Processo n.º 291/2021
(Autos do recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 06 de Maio de 2021
Assuntos:
- Suspensão de eficácia do acto administrativo
- Nautreza jurídica da medida da suspensão da inscrição como advogado estagiário na AAM na situação da alínea 10) do artigo 35º do Regulamento de Acesso à Advocacia
SUMÁRIO:
I - Nos termos do disposto na alíneas 10) do artigo 35º do Regulamento de Acesso à Advocacia, publicado no BO da RAEM, de 21 de Junho de 2017, a reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário da AAM, pelo período de um ano, independentemente de ser culpado ou não, e, de cometer algum facto “censurável” ou não, a verificação do facto pressuponente determina automaticamente a suspensão da inscrição como advogado estagiário, situação que não se enquadra na noção de infracção disciplinar, que pressupõe sempre a prática de um facto ilícito e culposo em termos de Direito Administrativo.
II - Nesta óptica, essa “suspensão automática” da inscrição pode ser configurada como uma “medida compulsória de efeito suspensivo”, que visa suspender os direitos inerentes ao advogado estagiário, com duração de um ano (improrrogável e encurtável), sendo o seu objectivo principal intimar e incentivar os advogados estagiários com já reprovações finais (mormente aqueles que têm já duas reprovações finais) a fazer esforços para passar no respectivo exame final e prestar atenção à sua situação profissional, com o risco de desta estarem afastados durante um ano.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 291/2021
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 06 de Maio de 2021
Recorrente : Direcção da Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會理事會)
Recorrido : A
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
Direcção da Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會理事會), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 15/03/2021, que decretou a suspensão da eficácia da deliberação que suspendeu a inscrição do Recorrente como advogado estagiário, veio, em 26/03/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 262 a 278, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. A douta sentença recorrida, considera que o acto em causa - deliberação da Recorrida, de 30 de Dezembro de 2020, tem "natureza disciplinar";
2. Tal natureza inclui o acto em causa no âmbito do disposto no art.º 121.°, n.º 3, do CPAC, não sendo, em consequência, necessária a verificação do preenchimento do requisito estatuído na al. a), do n.º 1 da mesma norma;
3. A douta sentença ora recorrida não julga terem sido dados como provados todos os requisitos das alíneas do n.º 1, do art.º 121.°, do CPAC, sendo explícita quando refere que o requisito do prejuízo de difícil reparação, previsto na alínea a) daquela norma, não se encontra dado como provado pelo Recorrido;
4. No entanto, o tribunal a quo exclui a necessidade da verificação de tal requisito ao considerar que o acto em causa tem natureza disciplinar, na medida em que "... o facto de um estagiário ter sido reprovado nos sucessivos exames finais representaria, de alguma maneira, a falta daquele de uma preparação técnica necessária à execução da tarefa que lhe é incumbida, consubstanciando-se assim como um ilícito disciplinar, caracterizado pela violação do dever funcional" - págs. 12 da douta sentença recorrida (sublinhados nossos);
5. Não podemos estar mais em desacordo com esta interpretação sobre a questão, por ser demasiado extensiva relativamente ao âmbito dos conceitos de "ilícito disciplinar" e de "natureza disciplinar do acto", âmbito que não pode ser alcançado in casu;
6. A ser assim, todo o candidato a uma vaga no desempenho de uma função, que não preencha os requisitos para o exercício dessa mesma função, mormente por falta de preparação técnica para o desempenho da mesma, será considerado como "infractor" para efeitos da norma do n.º 3, do art.º 121.°, do CPAC;
7. O exemplo do estatuído no art.º 17.°, n.ºs 1, 2 e 3 do Estatuto dos Magistrados (Lei 10/1999), bem como na norma do art.º 54.°, n.º 2, desse mesmo Estatuto, é manifesto, seja nas situações contempladas, seja nas respectivas consequências, nos termos em que cima referimos em sede de alegações, para os quais ora remetemos para todos os devidos efeitos, em comparação com o presente caso;
8. Nestas normas também se englobam no âmbito do "sistema de regulação do acesso à magistratura" mas nunca no âmbito disciplinar;
9. Aliás, no âmbito da aplicação do art.º 54.°, n.º 2 do Estatuto dos Magistrados, através do competente acto para o efeito, não passaria pela mente do candidato a magistrado interpor e obter provimento em sede de providência cautelar de suspensão de eficácia de tal acto;
10. E a razão de assim ser prende-se com os riscos que comporta para o interesse público, mormente para a Justiça e para o sistema jurídico da RAEM, a continuação no exercício de funções de um "candidato" à magistratura que se revele "incompetente" para aquele exercício;
11. Relativamente aos advogados, servidores da Justiça, protectores dos Direitos e Interesses dos cidadãos da RAEM, o pensamento não pode ser diferente, estando em causa, no limite, para os candidatos à advocacia, exactamente os mesmos princípios de interesse público que fundamentam o sistema de provimento dos senhores magistrados;
12. À Associação dos Advogados de Macau (AAM), aqui representada pela Recorrida, seu órgão directivo, pessoa colectiva de direito público, foi atribuído o mandato de zelar pela qualidade dos serviços prestados pelos advogados que a mesma foi também incumbida de acreditar - art.º 30.°, n.º 1, als. a), b), c) e d) do EA;
13. Tais competências, foram atribuídas com a intenção de transmitir à AAM os instrumentos necessários para auxiliar na dignificação e protecção da Justiça, do Direito de Macau e do seu Sistema Jurídico, zelando pela qualidade dos serviços prestados por quantos nela se encontram registados e por ela são acreditados como "servidores da Justiça", na qualidade de advogados, com a possibilidade, de pleno direito e de forma definitiva, realizarem actos próprios da advocacia - vide os art.ºs 1.º e 11.° e ss. do Código Deontológico (CD), homologado pelo Despacho n.º 121/GM/92, publicado no B.O. n.º 52, I Série, 5.° Suplemento, de 31.12.1992;
14. Na sequência de tal atribuição, são incumbências desta Associação, nos termos do disposto no art.ºs 19.°, n.º 3 e 30.°, n.º 1, alíneas a) e b), do EA, e no art.º 3.°, alínea b) dos seus próprios estatutos (Estatutos da Associação Pública dos Advogados de Macau - EAMM), regulamentar o exercício da profissão e atribuir o título profissional de advogado;
15. A AAM leva muito a sério tais competências, sempre com a consciência de que, do cabal cumprimento das mesmas depende, em muito, a qualidade da Justiça para os cidadãos da RAEM, através dos serviços que os advogados lhes prestam;
16. Aliás, não faria qualquer sentido que à AAM não fosse igualmente dada a faculdade de, tal como acontece com a magistratura, poder "suspender o exercício de funções" ou afastar da advocacia, os candidatos a advogados que não se mostrem minimamente preparados, habilitados ou capacitados para tal exercício;
17. O acesso ao título de advogado e de advogado estagiário, é disciplinado pelo Regulamento do Acesso à Advocacia (RAA), cujo art.º 35.° disciplina o exame final de estágio;
18. Este institui uma espécie de "sistema de prescrição", tal como os existentes em qualquer entidade do ensino superior no mundo - vide, por exemplo, o art.º 3.° do Regulamento do Curso de Licenciatura em Direito, em língua portuguesa, da Faculdade de Direito da Universidade de Macau - destinado a assegurar a qualidade dos profissionais forenses cuja acreditação é da competência da AAM;
19. Uma vez que se encontram regulamentados todos os aspectos que devem constar do sistema de acesso e acreditação dos candidatos à advocacia, e cabe à Recorrente, enquanto órgão de direcção daquela "Zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Associação e respectivos regulamentos e pela prossecução das atribuições que lhe são conferidas;", conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do art.º 29.º dos EAMM (sublinhado nosso);
20. Assim, quanto ao acto ora em causa, esta não teve outra opção senão a de o emitir, uma vez que age no âmbito de um poder legalmente vinculado;
21. Ao emitir o acto em causa, a Recorrida não agiu nas vestes de um órgão com poderes disciplinares;
22. Nem tem o acto em causa qualquer carácter sancionatório;
23. Nem tal acto foi emitido no âmbito de um procedimento disciplinar, nem no âmbito de uma infracção a uma norma de carácter disciplinar ou deontológico;
24. O mesmo é dizer que o Recorrido, na qualidade de advogado estagiário, não violou qualquer dever, não foi sujeito a qualquer processo disciplinar, nem lhe foi aplicada qualquer sanção disciplinar;
25. O acto em causa trata-se, apenas e tão só, de acto emitido por aplicação de uma norma reguladora do acesso à profissão forense, que se impunha à Recorrente, no âmbito da aferição ou verificação das capacidades dos candidatos - neste caso, o Recorrido - para o exercício das nobres e dignas funções de advogado.
26. Esta verificação foi efectuada ao longo de anos de exercício das limitadas competências como advogado estagiário, por parte do Recorrido, a que acrescem os inúmeros exames finais de estágio a que o mesmo já teve oportunidade de realizar;
27. Também a melhor doutrina sobre o assunto, supra citada em sede de alegaçõs e para as quais se remete para todos os devidos efeitos, refuta a possibilidade de se atribuir natureza disciplinar ao acto ora em causa;
28. A norma que impõe a aplicação da suspensão da inscrição do Recorrido, como advogado estagiário - art.º 35.°, n.º 10, do RAAM - é uma mera norma regulatória no âmbito do acesso à advocacia;
29. As normas disciplinares, por seu lado, são reguladoras do exercício da mesma;
30. Existe, pois, uma clara distinção entre ambos os tipos de normas, que não se coaduna com o carácter sancionatório que a douta sentença ora recorrida pretende atribuir à deliberação da Recorrente aqui em causa;
31. Parece-nos também, com o devido respeito, que a douta sentença recorrida cuidou de acautelar os interesses particulares do Recorrido, em detrimento do interesse público de protecção da Justiça e do Sistema Jurídico de Macau;
32. A julgar-se definitivamente desta forma, permitir-se-á que outros candidatos à advocacia sem a mínima capacidade e habilidade e com falta da preparação técnica para o efeito, possa encher os tribunais, em prejuízo dos direitos e interesses dos cidadãos que devem representar;
33. De igual forma, a douta sentença recorrida violou igualmente o princípio da igualdade perante todos os restantes candidatos à advocacia que se encontram na mesma situação do Recorrido, tal como invocado na contestação apresentada aos presentes autos, dando a oportunidade a este de, caso seja aprovado no exame final de estágio que se encontra em curso, poder ser aprovado, ainda que se julgue improcedente o recurso contencioso a interpor pelo mesmo contra o acto ora em causa;
34. A suspensão da eficácia do acto ora em causa permitirá que, na hipótese de o Requerente obter aprovação neste exame final de estágio, este seja inscrito como advogado, pratique actos de advogado, lide com clientes naquela qualidade, tal como os restantes colegas devidamente habilitados, correndo-se o terrível risco de, a posteriori, caso o recurso contencioso de anulação a interpor pelo Requerente seja julgado improcedente, de este deixar de ser advogado por força da aplicação da suspensão da inscrição do mesmo com a declaração da legalidade da deliberação que resultará da improcedência de tal impugnação;
35. Tal cenário, para a certeza e segurança do ordenamento jurídico da RAEM, para a imagem da profissão de advogado, para o funcionamento da justiça e para os cidadãos que eventualmente recorram aos seus serviços enquanto advogado, será uma situação inadmissível, com consequências gravíssimas e porventura irreparáveis ao nível da protecção dos direitos dos particulares e da ordem pública da RAEM.
