Processo nº 1097/2019
Data do Acórdão: 20MAIO2021
Assuntos:
Erro notório na apreciação da prova
Identidade do arguido
Renovação da prova
Concurso aparente
Determinação concreta da pena
Prevenção geral positiva ou de integração
Prevenção especial positiva ou de socialização
Princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal
SUMÁRIO
1. Diz-se erro notório na apreciação da prova o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
2. Existindo suficientes provas já constituídas e documentadas nos autos que tornam praticáveis a renovação da prova em sede de recurso pelo Tribunal de 2ª instância e a operáveis as regras de substituição, é de optar pela segunda resolução que tem a inegável vantagem de evitar, com todos os interesses à economia e celeridade processual, o desnecessário reenvio, nos termos recomendados pelo artº 415º/1 do CPP.
3. Se os factos preenchem quer o tipo fundamental na forma consumada quer o tipo qualificado na forma tentada, a solução deve ser a punição pela pena mais severa.
4. Como se sabe, no nosso sistema penal, é à luz das ideias de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial positiva ou de socialização que se deve orientar a determinação concreta das penas.
5. A finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, assegura-se com a tutela dos bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária e da confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica, através do eficaz restabelecimento da paz jurídica abalada com a prática do crime.
6. Com a prevenção especial positiva ou de socialização visa-se ressocializar o agente, criando-lhe condições favoráveis para que possa preparar-se para no futuro não voltar a cometer outros crimes e manter uma vida honesta na comunidade.
7. Por força do princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, cujo espírito está subjacente ao artº 40º/2 do CP, a medida da pena em caso algum pode exceder a medida da culpa e que o limite que a pena não pode ultrapassar serve de barreira intransponível às considerações preventivas.
8. À luz do artº 65º/1 do CP, a determinação concreta da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, por sua vez o seu nº 2 impõe que sejam tidas em conta todas as circunstâncias, mas não só as que se encontram ali exemplificativamente previstas, mas também, as demais que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena.
O relator
Lai Kin Hong
Processo de recurso penal nº 1097/2019
Acordam na secção de processos em matéria criminal do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E. de Macau
I – Relatório
No âmbito dos autos de processo comum com intervenção do Tribunal colectivo, registados sob o número CR3-18-0267-PCC, que correm os seus termos no 3º Juízo Criminal do TJB, foi proferido o seguinte Acórdão absolvendo o 1º arguido A e condenado o 2º arguido B, pela prática de um crime tentado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo artº 138º/-d) e 21º/1 do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão efectiva:
一、 案件概述
第一嫌犯:A, 男,持編號XXX之中國居民往來港澳通行證,1990年2月12日出生。
第二嫌犯:B(B),男,已婚,持XXX號中國護照,父親為XXX,母親為XXX,出生於1974年5月1日廣東省XXX。
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輔助人: C,男,成年人,詳細身份資料見卷宗。
*
起訴事實與罪名:
起訴狀原文為:
1.º
No dia 16 de Maio de 2013, pouco antes das 9:00 da manhã, o assistente, saíu da sua residência de então, sita na XXX, juntamente com o seu filho mais novo, na altura com cinco anos de idade, a fim de o levar ao Jardim de Infância D. José da Costa Nunes.
2.º
Cerca de 20 metros adiante, quando se encontrava no passeio junto da Praça da Amizade, na zona de passeio coberta, e caminhava de mão dada com o seu filho, foi atacado pela sua rectaguarda, pelo arguido, B, que o aguardara, com intenção de o atacar por trás, na esquina entre o Edifício Va Iong e a Praça da Amizade, no lado oposto à Escola Portuguesa, com uma pancada muito violenta dirigida à parte de trás da sua cabeça, onde efectivamente o atingiu.
3.º
A pancada foi disferida com um tijolo maciço (não oco), duro, de 23,5 cm de comprimento, 11,5 cm de largura e 5 cm de profundidade, que o arguido B havia atado à sua mão com a intenção de agredir o assistente repetidamente, com mais força e agilidade do que faria se não estivesse atado, e de provocar ofensas graves à integridade física do assistente.
4.º
A pancada foi disferida com tal violência que o assistente, atacado por trás e desprevenido, quase caiu ao chão, tendo perdido a visão durante cerca de um segundo e ficado com tonturas que o acompanharam durante todo o ataque.
5.º
Em consequência da pancada, o tijolo ficou partido em duas partes sensivelmente iguais (que o assistente mais tarde recolheu e guardou, metades que se mantiveram, ainda assim, atadas à mão do atacante que continuou a poder usá-las eficientemente durante o ataque.
6.º
O assistente ficou de imediato coberto de sangue na cabeça, na cara, nos ombros e no peito.
7.º
O assistente havia-se virado, “instintivamente”, na direcção de onde viera o ataque, quando o arguido B lhe disferiu uma segunda pancada com o tijolo dirigida de novo à cabeça do assistente, tijolo que, apesar de quebrado em duas partes, continuava atado à sua mão e permitia o seu fácil manuseamento como se de uma luva de boxe se tratasse.
8.º
O assistente conseguiu ainda defender-se com o seu braço direito deste segundo ataque, bem como de mais dois ou três rápidos ataques similares, de um dos quais se desviou, o que lhe permitiu empurrar o arguido B, quando por sorte reparou no arguido A, também com um tijolo atado à sua mão, que o esperara um pouco à frente escondido atrás de um pilar (mais próximo da entrada Centro Comercial sito na esquina com a Av. D. João IV).
9.º
O arguido A, comparticipante do ataque com o arguido B, agindo concertadamente com aquele, disferiu um ataque violento, também por trás, dirigido à cabeça do assistente (que antes se havia virado na direcção do Edifício Va Iong para se defender dos ataques do arguido B).
10.º
O assistente (conforme resulta do vídeo obtido pelas forças policiais) conseguiu agir a tempo e tirar o tijolo das mãos do arguido A, tijolo esse que caíu ao chão e se quebrou em várias partes (mais tarde recolhidas pela polícia).
11.º
Enquanto o arguido A apanhava um pedaço grande de tijolo para continuar a atacar o assistente, o arguido B, que recuperara o terreno perdido com o empurrão, voltou a atacar o assistente com o seu tijolo, com pancadas fortes e rápidas sempre dirigidas à sua cabeça.
