典》第389條第5款b項之不競業義務。
24. 因此,考慮到第一上訴人在投標過程中收取的相關款項有一部份為替交通事務局所代收的費用,應裁定被上訴人按比例向第一上訴人及第二上訴人作出賠償。
25. 第二上訴人從不知悉,事實上客觀上也不存在調查基礎事實第32條提及內容的「三方協議」,故沒有隱瞞任何事實,也沒有取得其「無權取得」的利益的意圖。
26. 第二上訴人作為公司股東及行政管理機關成員,見到公司的帳戶中有巨額資金不正常進出,為履行公司行政管理機關成員義務,保障公司的資產安全而提起有關訴訟,絕不應被視為惡意訴訟。
綜上所述,懇請法官 閣下裁定:
上訴人的上訴成立,廢止被上訴之裁判,刪除已證事實第nn條及ccc條,修改已證事實第tt, uu, ww, xx, yy, zz條,並:
i. 開釋第二上訴人惡意訴訟之決定;及
ii. 裁定被上訴人按起訴狀請求向第一上訴人及第二上訴人作出賠償;
iii. 裁定被上訴人屬於惡意訴訟並依法承擔後果;
Notificado das motivações dos recursos, o Ré veio responder pugnando pela improcedência.
Admitidos no Tribunal a quo, os recursos foram feitos subir a este Tribunal de recurso.
Liminarmente admitidos os recursos e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação são as das nulidades da sentença por omissão de pronúncia e por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, do erro da decisão de facto e do erro de decisão de direito e da litigância de má-fé do 2º Autor.
Então vejamos.
1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A omissão de pronúncia invocada pelos recorrentes é o não conhecimento do incidente da arguição da falsidade, por eles deduzida na réplica, das assinaturas apostas em alguns dos documentos, apresentados pelo Réu em sede de contestação.
Para o efeito, invocaram o artº 571º/1-d) do CPC, à luz do qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e pediram que fosse declarada nula a sentença recorrida.
Antes de mais, temos de distinguir bem as coisas.
Uma coisa é a nulidade, ou seja, a ilegalidade por inobservância do formalismo processual prescrito na lei, ou por prática de um acto processual proibido ou por omissão de um acto prescrito na lei. Ou seja, são os casos em que por trás da ilegalidade cometida foi praticado ou omitido um acto, mas o tribunal não chegou a pronunciar-se expressamente sobre a legalidade do acto ou da omissão.
Outra coisa é uma decisão judicial ou um despacho que contém já a pronúncia expressa sobre legalidade da prática ou da omissão de um acto, ou que autoriza ou ordena expressamente a prática ou a omissão de um acto.
Ora, como se sabe, a doutrina tradicional ensina que, dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se, sem prejuízos do conhecimento oficioso de algumas nulidades expressamente previstas na lei – no mesmo sentido vide Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil II, p. 339 e s.s..
E é do despacho que decidir a arguição da nulidade é que se recorre.
Este princípio segundo o qual dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se não se afirma, contudo, sem excepções.
Constituem justamente excepções a este princípio as nulidades a que se refere o artº 571º do CPC, à luz do qual as tais nulidades podem ser “arguidas” directamente, por via de recurso ordinário, perante o Tribunal superior ao Tribunal onde se cometerem as nulidades – artº 571º/3, in fine do CPC.
Foi de propósito que, além das nulidades de processo, o CPC fala das nulidades da sentença – artº 571º do CPC.
Tem a sua razão de ser.
A este propósito, ensina Amâncio Ferreira que “A distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se assim no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais, ……”
Ou seja, as nulidades da sentença são as que apensa se reflectem ou se tornam cognoscíveis pelas partes no próprio texto de sentença e numa altura em que o julgador já terá esgotado o seu poder de julgar.
Assim sendo, compreende-se que, tirando a nulidade por falta de assinatura do juiz prevista no artº 571º/1-a), que é meramente formal e em caso algum influi no sentido da decisão, todas as restantes nulidades de sentença podem ser fundamentos de recurso ordinário.
Voltando ao caso sub judice, a nulidade que ora se invoca é obviamente uma nulidade de processo.
Ora, não se integrando a omissão de pronúncia, ora invocada, em qualquer das situações de inobservância da lei processual, cominadas com a nulidade principal no artº 150º do CPC, a pretensa nulidade de processo, nos termos invocados, ficou já sanada uma vez que os ora recorrentes já intervieram numa grande pluralidade de vezes no processo até a prolação da sentença, sem que todavia tenha arguido logo perante o tribunal a quo a omissão da pronúncia sobre a falsidade dos documentos.
