Processo nº 109/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)
Data do Acórdão: 13 de Maio de 2021
ASSUNTO:
- Imposto Complementar de Rendimentos
- Caducidade do direito à liquidação
- Artº 55º do RICR
- Actos Pressupostos ou Preparatórios
SUMÁRIO:
- É de caducidade o prazo do artº 55º do RICR.
- A liquidação do imposto complementar de rendimentos quando precedido de fixação da matéria colectável pela Comissão de Fixação só pode realizar-se depois de decorrido o prazo do nº 2 do artº 44º do RICR ou após a decisão da Comissão de Revisão.
- Se a decisão da Comissão de Revisão vier a ser anulada por decisão judicial apenas se poderá praticar novo acto administrativo tributário de fixação da matéria colectável se ainda não houver decorrido o prazo de caducidade do artº 55º do RICR.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 109/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)
Data: 13 de Maio de 2021
Recorrente: A Limited
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A Limited, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso da Deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 7 de Dezembro de 2018 que indeferiu a reclamação da ora Recorrente contra a fixação do rendimento colectável do ano de 2011 e condenou a Recorrente no pagamento das custas no valor de 0,005% do imposto liquidado, contra
Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças.
Foi proferida sentença na qual foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. No contencioso tributário assim como no contencioso comum dos actos administrativos, vigora o princípio de impugnação unitária nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que é acto de liquidação de imposto, por ser um acto que “afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definido os seus direitos e deveres” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, pp.467).
2. No entanto, nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um imposto, existem os actos preparatórios destacáveis que condicionam irremediavelmente o acto de liquidação e que conferem ao interessado a faculdade de impugnação contenciosa autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deva proferir a decisão final.
3. É o que se verifica com a impugnação do acto de fixação da matéria colectável, que, sendo cronologicamente antecedente ao acto final de liquidação, determina os pressupostos deste, e cuja impugnação contenciosa autónoma esteja expressamente prevista na lei, nomeadamente, nos termos do artigo 80.º do RICR.
4. Existem 2 actos: o lançamento (fixação do rendimento colectável) e a liquidação.
5. A contribuinte reclamou do lançamento e o artigo 44º/3 fala em efeito suspensivo, que não se repercute no artigo 55º/1 do RICR.
6. No caso, a última notificação foi feita em 13/11/2018 (acerca da deliberação da Comissão de Revisão, que negou provimento à reclamação deduzida pela Recorrente), entendemos que a liquidação foi feita fora do prazo referido no artigo 55º do RICR, já depois de a faculdade de liquidar o imposto ter caducado.
7. Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
8. Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
9. Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extinguese directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
10. O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
11. Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
12. Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR. (Sublinhado nosso)
13. Com efeito, a fase do lançamento, liquidação e cobrança do imposto só tem lugar após a determinação (definitiva) do rendimento colectável.
14. Pelo que, tendo a Recorrente sido notificada em Janeiro de 2019 do acto definitivo de fixação do rendimento colectável, não foi manifestamente possível à Administração Fiscal a realização da liquidação desse imposto dentro do prazo de caducidade de 5 anos previsto no artigo 55.º do RICR.
15. É de ver que, quando foi feita a liquidação e a respectiva notificação, já passou o prazo de 5 anos, ou seja, já caducou o direito de liquidação estatuído no artigo 55º/1 do RICR, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente anulação da sentença recorrida do TA, da deliberação da Comissão da Revisão e também do acto tributário impugando por a liquidação ter sido feita depois de caducidade fixada no artigo 55º/1 do RICR.
16. Perante os elementos existentes nos autos, não temos qualquer margem de dúvida de que já se caducou o direito de liquidação e sendo esta caducidade de conhecimento oficiosa (por ser matéria excluída da disponibilidade das partes - cfr. nº 1 do artº 325º do C.C.), então não há utilidade prática da manutenção do acto de fixação do rendimento colectável, sendo este como acto preparatório ou pressuposto do acto de liquidação.
17. É certo que a lei só prevê a caducidade da liquidação e não prevê a caducidade da fixação do rendimento colectável.
18. Contudo, sendo a fixação do rendimento colectável como acto preparatório ou pressuposto da liquidação, por coerência e lógica do sistema, a mesma também tem de ser feita, pelo menos, antes do prazo da caducidade legalmente prevista para o acto de liquidação.
19. Ou seja, o prazo de 5 anos para a caducidade da liquidação previsto no artº 55º do RICR também se aplica ou reflecte, na prática, para o acto de fixação de rendimento colectável.
20. O decurso do prazo da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR pode servir como fundamento do recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável.
21. Com a anulação do acto de fixação de rendimento anterior por decisão judicial, o acto de liquidação inicialmente feita com base naquele acto também deixou de existir, pois, o acto consequente do acto anulado é nulo - cfr. al. i) do nº 1 do artº 122º do CPA.
22. Assim, a Entidade Recorrida ao praticar o novo acto de indeferimento da reclamação apresentada pela Recorrente, está a praticar um novo acto de fixação de rendimento colectável referente ao exercício de 2009, o que já passou o prazo de 5 anos da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR.
23. Não podendo a liquidação ser feita depois do decurso do prazo da caducidade de 5 anos, muito menos pode o fazer para o acto de fixação do rendimento colectável, tendo em conta a relação intrínseca desses dois actos, bem como a coerência e lógica do sistema legal.
Sem prescindir,
24. A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual “foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
25. A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
26. No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: “foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente - ou seja, existe alguma margem de discricionaridade.
27. Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
28. Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
29. Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou “factos supervenientes” em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
30. Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões H), Q), U), AA) e CC).
31. Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo YYY não foi sua.
32. Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
33. Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
34. A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
35. As quatro funções do dever de fundamentar os actos administrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
36. O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
37. Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a “nova fundamentação” do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
38. A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
39. Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
40. Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
41. Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
42. Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
43. O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética nãodiscricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
44. O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
45. A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
46. Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 26 de Julho de 2012 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 7 de Dezembro de 2019 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
47. E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP23,082,794.00 declarado pela Recorrente para MOP298,659,219.00 fixado pela Recorrida.
48. Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
49. O segmento decisório: “É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação”, aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
50. Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
51. O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
52. No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
53. Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
54. A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
55. Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
56. Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a YYY “como situações diferentes” da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
57. Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
58. Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
59. Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados corno justificação.
60. O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [ ... ] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
61. A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a YYY.
62. Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
63. Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela YYY uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre YYY e Recorrente.
64. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
65. Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal- pois conforme se disse, caso a YYY não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
66. A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
67. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à YYY a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, “relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”.
