Reclamação nº 4/2021/R
A, Limitada, Ré nos autos de acção de processo comum do trabalho nº LB1-20-0146-LAC, notificada do despacho* que não admitiu o recurso por ela interposto da decisão que não admitiu o pedido reconvencional, vem nos termos do disposto no nº 595º/1 do CPC, formular a presente reclamação nos termos seguintes:
A LIMITADA, R. melhor identificada nos autos à margem referenciados, nos autos de processo comum de trabalho que lhe foi movido pelo A. B, notificada do conteúdo do despacho constante a fls. 394 dos autos, o qual não admitiu o recurso interposto pela R. a fls. 379 e segs., vem, ao abrigo do art. 595°, n.º 1, do CPC, apresentar reclamação contra o indeferimento do recurso, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 . O douto despacho ora reclamado apresenta como fundamento para a não admissão do recurso interposto pela R., ora Reclamante, o disposto no art. 583°, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual só é admissível recurso nos casos em que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre e, cumulativamente, o valor da sucumbência do recorrente seja superior à metade da alçada desse tribunal.
2. No presente caso, o valor da causa é superior à alçada do tribunal de primeira instância (MOP148,873.77), pelo que se encontra preenchido o primeiro pressuposto processual exigido para a admissibilidade do recurso.
3. Quanto ao segundo requisito, o despacho ora reclamado considera que o mesmo não se verifica, tendo em vista o valor da reconvenção formulada pela R., no valor de MOP28,235.53, porquanto este montante é inferior à metade da alçada do tribunal de primeira instância, concluindo assim pelo indeferimento do recurso.
4. No entanto, salvo melhor opinião, a R. não concorda com a fundamentação apresentada no despacho, como em seguida se explanará.
5. Na presente acção, o A. vem reclamar da R., entre outros créditos laborais, a devolução das quantias deduzidas do seu salário a título de seguro de vida e de saúde, correspondentes a 20% dos respectivos prémios, no valor de MOP32,254.51.
6. Este valor foi corrigido pela R. na contestação com base nos dados constantes dos seus registos, bem como dos respectivos recibos de salários juntos aos autos, para a quantia de MOP28,235.53.
7. A R. contestou a pretensão do A., invocando que os seguros de vida e de saúde consistem em seguros adquiridos e mantidos pela R. em beneficio do A., que vão para além do seguro obrigatório de acidentes de trabalho (sendo este último suportado pela R. na sua totalidade) e ainda, que o A. se comprometeu contratualmente a pagar 20% dos prémios dos seguros de vida e de saúde.
8. Mais, no caso de o tribunal considerar que os 20% dos prémios não deveriam ter sido pagos pelo A. através da dedução directa do seu salário, a R. reclama, em sede de reconvenção, a condenação do A. no pagamento da referida quantia de MOP28,235.53.
9. Isto porque o A. se obrigou contratualmente a suportar 20% dos mesmos e, bem assim, a R. ter pago esses prémios à seguradora na sua totalidade por conta do A..
10. O tribunal rejeitou o pedido reconvencional no despacho saneador (fls 333) e, tendo a R. recorrido dessa decisão por não se confomrar com a mesma, lavrou despacho de indeferimento do recursos, com os fundamentos aí invocados.
11. Contudo, por um lado, a R. não dispunha de outro momento processual adeguado para reagir perante a decisão proferida pelo tribunal no despacho saneador - a qual determinou a inadmissibilidade da reconvenção apresentada.
12. Por outro lado, a presente acção laboral encontra-se ainda na fase da instrução, sendo que o valor da sucumbência da R. poderá ser muito superior depois de proferida a sentença, na hipótese de a R. vir a ser condenada a pagar ao A. outros créditos laborais que compõem a totalidade do seu pedido.
13. Ou seja, na eventualidade de, na sentença final, a decisão ser desfavorável à R. em valor suprior à metade da alçada do tribunal de primeria instância, a R. já terá, nesse momento, perdido o direito a recorrer do indeferimento do pedido reconvencional.