Finalmente, é de notar que não obstante a não arguição atempada dessa pretensa nulidade de processo a montante, os recorrentes não ficam impedidos de impugnar, a jusante, a decisão de matéria de facto, se entenderem que a determinada matéria da base instrutória tenha sido erradamente julgada com fundamento na valoração pelo Tribunal a quo de provas documentais inadmissíveis por falsidade. Todavia, a questão não se põe in casu, porquanto, ao alegar simplesmente que “上述調查的結果對於宣告被告惡意訴訟有至關重要的作用─尤其可能涉及「歪曲對案件裁判屬重要之事實之真相,或隱瞞對案件裁判屬重要之事實」,此外,這對於本案的主請求也有重要的影響” os recorrentes não cumpriram o ónus que o artº 599º/1 do CPC que lhe fez impende e que é imperativamente exigido para a impugnação da matéria de facto.
2. Da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão
Os recorrentes imputaram à sentença recorrida a nulidade prevista no artº 571º/1-c) do CPC.
À luz deste preceito, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Os argumentos dos recorrentes estão sintetizados nos pontos 6 a 8 das conclusões de recurso, que tem este teor:
6. 第二,原審法院一方面認定第二上訴人曾向被上訴人要求提供資訊,遭到被上訴人之拒絕,第二上訴人於2016年2月已放棄與被上訴人以及F之間的計劃;另一方面卻認定第二上訴人扭曲並隱藏三方協議,從而認為第二上訴人惡意訴訟。
7. 既然已證明第二上訴人既然無法得知第一上訴人於2016年2月後的情況,那麼其隨後行為,不可能存在《民事訴訟法典》第385條第2款中的故意或嚴重過失。
8. 因此原審判決有同一法典第571條第1款c項的瑕疵。
Sinceramente falando, não percebemos quê oposição entre os fundamentos e a decisão!
Pois, não obstante o inêxito da obtenção das informações que pretendia, o 2º Autor tem sempre a possibilidade de agir com dolo ou com a negligência grave na invocação, como causa de pedir, de uma versão de facto, sobre o funcionamento da 1ª Autora, que não corresponde à verdade.
Inexistindo qualquer oposição nos termos invocados, improcede manifestamente esta parte do recurso.
3. Do erro da decisão de facto
O erro da decisão de facto ora invocado pelos recorrentes consiste na incorrecta valoração de provas, uma prova legal e outra prova sujeita à livre apreciação do tribunal.
Em síntese, no que diz respeito à violação da prova legal, o que pretendem dizer é o seguinte: Em face dos documentos autênticos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego, onde se menciona 1ª Autora como a adjudicatária para a prestação de serviços de administração e manutenção dos vários auto-silos. Assim, ao dar como provado que o Réu explorou sozinho a prestação desses serviços nos mesmos auto-silos com base em provas testemunhais, a decisão de facto assim formada padece do erro de julgamento de facto por ter violado a força probatória plena da prova legal.
É verdade que os documentos autênticos fazem prova, nas condições estabelecidas no artº 365º do CC, à luz do qual os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Ora, os documentos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego limitaram-se a declarar que a 1ª Autora é a adjudicatária da prestação de serviços e com quem a Administração da RAEM contrata.
Todavia, se a 1ª Autora é apenas a entidade interposta, tal como ficou provada na 1ª instância, os tais documentos autênticos não tem a virtualidade de afirmar ou infirmar, uma vez que se não tratam de factos declarados como praticados pelos próprios Serviços para os Assuntos de Tráfego nem factos que neles são atestados com base nas percepções dos mesmos serviços.
Aliás, o que foi atestado pelos documentos emitidos pelos Serviços para os Assuntos de Tráfego é apenas a intervenção da 1ª Autora, enquanto adjudicatária dos serviços, nos contratos celebrados, o que não afasta a hipótese, tal com sucedeu in casu, de que por trás dessa adjudicatária, existe uma pessoa oculta que, por razões de variadíssimas ordens, não querendo ou não preferindo aparecer em nome próprio, como contraente, está efectivamente a prestar os serviços objecto de contrato.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto com fundamento na violação da prova legal.
No que diz respeito ao erro na apreciação de prova sujeita à livre apreciação, os recorrentes questionaram as respostas dadas a determinada matéria tida por assente na 1ª instância.