68. A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento “relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da YYY, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28º da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011.”
69. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que “o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela YYY. A YYY paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos.”
70. Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a YYY não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei nº 12/2003)
71. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
72. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
73. O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
74. Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
75. O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
76. O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
77. Quando o mesmo fado tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
78. Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
79. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as “receitas brutas da exploração do jogo”
80. A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
81. O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
82. O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei nº. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
Admitido o recurso foi a entidade Recorrida notificada para os termos do mesmo, vindo esta apresentar as suas contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 223 a 229 dos autos, a qual julgou totalmente improcedente o recurso apresentado pela recorrente na sequência da deliberação da CRIC que negou provimento a reclamação relativa à fixação do seu rendimento colectável do exercício de 2011 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
2. A recorrente fundamenta o seu recurso na caducidade do direito à liquidação, no vício de violação de lei da sentença recorrida, por falta de especificação dos factos provados, violação do dever de fundamentação e errada interpretação do conceito de proibição da dupla tributação, insistindo ainda nos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do acto administrativo recorrido e não devidamente apreciados pela sentença em crise.
3. Alega ainda o tratamento discriminatório da recorrente em relação às suas congéneres comerciais, sendo que, tudo somado, deveria dar lugar à revogação e substituição da sentença recorrida, proferindo-se “outra que anule o acto administrativo recorrido”.
4. O que está em causa no presente processo é o acto administrativo da autoria da Comissão de Revisão, que procedeu à revisão da fixação do rendimento colectável para o exercício de 2011, não tendo essa Comissão efectuado a liquidação do imposto, que é da competência do Director da DSF.
5. A Comissão de Revisão não se debruçou pois sobre matérias próprias da liquidação e não conheceu, nomeadamente, de uma hipotética caducidade do direito á liquidação.
6. Conforme o n.º 1 do artigo 55.º do RICR, aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro, cuja epígrafe é “prescrição” (muito embora o que ali se prevê é um prazo de caducidade) “a liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.”
7. Este prazo de caducidade reporta-se ao direito de liquidação do imposto e portanto, a inobservância desse prazo apenas pode gerar a ilegalidade do acto de liquidação e não já do acto de fixação da matéria colectável, pressuposto daquele, e único que se encontrava sob impugnação contenciosa no processo que motivou o presente recurso.
8. A ter-se verificado a alegada caducidade do prazo de 5 anos para a liquidação do imposto, esse vício só pode servir de fundamento em sede da impugnação anulatória do acto final de liquidação.
9. Ainda assim, a considerar-se que a questão da caducidade pode servir de fundamento à impugnação contenciosa do acto de fixação da matéria colectável, deveria ainda assim ser julgado improcedente o vício da caducidade do direito à liquidação, uma vez que o novo acto da Comissão de Revisão foi praticado em execução de sentença anulatória do acto anterior, que o agora impugnado renovou.
10. Com efeito, tal deliberação foi feita no seguimento da sentença de 13 de Novembro de 2018 do Tribunal Administrativo, no Processo n.º 2442/17-CF, que anulou a anterior deliberação da CRIC apenas com base em vício de forma (violação do dever de fundamentação) pelo que a execução do julgado anulatório se traduziu na prolação de um novo acto, expurgado do vício que determinou a anulação.
11. Durante o período de execução espontânea a que se refere o artigo 174.º do CPAC, na sequência da anulação do acto tributário, a Administração fiscal tem o poder de praticar um novo acto, nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
12. A prática desse novo acto rege-se pelas regras próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória e portanto, o prazo do exercício do direito por parte da administração a considerar não é aquele a que alude o n.º 1 do artigo 55.º do RICR, mas antes o de 30 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do CPAC que, no caso, foi observado pela Administração, com a nova deliberação da CRIC datada de 1 de Fevereiro de 2019.
13. O Tribunal a quo não atendeu aos “novos” fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, que se consubstancia num despacho proferido pelo Director dos Serviços de Finanças em que a posição da recorrida era alegadamente coincidente com a que a recorrente tem defendido.
14. Com efeito, o seu pedido de ampliação objectiva da instância feito nas alegações facultativas, onde acrescentou novos fundamentos invalidantes do acto resultantes de um suposto conhecimento superveniente de um despacho do Sr. Director da DSF, não era de conhecimento superveniente, violando pois o n.º 3 do artigo 68.º do C.P.A.C.
15. Desatendidos os fundamentos invocados pela recorrente em sede de alegações facultativas, não existe qualquer violação da lei processual, quer quanto aos factos provados, quer quanto à inadmissibilidade de novos fundamentos do recurso.
16. O acto administrativo recorrido encontra-se devidamente fundamentado dado que da deliberação da CRIC constam as razões de facto e de direito da tributação dos rendimentos da recorrente, tudo em obediência ao artigo 115.º do CPA.
17. A exigência de fundamentação visa efectivamente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação.
18. A ora recorrente, após ter sido notificada da fixação, apresentou reclamação, (e até o presente recurso) daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de complementar de rendimentos.
19. No entanto, a discordância do particular com os fundamentos não significa que haja violação do dever de fundamentação. De facto, o que o dever de fundamentação do acto administrativo exige é que a Administração baseie a sua decisão num discurso lógico- formal, sem contradições nem ambiguidades independentemente da veracidade dos fundamentos.
20. Do circunstancialismo assente, a Administração Tributária esclareceu o contribuinte do itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a tributação.
21. Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
22. Tratamento discriminatório por não ter um regime fiscal idêntico ao das suas concorrentes, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a YYY, pelo que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor das outras que se encontram em situação idêntica.
23. A recorrente poderia ter impugnado os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação do pressuposto, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida, mas a verdade é que continua a não invocar a seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
24. O regime da Lei nº 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28º, que se refere às concessionárias, e o artigo 29º, que se refere aos promotores de jogo.
25. Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da YYY que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
26. Tudo depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas, faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes. O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
27. O Princípio da Igualdade (e os aqui consequentes Princípios da Justiça e da Imparcialidade) pressupõe que a situações iguais seja dado tratamento igual; mas também exige que a situações diferentes seja dado tratamento diferente.
28. Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
29. Na verdade, quer no processo tributário, quer agora em sede de recurso, a pretensão da recorrente baseia-se, como já se disse, não em qualquer norma que pudesse invocar para que lhe fosse reconhecida a isenção dos seus rendimentos mas apenas na isenção que foi concedida aos rendimentos da sua co-contratante, a YYY, sustentando a sua pretensão no relatório dos auditores mas escusando-se a invocar qualquer das normas de isenção da Lei nº 16/2001 para corroborar a fundamentação contabilística daqueles.