36. Em tal situação, a certeza e segurança jurídica do sistema jurídico e a relação dos cidadãos com os advogados acreditados pela AAM, que nela confiam enquanto entidade acreditadora das pessoas habilitadas para assumir as competências de as patrocinar sem riscos deste género, serão irremediavelmente afectadas;
37. A suspensão da deliberação em causa, poderá em que um patrocínio forense contratado a um advogado e efectuado por um advogado, ao abrigo das competências atribuídas a um advogado regularmente inscrito, afinal, com a improcedência do recurso contencioso e a consolidação da suspensão da sua inscrição, tenha sido efectuado, não por advogado, e nem sequer por advogado estagiário, mas sim por uma pessoa com a inscrição no estágio de advocacia suspensa com efeitos a partir de 9 de Fevereiro de 2021;
38. Imagine-se, então, as consequências para processos judiciais onde o Requerente venha a intervir na qualidade e com competências de advogado e para os quais, a final, se corre o risco de vir a decidir que afinal não o era;
39. Mais graves ainda poderão ser consequências para as partes nesses processos, que confiaram a um advogado a defesa dos seus direitos, interesses e garantias e que as poderão ver irremediavelmente afectadas pela desqualificação, a posteriori, do seu patrono enquanto advogado;
40. Pelo exposto, não podendo ser compreendido o acto em causa dentro do âmbito disciplinar, mas antes no âmbito da regulação da profissão, conforme decorre do disposto no art.º 30.°, n.º 1, als. a), b), c) e d), do Decreto-Lei 31/91/M, de 06.05, que aprova o EA, e violando o interesse público, sob os princípios de protecção da Justiça e do Sistema Jurídico de Macau, bem como o princípio da igualdade, deve a douta sentença proferida ser revogada.
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O Recorrido, A, veio, 09/04/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 367 a 410, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Objecto de recurso é apenas a parte da sentença recorrida que atribui natureza disciplinar ao acto suspendendo e, consequentemente, considera verificada a hipótese normativa prevista no artigo 121.°/3 do CPAC;
2. A alegação de recurso a argumentação frágil, incoerente e ilógico, recorrendo a ideias delirantes ou alucinações, o que só por si é suficiente para demonstrar a inexistência de fundamento válido para o recurso.
3. A Recorrente insurge-se contra a qualificação sancionatória atribuída à decisão suspendenda, dando dois exemplos que nunca poderiam ter sido dados: um que claramente não é de natureza sancionatória nem tem qualquer analogia com o caso dos autos; outro, claramente de natureza sancionatória e, por conseguinte, com eficácia corroborante da decisão recorrida.
4. As normas do artigo 17.°, n.ºs 1, 2 e 3 do Estatuto dos Magistrados não têm, nem pretendem ter, natureza disciplinar, dispondo as mesmas apenas sobre um dos requisitos necessários ao provimento nas categorias de juiz de primeira instância e de delegado do procurador;
5. O que significa que a não obtenção de aproveitamento num curso e estágio de formação, isto é, a não verificação do requisito especial previsto no artigo 16.°/1-3) se traduz na não verificação de uma condição que o legislador estabelece como condição de legitimidade para a prática do acto administrativo através do qual se procede ao provimento numa das referidas categorias;
6. A situação dos autos é diferente desta relativa aos requisitos especiais de provimentos dos magistrados, a analogia com esta poderá ser encontrada na norma do artigo 37.°/1 do RAA da AAM;
7. A norma do artigo do artigo 35.°/10 do RAA, a norma aplicada através do despacho suspendido, tem evidentemente uma finalidade imediata diferente e que, porventura, poderá ser disciplinar, como defende o Tribunal recorrido, ou uma outra qualquer finalidade, mormente a melhor gestão dos recursos administrativos e financeiros utilizados pelo serviço administrativo de estágio;
8. Também o segundo exemplo dado pela Recorrente nada ajuda na defesa de que o acto suspendido não tem natureza disciplinar, antes, pelo contrário, corrobora essa mesma natureza;
9. Contrariamente ao que afirma a Recorrente, a norma do artigo 54.°/2 do Estatuto dos Magistrados tem claramente relevância disciplinar;
10. Apesar de a classificação de serviço e a responsabilidade disciplinar serem institutos jurídicos diferentes, a verdade é que o legislador expressamente assimilou as duas realidades, no que respeita à classificação de "medíocre", afirmando que a atribuição da mesma implica necessariamente, para além do mais, a instauração de procedimento disciplinar por incompetência profissional;
11. O que está em causa em tal norma é a classificação de serviço de magistrados, judiciais ou do Ministério Público, e não, contrariamente ao que a Recorrente afirma, a classificação de candidatos à magistratura;
12. Independentemente do acerto da afirmação de que a norma aplicada com o acto suspendido é uma norma reguladora do acesso à advocacia, a verdade é que a Recorrente não tem razão quando afirma que a norma do artigo 35.°/10 do RAA seja apenas uma norma reguladora do acesso à advocacia, já que a mesma vai predisposta à satisfação imediata de outros interesses que não o interesse em causa na aferição ou verificação das capacidades dos candidatos ao exercício da advocacia;
13. Se tal norma visasse a aferição ou a verificação das capacidades dos candidatos ao exercício da advocacia, a mesma não teria necessidade de impor a suspensão da inscrição de advogado estagiário pelo período de 1 ano, antes se bastaria com o efeito traduzido na aprovação ou reprovação na avaliação final de estágio;
14. O aditamento de referida norma, entre outras, com o mencionado efeito denota claramente que a mesma pretende dar satisfação a outros interesses que não aquele que directamente se prende com a verificação da capacidade do advogado estagiário para o exercício da profissão de advogado;
15. O facto do acto suspendido visar o afastamento do Recorrente, pelo período de 1 ano, do curso de estágio como da actividade própria de advogado estagiário, revela também claramente que o que está em causa é o exercício da actividade de advogado estagiário e não propriamente o acesso à profissão de advogado;
16. O advogado estagiário está sujeito ao poder sancionatório da AAM, tal como resulta dos artigos 4.°/2 do Estatuto do Advogado, 1.° do Código Disciplinar dos Advogados e 22.°/3 do RAA, podendo ser efectivada a respectiva responsabilidade disciplinar em caso de infracção disciplinar;
17. A recorrida não demonstra, contrariamente ao que afirma, que a melhor doutrina refuta a natureza disciplinar do acto suspendido é infundado;
18. A afirmação de que a "sentença recorrida cuidou de acautelar os interesses particulares do Recorrido, em detrimento do interesse público de protecção da Justiça e do Sistema Jurídico de Macau" é grave, porque imputa de forma totalmente infundada e falsa ao douto Tribunal recorrido ter decidido, com violação dos princípios da imparcialidade e do interesse público, exclusivamente em benefício dos interesses particulares do ora Recorrente, desferindo, gratuitamente, um rude golpe na ética do juízo judicativo do douto Tribunal recorrido, lançando a suspeita de que se tratou de uma decisão de favor;
19. Tal afirmação revela-se completamente gratuita e infundada, mostrando antes claramente o mau perder por parte da Recorrente e a sua incapacidade para admitir que pode estar errada e que é necessário arrepiar caminho, com vista a pôr em acto os princípios cimeiros da nossa ordem jurídica, nomeadamente, o da prossecução do interesse público (mas sempre, como afirma o CPA), no respeito dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos particulares;
20. A suspensão da eficácia é um meio processual onde mais claramente se veem em contacto, por um lado, o interesse público prosseguido pelo acto suspendendo e, por outro, os direitos e os interesses legalmente protegidos dos particulares e daí cuidados especiais revelados pelo legislador no estabelecimento dos requisitos para a concessão de tal providência;
21. No caso do artigo 121.°/3 a que recorreu o Tribunal recorrido, é o próprio legislador quem toma posição em favor de um dos interesses em causa, dispensando a parte onerada de demonstrar a verificação do requisito em questão, cabendo apenas ao tribunal a subsunção do caso concreto numa dessas excepções;
22. É absurda a afirmação da Recorrente de que a decisão recorrida pode levar a "encher os tribunais" de "candidatos à advocacia sem a mínima capacidade e habilidade e com falta de preparação técnica para o efeito";
23. A menos que a AAM passe a reprovar nas avaliações finais de estágio, consecutivamente, a generalidade dos candidatos à advocacia e estes estejam em condições análogas à do ora Recorrido.