12.º
Durante mais de 60 segundos o assistente foi atacado ora pelo arguido A, ora pelo arguido B, ora por ambos em simultâneo sempre com pancadas dirigidas com o tijolo à sua cabeça, de que o assistente se foi defendendo, movendo e desviando, enquanto o seu filho de 5 anos observava o pai coberto de sangue em luta com os dois atacantes.
13.º
Todas as pessoas que se encontravam na zona afastaram-se ou fugiram de imediato, menos um terceiro indivíduo que observou atenta e calmamente os acontecimentos durante grande parte da luta, um pouco acima, já na Praça da Amizade, atrás do local onde se encontrava o filho do assistente.
14.º
Perto do final dos ataques, e durante a luta, o assistente, não tendo reparado que havia um degrau elevado entre a zona do ataque e o passeio, caíu ao chão, na zona não coberta do passeio, tendo o arguido A e o arguido B se dirigido de imediato e agressivamente com os respectivos tijolos para atacar o assistente enquanto este se encontrava, quase indefeso, no chão. O assistente teve tempo de se erguer, defender e desviar um pouco, tendo sido atingido por duas pancadas simultâneas, disferidas pelo arguido A e pelo arguido B, uma na zona do ombro e pescoço, outra no braço direito, que usou para se defender.
15.º
No total, o arguido A e o arguido B disferiram bem mais de uma dezena de ataques com os tijolos, sempre dirigidos à cabeça do assistente, o qual se foi defendendo, lutando e desviando como pôde, enquanto tentava recuperar dos efeitos provocados pela primeira pancada na cabeça.
16.º
O arguido A agiu com intenção de causar dano gravo na cabeça do assistente, a fim de o fazer perder os sentidos e lhe provocarem outros danos graves quando este estivesse indefeso e inanimado.
17.º
O arguido A agiu intencional e concertadamente com o outro atacante, o arguido B, bem como com um terceiro indivíduo que se encontrava por perto a observar o ataque.
18.º
O ataque provocou hemorragia na cabeça do assistente, que teve de ser suturado no Hospital de S. Januário, para onde foi de ambulância chamada pela polícia, que prontamente isolou a área impedindo o acesso público.
19.º
O assistente foi ainda objecto de acompanhamento neurológico de prevenção.
20.º
A agressão provocou-lhe também lesões no braço, pescoço, ombro e mão direita, em consequência das pancadas recebidas quando se desviava ou defendia dos ataques dirigidos à sua cabeça. Durante e após o ataque o assistente sofreu dores fortes em consequência do mesmo.
21.º
O relatório exame médico e o parecer do médico-legal do assistente constam a fls. 13 e 14 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente produzidos para todos os efeitos legais.
22.º
A agressão praticada pelos dois arguidos A e B provocou directa e necessariamente ao assistente laceração no couro cabeludo do cimo da cabeça, contusão nos tecidos moles do pulso esquerdo e dos dedos da mão direita, necessitando ele de 7 dias para ficar recuperado, cujas lesões lhe causaram ofensa simples à integridade física (vide parecer do médico-legal, de fls. 142 dos autos).
23.º
Os danos sofridos pelo assistente foram causados pela agressão. Não fora a destreza física e a sorte do assistente e as agressões ter-lhe-iam causado danos corporais graves e qualificados, ou mesmo a morte, sendo o meio utilizado (tijolos maciços) e o modo de utilização (arremessos violentos repetidamente direccionados à cabeça do assistente) idóneos a causar estes danos.
24.º
A agressão e as repetidas tentativas de agressão na cabeça constituem causa idónea de afectação, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais.
25.º
O ataque foi planeado com antecedência, como denota o facto de o arguido A e arguido B saberem a morada de residência pessoal do assistente e sua família, endereço que não estava acessível ao público.
26.º
Ambos os arguidos tiveram conhecimento da morada particular do assistente através de outra(s) pessoa(s) que terá(ão) seguido ou investigado o assistente em dias anteriores (pois o dia 16 de Maio foi a primeira vez que o arguido A e o arguido B entraram em Macau, como resulta de informação obtida pela polícia.)
27.º
O planeamento do crime revela-se também por terem esperado o assistente à porta de casa precisamente a uma hora em que este costumava sair para levar o seu filho ao infantário.
28.º
O arguido A e arguido B agiram durante o ataque de uma forma fria e “profissional”, sem denotarem qualquer emoção, não tendo exigido ou tentado tirar algum bem ou dinheiro ao assistente, tendo sempre e só atacado o assistente com pancadas disferidas em direcção à sua cabeça, revelando uma intenção pré-estabelecida de lhe provocarem danos graves na cabeça.
29.º
Os arguidos A e B agiram livre, voluntariamente e com consciência dos seus actos e dos resultados que deles poderiam advir, tendo tido a intenção de causar ao assistente ofensas corporais graves (dolo directo).
30.º
Os arguidos A e B sabiam que as suas condutas eram proibídas e punidas por lei.
*
基於此,刑事起訴法庭起訴:
嫌犯A 和B(B)為共同直接正犯,以未遂方式觸犯一項《刑法典》第138條d項所規定及處罰的一項加重盜竊罪。
(Os arguidos cometeram em co-autores materias de um crime tentado, por dolo directo, de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo art.os 138.º, alínea b), e 21.º, n.º 1, do Código Penal de Macau.)
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答辯狀:兩名嫌犯的辯護人沒有提交答辯狀。
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訴訟前提及審判聽證:
第一嫌犯下落不明。本院已依法告示通知嫌犯出席本案審判聽證。
第二嫌犯透過本案第109頁聲明同意在其缺席情況下進行審判聽證。
已確定之訴訟前提維持不變。審判聽證按照適當程序在兩名嫌犯缺席的情況下進行。
***
二、事實
獲證明屬實之事實:
No dia 16 de Maio de 2013, pouco antes das 9:00 da manhã, o assistente, saíu da sua residência de então, sita na Avenida do Infante D. Henrique, n°29, Edifício Va Iong, juntamente com o seu filho mais novo, na altura com cinco anos de idade, a fim de o levar ao Jardim de Infância D. José da Costa Nunes.
Cerca de 20 metros adiante, quando se encontrava no passeio junto da Praça da Amizade, na zona de passeio coberta, e caminhava de mão dada com o seu filho, foi atacado pela sua rectaguarda, pelo arguido, B(B), que o aguardara, com intenção de o atacar por trás, na esquina entre o Edifício Va Iong e a Praça da Amizade, no lado oposto à Escola Portuguesa, com uma pancada muito violenta dirigida à parte de trás da sua cabeça, onde efectivamente o atingiu.