30. Ora, facilmente se conclui, como na sentença recorrida, que não cabendo os rendimentos da recorrente em norma que os isente, estão os mesmos sujeitos a tributação sobre os lucros liquidados derivados do exercício de actividade comercial e calculado nos termos legais do ano económico em causa.
31. Existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem - nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada - rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a YYY, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
32. Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
33. Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28º da Lei nº 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.
Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este foi emitido o seguinte parecer que:
«1.
A Limited, sociedade comercial melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 7 de Dezembro de 2018, (acto recorrido) que não atendeu à reclamação em que a Recorrente solicitou a revisão da matéria colectável referente ao exercício de 2011, mantendo a mesma em MOP$298,659,219.00, e aplicou o agravamento a título de custas de 0.005% sobre a colecta de MOP$33,069,171.00.
Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e que se encontra a fls. 223 a 229 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformada, veio a recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância.
2.
2.1.
2.1.1
A primeira questão que a Recorrente pretende ver apreciada é uma questão nova que não foi suscitada na petição inicial do recurso contencioso e que é a de saber se o acto recorrido enferma de invalidade decorrente de a liquidação ter sido efectuada depois do decurso do prazo de caducidade de 5 anos a que se refere o artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro.
A nosso ver, esta questão não pode ser conhecida no presente recurso jurisdicional, por isso que é uma questão nova que não foi suscitada no momento próprio e que não nem tinha de ser conhecida pelo Tribunal a quo.
A isto contrapõe a Recorrente, louvando-se em jurisprudência desse Tribunal de Segunda Instância, que a dita questão é de conhecimento oficioso não havendo, por isso, obstáculo ao respectivo conhecimento em sede de recurso.
Trata-se, com todo o respeito o dizemos, de um equívoco.
O recurso contencioso é, todos o sabemos, um recurso de legalidade que tem por finalidade a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência de um acto administrativo (artigo 20.º do CPAC).
Portanto, no recurso contencioso, em princípio e tirando os casos da inexistência jurídica, o Tribunal apenas conhece vícios geradores de nulidade ou de anulabilidade do acto impugnado.
O tribunal não conhece da caducidade enquanto tal nem declara a extinção de direitos com base na apreciação que faça da ocorrência ou não da caducidade.
No caso da caducidade do direito à liquidação do imposto complementar, o tribunal está, pois, limitado a conhecer da ilegalidade que afecta uma liquidação que foi efectuada depois do decurso do prazo de caducidade.
Um acto de liquidação de imposto complementar que seja efectuado ou notificado, pouco importa para o caso, depois do prazo previsto no artigo 55.º do RICR será ilegal, padecerá do vício de violação de lei. Não pode, sobre isto existir qualquer dúvida.
A questão, no entanto, não é essa. É, antes, a de saber se essa ilegalidade gera a nulidade do acto de liquidação, caso em que será de conhecimento oficioso ou se implica a sua mera anulabilidade, caso em que, como se sabe, está sujeita a invocação do interessado.
Os actos nulos são aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade. São designadamente nulos os actos enquadráveis em alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)
Manifestamente, o acto que liquida imposto em violação da norma do artigo 55.º do RICR não é um acto nulo, uma vez que não lhe falta nenhum dos elementos essenciais nem é enquadrável em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 122.º do CPA. Além disso, não há norma especial que preveja tal nulidade.
Daí que, por força do disposto no artigo 124.º do CPA, se imponha a conclusão de que tal acto de liquidação, a considerar-se que viola a lei, é meramente anulável. Por isso, o tribunal não possa conhecer oficiosamente do vício gerador de tal anulabilidade.
Isto que dizemos não é, como se saberá, uma originalidade. Bem pelo contrário, aliás. Trata-se de um entendimento jurisprudencial que, perante dados normativos em tudo idênticos aos que entre nós vigoram, incluindo norma em tudo idêntica à do artigo 325.º do Código Civil, é, há muitos anos, pacífico ou, pelo menos, largamente dominante (assim, entre outros, os seguintes acórdãos do pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 18.06.2003, no recurso n.º 503/03; de 7.7.2004, no recurso n.º 546/02; de 18.05.2005, no recurso n.º 1178/04 e os acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 12.10.2001, recurso nº 633/05, de 2.11.2005, no recurso n.º 361/05; de 18.01.2006, no recurso n.º 680/05; de 29.10.2008, no recurso n.º 458/08; de 13.05.2009, no recurso n.º 264/09, de 25.11.2009, recurso 761/09, e de 25.01.2012, recurso 1018/11 e de 29.9/2012, recurso 251/12 todos disponíveis em www.dgsi.pt).
A ilegalidade decorrente da violação da norma do artigo 55.º do RICR não, pois, de conhecimento oficioso e, como tal, em nosso modesto entendimento, não pode esse Tribunal dela conhecer.
2.1.2.
Se assim se não entender, cremos que a dita ilegalidade não ocorre.
Brevitatis causa diremos sobre isso apenas o seguinte.
A ilegalidade decorrente do exercício do direito à liquidação fora de prazo não afecta nem pode afectar a legalidade do acto que indeferiu o pedido de revisão da fixação da matéria colectável, por se tratar de um vício próprio do acto de liquidação. A inobservância do prazo de caducidade apenas pode gerar a ilegalidade do acto liquidação; não do acto de fixação da matéria colectável, pressuposto daquele, e único que nos presentes autos se encontra sob impugnação contenciosa.
Por outro lado, o acto recorrido foi praticado na sequência de uma decisão judicial anulatória de um anterior acto de revisão da fixação da matéria colectável, constituindo, portanto, um acto renovador do acto anulado.
Ora, durante o período de execução espontânea a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), na sequência da anulação de um acto tributário, a Administração Fiscal tem o poder de praticar um novo acto, nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
Como é evidente, a prática desse novo acto rege-se pelas regras próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória, pois que ele não representa, em primeira linha, o exercício do poder autónomo de praticar actos tributários ou em matéria tributária, esse teve lugar quando da prática do acto anulado, mas, antes, do poder-dever de executar as decisões judiciais anulatórias que flui do n.º 1 do artigo 174.º do CPAC.
Este entendimento que nos parece que se impõe com meridiana clareza tem também sido seguido na jurisprudência comparada que nos é próxima (veja-se, por mais recente, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 12.2.2020, processo n.º 188/14.3BEAVR, em cujo sumário se pode ler: «ocorrendo anulação do acto de liquidação, a AT não está impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado»).