14. Na prática, esta decisão do tribunal a quo resulta num impedimento antecipado do exercício do direito de recurso da R., situação com a qual não se pode conformar!
15. De resto, o tribunal a quo deveria, no mínimo, ter proferido despacho de retenção do recurso, fixando-lhe um regime de subida diferente, conforme previsto no art. 594°, n.º 2, do CPC, determinando a sua subida diferida de acordo com o art. 602° do CPC, no caso de haver recurso da sentença final e a mesma ser desfavorável à R. em valor superior a MOP50,000.
16. Ademais, o tribunal a quo poderia ter decidido que o valor da sucumbência não é determinável no presente momento, pelo que deve atender-se apenas ao valor da causa, nos termos do art. 853°, n.º 1 in fine, do CPC.
17. Poder-se-á também entender que, caso o tribunal defira o pedido do A., condenando a R. a devolver as quantias deduzidas a título de seguro de vida e de saúde e, em simultâneo, lhe seja negado o pedido reconvencional, a decisão ser-lhe-á desfavorável no dobro do montante reclamado pelo A., em MOP56,471.06, isto é, em valor superior à metade da alçada do tribunal de primeira instância.
Nestes termos e nos mais de direito, vem requerer a V.Exa. se digne admitir o presente recurso nos termos acima expostos, devendo o tribunal a quo lavrar despacho em conformidade.
A única questão que se coloca na presente reclamação consiste em saber qual será o valor a atender para a aferição da recorribilidade de uma decisão.
Para o Exmº Juiz a quo, não sendo a decisão recorrida desfavorável para a recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, o recurso não é legalmente admissível.
Ao que parece, a reclamante entende que o valor a atender para a aferição da recorribilidade deve ser o valor do pedido reconvencional, acrescido do eventual perdimento da quantia peticionada pelo Autor na acção contra ela intentada, que no seu conjunto já supera a metade do valor da alçada do tribunal recorrido.
Então vejamos se tem razão a reclamante.
Quanto à recorribilidade das decisões proferidas no âmbito de um processo laboral, o CPT reza no seu artº 110º que:
1. Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 583.º do Código de Processo Civil, e independentemente do valor da causa e da sucumbência do recorrente, é sempre admissível recurso para o Tribunal de Segunda Instância:
1) Nas acções em que esteja em causa a discussão da subsistência ou insubsistência de justa causa de rescisão do contrato de trabalho;
2) Nas acções em que esteja em causa a validade ou subsistência do contrato de trabalho;
3) Nas acções emergentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais.
2. Em processo contravencional é sempre admissível recurso para o Tribunal de Segunda Instância, mas apenas da decisão final; tratando-se de recurso limitado à decisão relativa ao pedido cível, aplica-se o disposto no número anterior.
Não se integrando o caso sub judice em qualquer das situações previstas nas alíneas do nº 1 desse artigo 110º, é de aplicar portanto o artº 583º do CPC.
Ora, diz o artº 583º/1 do CPC que “salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa.”.
Ou seja, na matéria cível, para que o recurso seja admitido, é preciso que o valor da causa e o de sucumbência sejam superiores à alçada e à metade da alçada do tribunal de que se recorre, respectivamente.
O nosso legislador visou, com a regra da sucumbência, limitar a admissibilidade dos recursos nas causas de menor relevância económica.
A este propósito, ensina Lopes do Rego que “…tais limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância …”
- in “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p. 83.
Eis a razão de ser da limitação da recorribilidade com fundamento no valor diminuto da sucumbência.
Nos termos do disposto no artº 18º do LBOJM, em matéria cível e laboral, a alçada dos Tribunais de Primeira Instância é de MOP$100.000,00.
In casu, não sendo questionável o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que, no pedido reconvencional, a decisão recorrida lhe não é desfavorável em valor superior à metade da alçada dos tribunais de primeira instância.
Só que, a ora reclamante defende que se se acumular o valor do pedido reconvencional com o valor que o Autor pediu na acção, a soma desses valores já ultrapassa a metade de alçada.