A pancada foi disferida com um tijolo maciço (não oco), duro, de 23,5 cm de comprimento, 11,5 cm de largura e 5 cm de profundidade, que o arguido B(B) havia atado à sua mão com a intenção de agredir o assistente repetidamente, com mais força e agilidade do que faria se não estivesse atado, e de provocar ofensas graves à integridade física do assistente.
A pancada foi disferida com tal violência que o assistente, atacado por trás e desprevenido, quase caiu ao chão, tendo perdido a visão durante cerca de um segundo e ficado com tonturas que o acompanharam durante todo o ataque.
Em consequência da pancada, o tijolo ficou partido em duas partes sensivelmente iguais (que o assistente mais tarde recolheu e guardou, metades que se mantiveram, ainda assim, atadas à mão do atacante que continuou a poder usá-las eficientemente durante o ataque.
O assistente ficou de imediato coberto de sangue na cabeça, na cara, nos ombros e no peito.
O assistente havia-se virado, “instintivamente”, na direcção de onde viera o ataque, quando o arguido B(B) lhe disferiu uma segunda pancada com o tijolo dirigida de novo à cabeça do assistente, tijolo que, apesar de quebrado em duas partes, continuava atado à sua mão e permitia o seu fácil manuseamento como se de uma luva de boxe se tratasse.
O assistente conseguiu ainda defender-se com o seu braço direito deste segundo ataque, bem como de mais dois ou três rápidos ataques similares, de um dos quais se desviou, o que lhe permitiu empurrar o arguido B(B), quando reparou numa pessoa de identidade não apurada, também com um tijolo atado à sua mão, que o esperara um pouco à frente escondido atrás de um pilar (mais próximo da entrada Centro Comercial sito na esquina com a Av. D. João IV).
O assistente conseguiu agir a tempo e tirar o tijolo das mãos da outra pessoa, tijolo esse que caíu ao chão e se quebrou em várias partes (mais tarde recolhidas pela polícia).
Enquanto esta pessoa de identidade não apurada, apanhava um pedaço grande de tijolo para continuar a atacar o assistente, o arguidoB(B), que recuperara o terreno perdido com o empurrão, voltou a atacar o assistente com o seu tijolo, com pancadas fortes e rápidas sempre dirigidas à sua cabeça.
Durante mais de 60 segundos o assistente foi atacado ora pela pessoa de identidade não apurada, ora pelo arguidoB(B), ora por ambos em simultâneo sempre com pancadas dirigidas com o tijolo à sua cabeça, de que o assistente se foi defendendo, movendo e desviando.
O ataque provocou hemorragia na cabeça do assistente, que teve de ser suturado no Hospital de S. Januário, para onde foi de ambulância chamada pela polícia, que prontamente isolou a área impedindo o acesso público.
O assistente foi ainda objecto de acompanhamento neurológico de prevenção.
A agressão provocou-lhe também lesões no braço, pescoço, ombro e mão direita, em consequência das pancadas recebidas quando se desviava ou defendia dos ataques dirigidos à sua cabeça. Durante e após o ataque o assistente sofreu dores em consequência do mesmo.
O relatório exame médico e o parecer do médico-legal do assistente constam a fls. 13 e 14 dos autos, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente produzidos para todos os efeitos legais.
A agressão praticada pelo arguido B(B)e outra pessoa de identidade não apurada, provocou directa e necessariamente ao assistente laceração no couro cabeludo do cimo da cabeça, contusão nos tecidos moles do pulso esquerdo e dos dedos da mão direita, necessitando ele de 7 dias para ficar recuperado, cujas lesões lhe causaram ofensa simples à integridade física (vide parecer do médico-legal, de fls. 142 dos autos).
Os danos sofridos pelo assistente foram causados pela agressão. Não fora a destreza física e a sorte do assistente e as agressões ter-lhe-iam causado danos corporais graves e qualificados, ou mesmo a morte, sendo o meio utilizado (tijolos maciços) e o modo de utilização (arremessos violentos repetidamente direccionados à cabeça do assistente) idóneos a causar estes danos.
A agressão e as repetidas tentativas de agressão na cabeça constituem causa idónea de afectação, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais.
O ataque foi planeado com antecedência, como denota o facto de o arguido B(B)e a outra pessoa de identidade não apurada, saberem a morada de residência pessoal do assistente e sua família, endereço que não estava acessível ao público.
O arguidoB(B)e outra pessoa de identidade não apurada, tiveram conhecimento da morada particular do assistente através de outra(s) pessoa(s) que terá(ão) seguido ou investigado o assistente em dias anteriores (pois o dia 16 de Maio foi a primeira vez que o arguido B entrou em Macau, como resulta de informação obtida pela Polícia.)
O planeamento do crime revela-se também por terem esperado o assistente à porta de casa precisamente a uma hora em que este costumava sair para levar o seu filho ao infantário.
O arguidoB(B)agiram livre, voluntariamente e com consciência dos seus actos e dos resultados que deles poderiam advir, tendo tido a intenção de causar ao assistente ofensas corporais graves (dolo directo).
O arguido B(B) sabia que as suas condutas eram proibídas e punidas por lei.
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另外證明下列事實:
根據刑事紀錄證明,兩名嫌犯無犯罪記錄。
第一嫌犯及第二嫌犯的家庭、經濟及社會狀況不詳。
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起訴書中其他與上述獲證事實不符之事實未獲證明,特別是:(Não ficaram provados os restantes factos constantes da Pronúncia, nomeadamente:)
Todas as pessoas que se encontravam na zona afastaram-se ou fugiram de imediato, menos um terceiro indivíduo que observou atenta e calmamente os acontecimentos durante grande parte da luta, um pouco acima, já na Praça da Amizade, atrás do local onde se encontrava o filho do assistente.
O arguido A agiu com intenção de causar dano gravo na cabeça do assistente, a fim de o fazer perder os sentidos e lhe provocarem outros danos graves quando este estivesse indefeso e inanimado.
O arguido A agiu intencional e concertadamente com o outro atacante, o arguido B, bem como com um terceiro indivíduo que se encontrava por perto a observar o ataque.
O arguido A e o arguido B(B)agiu durante o ataque de uma forma fria e “profissional”, sem denotarem qualquer emoção, não tendo exigido ou tentado tirar algum bem ou dinheiro ao assistente, tendo sempre e só atacado o assistente com pancadas disferidas em direcção à sua cabeça, revelando uma intenção pré-estabelecida de lhe provocarem danos graves na cabeça.