Compreende-se, aliás, que assim seja, sob pena de as inevitáveis delongas processuais reverterem, sem qualquer razão substancial, em grave prejuízo para o interesse público e em injustificado benefício para os interesses particulares dos contribuintes.
Donde, o prazo do exercício do direito à liquidação do imposto por parte da Administração a considerar, quando esteja um acto renovador de um acto judicialmente anulado, não ser aquele a que alude o n.º 1 do artigo 55.º do RICR (a não ser que este ainda se mostre esgotado) mas, antes, o de 30 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do CPAC.
Por esta dupla ordem de razões, que temos por evidentes, dizemo-lo com todo o respeito, continuamos a pugnar no sentido no sentido de que o acto recorrido não enferma do vício de violação da norma do artigo 55.º do RICR.
2.2.
Sobre o remanescente das alegações do recurso interposto diremos que a sua improcedência é manifesta.
A sentença recorrida não padece do vício de falta de especificação de factos provados. Dela constam todos os factos relevantes para a decisão da causa e, por outro lado, não se verifica qualquer omissão de pronúncia na exacta medida em que nenhuma das questões relevantes a decidir ficou por apreciar.
Por outro lado, salvo respeito, a Recorrente labora em manifesta confusão e equívoco que faz com que as respectivas alegações, aqui e ali, toquem a figura da ininteligibilidade.
Seja como for, parece inequívoco, pelo menos para nós, que, em bom rigor, a Recorrente não invoca em favor da sua posição qualquer norma fiscal relevante, seja norma de incidência positiva seja norma de incidência negativa. O que alega, se bem interpretamos, é que a Administração Fiscal não tratou os seus rendimentos do mesmo modo que tratou os rendimentos de outras contribuintes em situação em tudo idêntica à sua.
Ora, a obrigação tributária é uma obrigação ex lege e não ex voluntate, o que quer dizer que a obrigação nasce pela mera concretização de um dado pressuposto legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte (cfr., nestes termos, SÉRGIO VASQUES, Manual…, p. 420).
Olhando para a situação em apreço, não parece que possam suscitar-se grandes dúvidas quanto à verificação dos pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar tal como se encontram legalmente definidos.
Na verdade, é incontroverso que a Recorrente é uma pessoa colectiva (sociedade comercial) que, no exercício correspondente ao ano de 2011, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial que aqui desenvolveu, pelo que, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR, estão preenchidos aqueles pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar (sempre se diga que a ora Recorrente é, fora de dúvida, uma empresária comercial e a actividade que desenvolveu e da qual provieram os rendimento tributados é uma actividade comercial, nos termos resultantes do disposto nos artigos 1.º, alínea b), 2.º, n.º 1 e 3.º do Código Comercial. Tanto assim que apresentou em devido tempo a sua declaração de rendimentos para efeitos de imposto complementar modelo M/1).
Não se vislumbra, por outro lado que a Recorrente se enquadre em qualquer previsão normativa que consagre uma isenção fiscal. Nomeadamente, a Recorrente não se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), pois que esta apenas abrange as concessionárias da exploração de jogo de fortuna ou azar, qualidade que a Recorrente manifestamente não detém, nem se enquadra em qualquer das alíneas elencadas no artigo 9.º do RICR, nomeadamente na da alínea e) do seu n.º 1.
Como assim, verificando-se os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar e não havendo norma legal que imponha ou permita a isenção da tributação, estava a Administração Fiscal, por força do princípio da legalidade administrativa consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, obrigada a fixar a matéria colectável com vista à subsequente liquidação do imposto devido nos termos em que o fez.
É certo que, na fundamentação do acto recorrido, a Administração Fiscal faz apelo a outras considerações para além destas que referimos, todavia, como bem salientou a douta decisão recorrida, ainda que se considerasse que, em relação a esses fundamentos, a Administração Fiscal actuou em erro, nem por isso a consequência seria a da anulação do acto recorrido. É que, estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (neste sentido, pode ver-se, na jurisprudência comparada, o Ac. do STA de 5.5.2007, processo n.º 0730/06, disponível em www.dgsi.pt).
A circunstância de a Administração Fiscal, alegadamente, não ter seguido, no caso da Recorrente o entendimento que anteriormente definira para casos semelhantes, não gera a ilegalidade do acto recorrido, quando se constata que este resultou de uma correcta aplicação vinculada da lei.
Aliás, as isenções fiscais, por isso que representam despesa fiscal, estão sujeitas ao princípio da legalidade e, portanto, a Administração só pode isentar um contribuinte do pagamento de imposto quando, em relação a ele se verifiquem, os pressupostos legais para conceder tal isenção (neste mesmo sentido de que a Administração carece de lei habilitante para poder isentar os contribuintes de impostos ou de taxas, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 22.6.2016, processo n.º 20/2016). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso presente, isto é, não se verifica que a Recorrente preencha pressupostos legalmente previstos de qualquer isenção fiscal de imposto complementar de rendimentos, pelo que resulta deslocada, com todo o respeito o dizemos, a invocação dos princípios gerais da actuação administrativa, nomeadamente o princípio da igualdade, para, com base numa alegada violação dos mesmos, sustentar a ilegalidade do acto recorrido (de resto, como é sabido e tem sido continuamente reafirmado pelos nossos tribunais, a violação de tais princípios só assume relevância autónoma quando está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração, o que, no caso, não sucede: entre muito outros e por último, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
Ainda que a Administração Fiscal tenha reconhecido a isenção de tributação em sede de imposto complementar relativamente a rendimentos remuneratórios obtidos por outras sociedades comerciais no âmbito de contratos de tais sociedades celebrados com a YYY e em tudo idênticos àquele que foi celebrado entre esta e a Recorrente, é pacífico que esta nunca poderia fundar aí a sua pretensão impugnatória na exacta medida em que, a ser assim, aquele alegado reconhecimento sempre estaria ferido de ilegalidade, ao invés, como vimos, do que sucede com o acto recorrido.
2.3.
Do que antecede já resulta que, para nós, a alegação de que a douta decisão recorrido apreciou mal o vício de falta de fundamentação do acto recorrido é destituída de qualquer sentido.
O acto é profusamente fundamentado, elencando como a lei impõe as razões de facto e de direito que o justificaram e por isso bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar improcedente tal vício.
2.4.
A última questão suscitada pela Recorrente é a da alegada violação do princípio da proibição da dupla tributação.
A verdade é que, como bem se decidiu no Tribunal a quo, tal ilegalidade inexiste.