Na acção, o que pediu o Autor é a condenação da Ré na devolução das alegadas quantias indevidamente descontadas dos seus vencimentos, a título dos prémios dos seguros de life insurance e medical insurance.
A Ré, em sede de contestação, defendeu por excepção, tendo alegado que, nos termos do contrato de trabalho celebrado entre ela e o Autor e do Manual do Empregado, a Ré, enquanto entidade patronal, só é responsável pelo pagamento de 80% dos prémios dos tais seguros e o remanescente 20% é a cargo da Autora, obrigação que assumiu.
Prevenindo-se contra a eventual, futura e hipotética condenação, com fundamento na violação do disposto no artº 64º da Lei nº 7/2008, na devolução dessas quantias peticionadas na acção contra ela intentada, a Ré deduziu, condicionalmente, o pedido reconvencional com fundamento naquela eventual, futura e hipotética condenação na devolução ao Autor das quantias correspondentes a tais 20% dos prémios dos seguros, deduzidos nos vencimentos da Autora, que na óptica da Ré, deveriam ser da responsabilidade do Autor conforme acordado no contrato de trabalho e à luz do Manual do Empregado.
Ao que parece, a estratégia de defesa da Ré deve ser a seguinte: a eventual e hipotética condenação na devolução das tais quantias ao Autor só poder ser por inobservância do disposto no citado no artº 64º da Lei nº 7/2008, e não porque o Autor não é responsável pela contribuição em 20% para o pagamento dos prémios dos seguros. Assim, o valor peticionado na reconvenção visa compensar as quantias que teria de pagar primeiro ao Autor se viesse a ser condenada nos termos peticionados na acção.
O raciocínio é algo compreensível, mas a Ré não tem razão enquanto reclamante contra a não admissão do recurso.
A reclamante só teria alguma razão se o recurso tivesse por objecto a decisão que não só julgou procedente o pedido do Autor como também julgou improcedente o pedido reconvencional.
Mas não é isso que sucedeu in casu.
Antes de mais, é de frisar que o direito à compensação nos termos peticionados na ora reconvenção pode ser sempre invocado numa outra acção autónoma, se a Ré vier a ser condenada na devolução das quantias ora peticionadas pelo Autor com fundamento apenas na inidoneidade dos descontos efectuados nos vencimentos do Autor, proibidos pelo artº 64º da Lei nº 7/2008, e não na responsabilidade da Ré pelo pagamento de 100% dos tais prémios, nos termos acordados no contrato de trabalho celebrado com o Autor e estipulados no Manual do Empregado.
Ora, pretendendo a Ré reagir, por via do recurso, de cuja não admissão ora reclamou, contra apenas o despacho que não admitiu o pedido reconvencional por ela deduzido e não estando nem podendo ainda recorrer também de uma decisão desfavorável, futura, incerta, meramente hipotética e não necessariamente decorrente da não admissão do pedido reconvencional, naturalmente não podemos fazer incluir o valor peticionado pelo Autor na acção, cuja sorte fique ainda por decidir, no valor da sucumbência a atender para a aferição da recorribilidade da decisão que tão só não admitiu o pedido reconvencional.
Sendo de MOP$28.235,53, o valor do pedido reconvencional está longe de atingir o valor de MOP$50.000,00, correspondente à metade da alçada do tribunal de que se recorre.
Pelo exposto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo ao não admitir o recurso interposto pela Ré, ora reclamante, do despacho que não admitiu o pedido reconvencional, cujo valor não excedeu metade da alçada dos Tribunais de primeira instância.
Tudo visto, resta decidir.
III – Decisão
São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que indefiramos, como indeferimos, a reclamação deduzida, confirmando na íntegra o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
Fixo a taxa de justiça em 1/4.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 1º do CPT.
RAEM, 21MAIO2021
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
* 因有關上訴所針對之裁判對被告不利之利益值低於本法院之法定上訴利益限額的一半,不符合《民事訴訟法典》第583條第1款的規定,決定不接納被告提起的上訴。
訴訟費用由被告承擔。
作出適當通知。
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Recl.4/2021-8