O arguido A agiu livre, voluntariamente e com consciência dos seus actos e dos resultados que deles poderiam advir, tendo tido a intenção de causar ao assistente ofensas corporais graves (dolo directo).
O arguido A sabia que as suas condutas eram proibídas e punidas por lei.
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事實之判斷:
經嚴謹、客觀、綜合及批判分析了在審判聽證中所得之證據,特別是各證人之聲明,結合在審判聽證中審查的書證、扣押物及其他證據後,本合議庭認定上述事實,需重點指出:
第二嫌犯缺席審判聽證中作出聲明。依照該嫌犯申請,合議庭宣讀了其在檢察院之聲明,該嫌犯的聲明載於卷宗第104頁及背頁,第二嫌犯行使緘默權。
輔助人C(被害人)在審判聽證中作出聲明,講述了事情的經過。輔助人表示:輔助人經過事發地點時,感覺有人靠近,接著,其頭部被人用物品襲擊,幾乎暈倒,之後,另一個人也襲擊其,還有第三人觀望。輔助人不認識二名嫌犯,輔助人沒有被搶走財物,只能說被襲擊和自己的職務有關。
治安警員XXX在審判聽證中作出聲明,講述了調查案件之經過。證人表示:證人到現場時已經沒有襲擊。被害人沒有暈倒之前描述被一男人襲擊,在現場附近發現碎磚頭。之後,截查到第二嫌犯,被害人認出第二嫌犯為其中一名襲擊其之人。
治安警員XXX在審判聽證中作出聲明,講述了調查案件之經過。證人表示:證人負責製作總結報告。
卷宗內被害人的醫療報告及法醫鑑定顯示了被害人的傷勢。
卷宗所得之錄影沒有錄到襲擊過程。
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本案,合議庭留意到並認為:
第一嫌犯的身份未能認定:第一嫌犯的姓名只有一個拼音,不知道其確切的中文姓名,父母姓名,出生地和居住地址;警方透過比對現場錄影之涉嫌人的樣貌、出入境的監控錄影中過關人士的樣貌及出入境記錄,將認為是該過關人士出入境所用之證件上的身份資料作為涉嫌人的身份。嚴格講,在該證件持證人完全不曾到案,且缺乏其他證據的情況,例如,無人指證本案第一嫌犯的身份即為涉嫌人的身份;可以,但是未能,透過與內地警方合作取得有關港澳通行證資料,以便將證件上的照片與錄影中相關人士比對並取得更多的身份資料;此外,錄影的距離和角度導致錄影中的人物並非高度清晰,人們肉眼識別錄影中人物的能力具局限性,人在錄影中的形象與鏡頭之外的實際形象亦存在差別。
對被指控的第一嫌犯,且相關嫌犯完全不曾到庭,因而,無法進行輔助人認人措施,也未能讓嫌犯自我辨認照片。
被指控的第一嫌犯與第二嫌犯一起出入境澳門,到現場,並且在第二嫌犯襲擊了輔助人之後,一起逃離,經驗法則只能告訴我們該人之嫌疑重大,在缺乏其他證據的情況下,不能毫無疑問地認定被指控的第一嫌犯為共犯。
*
根據卷宗所得之證據,特別是第二嫌犯襲擊輔助人的部位,使用之工具,依照經驗法則,合議庭認定第二嫌犯存有嚴重傷害輔助人之故意。
*
三、 定罪與量刑
定罪:
《刑法典》第138條(嚴重傷害身體完整性)規定:
“傷害他人身體或健康,而出現下列情況者,處二年至十年徒刑:
a)使其失去重要器官或肢體,又或使其形貌嚴重且長期受損;
b)使其工作能力、智力或生殖能力喪失或嚴重受影響,又或使其運用身體、感官或語言之可能性喪失或嚴重受影響;
c)使其患特別痛苦之疾病或長期患病,又或患嚴重或不可康復之精神失常;或
d)使其有生命危險。”
本案,未獲證明第一嫌犯身份即為相關行為的身份;此外,卷宗所得之證據亦不能充分證明第一嫌犯被控告的事實。
根據獲證事實,第二嫌犯明知其行為違法,仍然在自由、自主及有意識情況下故意作出有關行為。第二嫌犯襲擊被害人,意圖造成被害人身體遭受嚴重傷害,但因非自己意願之原因而僅造成被害人普通傷。
基於此,兩名嫌犯被控告為直接共同正犯,其以未遂方式觸犯了澳門《刑法典》第138條b項以及第21條第1款所規定及處罰的一項「加重傷害身體完整性罪」(未遂),
- 第一嫌犯,罪名不成立;
- 第二嫌犯,罪名成立。
「加重傷害身體完整性罪」既遂者,可判處二年至十年徒刑。犯罪未遂者,特別減輕處罰,根據《刑法典》第67條規定,刑幅降為:一個月至六年八個月徒刑。
*
量刑:
量刑須根據《刑法典》第40及65條之規定。
具體刑罰之確定須按照行為人之罪過及預防犯罪的要求為之,同時,亦須考慮:犯罪行為之不法程度、實行之方式、後果之嚴重性、行為人對被要求須負義務之違反程度、故意之嚴重程度、所表露之情感、嫌犯之動機、嫌犯之個人狀況及經濟狀況、事發前後之行為及其他已確定之情節。
本案,第二嫌犯犯罪行為的不法程度高,第二嫌犯的犯罪故意程度為直接故意;第二嫌犯的行為對社會安寧帶來負面影響大,在早上九時,人多的公共地點實施襲擊,對被害人身體完整性造成傷害普通,第二嫌犯為初犯,第二嫌犯的個人狀況和經濟狀況普通。
根據嫌犯的罪過及預防犯罪之要求,以及其他確定之量刑情節,本合議庭認為:第二嫌犯觸犯一項「加重傷害身體完整性罪」(未遂),判處一年九個月徒刑,最為適宜。
根據《刑法典》第48條規定,經考慮第二嫌犯之人格、生活狀況、犯罪前後之行為及犯罪情節,特別是,第二嫌犯的行為對社會安寧造成的負面影響大,僅對事實作譴責並以徒刑作威嚇已經不能適當及足以實現處罰之目的,因此,本合議庭決定不予緩刑。
***
四、 判決:
一)、綜上所述,本合議庭現裁定部份起訴事實獲證明屬實、部份起訴罪名成立,判決如下:
1. 第一嫌犯被控告為直接共同正犯,其以未遂方式觸犯了澳門《刑法典》第138條d項及第21條第1款所規定及處罰的一項「傷害身體完整性罪」(未遂),罪名不成立。
2. 第二嫌犯B為直接共同正犯,以未遂方式觸犯了澳門《刑法典》第138條d項及第21條第1款所規定及處罰的一項「傷害身體完整性罪」(未遂),罪名成立,判處一年九個月實際徒刑。
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第一嫌犯無訴訟負擔。
第一嫌犯的辯護人的辯護費定為澳門幣貳仟元(MOP$2,000.00),由終審法院院長辦公室支付。
判處第二嫌犯繳付四個計算單位(4UCs)之司法費及各項訴訟負擔。
第二嫌犯須支付的辯護人的辯護費定為澳門幣貳仟元(MOP$2,000.00)。
另外,根據1998年8月17日第6/98/M號法律第24條第2款規定,判處第二嫌犯向法務公庫繳納澳門幣伍佰元(MOP$500.00)捐獻,納入保護暴力犯罪受害人基金。
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根據《刑事訴訟法典》第198條第1款c項規定,針對第一嫌犯的強制措施立即消滅。
根據《刑事訴訟法典》第198條第1款d項規定,判決確定之後,針對第二嫌犯的強制措施消滅。
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根據《刑法典》第101條及第102條規定,宣告沒收本案所有扣押物歸本特區所有,於判決確定之後銷毀。
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著令依法作出通知。
通知身份證明局作刑事記錄登記。
通知本案相關人士,若不服本判決,可於二十天法定期間內向中級法院提請上訴。
根據《刑事訴訟法典》第237條d項規定,發出拘留命令狀拘留第二嫌犯。
Notificado e inconformado, veio o assistente C recorrer para este Tribunal de Segunda Instância desse Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, concluindo e pedindo:
1) O assistente tem legitimidade para recorrer, mesmo desacompanhado do Ministério Público, de decisões que absolvam o arguido de crimes relativamente aos quais o assistente é vítima e queixoso, nos termos do art. 391º/1-b) CPP.
2) É discutido na jurisprudência se o assistente pode recorrer, mesmo desacompanhado do Ministério Público, simplesmente no que respeita à medida da pena e à qualificação do crime, havendo jurisprudência em sentidos distintos.
3) A jurisprudência mais desfavorável à legitimidade do assistente exige a demonstração de um interesse próprio na interposição de recurso quanto à medida da pena.