A dupla tributação distingue-se da duplicação de colecta na medida em que, nesta ocorre a aplicação repetida da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, ou seja, exige-se do contribuinte o pagamento de um imposto que este, ou um terceiro, já pagou e naquela, são várias as normas de incidência que se aplicam ao mesmo facto tributário, sendo que, em abstracto, a dupla tributação não só não é ilegal como pode até ser desejada pelo legislador (neste sentido, cfr. o Ac. do STA de 12.7.2006, processo n.º 126/06, disponível em www.dgsi.pt).
Portanto, ao contrário do que parece ser o douto entendimento da Recorrente, a chamada dupla tributação, diferentemente do que sucede com a duplicação de colecta, que, no caso não foi alegada nem ocorre, dada a falta da identidade do imposto, não é geradora da ilegalidade do acto tributário (apesar de, entre nós, estar prevista expressamente como fundamento de oposição à execução fiscal, na alínea d) do artigo 169.º do Código das Execuções Fiscais, deve entender-se que a duplicação de colecta pode constituir vício gerador da anulabilidade da liquidação e, portanto, fundamento de recurso contencioso desse acto, veja-se, na jurisprudência comparada portuguesa, entre outros, o Ac. do STA de 8.7.2009, processo n.º 530/09, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
É certo que a tributação da YYY pelas receitas da exploração de jogo de fortuna ou azar em sede de imposto especial sobre o jogo e a tributação da ora Recorrente em sede de imposto complementar de rendimentos por uma remuneração derivada daquelas receitas, pode consubstanciar uma situação de dupla tributação económica, já que existe tributação do mesmo rendimento e relativamente ao mesmo período de tempo na esfera de dois sujeitos passivos diferentes, mas, como se disse, a dupla tributação seja económica seja jurídica não gera, por si, a ilegalidade da liquidação de um imposto nem, anteriormente, da fixação da matéria colectável.
De resto, a existência da previsão constante do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (cujo teor é o seguinte: «Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos») é demonstração bastante de que, em princípio, não há obstáculo legal à tributação de rendimentos em sede de imposto especial sobre o jogo e de imposto complementar de rendimentos, na medida em que o mecanismo de eliminação da tributação do mesmo sujeito passivo através de impostos diferentes mas incidentes sobre o mesmo rendimento ali contemplado não é de funcionamento automático, antes depende de uma apreciação casuística e justificada com base no concreto interesse público.
Por isso, também neste particular nos parece que decidiu bem o Meritíssimo Juízo do Tribunal Administrativo.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.».
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre assim apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença recorrida e dos elementos constantes dos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
➢ A Recorrente é uma sociedade comercial que tem por objecto o investimento em hoteleira e gestão hoteleira (conforme consta de fls. 76 a 81 dos autos).
➢ A Recorrente dedica-se à exploração do Hotel B, na Rua de ......, n.ºs ..., ..., ... e ..., Edif. “Hotel B”, em Macau. (conforme consta de fls. 74 a 81 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a Yxx Yxx Yxx, S.A. (conforme consta de fls. 82 a 94 e 95 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 26 de Julho de 2012, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2011 (conforme consta de fls. 52 a 67v do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no montante de MOP23,082,794.00 (ibid).
➢ Em 12 de Maio de 2016, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP298,659,219.00, e em 15 de Agosto de 2016, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 28 e 32 do P.A.).
➢ Em 11 de Agosto de 2016, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitida à Recorrente o mandado de notificação em 8 de Novembro de 2016 (conforme consta de fls. 26 e 30 do P.A.).
➢ Em 2 de Setembro de 2016, a Recorrente reclamou contra a supradita decisão da Comissão de Fixação junto da Comissão de Revisão (conforme consta de fls. 103 a 105 do P.A.).
➢ Em 17 de Outubro de 2016, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2011 o rendimento colectável de MOP298,659,219.00 (conforme consta de fls. 102 e v do P.A.).
➢ Em 26 de Junho de 2017, a recorrente interpôs o recurso contencioso da referida deliberação no Processo n.º 2442/17-CF (conforme consta de fls. 132v dos autos).
➢ Em 13 de Novembro de 2018, a referida deliberação foi anulada pelo Tribunal pela violação do dever de fundamentação consagrado no art.º 115.º, n.º 2 do CPA (conforme consta de fls. 131 a 135v dos autos).
➢ Em 7 de Dezembro de 2018, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2011 o rendimento colectável de MOP298,659,219.00, com aplicação do agravamento de 0.005% sobre a colecta (conforme consta de fls. 2 a 3 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 1 de Fevereiro de 2019, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
b) Do Direito
Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente invocar a caducidade do direito à liquidação e consequentemente a caducidade do direito a praticar o acto de fixação da matéria colectável pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 7 de Dezembro de 2018.
A questão da caducidade agora em apreciação apenas foi suscitada pela Recorrente em sede de alegações facultativas.
Sobre essa matéria pronunciou-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
«Cumpre pronunciar, desde logo, quanto à admissibilidade da invocação de novos fundamentos de recurso pela Recorrente nas alegações facultativas.
Para o efeito, alegou a Recorrente o conhecimento superveniente do despacho proferido pelo Director dos Serviços de Finanças, constante do documento que foi junto a fls. 183 dos autos em 19 de Novembro de 2019, onde a Entidade recorrida clarificou a a posição defendida pela Recorrente.
Aproveitando o conhecimento deste facto, a Recorrente aditou os novos vícios de ilegalidade na parte das conclusões, como a prescrição da liquidação, a extinção do direito de fixação do rendimento e a omissão de pronúncia.
Ora bem, constituem fundamentos de recurso contencioso de anulação os vícios que consubstanciem as invalidades, que devem ser, por regra, invocados na petição inicial de recurso. Contudo, o recorrente pode nas alegações facultativas, invocar os novos vícios desde que o conhecimento dos factos integradores desses vícios tenha sido superveniente da petição inicial.
No caso dos autos, os factos cujo conhecimento é alegadamente superveniente não integram os novos vícios invocados ou seja não há ligação entre um e outro. E certo é que, nem se percebe como o conhecimento desses vícios alegados a partir da mera apreciação crítica do próprio acto recorrido, poderá ocorrer supervenientemente à apresentação da petição inicial.
Destarte, desatende-se os referidos fundamentos invocados pela Recorrente nas alegações facultativas.».
Concluindo no sentido de que já não podia ser invocada a prescrição na decisão recorrida não se conheceu daquela.
Porém, a questão a decidir vai para além disso, havendo primeiro que qualificar se o prazo do artº 55º do RICR é de prescrição ou de caducidade, pese embora, na letra da lei se diga prescrição.