24. Não se vislumbra quem sejam os "candidatos à advocacia sem a mínima capacidade e habilidade e com falta de preparação técnica para o efeito" que "possam encher os tribunais";
25. A Recorrente parece desconhecer que "esses candidatos" são os que já se encontram a exercer como advogados estagiários há vários anos nos tribunais de Macau, tal como é o caso do Recorrente que se encontra há mais 5 anos no exercício da actividade de advogado estagiário nos tribunais;
26. O resultado de que se queixa a Recorrente não é, verdadeiramente, de imputar à douta decisão recorrida, que se limitou a fazer aplicação nos termos considerados mais adequados do direito ao caso, mas, antes, à decisão da Recorrente que se apresenta como totalmente problemática na sua legitimidade;
27. Sendo que não se poderá esquecer que a suspensão jurisdicional concedida nos presentes autos é necessariamente provisória, ficando dependente da decisão que vir a ser tomada no processo principal e visando apenas acautelar o efeito útil do recurso que, entretanto, foi interposto;
28. Igualmente incompreensível e absurdo, mais próprio do delírio ou alucinação, é o argumento da Recorrente que fala no terrível risco de Recorrente deixar de ser advogado por força da aplicação da suspensão da inscrição do mesmo com a declaração da legalidade da deliberação que resultará da improcedência de tal impugnação e na situação inadmissível, com consequências gravíssimas e porventura irreparáveis ao nível da protecção dos direitos dos particulares e da ordem pública da RAEM;
29. Tal cenário apenas seria possível se não houvesse avaliação final do estágio ou se os exames finais de estágio na AAM não tivessem a função de impedir o acesso ao exercício da profissão de advogado justamente dos candidatos não preparados e que pudessem constituir esse "terrível risco" ou de causar essas "consequências gravíssimas e porventura irreparáveis ao nível da protecção dos direitos dos particulares e da ordem pública da RAEM", de que fala a Recorrente;
30. Mas tal não sucede, dado que apenas obtém aprovação nas avaliações finais de estágio quem, de facto, está em condições de não vir a constituir esse "terrível risco" ou de causar essas "consequências gravíssimas", o que significa que a "gravíssima" situação receada pela Recorrente não existe verdadeiramente no caso dos autos;
31. Se o Recorrente obtiver aprovação, tal como se espera, nos exames finais de estágio, cujos exames escritos realizou na sequência da permissão conferida pela douta decisão recorrida, tal significará que a AAM o considera habilitado para sobraçar com competência e rigor a profissão de advogado e se, ao invés, vier a reprovar, o que não se espera, também tal situação não se verificará, justamente porque o mesmo, sem tal aprovação, não se poderá inscrever como advogado e, portanto, nunca poderá constituir o referido" terrível risco" receado pela Recorrente;
32. A perda da qualidade de advogado é vicissitude que o legislador previu e que pode ocorrer por vários motivos, basta atentar nos casos de cancelamento da inscrição de advogado previstos no artigo 23.º do Estatuto do Advogado, e não ficam "irremediavelmente afectados", como afirma a Recorrente, "a certeza e a segurança jurídica e a relação dos cidadãos com os advogados acreditados pela AAM", e o mesmo sucedendo para os magistrados, valendo o próprio exemplo dado pela Recorrente relativo à classificação de "Medíocre";
33. A alegação da Recorrente de que a sentença recorrida violou o princípio da igualdade parece desconhecer que os administrados são, hoje, indiscutivelmente, titulares do direito fundamental à protecção jurisdicional efectiva contra qualquer acto ou conduta da Administração que afecta ilegitimamente as suas posições jurídicas subjectivas, sejam direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos;
34. O Recorrido limitou-se a exercer aquele seu direito fundamental impetrando no douto Tribunal recorrido a providência considerada adequada, isto é, a suspensão da eficácia do acto que havia determinado a suspensão pelo período de 1 ano da sua inscrição como advogado estagiário e se o Tribunal recorrido concedeu a providência requerida foi porque se verificavam os respectivos requisitos legais;
35. E se há outros advogados estagiários na mesma situação do Recorrido e que não beneficiam da referida providência jurisdicional de que beneficia o Recorrido e estoutro seu colega é porque os mesmos optaram por não lançar mão do referido meio processual acessório utilizado pelo Recorrido; caso contrário, verificados que estivessem os mesmos requisitos legais, estariam também na mesmíssima situação em que se encontra o Recorrido;
36. Se o princípio do "interesse público, sob os princípios da Justiça e do Sistema Jurídico de Macau", que a Recorrente diz violado pela Sentença recorrida, tiver que ver com os princípios da justiça, da legalidade, da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, muito mais há a recear da actuação da Recorrente no que respeita a tais princípios do que da jurisdição administrativa, o verdadeiro rochedo de bronze dos princípios da ordem jurídica e dos direitos dos particulares;
Sem conceder,
- Da ampliação do âmbito do recurso -
37. Para a hipótese de assim se não entender, vindo o douto Tribunal ad quem considerar não haver lugar à natureza sancionatória do acto suspendido, requer-se, nos termos da norma do artigo 590.°/1 do CPC;
38. Verificam-se os requisitos para que se possa aqui requerer a ampliação do recurso, prevenindo a necessidade da apreciação do fundamento relativo aos prejuízos de difícil reparação em que o recorrido decaiu;
39. O Tribunal recorrido errou na apreciação que fez da factualidade integradora do requisito aqui em causa;
40. O Recorrido alegar factos integradores do mesmo, fazendo-o de forma especificada e concreta, de forma a permitir a ponderação das circunstâncias específicas e concretas do caso a decidir;
41. No caso dos autos o acto suspendido, traduzia-se, entre o mais, no seguinte: (i) paralisação da actividade de advogado estagiário, pelo período de 1 ano, que o Recorrido estava a desenvolver até à deliberação; (ü) impossibilidade de continuar a desenvolver o patrocínio oficioso para que tem sido nomeado; (iii) cessação do vínculo com os seus clientes e encaminhamento dos respectivos assuntos para outros colegas; (iv) remoção ou ocultação de todas as placas de identificação que lhe respeitam (v) impossibilidade de se submeter à avaliação final de estágio cujas provas escritas se encontram marcadas para os dias 20 e 27 de Março de 2021; (vi) impossibilidade de aceder aos cuidados de saúde a que têm direito os advogados estagiários;
42. O Recorrido no seu requerimento inicial alegou os seguintes prejuízos: 1) afastamento por longo período (1 ano) da vivência da advocacia; 2) perda de clientela; 3) de prestígio; 4) dos rendimentos resultantes da sua actividade de advogado estagiário; 5) não realização dos exames finais agendados para o mês de Março passado; e 6) constrangimentos e sofrimentos;
43. Alegou que todos os referidos prejuízos se apresentam como consequência directa e imediata do acto suspendido e que os mesmos, seguramente, não seriam elimináveis pela reconstituição da situação hipotética que poderia verificar-se em sede de execução de eventual julgado anulatório do despacho recorrido e suspendendo;
44. Apesar de tratar de um afastamento provisório, não deixa de ser um afastamento pelo período de 1 ano, afastando o Recorrido da actividade que vem desenvolvendo, afastando-o necessariamente do patrocínio dos casos em que tem competência como dos casos de nomeação oficiosa, tal como do escritório do Patrono (note-se que se trata de patrono nomeado pela AAM), o que é de extrema relevância para quem pretende terminar o período de estágio e aceder à profissão de advogado, o que não se traduz, como se afirma na douta sentença, numa perda comum a qualquer acto de suspensão do estágio;
45. Durante tal longo período, o Recorrente fica privado da possibilidade de exercitar as suas competências e técnicas o que se traduzirá numa grande desvantagem quando, aprovado que seja na avaliação final, após tal suspensão, iniciar a sua actividade como advogado;
46. O estágio, tal como se afirma no artigo 18.º/1 do R.A.A., destina-se "à preparação do ingresso dos estagiários no exercício da advocacia, através da aprendizagem e da prática progressiva das regras técnicas e deontológicas da profissão";
47. Sem poder praticar pelo menos durante o período de 1 ano, como é que o Recorrido garante a sua preparação para o ingresso no exercício da advocacia, traduzindo-se o estágio na aprendizagem e na prática progressiva das regras técnicas e deontológicas da profissão?
48. A progressividade da aprendizagem da prática e das regras técnicas e deontológicas determina necessariamente que não podemos estar aqui perante "uma perda comum a qualquer acto de suspensão do estágio", tal como se afirma na douta decisão recorrida;
49. No que respeita à perda da clientela e do prestígio do Recorrido é algo que se impõe pelo conhecimento das regras da vida, não se afigurando necessário, para o efeito aqui em causa, a exigência que o douto Tribunal faz da necessidade da demonstração, em termos concretos, da sua base de clientela, respectivo nível, do seu grau de prestígio reconhecidos entre os seus pares e clientes;
50. Tendo alegado o Recorrido que se dedica em exclusivo à actividade de advogado estagiário, que tem a sua própria carteira de clientes, que retira da sua actividade mensalmente o rendimento de cerca de MOP15.000,00, não tendo tal sido impugnado pela ora Recorrente, tratando-se de factos perfeitamente plausíveis, pois que é próprio dos advogados estagiários poderem ter os seus próprios clientes, assim é que a Recorrente, na notificação do acto ora suspendido, informou o Recorrido pela necessidade de "providenciar pelo encaminhamento dos assuntos dos seus clientes ainda pendentes ao momento da suspensão", tal prejuízo verificar-se-á seguramente;
51. Mostrando-se também evidente o risco de perda do prestígio do Recorrente, com efeito, as dúvidas surgidas da suspensão por 1 ano e da necessidade do reencaminhamento dos assuntos dos clientes para outros advogados ou advogados estagiários é circunstância que naturalmente faz surgir tais dúvidas o que necessariamente terá reflexo no prestígio do Recorrido e na sua capacidade profissional;
52. A não realização dos exames finais, que, entretanto, o Recorrido teve oportunidade de realizar, por força da providência decretada com a decisão recorrida, constituiria necessariamente prejuízo de difícil reparação, não se podendo afirmar, como se faz na douta decisão recorrida, que o estudo realizado não seria inutilizado, projectando-se necessariamente no futuro;
53. Não é de aceitar tal asserção, dado a realização de um exame como os do estágio da AAM, em que as matérias para exame não estão delimitadas, devendo os estagiários responder sobre toda e qualquer questão jurídica, exige um estudo intenso, sistemático e concentrado sobre a totalidade dos ramos de direito, o que pressupõe que os candidatos se devotem quase em exclusivo a tal hercúlea tarefa;
54. Tendo o Recorrido efectuado tal estudo, nos termos referidos, de cerca de 9 meses, estando-se a preparar para estes específicos exames, que estavam agendados para os dias 20 e 27 de Março, passado, consequentemente, que se o Recorrido não fizesse tais exames e tivesse de esperar pelo termo do período de suspensão de 1 ano, logicamente que muito do esforço desenvolvido pelo Recorrido estaria inutilizado;
55. O valor do rendimento alegado (cerca de MOP15.000,00) é perfeitamente plausível, não tendo o mesmo sido impugnado pela Recorrente;
56. A perda de tal rendimento, não tendo o Recorrido outra fonte de rendimento, implica necessariamente que este não possa satisfazer as suas necessidades habituais e, consequentemente, não consiga manter o seu nível de vida, o que não poderá deixar de ser visto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, como "prejuízo de difícil reparação", tal como se prevê na norma do 121.º/1-a) do CPAC, dado estar aqui em causa a qualidade de vida e a própria subsistência do Requerente, posição esta que é sufragada pela jurisprudência do TUI, bem como pela jurisprudência comparada do STA;
57. É incongruente decretar-se a providência requerida considerando ser o acto suspendido um acto de natureza de sanção disciplinar, quando justamente tal fundamento permite prescindir da verificação do requisito, e não considerar-se provados os prejuízos alegados;
58. Se o legislador conclui que se verificam sempre prejuízos de difícil reparação, nos casos da norma do artigo 121.°/3, não sendo necessário alegar e provar os mesmos, não se compreende que, tendo o Tribunal recorrido qualificado o acto aqui em causa como de natureza disciplinar, não tenha considerado provados os prejuízos alegados de forma concreta e especificada.