4) O recorrente crê ter demonstrado esse interesse próprio (em vista dos factos referidos supra, na motivação deste recurso).
5) A Sentença padece de erro notório na apreciação da prova (art. 400º/2-c) do (PP), em face da prova documental constante dos autos (tal resulta mais ainda da prova oral produzida em audiência, mas resulta por si só da prova documental).
6) Verificam-se os requisitos legais previstos nos arts. 402º/3 e 415º do CPP para que o Tribunal renove a prova da prova, designadamente evitar o reenvio do processo;
7) Requerendo no final que renove a prova seguinte: depoimento do assistente (minutos 5:26 a 20:50 do CD que gravou a audiência) e depoimento das duas testemunhas (minutos 21:40 a 34:17 do CD), num total de 29 minutos, o que conterá prova suficiente para suprir o erro de apreciação da prova e evitará o reenvio do processo.
8) Admitida a renovação da prova, deverão ser tidos por provados todos os factos constantes do despacho de pronúncia (e da acusação particular, que não diferem, crê-se, dos constantes do despacho de pronúncia).
9) Resulta da prova documental constante dos autos e da prova oral produzida em audiência que o arguido A (absolvido pelo Tribunal) foi co-autor dos factos dados como provados relativamente ao arguido condenado (bem como cc-autor dos factos dados como não provados, que se entende deverem ser dados como provados).
10) Em vista dos factos dados por provados (e dos que deverão ser dados por provados relativamente ao arguido A), os arguidos deverão ambos ser condenados, não somente por ofensas corporais graves na forma tentada, mas pela prática do crime de ofensas corporais simples na forma consumada e ofensas corporais graves na forma tentada.
11) Em vista dos factos dados por provados, os arguidos deverão ser condenados em pena mais grave do que aquela a que o arguido Van foi condenado, pelos motivos constantes da motivação do recurso.
Neste termos e nos mais de Direito que V. Exªs não deixarão de suprir, devem V. Exªs (i) proceder à renovação da prova nos termos solicitados, e proferir Acórdão no qual se (ii) condenem ambos os arguidos (e não somente um), (iii) pela prática do crime de ofensas corporais simples na forma consumada e ofensas corporais graves na forma tentada, (iv) em pena mais elevada do que a que foi aplicada pelo Tribunal recorrido.
Assim se fazendo Justiça.
A este recurso, respondeu o Ministério Público defendendo a improcedência do recurso – cf. fls. 482 a 485v dos p. autos.
Subido o recurso para este Tribunal, em sede de vista, a Dignª Procuradora-Adjunta emitiu o seu douto parecer pugnando pela procedência do recurso na parte em que invocou o erro notório na apreciação da prova quanto aos factos imputados ao 1º arguido, e defendendo o reenvio do processo para o novo julgamento na 1ª instância – cf. fls. 500 a 502 dos p. autos.
Feito o exame preliminar, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
Conforme se vê na motivação do recurso, o ora recorrente questiona a absolvição do 1º arguido, com fundamento no erro notório na apreciação da prova, pedindo a renovação da prova nesta 2ª instância e, em caso de êxito de alteração da matéria de facto nos termos pretendidos, a condenação do 1º arguido e, em relação à condenação do 2º arguido, pede a modificação da qualificação jurídica dos factos provados e imputados a ele e a consequente agravação da pena a ele aplicada.
Antes de mais, coloca-se uma questão prévia da legitimidade do assistente para pedir a agravação da pena aplicada ao 2º arguido.
Sobre a legitimidade do assistente para reagir contra a medida de pena, o Tribunal de Última Instância já se pronúncia no Acórdão para a fixação da jurisprudência, tirado no processo nº 128/2014, em que se afirma que o assistente não tem legitimidade para recorrer, quanto à espécie e medida da pena aplicada, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação.
Há que portanto indagar in casu, se para o efeito foi demonstrado pelo assistente um interesse próprio.