Na doutrina, é corrente definir-se a prescrição, hoc sensu, através de fórmulas como a proposta por Manuel de Andrade: «instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercidos durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos» - Carvalho Fernandes em Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 648 -.
«A caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo» - cfr. Carvalho Fernandes ob. cit. a pág. 661 -.
Sobre esta questão já no Acórdão do tribunal Superior de Justiça de Macau de 18.11.1998, proferido no procº 927, se dizia: «Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.».
De acordo com o disposto no artº 325º do C.Civ. «a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes».
A liquidação de impostos é uma obrigação de interesse público impendendo sobre a Administração a obrigação de o fazer, isto é, não está na disponibilidade da Administração nem dos particulares a possibilidade de escolher entre o cumprimento das obrigações fiscais, sejam elas de cariz declarativo por banda dos particulares ou o pagamento do que for liquidado, sejam de proceder à tramitação em vista da liquidação do imposto por banda da Administração.
Ou seja, é unânime a doutrina e a jurisprudência que o que se pode qualificar como relação tributária está para além da disponibilidade das partes, sendo o prazo de caducidade em matéria de impostos de conhecimento oficioso.
Destarte, independentemente da parte o qualificar de prescrição – como erradamente o faz também o legislador – e de já estar para além do momento em que podia invocar vícios com base nos quais impugnava o acto, o certo é que, cabe ao tribunal conhecer da caducidade em matéria tributária sempre que ela ocorra.
Sobre esta matéria já nos pronunciámos em 17.12.2020 na apreciação da nulidade invocada relativamente ao Acórdão proferido no processo que correu termos neste Tribunal sob o nº 658/2020 no qual a ora Recorrente também é recorrente.
Ora, não tendo o tribunal “a quo” conhecido da caducidade invocada e vindo o recurso também interposto sobre esta matéria, cabe agora dela conhecer.
Vejamos então.
Na sequência da apresentação pela Recorrente da declaração de rendimentos modelo M/1, para efeito de fixação do Imposto Complementar de Rendimentos (doravante ICR), grupo A, referente ao exercício de 2011, a Comissão de Fixação em 2016 veio a fixar o rendimento colectável à Recorrente com o que esta não se conformou reclamando para a Comissão de Revisão a qual manteve o rendimento fixado. Entretanto procedeu-se à liquidação do imposto com base no rendimento fixado. Posteriormente daquela decisão o contribuinte (agora Recorrente) veio a recorrer para o Tribunal Administrativo sendo a decisão da Comissão de Revisão anulada por falta de fundamentação, tendo essa decisão transitado em julgado.
Sobre a natureza do acto da Comissão de Revisão é esclarecedor o Acórdão deste Tribunal de 13.02.2014 proferido no Processo nº 221/2009, onde se diz que:
«Com efeito:
1 - Da fixação do rendimento colectável cabe “impugnação” através de reclamação para a Comissão de Revisão (cfr. arts. 44º, nº4 e 80º, nº1, do RICR).
2 - Esta reclamação tem efeito suspensivo (art. 44º, nº3, do RICR).
Significa que a decisão reclamada não pode ser dada à execução pela Administração Fiscal e que precisa de esperar pelo resultado final e definitivo da deliberação da Comissão de Revisão. É assim, aliás, que sucede com qualquer acto administrativo de que não caiba recurso contencioso, face ao disposto no art. 150º, do CPA.
3 - A deliberação tomada nessa sede em 3/03/2008 é considerada acto definitivo de que cabe recurso contencioso para o tribunal administrativo (art. 80º, nº2, 81 e 82º, do RICR).
4 - A reclamação graciosa que se seguiu àquela deliberação é deduzida perante a mesma Comissão (art. 77º, nº1, RICR) e tem efeito meramente devolutivo (art. 78º, nº1, RICR), não interrompendo o prazo do recurso contencioso (art. 84º, nº2, RICR), tal como sucede no regime geral da reclamação administrativa nos termos do art. 150º, nº2, do CPA.
Serve esta incursão normativa, apresentada sob a forma de breve resenha, para esclarecer que a reclamação graciosa tinha apenas em vista a tentativa de obter uma decisão favorável no seio da Administração Fiscal, mas que não invalidaria, de maneira nenhuma, a necessidade de recorrer contenciosamente da deliberação anterior da Comissão de Revisão. Esse, sim, é que era o acto administrativo definitivo e executório (sublinhado e negrito nosso), a última palavra da Administração Fiscal, tal como decorre sem sombra de dúvida do conjunto de normas citado, e, consequentemente, o único recorrível contenciosamente.».
Ou seja, como resulta do acórdão citado o acto tributário que define a matéria colectável para efeitos de incidência de ICR é a decisão da Comissão de Revisão.
Uma vez que, de acordo com o disposto no artº 85º do RICR o recurso contencioso tem efeito meramente devolutivo, aquele que haja sido interposto da decisão da Comissão de Revisão não suspende os efeitos desta decisão, o mesmo é dizer, não obsta à liquidação do imposto.
Daí que, quando a agora Recorrente recorreu, antes, para o TA da decisão da Comissão de 17.10.2016, tal não haja obstado à liquidação do imposto.
Porém, aquela decisão da Comissão de Revisão nos termos do nº 4 do artº 44º do RICR veio a ser anulada por decisão do TA de 13.11.2018, transitada em julgado.
Aqui chegados passemos à situação seguinte.
Anulada a decisão da Comissão de Revisão de 17.10.2016, em 07.12.2018 vem a Comissão de Revisão a praticar novo acto de fixação do rendimento colectável para 2011.
Dúvidas não há que, em teoria e abstractamente apreciando a questão, a Administração Tributária, no caso em apreço a Comissão de Revisão da matéria colectável, uma vez anulada a anterior decisão de fixação da matéria colectável por falta de fundamentação podia praticar um novo acto administrativo em matéria tributária de nova fixação da matéria colectável, agora devidamente fundamentado.
Mas sendo este acto de fixação da matéria colectável um “acto novo” então havia que daí retirar as devidas consequências.
Como qualquer acto de fixação da matéria colectável ele visa que a administração fiscal por força da aplicação da taxa de incidência de imposto sobre a matéria colectável apure a colecta, isto é, o valor do imposto a pagar, ou seja, liquide o imposto a pagar.
No procedimento de apuramento da matéria colectável e subsequente liquidação de imposto realizados em 2016 o acto praticado pela Administração Tributária de fixação da matéria colectável foi anulado, pelo que, necessariamente, anulada há de ser também a liquidação feita com base naquela.
