打印全文
Processo nº 205/2021
(Autos de recurso laboral)

Data: 20/Maio/2021

Recorrente:
- A (autor)

Recorrida:
- B, S.A. (ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos (doravante designado por “autor” ou “recorrente”) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da B S.A. (doravante designada por “ré” ou “recorrida”) no pagamento do montante de MOP$336,631.26, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$145,835.66, acrescida de juros moratórios à taxa de mora à taxa legal a contar da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o Autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância.
     2. Impõe-se, ainda, apreciar a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Recorrida numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial.
     3. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
     Em concreto,
     4. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença.
     5. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
     6. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado.
     7. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2).
     8. De onde, resultando provado que entre 05/07/2005 a 31/12/2008 (descontados os períodos de férias anuais e de dispensas ao trabalho) o Autor prestou para a Ré 167 dias de trabalho em dia de descanso semanal - e não só apenas 148dias de descanso semanal conforme resulta da Sentença - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$86.005,00, a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$38.110,00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
     Ao que acresce que,
     9. Resultando da factualidade assente que entre 01/01/2009 a 25/02/2009 o Autor prestou 7 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana e, bem assim, que entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado, e, sem que da mesma factualidade tenha resultado que o Autor tenha gozado algum dia de descanso compensatório (nem tal foi, de resto, alegado pela Ré), está o Recorrente em crer que, nos termos do art. 43º da Lei n.º 7/2008, se impunha ao Tribunal a quo condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$3.605,00 conforme reclamado em sede de Petição Inicial, e não só apenas a quantia de MOP$515,00, porquanto “a douta Sentença não tem factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constam da base instrutória” (cfr. neste exacto sentido, a recente Decisão tomada pelo douto TSI, autos de Recurso n.º 758/2020, para cuja douta fundamentação, com a devida vénia, mais desenvolvidamente se remete).
     10. A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
     11. De resto, sempre se sublinha que questão de todo idêntica à exposta foi recentemente apreciada pelo douto Tribunal de Segunda Instância, no âmbito dos autos de Recurso n.º 758/2020, para cuja douta fundamentação, com a devida vénia, mais desenvolvidamente se remete.
     Sem prescindir,
     12. Por dever de cautela de patrocínio, sempre se deixa dito que a conclusão a que o Tribunal a quo chegou ao fazer aplicação aos presentes autos do disposto no n.º 2 do art. 42º da Lei n. 7/2008, apenas se mostrava possível acaso a Ré tivesse feito prova (como lhe competia) do preenchimento de uma da(s) duas condições constantes do referido preceito legal.
     13. Acontece, porém, que nenhuma das referidas condições terá sido efectivamente demonstrada pela Recorrida no decorrer dos presentes autos, nem nenhuma da(s) mesma(s) condições terá resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento, razão pela qual em caso algum poderia o Tribunal a quo ter concluído pela condenação da Recorrida apenas na quantia indemnizatória de MOP$515,00, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
     14. A não se entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
     Por último,
     13. Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração.
     14. Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância – nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” – o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal – e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base.
     17. Em concreto, resultando provado que durante o período da relação laboral o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida durante 19 dias de feriados obrigatórios, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$14.677,50 a título do triplo do salário – e não só apenas de MOP$9.785,00, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se requer.
     Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual formuladas pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriado obrigatório, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a recorrida formulando as seguintes conclusões alegatórias:
     “I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita às fórmulas de cálculo seguidas pela douta decisão recorrida quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia de feriado obrigatório remunerado, alegando ainda que se impõe apreciar a interpretação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, por entender que, nesse particular, a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     II. Com o mui devido respeito, neste particular, nada há nada a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17º, 19º e 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e bem assim do disposto no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     III. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios remunerados à luz do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril nada há a apontar à Decisão Recorrida, que mais não é do que a fórmula que é sufragada pelo Tribunal de Última Instância.
     IV. Nos termos do preceituado no artigo 17º, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
     V. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
     VI. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da Lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
     VII. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
     VIII. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
     IX. Alega ainda o Recorrente, sem colocar em crise a matéria de facto dada por provada, que a Ré/Recorrida deveria ter sido condenada a pagar 167 dias de trabalho efectivo prestado ao sétimo dia no período entre 05/07/2005 a 31/12/2008 e não 148 dias o que se deveu a lapso da sentença quando o que resulta da matéria de facto dada como provada é que, naquele período, a Recorrente trabalhou 148 dias ao sétimo dia e que chegou com 30 minutos de antecedência aos 1040 turnos de sete dias cada um tal como resulta dos pontos 21 e 16 da matéria de facto dada como provada, devendo por isso também nesta parte o recurso improceder.
     X. Coloca ainda a Recorrente em crise a sentença na parte em que condenou a Ré ora Recorrida a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$515,00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) no período que decorreu entre 01/01/2009 a 25/02/2009 à luz da Lei n.º 7/2008, por entender que com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008, a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar uma compensação no valor de MOP$3.605,00 e não apenas MOP$515,00.
     