59. Razão por que se considera que a douta sentença recorrida violou as normas do artigo 121.°/1/3 do CPCA
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer constante de fls. 470 a 473, cujo tero se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, pugnando pelo improvimento do recurso jurisdicional.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- O Recorrente inscreveu-se no curso de Direito na Universidade de Ciência e Tecnologia, tendo-se graduado em 2004;
- Depois de frequentar com aproveitamento o curso de adaptação durante dois anos na Faculdade de Direito da Universidade de Macau, inscreveu-se, em 2009, na AAM, como advogado estagiário, tendo sido indeferido tal pedido;
- Em 2015, cerca de 6 anos depois, momento em que o Tribunal de Segunda Instância confirmou a sentença do douto Tribunal Administrativo, que havia anulado a deliberação de indeferimento da sua inscrição como advogado estagiário (docs. n.ºs 3 e 4);
- Em 26/03/2015 o Requerente iniciou formalmente o seu estágio;
- Frequentou os módulos de Registo Civil, Registo Predial, Registo Comercial, Direito Administrativo, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Custas Judiciais, Jurisdição de Menores e Processo de Inventário, Notariado e de Deontologia (docs. n.º 6, fls. 1 a 7);
- Obteve aprovação em todos esses 10 módulos logo na primeira prova de cada módulo (cfr. doc. n.º 6);
- Tendo obtido classificações altas em alguns dos módulos, como por exemplo nos módulos de Direito Administrativo, Jurisdição de Menores e Processo de Inventário e de Deontologia, onde obteve, respetivamente, as notas de 15,5, 17,70 e 14 valores (cfr. doc. n.º 6, fls. 1, 6 e 7);
- Através da presença diária e contínua no escritório do seu patrono, empenhava-se na apreensão da vivência da advocacia, de cerca de 6 anos.
- Intervindo directamente em processos da sua competência e nos de nomeação oficiosa, nas diferentes jurisdições, seja na primeira instância seja em instâncias de recurso;
- Prestava consulta jurídica aos seus clientes;
- Disponhava da sua própria carteira de clientes;
- A execução da deliberação implica o encaminhamento dos assuntos dos seus clientes ainda pendentes, e ainda remover ou ocultar todas as placas de identificação que lhe respeitam", o que causa a perda de clientela;
- A decisão causa perda de prestígio do Requerente;
- O exercício da actividade de advogado estagiário constituía a sua única fonte de rendimento, auferindo um rendimento líquido mensal de cerca de MOP15.000,00 que servem para pagar os custos da vida pessoal e profissional;
- Quando tomou conhecimento das datas das provas da avaliação final a realizar no ano de 2021 (cfr. doc. n.º 2), inscreveu-se de imediato no referido exame de avaliação, muito antes de terminar o referido prazo (doc. n.º 7).
- Tendo, para o efeito, procedido ao pagamento da taxa no valor MOP2.000,00 (doc. n.º 8).
- Com a execução de deliberação suspendenda, o Requerente ficaria impossibilitado de realizar tal exame, tal como muito diligentemente a entidade requerida lhe fez saber através de ofício de 9 de Fevereiro de 2021 (doc. n.º 9). Mas foi autorizado a participar no exame referido (doc. de fls. );
- Tal impossibilidade traduz-se num prejuízo de difícil reparação porque, depois de cerca de 9 meses de grande empenhamento, vê perdido todo o esforço que desenvolveu no estudo de todas as matérias de Direito, preparando-se para o referido exame.
- Além disso, a situação que o acto cria para o Requerente é fonte de grandes constrangimentos e sofrimentos.
- Sendo que tais prejuízos são consequência directa e imediata do acto suspendendo.
*
- A Entidade Requerida mandou ao Requerente a carta com o seguinte teor:
1) Por carta de 6/2/2021, foi comunicada ao Requerente a deliberação da Direcção da Associação dos Advogados de Macau de 3/2/2021, cujo teor se transcreve no seguinte:
“…Assunto: Suspensão da sua inscrição como advogado estagiário
…
Vimos, pelo presente, informá-lo de que, em reunião da Direcção da Associação dos Advogados de Macau, de 3 de Fevereiro de 2021, foi deliberado, de acordo com o disposto no n.º 10, do art.º 35.º, do Regulamento do Acesso à Advocacia (R.A.A.), suspender a sua inscrição, como advogado estagiário, com efeitos a partir do dia 9 de Fevereiro corrente, na sequência da sua reprovação em mais um exame final de estágio.
…
Tal inscrição ficará suspensa pelo período de um ano, após o qual se deve sujeitar à avaliação final de estágio seguinte. A falta ou reprovação a esta, terá como efeitos os descritos no n.º 11 do referido artigo.
…
Aproveitamos a oportunidade para relembrar que, nos termos do artigo 12.º, n.ºs 3 e 4, do R.A.A., deverá entregar a sua cédula profissional e o seu cartão de beneficiário do acesso aos cuidados de saúde, nos serviços administrativos da AAM, bem como providenciar pelo encaminhamento dos assuntos dos seus clientes ainda pendentes ao momento da suspensão, e ainda remover ou ocultar todas as placas de identificação que lhe respeitam.
…
Desta deliberação cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, a interpor no prazo de trinta dias.
…” (conforme o doc. junto a fls. 19 e 20 dos autos).
- Em 23/2/2021, contra tal deliberação o Requerente instaurou o procedimento da suspensão da eficácia no TA.
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IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Requerente A, melhor identificado nos autos, vem instaurar,
O procedimento cautelar da suspensão de eficácia
Da deliberação da Direcção da Associação dos Advogados de Macau, de 3/2/2021, que lhe suspendeu a inscrição como advogado estagiário pelo período de um ano, com efeitos a partir de 9 de Fevereiro de 2021, com os fundamentos constantes a fls. 2 a 18 dos autos.
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Contestou a Entidade requerida, pugnando pelo indeferimento da providência, com os fundamentos constantes a fls. 183 a 208 dos autos.
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A digna Magistrada do M.ºP.º emitiu o parecer a fls. 213 a 217v dos autos, promovendo o indeferimento da providência, pela inverificação do requisito legal da alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, cujo teor se transcreve no seguinte:
“…關於被聲請實體根據《行政訴訟法典》第126條第2及3款提出不暫時中止執行本案被聲請中止的行為的理由方面,我們似乎未能認同被聲請實體的理由。