A propósito da sindicabilidade e do controlo jurisdicional de decisões de facto de 1ª instância, é de relembrar a nossa jurisprudência que temos vindo a seguir de forma unânime.
Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
Relembrado a jurisprudência que temos seguido, vamos ver o que foi dito na fundamentação da convicção do tribunal de 1ª instância, que se segue integralmente transcrita:
A prova produzida nestes autos consistiu no depoimento de parte dos Autores, prestado pelo 2º Autor em nome pessoal e em nome da companhia Autora, H (arrolado pelo Réu) sogro da filha do Réu e amigo deste há 5 ou 6 anos, E (arrolado por Autores e Réu) e que foi a terceira pessoa que em conjunto com o 2º Autor e Réu decidiram explorar a actividade de administração e manutenção de auto-silos públicos do governo de Macau, sendo que desde Junho de 2016 tem uma sociedade com o 2ª Autor para se dedicar àquela mesma actividade, G filha do Réu e que trabalhou para a 1ª Autora e Réu desde Junho de 2016 até Maio de 2017, sendo que em Junho de 2017 o seu pai constituiu uma sociedade para se dedicar à actividade de administração e manutenção de auto-silos públicos do governo de Macau cujas quotas vieram depois a ser adquiridas por esta testemunha e pelo seu irmão e da qual hoje o pai e aqui Réu é administrador, I, engenheiro que prestou serviços para a 1ª Autora e Réu, e J amiga da terceira testemunha a ser ouvida e filha do Réu.
Dos depoimentos das testemunhas J e H resulta apenas que em determinados períodos ao longo do ano de 2016 vieram a emprestar dinheiro ao Réu para os investimentos deste, sendo que, os empréstimos foram sendo feitos em várias parcelas e quando atingiram determinado montante para segurança de todos o Réu escreveu e assinou as declarações de dívida.
I nada sabe que possa ajudar a responder à base instrutória.
Resta assim, no que concerne a depoimentos de parte e testemunha o que disseram as três partes envolvidas na questão sub judice, a saber, o 2º Autor (depoimento de parte), E que de facto foi sócio do 2º Autor e Réu em toda esta situação e a filha do Réu que na prática nos traz a versão deste.
Destes três depoimentos conseguiu-se apurar que o 2º Autor e o Réu tinham a sociedade aqui 1ª Autora a qual no ano de 2015 exploraria apenas um Asilo para idosos não tendo praticamente dinheiro algum. Pretendendo candidatar-se aos concursos para exploração dos parques de estacionamento públicos do governo, e necessitando de alguém com experiência no assunto para conseguirem ganhar os concursos, seja por iniciativa do 2º Autor, seja do Réu (facto que não se conseguiu apurar por serem contraditórias as versões, mas que também é irrelevante) decidiram – 2º Autor e Réu – convidar E (o qual tinha experiência neste ramo de actividade) para se associar a eles com vista à exploração dos tais parques de estacionamento, tendo sido acordado que participavam no investimento, eventuais perdas e lucros, na proporção de 40% para o 2º Autor, 40% para o Réu e 20% para o E. Contudo, e como a participação nesses concursos só podia ser feita através de uma sociedade, 2º Autor, Réu e E, candidatavam-se aos concursos em nome da sociedade 1ª Autora. Para dividirem as contas da sociedade do que eram as contas desta actividade exercida em conjunto pelos três (mas que apenas de aparência usava o nome da sociedade aqui 1ª Autora), abriram uma conta bancária também em nome da 1ª Autora mas no Banco OCBC Weng Hang de Macau a qual se destinava a ali serem depositadas as tarifas recebidas dos parques de estacionamento para serem posteriormente transferidas para a RAEM, bem comos pagamentos pela prestação de serviços feitos pela RAEM. Segundo resulta também destes depoimentos todo o esquema de exploração se processava do seguinte modo, ganho o concurso tinha de ser paga a caução que era devolvida a final. Entre o começo da exploração e o recebimento de pagamentos por banda da RAEM mediavam de 3 a 6 meses, pelo que antes de começarem a receber tinham de ser estes sócios de facto a adiantar o dinheiro para a caução e para pagar todas as despesas com a administração do parque, tais como salários, seguros, fornecimento de água electricidade etc., o que faziam na proporção de 40/40/20 como já antes se referiu. As tarifas recebidas pela exploração do parque eram devolvidas integralmente à RAEM a cada 10 dias. O pagamento final por banda da RAEM pela exploração do parque era feito normalmente depois de três meses e até seis meses após ter cessado a exploração. Destarte, sempre que ganhavam um concurso e lhes era adjudicado um parque tinham os três sócios que adiantar os valores necessários ao exercício da actividade até começarem a receber da RAEM.