O acto praticado em 2018 é outro procedimento de apuramento da matéria colectável que haveria de conduzir a nova liquidação se fosse ainda possível.
Imagine-se que ao fundamentar a nova fixação da matéria colectável a Comissão de Revisão encontrava agora um valor distinto. Dúvidas não há que havia que fazer nova liquidação.
Este é um acto novo, e todo o procedimento haveria de ser concluído antes de decorrido o prazo de 5 anos do artº 55º do RICR.
A este respeito já se pronunciou o então Tribunal Superior de Justiça de Macau, no processo nº 927, em Acórdão de 18.11.1998, mas que por inalteração da norma sob que versa se mantém actual.
«8.3. Conforme se afirma - e bem - na decisão recorrida, o procedimento tendente à aplicação da norma tributária material a cada caso concreto e que dará origem à prolação do acto tributário final ou conclusivo é complexo. Importa distinguir, por um lado, este acto tributário final dos restantes actos integrados na série procedimental que em relação a ele funcionam como actos pressupostos, actos preparatórios e actos complementares e, por outro, explicar a relevância destes últimos actos no valor jurídico do acto tributário, já que este valor pode ser afectado pela existência e validade daqueles.
Por actos pressupostos costuma-se aqueles actos de qualificação jurídica de situações cuja verificação a lei reputa indispensável para que o acto tributário se possa praticar, ou se possa praticar de certo modo.
Por sua vez, serão actos preparatórios aqueles que têm em vista preparar o acto tributário, habilitando a autoridade competente a manifestar uma vontade conforme à lei.
Assim, os actos preparatórios não respeitam directamente ao problema da vontade, limitam-se, antes, a desempenhar uma função de reconhecimento ou a qualificar as situações jurídicas com base nas quais o acto tributário deverá ser praticado, enquanto que os actos preparatórios de conteúdo decisório inscrevem-se directamente no processo de manifestação de vontade da Administração fiscal, de que representam a expressa resolução de algum ou alguns dos seus antecedentes lógicos.
Os actos complementares são aqueles actos que têm por fim condicionar a eficácia ou a perfeição do respectivo acto conclusivo.
Dado que estes últimos actos já se encontram, no procedimento, a jusante do acto tributário, não assumem especial relevância na problemática que agora estamos a tratar.
Mas, mesmo em relação aos actos pressupostos e actos preparatórios, eles só terão relevância no procedimento na medida em que consubstanciem questão condicionante do acto tributário de natureza substantiva, isto é, que se refira directamente à obrigação do imposto, que assumam a função de questão directa e imediatamente prejudicial de tal acto e que sejam, ao mesmo tempo, objecto de um acto expresso e autónomo em relação ao acto tributário final.
Quer isto dizer que apenas se incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico relativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias (vide, no sentido exposto, o Prof Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, págs. 188 e segs, e págs. 243 a 258).
Delimitados, assim, os actos pressupostos e actos preparatórios de conteúdo decisório com relevância condicionante e prejudicial no procedimento relativamente ao próprio acto tributário conclusivo ou final, importa agora determinar, não tanto em que categoria daqueles actos se inclue a fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do Grupo B, a que está sujeito o ora agravante, mas mais qual o regime jurídico aplicável àqueles actos, esse sim com interesse para o tratamento da última questão, suscitada pelo ora agravante, da prescrição da liquidação do imposto.
Determina o nº 2 do artº 36º do RICR que compete à Comissão de Fixação - orgão colegial com a constituição e funcionamento referidos no artº 37° daquele diploma (ao qual pertencerão todas as normas a partir daqui citadas sem indicação de origem) - a determinação do rendimento colectável do imposto complementar dos contribuintes do Grupo B.
A fixação do rendimento será feita, sem prejuízo do disposto nos artºs 19º a 35º e 36º, nº 3, em face das declarações dos contribuintes, eventualmente corrigidas com base em informações devidamente fundamentadas dos serviços de fiscalização ou de quaisquer outros elementos de que se disponha, e a decisão será fundamentada se fixar rendimento colectável divergente da declaração do contribuinte (artº 41º).
Ficará depois sujeita a exame e a reclamação para a Comissão de Revisão e a deliberação desta, sobre a matéria, a recurso contencioso nos termos que atrás deixamos indicados nos artº 43º, nºs 4 e 5, 44º, nºs 2, 3 e 4, 80º, 81º, 82º e artº 7º da Lei nº 15/96/M.
Deste modo, quer a fixação do rendimento colectável feita nos termos que resumidamente deixamos expostos seja enquadrada no conceito de acto pressuposto como atrás se deixou delineado - para que parece tender o Exmº Magistrado do MºPº no seu bem fundamento parecer final de fls. 144 a 151 -, quer no de acto preparatório de conteúdo decisório - no qual a parece enquadrar o Prof Alberto Xavier (in obra citada, pág. 224 a 227 e 245), dando aqui especial relevância ao facto de a determinação do rendimento co1ectável, nestes casos, de processos que decorrem perante as Comissões de fixação de rendimentos, ser um acto conclusivo de um processo gracioso autónomo que se enxerta necessariamente no decurso do processo gracioso tributário e, por conseguinte, consubstanciar uma manifestação de vontade da Administração fiscal que representa a expressa resolução de um antecedente lógico do acto tributário final -, o seu regime jurídico é sempre o mesmo e, consequentemente, o resultado prático que dela se pretende extrair.
Na verdade, quer os actos pressupostos, quer os actos preparatórios, com a natureza atrás referida, para além de regras específicas a que estão sujeitos no que diz respeito à competência do orgão para a sua decisão - que tem necessariamente de caber a orgão diverso do que praticará o acto tributário -, têm efeitos especiais de conformação e invalidade derivada sobre o conteúdo do acto tributário e gozam ainda de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário por eles prejudicado.
Ora, é destas últimas características de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário que resultam as principais consequências para a equação do problema da prescrição da liquidação do imposto.
Com efeito, como vimos atrás, a lei faculta aos interessados, nestes casos da fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do grupo B, remédios impugnatórios de reclamação e de recurso contencioso em relação àquele acto autónomo conclusivo de um processo também autónomo ainda que rudimentar como é a fixação do rendimento colectável, de tal modo que, decorridos os prazos para a sua apresentação sem que tenham sido utilizados, se verifica uma preclusão processual da questão neles versada, que já não mais poderá ser discutida, daí resultando o fundamento do dever da autoridade fiscal se conformar com o conteúdo desse acto prejudicial.