正如《行政訴訟法典》第126條第2款已確立了行政當局不暫時中止執行的唯一標準,即“(…)不立即執行有關行為將嚴重損害公共利益”。按照Mário Aroso de Almedina教授所言:“Note-se que a jurisprudência tem sido exigente, e a nosso ver bem, na apreciação das razões em que se fundamentam as resoluções fundamentadas, que têm tendido a banalizar-se, na medida em que, como, por definição, toda a suspensão da eficácia de actos administrativos prejudica a prossecução do interesse público que eles visam prosseguir, só em situações de grave prejudicial é que, a título excepcional, deve ser admitida a derrogação da regra da proibição de executar que o artigo 128.º consagra (…)”。本案中,被聲請實體主要理由是倘若於本案訴訟程序待決期間暫時中止執行有關決議,那麼聲請人以及與聲請人同樣狀況的實習律師便可藉此手段參加於2021年03月20日及27日的最後評核考試,一旦彼等考試獲通過,那麼與日後司法上訴倘有的敗訴結果產生互不相容的矛盾境況。誠然,我們在此僅考慮效力中止訴訟程序的待決期間內,不立即執行有關決議是否會產生嚴重影響公共利益。按照現時的訴訟階段來看,根據《行政訴訟法典》第129條第1款及第6條第2款之規定,本卷宗隨即交予法院於七日內作出判決,換言之,在正常情況下應可於上述最後評核考試日之前作出效力中止保全措施的判決。另一方面,即便於本案待決期間給予聲請人參與有關最後評核考試,這事實本身並不構成嚴重損害公共利益,因為倘若效力中止保全措施理由成立,亦同樣給予聲請人參與有關考試,而且聲請人一旦通過該考試,即表示其本人獲認可具備律師的專業資格及技術條件,沒有違背甚至嚴重損害被聲請中止之行為所保護的公共利益。
為此,我們意見認為被聲請實體主張於本案效力中止保全程序待決期間,應執行被聲請中止的行為的理由不成立。
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檢察院,茲根據《行政訴訟法典》第129條第2款規定,發表意見如下:
聲請人A針對澳門律師公會理事會於2021年02月03日作出中止其本人作為實習律師的註冊為期一年的決議(以下簡稱:“被上訴行為”)提起效力中止的保全措施。
經適當傳喚被聲請人,其答辯中指出本案保全措施不符合《行政訴訟法典》第121條規定之要件。
首先,作為效力中止的保存措施的標的 – 聲請中止效力的行政行為,《行政訴訟法典》第120條規定兩種:一為具有積極內容;二為行為有消極內容,但亦有部分積極內容,而中止效力僅限於有積極內容的部分。所謂具有積極內容的行政行為,是指行為針對在作出該行為之前已存在的法律秩序作出改變,換言之,行為的效力導致私人先前已存在的權利義務範圍及法律秩序發生變化;這相對於純粹消極行為的情況:在此情況下,行為本身不會對已存在的法律狀況產生任何影響,包括創設新內容、變更或消滅。然而,即使面對消極行為,但倘若當中存在積極內容的部份,仍可針對該積極內容中止該行為的效力,這正是上述第二種情況,即二級積極效果(efeitos secundários positivos)的行政行為:消極行為當中包括了導致私人權利義務範圍發生改變的法律效果。
本案中,聲請中止效力的行政行為是針對聲請人中止其作為實習律師的註冊一年,毫無疑問,該行為使聲請人於該段期間內失去擔任實習律師的資格,從而使因該資格所負有的權限及義務於其法律狀況內被排除出來,換言之,聲請人的權利義務範圍實際上存在變更,為此,被針對的行政行為是一項積極行為,使聲請人的權利義務範圍存在變更,根據《行政訴訟法典》第120條b)項規定,可構成中止效力保存措施的標的。
《行政訴訟法典》第121條第1款規定必須同時符合下列要件才批准上述的保全措施:
a. 預料執行有關行為,將對聲請人或其在司法上訴中所維護的利益造成難以彌補的損失;
b. 中止行政行為之效力不會嚴重侵害該行為在具體情況下所謀求的公共利益;以及
c. 卷宗內無強烈跡象顯示司法上訴屬違法。
關於上述a項所規定的要件,其理由與保存措施本身的目的密切關係:結合《行政訴訟法典》第2條及第174條之規定,效力中止的保存措施目的是避免私人因日後提起的或現待決的司法上訴訴訟程序的拖延,導致即使獲得勝訴仍無法獲得執行判決應有的有用效果。為此,作為效力中止的保存措施的成立要件,首先必須符合的是可預料聲請人日後即使獲得勝訴,其在司法上訴中所維護的權利或法律保護的利益仍不能透過判決的執行而回復或難以回復。
本案中,聲請人提出多項理據以支持符合上條第1款a)項的要件,我們逐一分析如下:
首先,聲請人主張一旦執行被聲請中止的行為,便無可避免將其已從事近六年的律師業經驗中斷,無法持續、漸進及實際地學習及獲得律師業務的經驗,從而使其喪失律師業務的經驗或具較好的條件以從事律師業務,即便日後司法上訴理由成立,所失去的因實習而對其日後從事律師業務的好處屬無法彌補或難以彌補。
在充分尊重不同立場下,我們無法認同聲請人的主張。儘管聲請人陳述了其本人過去實習期間所從事的實習律師工作,諸如修讀理論課程、參加並通過了有關的課程評核、每日及持續地於其導師的事務所出席、參與各類型的訴訟案件、直接參與其權限範圍內的訴訟及依職權委任的案件、與其導師合作執行工作、向客戶提供法律意見等。誠然,該等實習工作並非為聲請人所特有,而是一般及普遍地作為實習律師必然負有的實習內容,正如《律師入職規章》第24至25條規定實習律師於實習期間學習和實踐有關律師業技術及道德準則的內容,以及實習律師的權限及義務。為此,執行被聲請中止之行為,聲請人的處境與其他同樣中止註冊的實習律師無異,即不能使用其實習律師的身分、不能行使其實習律師的權限及承擔相應義務。顯然,聲請人所主張者是適用於任何一個註冊被中止的實習律師的狀況,可以是自願中止、或者其他原因而被中止。在此,我們看不到對於聲請人而言存在哪些具體及個別的無法或難以彌補的損害的事實,以讓法院能夠衡量在具體案件中被聲請中止的行為是否對於個別的聲請人而言產生難以彌補的損害。否則,任何一個實習律師一旦其註冊被命令中止,均一律可“自動地”視為存在難以彌補損害的要件,並導致出現上述《律師入職規章》規定有關註冊中止的規則及評核規則形同虛設的荒謬結論。
終審法院2009年11月14日第33/2009號合議庭裁判中明確指出,難以彌補的損失的要件是必須提出體現該損失的具體事實,而不是只作出一般和結論性的、法院從中不能查實該要件是否存在的陳述。為此,不論聲請人主張先前從事實習律師工作的事實、還是結論性地指出執行被聲請中止之行為導致喪失於中止期間可獲得的律師業經驗,均不能具體地反映並證實存在難以彌補的損害。
值得指出的是,我們認同被聲請實體所指,聲請人於中止註冊期間只是不能使用實習律師身份、行使實習律師權限及無需履行相關義務,但並沒有排除聲請人以其他方式繼續學習與律師業有關的技術和經驗,聲請人只不過是抽象地聲稱中止註冊導致失去在法院及律師事務所內的律師業經驗,但沒有詳細陳述於中止期間的學習情況,尤其聲請人的導師是否會拒絕提供任何指導或輔助,又或完全脫離律師事務所的工作等,以致絕對地失去與律師業務的任何聯繫。再者,聲請人本身並非剛開始註冊的實習律師,而是已具有近六年的實習期經驗以及先後三次參與最後評核試,換言之,至少履行了《律師入職規章》第25條規定的上課部分以及第27條規定的實務部分工作的要求,可見,聲請人已完成律師公會所認可的實習律師應學習的律師業務的經驗。為此,我們看不到聲請人中止註冊一年會失去了什麼的律師業經驗,更遑論衡量是否存在難以彌補的損害。
此外,聲請人又主張中止註冊導致失去客戶及造成聲譽受損,我們同樣未能認同。
首先,根據卷宗資料,聲請人並沒有舉證及證實其本人是否擁有客戶及客戶數量、其本人於該專業界別或者所聲稱的客戶群中聲譽如何、所謂聲譽受損的嚴重程度等,無法讓我們繼而進一步判斷是否存在損害以及該損害是否達致難以彌補的程度。另一方面,我們似乎更質疑的是,聲請人所指稱的客戶與其實習律師的資格是否存在必然關係,亦即是說,聲請人獲取及維繫客戶是否能夠純粹因其實習律師身份才存在。根據《律師入職規章》第29條、第30條第1款、第31條及第32條規定,實習律師必須在導師的指導及領導下進行實務工作及學習律師業務經驗,在遵守律師事務所的規則及條件下使用導師的事務所及有關設施、所有職業通訊、名片及律師業相關的其他文件中指明其導師身份、以及出席或參與任何職業性質的行為時表明實習律師的身份等等,明顯可見,實習律師本身不具在從事職業活動的獨立性,更何況,根據同一規章第18條第1款規定,實習的目的是學習及漸進式實踐律師職業技術及道德準則,為晉身於律師行業作準備。無需贅言,我們無法判斷聲請人所主張失去客戶與執行被聲請中止的行為是否存在因果關係,更遑論存在難以彌補的損害。
至於失去收入方面,同樣地,聲請人並沒有證明其個人以及家庭成員的經濟狀況如何,包括工作收入、資產、銀行存款、其他收益以及負擔等,再者,被聲請中止之行為並沒有禁止聲請人從事其他工作以賺取收入,我們亦看不到聲請人失去所主張收入便會處於生活困厄或有損其作為人的基本生活尊嚴,以致日後即便司法上訴理由成立,透過倘有的賠償亦難以彌補其損害。
最後,聲請人主張執行被聲請中止之行為導致其喪失參加於本年03月20日及27日的最後評核考試的機會,使到其本人為着準備該次考試而作出近九個月的努力落空,並導致聲請人感到巨大的尷尬及痛苦。對此我們亦未能認同。
聲請人主張倘不中止執行本案被聲請中止之行為,便無法參加本年度的最後評核考試,但問題是,聲請人於中止期屆滿後須參加隨即舉行的最後評核考試,那麼本年度的最後評核考試存在哪些特殊因素,以使聲請人一旦錯過此考試會遭受哪些難以彌補的損失?必須指出的是,提早參與該最後評核考試並不必然成功獲得通過,聲請人亦無法證明此點,此外,我們亦難以明白聲請人在中止註冊期間繼續準備隨後的考核,會使到其先前已作的準備變為無用?而聲請人亦沒有具體陳述及證實因無法參加本年度的最後評核考試而感到尷尬或痛苦等精神損害的事實。
綜上所述,由於本案效力中止保全措施不符合《行政訴訟法典》第121條第1款a)項的要件,建議不批准聲請人的請求…”
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem à apreciação “de meritis”.
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II. Fundamentação
1. De facto
Resulta provada por documentos, a seguinte factualidade pertinente:
(...)
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2. De direito
Face à factualidade apurada acima, cumpre-nos apreciar e decidir.
Desde logo, do acto suspendendo, ou seja, o acto da suspensão da inscrição do Requerente como advogado estagiário, decorre uma alteração na prévia situação jurídica do Requerente. Trata-se, por isso, do acto que tenha conteúdo positivo, sendo susceptível de ser objecto da suspensão da eficácia nos termos do art.º 120.º, alínea a) do CPAC.
Conforme estabelecido no disposto no n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, a suspensão da eficácia dos actos administrativos é concedida quando, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 da norma, se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
- A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
- A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto; e
- Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Na situação vertente, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostra-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
*
No que diz respeito ao requisito de providência previsto na alínea b) do referido preceito legal, como é sabido, tal requisito negativo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC funciona como facto impeditivo da pretensão do Requerente, na medida em que o ónus da alegação e da prova da sua existência cabe à Requerida, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, quando, perante as circunstâncias do caso, seja manifesta ou ostensiva essa grave lesão (veja-se, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, CFJJ, 2015, pp. 349 a 350).
Sustenta a Entidade requerida que a suspensão determina grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto porque: a suspensão provisória da deliberação possibilita ao Requerente realizar o próximo exame final marcado nos dias 20 e 27 do corrente mês de Março de 2021, o que prejudicaria o interesse público na garantia da execução efectiva da norma disciplinadora do acesso à profissão, ou seja, do artigo 35.º, n.º 10 do Regulamento de Acesso à Advocacia.
Além disso, a suspensão causa grave lesões aos interesses públicos especificamente prosseguido na protecção dos direitos e interesses dos cidadãos servidos pelos advogados, na medida em que permitiria aos advogados inabilitados fazerem o próximo exame final, e serem inscritos como advogados, constituindo um sério risco para a sociedade e a ordem pública.