Começando a funcionar em conjunto ao longo do ano de 2015 e tendo ganho alguns concursos no início de 2016 começa a haver desentendimentos entre os sócios, pelo que, seja porque não quis continuar mais (versão do Réu) seja porque foi posto fora (versão do 2º Autor e E) o que se apurou é que a partir de Fevereiro de 2016 o 2º Autor deixou de participar mais deste consórcio nada mais investindo, tendo recebido os valores indicados na resposta ao item 56º.
A testemunha E continuou no consórcio com o Réu até receber o dinheiro que tinha investido, mantendo-se uma proporção de 60% para o Réu e 40% para E, mas que se podia alterar se no investimento inicial a proporção fosse diferente.
No final de Maio de 2016 E deixa de colaborar com o Réu e passa a integrar uma sociedade que constituiu com o 2º Autor com vista a explorar a esta actividade.
O Réu continua após Junho de 2016 a explorar a mesma actividade usando o nome da 1ª Autora.
A partir de Junho de 2016 2º Autor com E por um lado e Réu por outro passam a ser rivais e concorrentes nos concursos para exploração dos parques, vindo a suceder perderem ora para uns ora outros.
O erro do Réu foi exercendo uma actividade concorrente com os seus anteriores parceiros continuar a usar o nome da sociedade que tinha com o 2º Autor e só em Junho de 2017 é que constitui a sua própria sociedade.
Neste quadro, das duas versões apresentadas o tribunal apenas se pode convencer da veracidade naquilo em que são coincidentes. A mensagem do item 42º mais não é do que uma parte do discurso de negociação entre parceiros já em ruptura, sendo que ao tempo, o 2º Autor por vontade própria ou alheia já se tinha separado de E e do Réu, vindo um mês depois a ter sociedade com E e o Réu a ficar sozinho. Pelo que, o que o tribunal conseguiu apurar é que toda a situação subjacente a estes autos é alheia à 1ª Autora e a parceria entre os três incluindo o 2º Autor apenas durou até Fevereiro de 2016 – depoimento da testemunha E -. Neste sentido veja-se também o acordo celebrado entre os 3 a folhas 135 e o celebrado entre o Réu e E a fls. 139.
Também não é alheio que o arresto da conta do Réu e a instauração desta acção poderia gerar dificuldades ao Réu para concorrer a estes concursos eliminando um concorrente para a sociedade do 2º autor e E.
Na petição inicial os Autores nada referem quanto aos acordos referidos indicados em D) e F) e itens 26º a 32º, os quais mereceram no que concerne ao 2º Autor a sua assinatura – cf. fls. 135 -.
Com base em tudo isto o tribunal convenceu-se pela veracidade da matéria dos itens 1º, 2º, 5º a 7º, 9º, 10º, 26º a 35º, 39º, 42º, 45º, 47º, 50º, 52º e 53º (este com base no documento a fls. 908 ponto 2), 55º, 58º e 59º, 67º, 70º e 71º, mas não se convenceu que fosse verdade o que consta dos itens 3º, 8º, 12º a 19º, 22º a 25º, 36 a 38º, 40º e 41º, 43º e 44º, 46º, 48º e 49º, 62º, 66º e 69º, uma vez que quanto a estes não foi produzida prova alguma que com a certeza jurídica necessária permitisse concluir pela sua veracidade, sendo que, quanto à matéria do item 12º resultou dos depoimentos e resulta das regras da experiência que quem está neste ramo de actividade sabe quem ganha os concursos, pelo que face à relação de concorrência entre 2º Autor e Réu é totalmente descabido que aquele (o 2º Autor) não soubesse dos concursos que o Réu ganhava com o nome da 1ª Autora.
A resposta dada ao item 20º resulta do documento a fls. 84 a 86 o qual não foi impugnado, sendo que a resposta dada ao 21º resulta das testemunhas ouvidas sobre a matéria e depoimento de parte, uma vez que, ninguém conhece que a sociedade 1ª Autora tenha livros, inventários ou diários.
A resposta dada à matéria do item 51º resulta dos documentos de fls. 141 a 663.
A resposta dada à matéria do item 54º resulta dos documentos de fls. 667 a 679, 908 a 910 e 981 a 1003.
A resposta dada ao item 56º resulta dos documentos juntos a fls. 1117 a 1119 no que concerne ao valor pago ao 2º Autor e quanto a E resulta do depoimento do próprio.