Quer tudo isto dizer que, in casu, enquanto os actos pressupostos prejudiciais ou actos preparatórios prejudiciais referidos não estiverem completamente estabilizados no procedimento, não se poderá passar à fase seguinte, do lançamento e liquidação do imposto, a não ser no caso de ser interposto recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão, já que aqui a lei atribui a tal recurso efeito meramente devolutivo (artº 85º). Porém, se porventura for invalidado tal acto prejudicial com fundamento em vícios próprios, então, nessa situação, essa invalidação acarreta a necessária invalidação derivada do acto tributário, que deve ser anulado, substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial, operando tal invalidade derivada automaticamente. (Neste sentido, autor e obra citada, pág. 256).
Não funciona, assim, no procedimento tributário, na sua pureza, o chamado princípio da impugnação unitária segundo o qual deveriam reflectir-se no acto tributário final todas as ilegalidades dos actos preparatórios ou actos pressupostos, mas apenas aqueles vícios destes actos prejudiciais dos quais se tenha reclamado ou recorrido autonomamente.
Delineado, assim, o regime jurídico dos actos prejudiciais, encontramo-nos em condições de, a partir de agora, apreciar a terceira e última questão da prescrição liquidação do imposto complementar referente aos exercícios de 1991 e de 1992.
(…)
“Os prazos de caducidade, por sua própria natureza, pressupõem o interesse da rápida definição do direito, que se não-compadecem com dilações, já que protegem direito acabado de nascer e limita-o na sua distância, como afirma Carnelutti (citado pelo Dr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina na Lei e na Jurisprudência”, pág.49).
Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
O direito caducável existe até ao limite do prazo, extinguindo-se depois de modo a dele nada restar, porque se perdeu a possibilidade de o realizar por falta de exercício”.
Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
Deste modo, estes prazos não se suspendem nem se interrompem senão nos casos em que a lei o determina e a sua verificação só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo (artºs 328º e 331, nº 1, do Cód. Civil).
Pelo contrário, na prescrição, que assenta na inércia e na negligência do titular do direito no seu não exercício e que visa fundamentalmente a realização de objectivos de conveniência e oportunidade, embora não lhe sendo, como é óbvio, estranhas razões de justiça e também a segurança jurídica e certeza do direito, a suspensão e interrupção dos prazos são admitidos como regra (vidé artºs 318º e segs. e 323º e segs. do cód. Civil).
Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
Ora, in casu, e partindo da solução, a que aderiu a decisão recorrida e vai confirmada no presente Acórdão e que é a mais favorável à Administração, de que o recorrente, ora agravante, foi notificado da fixação do rendimento colectável, respeitante aos exercícios de 1991 e 1992, em 31.12.96, e não apenas em 28.01.97, como é a tese do ora agravante - e considerando ainda, de acordo com a orientação mais correntemente seguida (vidé autor e obra citada, pág. 242, nota 129), de que só a partir da notificação da liquidação ao contribuinte, e não apenas da realização desta dentro do prazo, se impede os efeitos da caducidade -, mesmo assim teremos de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o direito à liquidação do imposto respeitante ao exercício de 1991 caducou nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR, porquanto, apesar de ter sido efectuada ainda no ano de 1996 e ter sido notificada ao agravante em 31.12.96, ela só poderia produzir efeitos decorrido que estivesse o termo legal dos 20 dias, contados após a notificação, seguidos de mais 30 dias, que a lei concede para a reclamação e sua apreciação pela Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável nos termos atrás indicados, pelo que a sentença recorrida irá ser revogada nesta parte.».
Como decorre do citado Acórdão enquanto o “acto pressuposto” ou “acto preparatório” como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver “estabilizado no procedimento”, o mesmo é dizer enquanto não for um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
Ora o acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido irradicado da ordem jurídica.
Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
O poder ser praticado novo acto, embora de conteúdo igual, mas agora expurgado do vício, não vem repristinar o acto inicial.
Este acto de fixação da matéria colectável relativo ao exercício de 2011 apenas foi praticado em 2018 quando há muito se havia completado o prazo de caducidade a que alude o artº 55º do RICR já não podendo por força dele proceder-se aos actos subsequentes de lançamento e liquidação do imposto.
O Regulamento do Imposto Complementar de rendimentos não segue o regime que se aplica em Portugal de impugnação unitária dos actos tributários que é feito através da impugnação da liquidação onde se discutem todos os vícios do procedimento, nomeadamente os actos de fixação da matéria colectável. Esta solução jurídica evita os problemas como aquele que temos agora, mas não foi a opção escolhida pelo nosso legislador.
Havendo um regime de impugnação autónoma dos actos pressuposto ou actos preparatórios e do acto de liquidação, pode ocorrer – como sucede no caso em apreço – que após a realização do acto de liquidação (que ao tempo era possível) venha a ser anulado um dos actos pressuposto ou preparatórios.
Não se pode exigir (nem a lei o faz) que o contribuinte tendo impugnado o acto pressuposto ou preparatório, haja, apenas para acautelar o seu direito que impugnar a liquidação, o que até nem faria sentido, porque se aquele não vier a ser anulado esta (a liquidação) não enfermaria de vício algum.
No entanto se o acto pressuposto ou preparatório vier a ser anulado a liquidação sendo um acto subsequente daquele tem de ser anulada também.
Assim sendo, outra solução não resta que não seja a de, acompanhando o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau, concluir pela caducidade do direito ao procedimento de liquidação por força do disposto no artº 55º do RICR e consequentemente revogar o acto impugnado de fixação da matéria colectável de imposto complementar sobre o rendimento referente ao exercício de 2011 por violação de lei.
Em sentido idêntico e de onde resulta que a liquidação não pode ter lugar antes de concluído o processo de fixação da matéria colectável se concluiu no Acórdão deste Tribunal de 02.03.2000, Procº 34/2000, consultado em Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, Tomo I, de 2000, bem como nos Acórdãos de 24.6.2020, Procº 327/2020, de 17.9.2020, Procº 529/2020 e de 8.10.2020, Procº 505/2020.
Procedendo a invocada caducidade do direito à liquidação – a qual é de conhecimento oficioso - e subsequente anulação do acto impugnado fica prejudicada a invocada apreciação dos demais vícios invocados.
III. DECISÃO
Termos em que pelos fundamentos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida anulando-se o acto tributário impugnado por caducidade do direito à liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2011.
Sem custas por dela estar isenta a Recorrida.
Registe e Notifique.
RAEM, 13 de Maio de 2021
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
109/2021 FISCAL 40