É boa verdade que qualquer acto administrativo prossegue um determinado interesse público, enquanto que o procedimento cautelar da suspensão de eficácia visa o entorpecimento provisório dos efeitos normais do acto administrativo. Contudo “não se pode argumentar que, prosseguindo acto administrativo, pelo seu próprio conceito, um fim de interesse público, a sua não execução origine sempre danos para a concretização desse interesse público. É que no âmbito da suspensão da eficácia exige-se a verificação de grave lesão do interesse que é pressuposto de toda a intervenção da Administração”, segundo o que afirma Maria Fernanda Maçãs (cfr. Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, CFJJ, 2015, cit., pp. 349 e 350).
Portanto, “A grave lesão para o interesse público também deve ser apreciada nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelo requerente e requerido, não devendo presumir-se, nem confundir-se com qualquer lesão do interesse público (que teria sempre de dar-se por existente, salvo porventura se o acto fosse evidentemente ilegítimo) ”(cfr. José Carlos Viera de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 2.ª edição, p. 169).
Pese embora a argumentação insistente da Entidade requerida, vemos com dificuldade que neste caso concreto, os interesses públicos estejam gravemente postos em causa por um eventual decretamento da providência da suspensão.
Como já vimos atrás, o interesse abstracto na garantia da efectividade das normas disciplinadoras do aceso à profissão não deve ser visto com um interesse concretamente prosseguido pelo acto.
No nosso caso concreto, se os advogados estagiários que viram suspensa sua inscrição na ordem da advocacia, por efeito de uma tutela cautelar que lhes seja concedida através da presente providência, acabam por conseguir passar o próximo exame final que viria a ser realizada, ficará então naturalmente demonstrada sua aptidão profissional no exercício da actividade durante todo o período da pendência da acção principal. Inexistem portanto tais “consequências potenciais gravíssimas para a sociedade e para os cidadãos, enfim, para a ordem pública”.
Caso, pelo contrário, aqueles venham a ser novamente reprovados nesse exame final, continuarão sua carreira enquanto estagiário até à manutenção do acto suspendendo pela transitada decisão judicial proferida em sede do recurso contencioso, exercendo, assim, de forma limitada e nos termos legais, a respectiva função. Também não se pode, por isso, afirmar assertivamente como grave a lesão do interesse público originada pela não execução imediata do acto.
Compreende-se, de resto, a preocupação da Requerida sobre a incerteza e a falta da segurança do ordenamento jurídico “irremediavelmente” a serem provocadas pelo decretamento da suspensão, o que redundaria na situação em que “a de um patrocínio forense contratado a um advogado e efectuado por um advogado, ao abrigo das competências atribuídas a um advogado regularmente inscrito, que afinal, com a improcedência do recurso contencioso e a consolidação da suspensão da sua inscrição, haver sido efectuado não por advogado, e nem sequer por advogado estagiário, mas sim por uma pessoa com a inscrição no estágio de advocacia suspensa com efeitos a partir de 9 de Fevereiro de 2021” (conforme se alega nos artigos 98.º a 101.º da contestação).
Pois, como consequência da concessão da suspensão da eficácia, o Requerente poderá ser admitido ao próximo exame final, e seguidamente, poderá ter sucesso, conseguindo, fazer inscrever na respectiva ordem, mas no pressuposto da procedência do recurso contencioso interposto do acto suspendendo, com o consequente desaparecimento deste na esfera jurídica do interessado, operado pela anulação judicial.
No caso de o acto suspendendo chegar a ser finalmente mantido, ou se este acto não vier a ser contenciosamente impugnado apesar da prévia concessão da providência, o mesmo voltará a produzir todos os seus efeitos normais no ordenamento jurídico. Em virtude da presença daquele acto válido e eficaz, decairão todos os actos posteriores que tenham por condição necessária a conclusão do exame final por quem com a qualidade do estagiário.
Contudo, convém lembrar que tal “incerteza” ou “insegurança” não deixa de ter sua fonte legítima, porque prende-se, precisamente, com a natureza precária dos próprios efeitos provenientes da tutela cautelar. A mesma situação surge, aliás, com a suspensão de todas as decisões administrativas inibitórias da actividade.
Não se vê razões para sobrevalorizar tal insegurança jurídica no sentido de fundamentar a existência da grave lesão do interesse público.
Em todo o caso, não se pode ter como verificada a condição impeditiva da pretensão do Requerente, tal como invocada pela Entidade requerida. Mostra-se preenchido assim o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
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Por sua vez, quanto à questão de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o ora Requerente, parece-nos aqui que a posição deste não seria de sustentar.
Em primeiro lugar, o alegado prejuízo na dimensão da perda da vivência da advocacia nos tribunais e no escritório, e da quebra da continuidade progressiva e gradativa que é o estágio, mesmo que exista, manifestamente, não fundamenta “o prejuízo dificilmente reparável”.
Porquanto do que se trata qui não é de uma espécie do “isolamento absoluto” do Requerente da ambiência de advocacia em geral, o mesmo, ainda com o acto da suspensão da actividade estagiária, não está impedido de ter contacto, na realidade, com os trabalhos próprios de advocacia, a fim de assegurar o seu progresso ininterrupto.
E além disso, o afastamento provisório dele do estágio com o período de duração de 1 ano, previsivelmente não gera, em princípio, os danos intensos na sua formação gradativa, salvo demonstrada a especial gravidade das circunstâncias concretas pelo Requerente. Mas aqui o que o Requerente alegou é nada mais do que uma perda comum a qualquer acto de suspensão do estágio, como assim assinalado no parecer do Ministério Público.
No que respeita ao prejuízo na dimensão da perda da clientela, do prestígio e dos rendimentos daí derivados, também o Requerente não demonstrou, em termos concretos, como era sua base da clientela, o respectivo nível, e o seu grau de prestígio reconhecidos entre os seus pares e clientes. Pelo que não é de afirmar pela existência dos danos decorrentes das respectivas perdas, originada pelo acto praticado.
Por fim, em relação à alegada impossibilidade, em virtude do acto de suspensão do estágio, na realização do próximo exame final marcado para o qual tem vindo a preparar o Requerente durante 9 meses, cremos que o Requerente não tem razão.
Certamente, os empenhos que o Requerente tem devotado ao estudo e à preparação para o exame nunca seriam inutilizados, projectando-se necessariamente no futuro, senão pudessem ser aproveitados imediatamente neste exame que vem a ser efectivado, no exame que será seguidamente marcado.
A não ser que o Requerente consiga estabelecer um nexo de causalidade entre o acesso a este exame e o respectivo êxito, ou pelo menos demonstrar com consistência e seriedade, a existência da probabilidade suficiente do mesmo, dizendo que a privação do acesso ao exame redundaria na perda dos benefícios que decorriam necessária ou provavelmente da sua efectivação.
Na sua opinião, apenas a perda da chance do exame não causará, previsivelmente, a ocorrência do prejuízo de difícil reparação.
Em todo o caso, os prejuízos alegados pelo Requerente não são considerados dificilmente reparáveis, porque poderão ser satisfeitos com a utilização dos meios processuais, ou seja, em acção indemnizatória que eventualmente venha a ser instaurada, acaso se venha a demonstrar a ilicitude da actuação administrativa aqui em causa (cfr. neste sentido, Acórdãos do TUI, Proc. n.º 69/2018, de 27/9/2018, Proc. n.º 33/2009, de 4/11/2009, Proc. n.º 35/2016, de 29/6/2016, Proc. n.º 117/2014, de 26/11/2014).
*
Não se olvida, não obstante isso, que a exigência da verificação deste requisito particular deixa de ser necessária quando está em causa um acto com natureza de sanção disciplinar, nos termos do disposto do n.º 3 do artigo 121.º do referido diploma legal. Neste caso, é bastante a verificação dos dois restantes requisitos negativos das alíneas b) e c) dessa norma para a concessão da suspensão.
E o acto suspendendo comporta tal natureza?
A norma que integra o Regulamento de Acesso à Advocacia, aprovado pela Assembleia Geral da AAM, nas reuniões em Maio de 2017 e que serviu de base ao acto suspendendo, tem a seguinte redacção:
“Artigo 35.º
(Avaliação final de estágio)
…
10. A reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário, pelo período de um ano, após o qual o advogado estagiário deverá sujeitar-se à avaliação final do estágio que venha a ter imediatamente lugar.
….”
À partida, o acto da suspensão da inscrição que tenha suprimido, ao abrigo da norma acima citada, o direito ao exercício da actividade profissional dos estagiários por período de um ano, tem evidentemente uma natureza sancionatória.
À parte disso, trata-se, aqui, de uma reacção sancionatória aos candidatos que“ aos olhos da norma do n.º 10 do art.º 35.º do RAA não se encontra habilitado a sujeitar-se ao Exame Final de Estágio”, e que o acto praticado com base nesta norma se destinava a disciplinar o estágio com o sentido de “garantir a qualidade dos conhecimentos dos candidatos ao acesso à advocacia, seja na aplicação do Direito vigente, como na prestação dos serviços no âmbito das suas competências limitadas, bem como da sua idoneidade e apreensão dos princípios deontológicos que regem esta profissão” (conforme o alegado nos artigos 6.º a 22.º e 96.º da contestação).
Tal tese da Requerida apontou-nos para a realidade de que, os advogados estagiários, em função da exigência de garantia da sua qualidade, têm, no período em que o estágio decorre, o dever de fazer uma boa preparação para as avaliações finais organizadas, a fim de demonstrar sua aptidão profissional no exercício da advocacia.
Pois, entendemos, tal como entendeu a Requerida, que mesmo sem norma expressa para o efeito, atenta à extrema importância da função de advocacia para a Justiça e para os interesses e direitos de comunidade de Macau, constitui um dever funcional inerente a qualidade de advogado, estagiário ou não, o dever de competência profissional com vista a garantir o exercício da actividade com consciência, profissionalismo e com um elevado sentido de justiça e probidade.
Uma vez que se poderia assegurar, com a exigência da competência profissional nas dimensões de conhecimentos e capacidades, a colaboração efectiva e integral de qualquer advogado na administração da justiça, no sentido de “pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições”, conforme se prevê no artigo 12.º, n.º 1 do Código Deontológico, homologado pelo Despacho n.º 121/GM/92.
Neste sentido, o facto de um estagiário ter sido reprovado nos sucessivos exames finais representaria, de alguma maneira, a falta daquele de uma preparação técnica necessária à execução da tarefa que lhe é incumbida, consubstanciando-se assim como um ilícito disciplinar, caracterizado pela violação do dever funcional.