     XI. Uma vez que o Tribunal a quo só poderia aplicar aos presentes autos o disposto no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, se a Recorrida tivesse feito prova do preenchimento de uma da(s) duas condições constantes do referido preceito legal: isto é, desde que tivesse existido: i) acordo entre as partes; ou ii) quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável e que nenhuma das referidas condições terá sido efectivamente demonstrada pela Recorrida no decorrer dos presentes autos nem nenhuma das mesmas condições terá resultado do testemunho prestado em audiência de discussão e julgamento.
     XII. Como se refere no acórdão proferido pelo Venerado Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 988/2022, “(…) o acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável (…)” é “alegação no caso irrelevante, uma vez que nem era questão suscitada na p.i. nem é invocado este argumento na sentença recorrida. A solução do pedido de remuneração pelos dias de descanso semanal não gozados resulta da conjugação da matéria de facto (…)”, matéria de facto que nos presentes autos ficou provada e elencada no ponto n.º 20 em resposta dada ao quesito 14º.
     XIII. Como se decidiu no acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 988/2020, para o pedido de remuneração pelos dias de descanso semanal não gozados o que releva é o que resulta da conjugação da matéria de facto dada como provada e, nestes autos ficou provado no ponto 20 da matéria de facto dada por provada que o Autor/Recorrente, no período entre 05/07/2005 a 25/02/2009, prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno.
     XIV. Nada há a apontar à douta sentença proferida pelo Tribunal a quo porquanto, entre 01/01/2009 e 25/02/2009, tendo o Recorrente descansado vinte e quatro horas em cada oitavo, resulta que o Recorrente descansou, pelo menos, seis dias.
     XV. Assim, se o Recorrente entre 01/01/2009 a 25/02/2009 gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho remunerado em cada oitavo dia, após sete dias de trabalho consecutivos, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo, de compensar o Recorrente em 1 dia de remunerado de base acrescido de 1 dia de descanso compensatório não gozado, não poderia ter sido calculado de modo diferente.
     XVI. No que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 em 01/01/2009, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     XVII. Sendo que, nos termos do art.º 43º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo diploma que: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (…) 3) A prestação do trabalho seja indispensável para garantira a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e o direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 3. Para efeitos das alíneas 1) e 2) do número anterior, a opção por um dia de remuneração de base a auferir ou por um dia de descanso compensatório a gozar pelo trabalhador e a selecção do dia concreto desse descanso compensatório são feitas por acordo entre o empregador e o trabalhador e, na falta de acordo, fixadas pelo empregador, tendo em conta as exigências de funcionamento da empresa. (…) 5. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal».
     XVIII. No caso dos autos e, como supra se referiu, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitava dia como descanso semanal nos termos do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     XIX. Assim e face ao supra exposto, bem andou o douto Tribunal a quo ao atribuir ao Recorrente uma compensação de MOP515,00 correspondente a 1 dia de remuneração de base acrescido de 1 dia de descanso compensatório não gozado, no período entre 01/01/2009 e 25/02/2009, pelo que também nesta parte o recurso terá que improceder.
     XX. Do mesmo modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 20º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito a uma compensação equivalente ao dobro desse salário e não ao triplo, como pretende o Recorrente.
     XXI. Aliás, neste sentido vai o Venerando Tribunal de Última Instância nas decisões proferidas nos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007, para cuja fundamentação se remete e de onde resulta claramente que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição.
     XXII. O Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, pelo que o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório.
     XXIII. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
     Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
O Autor foi recrutado pela C, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (C)
Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (D)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. (E)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (F)
Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente durante o período entre 05/07/2006 a 29/07/2006, 11/01/2007 a 12/01/2007, 04/06/2007 a 05/07/2007 e, 05/08/2008 a 02/09/2008. (1.º)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (2.º)
Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º)
Entre 05/07/2005 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante 19 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes: (4.º)
FERIADOS
ANOS