Para sustentar a sua legitimidade de pedir a agravação da pena em relação ao 2º arguido, invocou o assistente que:
……
51. O assistente não retira qualquer conforto do facto de uma ou duas pessoas serem privadas da sua liberdade durante um longo período de tempo da sua vida. Nem nutre sentimento de vingança contra os atacantes ou vontade de os fazer sofrer pelos actos graves e horríveis que praticaram sobre si, com o seu filho de 5 anos a assistir.
52. Está em causa, porém, a aplicação de critérios uniformes de justiça por parte dos tribunais, que esta sentença, com o devido respeito, não parece exprimir. De facto, a experiência judiciária revela que estes factos - por comparação com outras sentenças e acórdãos condenatórios - justificariam a aplicação de uma pena mais elevada. E a uniformidade da jurisprudência é, não só um requisito geral do direito (art. 7º/3 do Cód. Civil), como em particular do Direito Penal (arts. 65º e ss. do Cód. Penal) .
53. Por fim, razões de prevenção da prática de novos crimes pelo(s) arguido(s) condenado(s) justificam uma pena mais elevada, pois os atacantes, como resulta dos factos provados, agiram de forma fria e profissional, o que revela a possibilidade de reunirem as características pessoais para a prática eventual de novos factos similares noutros cidadãos da RAEM.
Ao que parece, o assistente está invocar um interesse público da unidade de direito.
Ora, conforme o preconizado na fundamentação do Douto Acórdão do TUI nº 128/2014 para a fixação de jurisprudência, a uniformidade da jurisprudência e as razões de prevenção da prática de novos crimes, ora invocadas pelo recorrente como interesse de agir, não podem ser tidas como interesses próprios do assistente,
Pois ai foi salientado que o direito de punir pertence ao Estado, fazendo parte do núcleo punitivo do Estado a escolha e a determinação da medida concreta da pena, cuja defesa cabe ao Ministério Público, que tem sempre legitimidade e interesse em agir para recorrer de quaisquer decisões judiciais, ainda que no exclusivo interesse do arguido (art.º 391.º n.º 1, al. a) do CPP), daí que a decisão na parte respeitante à espécie e à medida da pena não afecta, em geral, o assistente, não podendo este recorrer só para agravar a pena já aplicada ……
Portanto, não obstante a ressalva consistente na demonstração em concreto de um interesse próprio, não cremos que os interesses ora invocados pelo recorrente se possam integrar no conceito do dito interesse próprio.
É de portanto indeferir liminarmente o pedido do assistente para a agravação da pena aplicada ao 2º arguido B.
Assim, restam as seguintes questões que constituirão o objecto do presente recurso:
a) Do erro notório na apreciação da prova;
b) Da renovação da prova;
c) Da qualificação jurídica dos factos; e
d) Da medida de pena.
Apreciemos.
a) Do erro notório na apreciação da prova
O Tribunal a quo absolveu o 1º arguido A, com fundamento na impossibilidade, apesar de toda a prova recolhida, de se fazer subtrair à dúvida razoável a afirmação de que 1º arguido acusado é o co-autor dos factos.
Ao que parece, o Tribunal a quo não está a negar que as comprovadas agressões contra o assistente foram da co-autoria do ora 2º arguido e de um outro indivíduo, tal como demonstradas pelas imagens documentadas nos autos.
Se correctamente interpretada toda a fundamentação de facto inserida na sentença recorrida, cremos que a dúvida razoável, invocada pelo Colectivo a quo, para absolver o 1º arguido A, incide apenas sobre a identidade daqueloutro indivíduo agressor, que agiu em co-autoria com o 2º arguido nas comprovadas agressões.
Ora, compulsados os autos, verifica-se que foi o assistente que, mediante o requerimento para a abertura de instrução e com as provas recolhidas no inquérito graças aos esforços do órgão da polícia criminal, especialmente as imagens documentadas por aparelhos de gravação de imagens, instalados quer nas imediações do lugar dos factos, quer nas instalações dos postos fronteiros nas Portas do Cerco, logrou convencer a Exmª Juiz de Instrução Criminal da existência de indícios suficientes para a imputação dos factos aos dois indivíduos que, menos de uma hora após as agressões ocorridas na Av. do Infante D. Henrique, saíram de Macau para entrar em Zhuhai através do balcão nº 32 dos postos fronteiros nas Portas do Cerco.
Foi com base nos elementos de identificação constantes dos documentos de viagens utilizados por estes dois indivíduos e registados no sistema do controlo migratório que a Exmª Juiz de Instrução Criminal, no despacho de pronúncia, identificou estes dois indivíduos por A e B, a quem imputou as agressões de que foi alvo o assistente, e decidiu submete-los ao julgamento.
Ora, tal como bem observou o Ministério Público, no seu douto parecer emitido em sede de vista, o Acórdão ora recorrido não esclarece bem sobre quê ponto fáctico incide a dúvida razoável?
Sobre a identidade do 1º arguido? Isto é se o outro agressor é de nome A?
Ou sobre a ocorrência dos factos e/ou sobre a imputação desses factos àqueloutro agressor, identificado como 1º arguido A no despacho de pronúncia?
Por sua vez, parece que o assistente também não diz claramente se o erro por ele invocado é o erro sobre a identidade do arguido ou é o erro na apreciação da prova sobre a ocorrência dos factos e/ou a imputação desses factos ao 1º arguido.
Tendo em conta os termos em que foi redigida a fundamentação da decisão de facto no Acórdão recorrido, cremos que o Tribunal a quo não tem dúvidas quanto à imputação dos factos àqueles dois indivíduos cuja imagens foram gravadas quer nas imediações do local dos factos, quer no balcão dos postos fronteiriços das Portas do Cerco.
E o que os Julgadores de 1ª instância não podem afirmar, sem quaisquer dúvidas razoáveis, é apenas se um dos agentes dos factos tem os elementos de identificação, com os quais é identificado 1º arguido, no despacho de pronúncia, ou seja, A, de sexo masculino, titular do Salvo-conduto da RPC nº XXX, nascido em 12FEV1990.
Para Germano Marques da Silva o “erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” – cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 326.
Interessa agora saber quais são os elementos probatórios recolhidos nos autos e susceptíveis de serem valorados pelo Colectivo a quo para a identificação de ambos os arguidos.