Como é conhecido, na noção que nos é dada pelo artigo 281.º do ETAPM, é infracção disciplinar “o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.” Da mesma forma, constitui a infracção disciplinar dos advogados “a violação culposa, por acção ou omissão, dos deveres consignados no Estatuto do Advogado, no Código Deontológico e nas demais disposições em vigor.”, nos termos do disposto no artigo 2.º do Código Disciplinar dos Advogados, homologado pelo Despacho n.º 53/GM/95.
E naturalmente, a sanção enquanto a resposta censuradora ao ilícito disciplinar tem a natureza disciplinar.
Além do mais, a sanção ora determinada pela Requerida é análoga à pena disciplinar prevista no artigo 41.º, n.º 1, alíneas d) a f) do Código Disciplinar dos Advogados quanto à espécie, e com a duração do período de um ano que se posiciona acima da respectiva pena da alínea d) – 10 a 180 dias.
Pelo que fica dito acima, o acto suspendendo reveste os contornos materiais de uma verdadeira sanção disciplinar.
Não obstante, pode-se questionar se relativamente à suspensão da eficácia de um acto sancionatório previsto fora do Código Disciplinar dos Advogados, determinado por um órgão sem competência disciplinar e sem prévio procedimento, é ainda possível dispensar a verificação do requisito de “prejuízo de difícil reparação”, com base no n.º 3 do artigo 121.º do CPAC.
É certo que a sanção aqui falada não tem configuração de uma pena disciplinar formal. Mas não menos certo é que a qualificação substantiva de um acto não depende da vontade do seu autor, nem da do autor da norma que o estabeleça, ou do lugar onde tal acto esteja concretamente inserido.
Ao que nos parece, o Legislador quando referindo naquela norma “…actos com a natureza de sanção disciplinar” deu preferência a um critério material, em desfavor de um meramente formal – ou melhor dizendo, tencionando abranger nesta norma não apenas as penas disciplinares formais, como também outras sanções que embora não tenham sido configuradas “nominalmente” como penas disciplinares, materialmente revestem tal natureza.
Termos em que é forçoso concluir pela natureza de sanção disciplinar do acto suspendendo, devendo por isso conceder a suspensão da eficácia do acto pela verificação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
*
Como nota final, consideramos ser ainda necessário referir quanto à questão da eficácia do acto suspendendo na pendência da presente providência, tendo em especial consideração o facto de que a Requerida, citada para contestar, comunicou a este Tribunal que reconheceu grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução.
Decorre do disposto do artigo 126.º do CPAC que a suspensão provisória da eficácia do acto administrativo, por regra, opera-se, ope legis, com o recebimento da citação pelo órgão administrativo, salvo que “o órgão administrativo reconheça fundamentadamente e por escrito, no prazo de 3 dias, grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução” e esse reconhecimento seja “imediatamente comunicado ao tribunal”.
No caso em apreço, conforme resulta dos autos, a comunicação foi feita pelo advogado mandatário da Requerida, assim concluindo que “reconhecendo a Requerida, nos termos do disposto do art.º 126.º n.º 2, do CPAC, que existe grave prejuízo para o interesse público na suspensão provisória da sua deliberação cuja eficácia é posta em causa através do presente meio processual, não pode a mesma operar, devendo tal deliberação continuar a operar os seus efeitos,….”
Importa dizer que a comunicação assim realizada não vale, nunca sendo apta a impedir a suspensão provisória da eficácia do acto administrativo, já que “A decisão a reconhecer, fundamentadamente e por escrito, no prazo de 3 dias, grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução só pode ser tomada pelo órgão administrativo autor do acto ou evidentemente, pelo seu substituo legal, mas não por qualquer outra entidade, seja assessor, mandatário forense ou jurista que subscreva a contestação” (cfr. Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, CFJJ, 2015, cit., p. 368, e no mesmo sentido, o Acórdão do TSI, de 21/7/2011, no Proc n.º 464-A/2011).
A Lei foi clara no sentido de reconhecer ao “órgão administrativo” tal faculdade, porquanto o que está em causa não é a prática de um acto processual que competia ao mandatário forense, mas sim uma decisão administrativa emanada por órgão administrativo, ou autor do acto suspendendo, no exercício da respectiva competência.
Por outro lado, a suspensão provisória do acto suspendendo mantém-se até à prolação da decisão final e não até ao seu trânsito em julgado. Significa isto que se a decisão veio a indeferir a providência, terá a parte desfavorecida interpor o recurso jurisdicional com efeito suspensivo da decisão, para que se mantenha a suspensão provisória do acto suspendendo nos termos do artigo 126.º, n.º 1 do CPAC.
No caso de ser proferida a decisão que suspende a eficácia do acto, o eventual recurso desta decisão tem efeito meramente devolutivo, ou não suspensivo da decisão – nos termos do artigo 155.º, n.º 2 do CPAC. Por consequência, opera-se a execução provisória da decisão em primeira instância, sem se esperar pela decisão definitiva do recurso. Foi o que sucedeu no caso concreto.
Em síntese:
- no pressuposto da ineficácia da comunicação impeditiva da suspensão provisória da eficácia do acto nos termos do artigo 126.º, n.º 2 do CPAC, o acto fica suspenso provisoriamente até à decisão da primeira instância.
- proferida a decisão de suspensão da eficácia do acto, o acto continua suspenso por força da execução provisória desta decisão, haja ou não recurso jurisdicional da mesma para o Tribunal de Segunda Instância.
Resta decidir.
***
3. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente a providência requerida, deferindo a suspensão da eficácia do acto praticado pela Entidade requerida.
*
Sem custas pela Entidade requerida, por ser subjectivamente isenta.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
O Digno Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes considerações em torno das questões levantadas neste recurso:
“(…)
A, melhor identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo procedimento cautelar de suspensão de eficácia da deliberação tomada pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau, datada de 3 de Fevereiro de 2021 que decidiu suspender a sua inscrição como advogado estagiário com efeitos a partir de 9 de Fevereiro do mesmo ano.
O Tribunal Administrativo, através de douta decisão que consta de fls. 218 a 227, deferiu o pedido de suspensão de eficácia da dita deliberação.
Inconformada, veio a Entidade Requerida interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância.
Alegou, em síntese, que a decisão recorrida padece de erro de julgamento na parte em que nela se decidiu que a deliberação em causa tem natureza de sanção disciplinar e, como tal, não seria exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC para o decretamento da pedida suspensão de eficácia.
O Requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, além disso, ampliou o seu objecto no sentido de, subsidiariamente, para o caso de procedência do recurso da Recorrente ser julgado verificado o requisito de decretamento da providência de suspensão de eficácia a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
2.1
Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
2.2.
Na situação em apreço, resulta das conclusões das alegações do recurso interposto que a única questão que vem colocada é a de saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de direito quando decidiu que o acto administrativo cuja suspensão de eficácia lhe foi pedida tem a natureza de sanção disciplinar, enquadrando-se, por isso, na norma do n.º 3 do artigo 121.º do CPAC.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que a Recorrente não tem razão.
Procuraremos, em traços breves, justificar este entendimento.
Está em causa, como referimos, uma deliberação da Direcção da associação dos Advogados de Macau que decidiu suspender a inscrição do Recorrido como advogado estagiário pelo período de um ano a contar de 9 de Fevereiro de 2021, na sequência da sua reprovação em mais de um exame final de estágio.
De acordo com a norma constante do n.º 10 do artigo 35.º do Regulamento de Acesso à Advocacia, «a reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário, pelo período de um ano, após o qual o advogado estagiário deverá sujeitar-se à avaliação final de estágio que venha a ter imediatamente lugar».
Foi ao abrigo desta norma, aliás expressamente invocada, que foi praticada a deliberação questionada.
Por outro lado, decorre do n.º 3 do artigo 121.º do CPAC que não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1, ou seja, que o acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente, «para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com natureza de sanção disciplinar».
Não vamos entrar na discussão em torno da natureza da actuação da Recorrente, nomeadamente da sua natureza como verdadeiro acto administrativo, não obstante as incontornáveis dúvidas, cremos que não totalmente infundadas, que, a propósito, se nos suscitam.
Vamos centrar a nossa atenção na questão que constitui objecto de controvérsia: a de saber o que seja um acto com natureza de sanção disciplinar para efeitos da aplicação da norma do n.º 3 do artigo 121.º do CPAC, sendo que, se bem vemos, a resposta a essa questão implica, por sua vez, a resposta a duas sub-questões: (i) a de saber se o acto tem natureza sancionatória; (ii) e a de saber se, na afirmativa, a mesma é disciplinar.
(…)”.
Até aqui, alinhamos também esta posição marcada nesta parte do douto parecer acima transcrito, o qual é reproduzido para a fundamentação deste acórdão.
Porém, já temos reserva quanto à natureza da deliberação suspendenda (defendendo que a deliberação tem a natureza da sanção disciplinar), advogamos uma posição divergente da seguida pelo MP neste parecer, pois não entendemos que se trata de uma deliberação sancionatória, muito menos de natureza disciplinar, visto que:
1) – O fundamento legal reside no artigo 35º (Avaliação final de estágio) do Regulamento de Acesso à Advocacia, publicado no BO de 21 de Junho de 2017, que tem o seguinte teor:
1. O advogado estagiário deve requerer a sua sujeição à primeira avaliação final de estágio que venha a ter lugar após terem concluído com aproveitamento todos os módulos.
2. O requerimento para sujeição a avaliação final deve ser instruído com o relatório do patrono, a dissertação, e o mapa da componente prática do estágio previstos no presente regulamento, e quaisquer outros elementos cuja entrega lhe tenha sido determinada.
3. Cabe à AAM definir as datas, a natureza e o conteúdo da avaliação final, podendo as respectivas regras constar de Regulamento de Avaliação elaborado para o efeito.
4. A secretaria da AAM organiza processos individuais, juntando em relação a cada advogado estagiário todos os documentos de inscrição referidos no n.º 4 do artigo 20.º, bem como toda a demais documentação do estágio, e submete-os à Direcção, que decide sobre a admissão dos candidatos à avaliação final.
5. Os processos dos candidatos admitidos são remetidos ao júri responsável pela avaliação final.
6. O júri atribui à avaliação final uma classificação de 0 a 20 valores, que constitui elemento integrador da informação final do estágio a deliberar pela AAM, com vista à inscrição do estagiário como advogado.