2005
2006
2007
2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
3
3
NOVO CHINÊS




1 DE MAIO
0
1
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
1
    Entre 05/07/2005 a 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (5.º)
    Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (6.º)
    A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (7.º)
    Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (8.º)
    Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (9.º)
    Entre 05/07/2005 a 31/12/2008, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 1040 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (10.º)
    Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, o Autor compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início dos 49 dias/turnos de trabalho efectivo que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (11.º)
    A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (12.º)
    A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (13.º)
    Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (14.º)
    Entre 05/07/2005 a 31/12/2008, o Autor prestou 148 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (15.º)
    Entre 05/07/2005 a 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (16.º)
    Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (17.º)
    Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, o Autor prestou 7 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (18.º)
    Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (19.º)
    Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) nunca concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (20.º)
Resulta do Contratos de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor prestou trabalho para a Ré que: “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, a Ré) paga aos operários residentes no Território”. (21.º)
Desde 31/03/2002 a Ré paga de forma regular e periódica aos trabalhadores guardas de segurança residentes uma determinada quantia por mês, a título de gorjetas ou tips. (22.º)
A distribuição das referidas gorjetas ou tips pelos seus funcionários obedece a um esquema desde 31/03/2002, denominado por “Distribution policy”. (23.º)
Entre 05/07/2005 a 25/02/2009, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações, remunerações adicionais, gorjetas ou tips. (25.º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (26.º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M
Entende o autor ora recorrente que o trabalho prestado em dias de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
Embora não seja entendimento unânime deste TSI, mas julga-se assistir razão ao autor.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma maioritária neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que aufiram salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No que toca ao número de dias em que o autor deixou de gozar descanso semanal, provado ficou que entre 5/7/2005 e 31/12/2008, são apenas 148 dias, pelo que não merece reparo a sentença recorrida quanto a esta parte.
Nesta conformidade, por o autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP76.220,00, devida a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal.
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito da Lei n.º 7/2008
No caso presente, ficou provado o seguinte:
- Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (em cada período de sete dias); (resposta ao quesito 17º)
- Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, o Autor prestou 7 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana; (resposta ao quesito 18º)
- Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo; (resposta ao quesito 19º)
- Entre 01/01/2009 a 25/02/2009, a Ré (B) nunca concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana; (resposta ao quesito 20º)
- Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (alínea E) dos factos assentes)
Determina a alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008 que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório e auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Face à matéria acima descrita, dúvidas de maior não restam de que, tendo o autor prestado trabalho nos dias de descanso semanal e não tendo a entidade patronal, ora Ré, pago o respectivo acréscimo salarial nem o descanso compensatório, o autor tem direito a receber a compensação pecuniária prevista nos termos do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008.
Isto posto, verificando-se que, durante o período compreendido entre 01/01/2009 e 25/02/2009, o Autor tinha direito a 7 dias de descanso semanal, feitas as contas, este tem direito a receber MOP$3.605,00 (HKD250,00x2x7x1.03).
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M
Sobre a questão em apreço, entende-se que tendo o trabalhador prestado trabalho nos dias de feriado obrigatório, tem direito a receber três dias de valor pecuniário, para além do já recebido a título de salário, no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M.
Aliás é esta, embora não unânime, a posição jurisprudencial maioritária neste TSI.
Desta forma, por o autor ter direito a receber, por cada dia de feriado obrigatório não gozado, o triplo da retribuição normal, para além do salário em singelo já recebido, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a Ré B condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP14.677,50, devida a título de trabalho prestado em dias de feriado obrigatório.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente A (Autor) e, em consequência, revogar a sentença na parte respeitante às compensações do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado obrigatório, nos termos acima consignados.
Custas pelo recorrente e recorrida, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
***
RAEM, 20 de Maio de 2021
   Tong Hio Fong
Declaração de voto vencido
Para o trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que consiste na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 5/7/2005 e 31/12/2008 o Autor já recebeu da Ré B o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá direito a receber apenas mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o Autor estará a ser pago pelo quádruplo.
Por outro lado, conforme o previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalhador tem direito a um acréscimo de dois dias de salário, para além do singelo. Tendo o Autor recebido, durante a aquele período, o salário diário em singelo, terá agora apenas direito a receber mais 2 dias de salário.
Pelo que não merecem, a meu ver, reparo as fórmulas aplicadas pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado obrigatório, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.
   Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
   Lai Kin Hong



Recurso Laboral 205/2021 Página 13