Por um lado, temos as imagens captadas nas imediações do local da prática dos factos de agressão e no balcão dos postos fronteiriços das Portas do Cerco (vide as fls. 23, 47, 50, 53, 84, 87 dos p. autos), onde se vêem dois indivíduos a aparecer sempre juntos um com o outro, sendo certo que um deles veio a ser pessoalmente reconhecido pelo assistente como um dos agressores na diligência probatória realizada pelo órgão da polícia criminal nos termos prescritos no artº 134º do CPP (vide as fls. 95 dos p. autos) e reconhecido como o 2º arguido B pelo Colectivo a quo.
Por outro lado, existem um auto lavrado pelo órgão da polícia criminal constante das fls. 39 a 40 dos p. autos e um ofício da PSP a fls. 58 dos p. autos. Estes dois documentos autênticos demonstram que os dois indivíduos, visíveis nas imagens documentadas pelo sistema de vídeo-vigilância montado por acima do balcão nº 32 dos postos fronteiriços das Portas do Cerco, a sair de Macau para entrar em Zhuhai, utilizaram o salvo-conduto nº XXX, de que é titular A, e o passaporte nº XXX, de que é titular B.
Para nós, se globalmente valoradas estas provas todas, recolhidas no inquérito e validamente valoráveis na fase de julgamento, se concluir, como efectivamente concluiu a 1ª instância, que um dos dois indivíduos aparecidos nas imagens captadas nas imediações do local da prática dos factos é um dos dois agressores, que estes dois indivíduos são os mesmos dois filmados a sair de Macau através do balcão nº 32 dos postos fronteiriços das Portas do Cerco com os documentos de viagens salvo-conduto nº XXX de que é titular A e o passaporte nº XXX de que é titular o 2º arguido B, e que um desses dois indivíduos tiver sido, como veio a ser, identificado ser o 2º arguido B, o outro indivíduo não poderá deixar de ser, pela logica das coisas e pelas regras de experiência da vida, identificado como o 1º arguido A, pois atendendo as suas feições faciais, os seus corpos e as suas roupas visíveis em todas as imagens documentadas nos autos, o outro indivíduo terá de ser o indivíduo que sempre andava juntamente com o 2º arguido em todas as imagens documentadas e utilizou o salvo-conduto nº XXX de que é titular A para sair de Macau.
Assim, ao não considerar aqueloutro indivíduo ser o utilizador do salvo-conduto nº XXX de que é titular A e por consequinte ser um dos autores das agressões de que foi alvo o assistente, o Colectivo a quo errou por ter formado a sua convicção contra as regras da experiência comum e as lógicas das coisas, que fez a sua decisão de facto quanto à identificação do 1º arguido padecer do vício de erro notório na apreciação da prova.
Aliás não nos se mostra muito relevante aqui averiguar se aqueloutro indivíduo utilizou um salvo-conduto com a falsa identidade nos postos fronteiriços das Portas do Cerco, uma vez que a nós interesse condenar aquele indivíduo, ora nos autos e neste momento identificado com o nome de A e não condenar o nome A.
Se vier no futuro a descobrir que o indivíduo ora por nós condenado forneceu uma falsa identidade, isto não constitui um facto novo para invalidar a nossa decisão condenatória, só justifica quanto muito a questão da rectidão da identificação do ora condenado.
b) Da renovação da prova.
Concluindo pela verificação do vício de erro notório na apreciação da prova, temos as duas alternativas, ou reenviar o processo para o novo julgamento na 1ª instância, ou substituirmo-nos à 1ª instância a modificar a decisão de facto.
Dada a existência das suficientes provas já constituídas e documentadas nos autos que tornam praticáveis a renovação da prova em sede de recurso pelo Tribunal de 2ª instância e a operáveis as regras de substituição, é de optar pela segunda resolução que tem a inegável vantagem de evitar, com todos os interesses à economia e celeridade processual, o desnecessário reenvio, nos termos recomendados pelo artº 415º/1 do CPP.
Valoradas todas as provas documentadas nos autos, nomeadamente, as imagens captadas nas imediações do local da prática dos factos de agressão e no balcão dos postos fronteiriços das Portas do Cerco (vide as fls. 23, 47, 50, 53, 84, 87 dos p. autos) o auto lavrado pelo órgão da polícia criminal constante das fls. 39 a 40 dos p. autos e o ofício da PSP a fls. 58 dos p. autos, não temos dúvidas sobre a imputação dos comprovados factos de agressões aqueloutro indivíduo, identificado com o nome de A no despacho da pronúncia, que apareceu nas imagens sempre juntamente com o ora 2º arguido B.
Desta maneira, é de dar por provada a seguinte matéria tendente à imputação dos factos ao arguido A, tida por não provada na 1ª instância, e passar a aditá-la ao elenco dos factos provados:
O arguido A agiu com intenção de causar dano gravo na cabeça do assistente, a fim de o fazer perder os sentidos e lhe provocarem outros danos graves quando este estivesse indefeso e inanimado.
O arguido A agiu intencional e concertadamente com o outro atacante, o arguido B, bem como com um terceiro indivíduo que se encontrava por perto a observar o ataque.
O arguido A e o arguido B(B)agiu durante o ataque de uma forma fria e “profissional”, sem denotarem qualquer emoção, não tendo exigido ou tentado tirar algum bem ou dinheiro ao assistente, tendo sempre e só atacado o assistente com pancadas disferidas em direcção à sua cabeça, revelando uma intenção pré-estabelecida de lhe provocarem danos graves na cabeça.
O arguido A agiu livre, voluntariamente e com consciência dos seus actos e dos resultados que deles poderiam advir, tendo tido a intenção de causar ao assistente ofensas corporais graves (dolo directo).
O arguido A sabia que as suas condutas eram proibídas e punidas por lei.
Alterada a matéria de facto nestes termos, é de revogar o Acórdão recorrido na parte que absolveu o 1º arguido, e em substituição, passemos a debruçar-nos sobre a qualificação jurídica desses factos e a determinação concreta da pena.
c) Da qualificação jurídica dos factos
O assistente, ora recorrente, defende a condenação de ambos os arguidos (em relação ao 1º arguido só na hipótese do êxito da impugnação da matéria de facto) pela prática, em co-autoria material, de um crime consumado de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo artº 137º, em concurso efectivo com um crime tentado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelos artºs 138º, 21º e 22º, todos do CP.
Não tem razão o assistente.
Não obstante o preenchimento de ambos os tipos legais de crime, estamos apenas perante a pluralidade das normas violadas e não a pluralidade de crimes praticados.
Portanto, o concurso é apenas aparente.