Relativamente à matéria do item 57º não foi feita prova suficiente para convencer da sua veracidade, sendo que parcialmente o contrário resulta de fls. 1117 a 1119.
A resposta dada ao item 60º resulta do documento a fls. 681 – recibo de honorários -.
A resposta dada ao item 61º resulta do apenso de providência cautelar e das regras da experiência no concerne às inconveniências na vida quotidiana uma vez que a privação do uso de contas bancárias gera sempre inconveniente se não levantada, quanto mais não seja pela mera expectativa de necessitar e não poder dispor do que lhe pertence.
A resposta dada ao item 63º resulta dos documentos a fls. 34 a 64 e 93 e 94.
A resposta dada ao item 65º resulta do processo de providência cautelar apensa e desta acção não se tendo feito prova do que mais fosse.
A resposta dada ao item 68º resulta dos documentos a fls. 724 a 819, 910 a 915 e 1005 a 1036.
É de notar que o Colectivo de 1ª instância teve todo o cuidado de expor o inter para a formação da sua convicção em relação a toda a matéria da base instrutória, com a devida identificação de meios de prova que produziu, examinou e valorou.
Ao passo que os recorrentes mais não fazem do que questionar a convicção do Tribunal a quo com a sua convicção, divergente daquela, formada a partir de determinados meios de prova produzidos na audiência e examinados pelo Tribunal a quo, não tendo, todavia, apontado erro, muito menos erro manifesto, na apreciação das provas por parte do Tribunal a quo.
Assim sendo, a impugnação da matéria de facto não pode deixar de ser julgada improcedente in totum.
4. Do erro de decisão de direito
O Tribunal rematou a acção com o recurso à teoria dita de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, afastando as regras da sociedade e considerando as actividades da sociedade 1º Autora serem apenas exercidas pelo sócio seu, ora Réu, em nome pessoal, e acabando por julgar improcedente in totum os peticionados pelos Autores na acção.
Os recorrentes vieram reagir contra este entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, defendendo a aplicação das regras gerais societárias, nos termos das quais, os rendimentos obtidos pela prestação dos serviços de administração e manutenção dos vários auto-silos devem entrar na esfera jurídica da 1ª Autora.
Ora, para nós, as tais questões já foram ai apreciadas e decididas na sentença recorrida com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes e com a grande abundância das teorias doutrinárias e da jurisprudência no direito comparado, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão de direito ora recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos ai invocados, julgando improcedente o recurso nesta parte.
5. Da litigância de má-fé do 2º Autor
O 2º Autor impugnou a sua condenação como litigante de má-fé, tendo para o efeito alegado que não podia omitir ou distorcer aquilo que não sabia, portanto, não agiu com dolo ou com negligência grave ao redigir a sua versão da causa de pedir.
Ora, a tal pretensão de direito funda-se e pressupõe o eventual sucesso da arguição da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
Todavia, conforme se decidiu supra, a arguição da nulidade de sentença foi julgada improcedente.
Desta sorte, cai por terra toda a argumentação para sustentar a pretendida revogação da condenação na litigância de má-fé.
Resumindo:
1. Diz-se nulidade a ilegalidade por inobservância do formalismo processual prescrito na lei, ou por prática de um acto processual proibido ou por omissão de um acto prescrito na lei. Ou seja, são os casos em que por trás da ilegalidade cometida foi praticado ou omitido um acto, mas o tribunal não chegou a pronunciar-se expressamente sobre a legalidade do acto ou da omissão.
2. Diz-se decisão judicial que contem já a pronúncia expressa sobre a legalidade da prática ou da omissão de um acto, ou que autoriza ou ordena expressamente a prática ou a omissão de um acto.
3. Dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se.
4. Do despacho que decidir a arguição da nulidade é que se recorre.
5. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
6. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
7. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
8. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
9. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes os recursos e manter na íntegra a sentença ora recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
RAEM, 13MAIO2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 Veja-se António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades Vol. I, Ed. 2004, pág. 357/358.
2 António Menezes Cordeiro obra citada a pág. 360/361 e Pedro Cordeiro em a Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, pág. 28 e sgts..
3 Pedro Cordeiro, ob. Cit. pág. 94: «há casos em que se quiser chegar, em caso de utilização abusiva de uma sociedade, a um direito contra o “homem oculto”, esse direito não pode ser imediatamente deduzido de uma norma ou da sua restrição, de um complexo normativo, ou de um princípio».
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228/2020-59