Na verdade, existindo uma relação da especialidade entre estes dois tipos legais, e tendo em conta a unicidade, demonstrada pela matéria de facto assente, da resolução criminosa, formada pelos arguidos, que se não renovou e dominou todo o processo de execução dos factos de agressão contra o assistente, os arguidos não merecem mais do que uma vez de censura.
Sendo o número de vezes de censura determinante do número de crimes, não estamos perante a pluralidade de crimes.
Ora, se os factos preenchem quer o tipo fundamental na forma consumada quer o tipo qualificado na forma tentada, a solução deve ser a punição pela pena mais severa.
Assim, é de optar in casu pela pena concreta a que corresponde o crime tentado de ofensa grave à integridade física, que obviamente se mostra concretamente mais severa, dada a manifesta superioridade do limite máximo da moldura penal prevista para a punição da tentativa desse crime qualificado em relação à moldura abstracta prevista para o crime consumado de ofensa simples à integridade física.
Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo ao condenar, como condenou o 2º arguido B pela prática de um crime tentado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelos artºs 138º, 21º e 22º, todos do CP,
Dada a modificação da matéria de facto em relação ao 1º arguido A, a mesma solução será imposta a este 1º arguido que deverá ser condenado nos exactos termos que o 2º arguido, ou seja, pela prática de um crime tentado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelos artºs 138º, 21º e 22º, todos do CP.
d) Da medida de pena.
Ora, não obstante a diminuição da garantia dos arguidos decorrente da privação de um grau de jurisdição, constituem jurisprudências dominantes neste TSI e no Venerando TUI a operações das regras de substituição na determinação da pena quando o arguido tiver sido absolvido na 1ª instância, mas condenado na 2ª instância.
Assim, identificado o tipo de crime por cuja prática devem ser condenados os arguidos e apurada a moldura penal aplicável, passemos a proceder à determinação concreta da pena.
Reza o artº 40º do CP que:
1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Do normativo do nº 1 decorre que os fins visados com a aplicação das penas são a prevenção geral e a prevenção especial.
Como se sabe, no nosso sistema penal, é à luz das ideias de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial positiva ou de socialização que se deve orientar a determinação concreta das penas.
A finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, assegura-se com a tutela dos bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária e da confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica, através do eficaz restabelecimento da paz jurídica abalada com a prática do crime.
Com a prevenção especial positiva ou de socialização visa-se ressocializar o agente, criando-lhe condições favoráveis para que possa preparar-se para no futuro não voltar a cometer outros crimes e manter uma vida honesta na comunidade.
O nº 2 alerta-nos para o princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, à luz do qual não se pode perder de vista que a medida da pena em caso algum pode exceder a medida da culpa e que o limite que a pena não pode ultrapassar serve de barreira intransponível às considerações preventivas.
O artº 65º do CP estabelece o critério para a determinação concreta de pena.
Diz o nº 1 que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, ao passo que o seu nº 2 impõe que sejam tidas em conta todas as circunstâncias, mas não só as que se encontram ali exemplificativamente previstas, mas também, as demais que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena.
In casu, o tipo legal do crime é a ofensa grave à integridade física, na forma tentada, cuja moldura abstracta é de 1 mês a 6 anos e 8 meses de prisão (artºs 138º, 22º/2 e 67º do CP).
Atendendo todas as circunstâncias em que actuaram os arguidos, nomeadamente, a actuação em co-autoria, o grau de violência bem demonstrado pelos factos materiais provados, os objectos utilizados nas agressões, as partes do corpo do ofendido atingidas e as lesões efectivamente produzidas na saúde do ofendido, cremos que a pena de um ano e nove meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido se revela desproporcionada à medida da culpa dos arguidos e inadequada para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, e sendo assim, carece de ser corrigida.
Para nós, justifica-se uma pena concreta de 3 anos de prisão, efectiva e não suspensa, por, dadas as circunstâncias particularmente censuráveis, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por razões que vimos supra quanto à legitimidade do assistente para recorrer da dosimetria da pena, esta pena por nós considerada equilibrada só se impõe ao 1º arguido, mas já não se opera em relação ao 2º arguido.
Resumindo e concluindo:
1. Diz-se erro notório na apreciação da prova o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
2. Existindo suficientes provas já constituídas e documentadas nos autos que tornam praticáveis a renovação da prova em sede de recurso pelo Tribunal de 2ª instância e a operáveis as regras de substituição, é de optar pela segunda resolução que tem a inegável vantagem de evitar, com todos os interesses à economia e celeridade processual, o desnecessário reenvio, nos termos recomendados pelo artº 415º/1 do CPP.
3. Se os factos preenchem quer o tipo fundamental na forma consumada quer o tipo qualificado na forma tentada, a solução deve ser a punição pela pena mais severa.
4. Como se sabe, no nosso sistema penal, é à luz das ideias de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial positiva ou de socialização que se deve orientar a determinação concreta das penas.
5. A finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, assegura-se com a tutela dos bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária e da confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica, através do eficaz restabelecimento da paz jurídica abalada com a prática do crime.
6. Com a prevenção especial positiva ou de socialização visa-se ressocializar o agente, criando-lhe condições favoráveis para que possa preparar-se para no futuro não voltar a cometer outros crimes e manter uma vida honesta na comunidade.
7. Por força do princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, cujo espírito está subjacente ao artº 40º/2 do CP, a medida da pena em caso algum pode exceder a medida da culpa e que o limite que a pena não pode ultrapassar serve de barreira intransponível às considerações preventivas.
8. À luz do artº 65º/1 do CP, a determinação concreta da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, por sua vez o seu nº 2 impõe que sejam tidas em conta todas as circunstâncias, mas não só as que se encontram ali exemplificativamente previstas, mas também, as demais que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena.
Decidindo:
III – Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento parcial ao recurso:
* Modificar a matéria de facto provada nos termos acima consignados;
* Revogar o Acórdão na parte que determinou a absolvição do 1º arguido A;
* Passar a condenar o 1º arguido A pela prática, em co-autoria material, de um crime tentado de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelos artºs 138º, 21º e 22º, todos do CP, na pena de três anos de prisão efectiva.
* Manter o Acórdão condenatório de 1ª instância, na parte não impugnada ou impugnada sem êxito.
Custas na proporção do decaimento.
Notificações e comunicações necessárias.
Passe mandados de detenção para a notificação e o cumprimento da pena.
RAEM, 20MAIO2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1097/2019-35