7. A desistência da avaliação final ou a sua classificação inferior a 8 valores, na prova escrita, ou a 10 valores, na classificação final, implica a reprovação na mesma.
8. A falta da apresentação do requerimento referido no n.º 1 ou a falta à avaliação final, equivale a reprovação para efeitos do disposto no n.º 10.
9. A reprovação na avaliação final de estágio obriga o advogado estagiário a sujeitar-se à avaliação final seguinte.
10. A reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário, pelo período de um ano, após o qual o advogado estagiário deverá sujeitar-se à avaliação final de estágio que venha a ter imediatamente lugar.
11. A reprovação na avaliação final de estágio realizada após a suspensão da inscrição como advogado estagiários, nos termos do número anterior, implica o cancelamento da inscrição como advogado estagiário e a submissão às provas de admissão e a um novo curso de estágio, caso o deseje.
É de ver que, nos termos do disposto na alíneas 10) do artigo citado, a reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário, pelo período de um ano, independentemente de ser culpado ou não, de cometer alguma “infracção” ou não, a verificação do facto pressuponente determina automaticamente que fique suspensa a inscrição do Requerente como advogado estagiário, não se trata, por isso, de uma infracção disciplinar, que pressupõe sempre a prática de um facto ilícito e culposo em termos de Direito Administrativo, o que não se verifica no caso dos autos.
Nesta óptica, essa “suspensão automática” da inscrição pode ser configurada como uma “medida compulsória de efeito suspensivo”, que visa suspender os direitos inerentes ao advogado estagiário, com duração de um ano (improrrogável, nem encurtável), sendo o seu objectivo principal intimar e incentivar os advogados estagiários com reprovações finais (mormente aqueles que têm 2 reprovações finais) a fazer esforços para passar no respectivo exame e prestar atenção à sua situação profissional, com o risco de desta estar afastado durante um ano.
1-) Aliás, a própria Entidade Requerida “confessou” que não se trata de uma sanção disciplinar, quando afirmou nas suas alegacões:
“(…)
21. Ao emitir o acto em causa, a Recorrida não agiu nas vestes de um órgão com poderes disciplinares;
22. Nem tem o acto em causa qualquer carácter sancionatório;
23. Nem tal acto foi emitido no âmbito de um procedimento disciplinar, nem no âmbito de uma infracção a uma norma de carácter disciplinar ou deontológico;
24. O mesmo é dizer que o Recorrido, na qualidade de advogado estagiário, não violou qualquer dever, não foi sujeito a qualquer processo disciplinar, nem lhe foi aplicada qualquer sanção disciplinar;
25. O acto em causa trata-se, apenas e tão só, de acto emitido por aplicação de uma norma reguladora do acesso à profissão forense, que se impunha à Recorrente, no âmbito da aferição ou verificação das capacidades dos candidatos - neste caso, o Recorrido - para o exercício das nobres e dignas funções de advogado.
Efectivamente não se apurou o elemento subjectivo (culpa do punido) integrador da “medida” em causa, nem foi assegurado o contraditório através dum procedimento idóneo, razão pela qual nos custa aceitar a tese de que se trata de uma sanção.
2) – Quanto mais, é possível defender-se que se trata duma “medida compulsória de efeito suspensivo” pela qual se suspende o exercício temporário da actividade profissional de advogado estagiário (repare-se, aqui não entramos na discussão sobre a legalidade desta medida, nomeadamente a sua (in)suficiência de fundamento legal habilitante, matéria esta, bastante pertinente, que será e deverá ser analisada no processo principal.
3) – Pelo que, na apreciação do pedido do Requerido/Requerente, há-de apurar se está preenchido ou não o requisito previsto no artigo 121º/-a) do CPAC, por o nº 3 do artigo 121º do CPAC não reger o caso em análise.
4) – Ora, no caso, foram considerados assentes os seguintes factos relevantes:
- Através da presença diária e contínua no escritório do seu patrono, empenhava-se na apreensão da vivência da advocacia, de cerca de 6 anos.
- Intervindo directamente em processos da sua competência e nos de nomeação oficiosa, nas diferentes jurisdições, seja na primeira instância seja em instâncias de recurso;
- Prestava consulta jurídica aos seus clientes;
- Dispunhava da sua própria carteira de clientes;
- A execução da deliberação implica o encaminhamento dos assuntos dos seus clientes ainda pendentes, e ainda remover ou ocultar todas as placas de identificação que lhe respeitam", o que causa a perda de clientela;
- A decisão causa perda de prestígio do Requerente;
- O exercício da actividade de advogado estagiário constituía a sua única fonte de rendimento, auferindo um rendimento líquido mensal de cerca de MOP15.000,00 que servem para pagar os custos da vida pessoal e profissional;
- Quando tomou conhecimento das datas das provas da avaliação final a realizar no ano de 2021 (cfr. doc. n.º 2), inscreveu-se de imediato no referido exame de avaliação, muito antes de terminar o referido prazo (doc. n.º 7).
- Tendo, para o efeito, procedido ao pagamento da taxa no valor MOP2.000,00 (doc. n.º 8).
- Com a execução de deliberação suspendenda, o Requerente ficaria impossibilitado de realizar tal exame, tal como muito diligentemente a entidade requerida lhe fez saber através de ofício de 9 de Fevereiro de 2021 (doc. n.º 9). Mas foi autorizado a participar no exame referido (doc. de fls. );
- Tal impossibilidade traduz-se num prejuízo de difícil reparação porque, depois de cerca de 9 meses de grande empenhamento, vê perdido todo o esforço que desenvolveu no estudo de todas as matérias de Direito, preparando-se para o referido exame.
- Além disso, a situação que o acto cria para o Requerente é fonte de grandes constrangimentos e sofrimentos.
- Sendo que tais prejuízos são consequência directa e imediata do acto suspendendo.
A este propósito desta matéria, anotou-se o seguinte:
“Para J. C. PÉREZ será de considerar de difícil reparação:
- Os prejuízos que sejam de avaliação possível, mas difícil;
- Sempre que resulte impossível ou difícil para o requerente a execução do direito a ser ressarcido do dano;
- Quando, ainda que não oferecendo dificuldades seja mais gravosa a reparação do que a não execução do acto;
- Quando resulte difícil recuperar as quantias que tivessem de pegar os particulares em execução do acto.”
Como casos paradigmáticos do preenchimento do conceito de prejuízo de difícil reparação, quer a doutrina, quer a jurisprudência tem apresentado todos aqueles casos em que a execução do acto implica o imediato encerramento de estabelecimentos comerciais ou industriais ou a cessação de actividades profissionais livres, já que tais situações originam lucros cessantes indetermináveis com rigor e envolvam a perda da clientela, também não quantificável, numa base de certeza (cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, obra já citada, a pág. 523 e o Ac. do S.T.A. de 18/11/86 - Proc. 24.377).
Para LUCIANO MARCOS1, existirão prejuízos de difícil reparação sempre que a execução do acto afecte a realização de investimentos.
No âmbito da presente condição só relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente o acto cuja inexecução se pretende obter, ficando assim, afastados os prejuízos conjecturais ou eventuais (cfr. os Ac. do STA de 30/11/78 A.D. 208-423 e de 24/4/80 – A.D.228-1369).
Ora, num caso em que se discutiu se a suspensão do exercício da actividade profissional de notário privado causa ou não prejuízo de difícil reparação ao Requerente, o venerando TUI afirmou (proc. nº 75/2019, de 14/09/2018):
I – O ónus da alegação e da prova da existência do requisito da grave lesão do interesse público para a suspensão da eficácia do acto administrativo cabe à entidade requerida, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal.
II – A suspensão da eficácia do acto que pune notário privado com a pena de suspensão de funções durante dois anos, por desaparecimento acidental de documentos do cartório, não acarreta grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
III - Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito da grave lesão do interesse público, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente, o que pode acontecer se se prefigura a perda irreversível de clientela de notário.
“(…)
4. Falta de proporcionalidade entre os prejuízos para o recorrente da imediata execução do acto e o prejuízo para o interesse público resultante da não execução.
Ainda que a suspensão da eficácia do acto que determinou a suspensão preventiva implicasse grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, indicia-se serem desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto causa ao ora recorrente.
É provável que a suspensão de funções, que se pode prolongar por vários meses, se não anos, até haver decisão final transitada no recurso contencioso, possa levar a perda irreversível de clientela do recorrente, que, entretanto, é desviada para outros notários. Que não pode ser revertida ou que dificilmente o será na totalidade, ainda que o recorrente acabe por ver anulada a sanção disciplinar. Tal perda representa não só danos patrimoniais – teoricamente ressarcíveis – mas também danos não patrimoniais.
Acresce, ainda, a perda de réditos para o recorrente, que resultam da suspensão preventiva, que serão de reparação mais que duvidosa (acção contra a Administração?), ainda que acabe por lhe ser dada razão. Os notários privados não são remunerados enquanto tal, mas certamente que o são como advogados, a título de assessoria daquela actividade.
Ora, de acordo com o n.º 4 do artigo 121.º do CPAC, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
O que se afigura ser o caso.
Procede, deste modo, o recurso.
(…)”.
Cremos que este raciocínio pode ser aplicado ao caso dos autos, e como as matérias para preencher este requisito (alínea a) do artigo 121º do CPAC) foram alegadas pelo Requerente na PI e na sequência da análise que vimos a fazer, é de concluir-se pela verificação deste requisito, razão pela qual, deve entender-se que o Requerente preencheu os requisitos legalmente exigidos para suspender a execução da deliberação ora posta em crise.
Nestes termos, mantendo-se o demais decidido na sentença recorrida, não obstante com fundamentos parcialmente diferentes, é de manter a decisão recorrida proferida pelo TA, no sentido de manter a suspensão da eficácia da deliberação ora posta em crise.
*
Síntese conclusiva:
I - Nos termos do disposto na alíneas 10) do artigo 35º do Regulamento de Acesso à Advocacia, publicado no BO da RAEM, de 21 de Junho de 2017, a reprovação em três avaliações finais determina a suspensão da inscrição como advogado estagiário da AAM, pelo período de um ano, independentemente de ser culpado ou não, e, de cometer algum facto “censurável” ou não, a verificação do facto pressuponente determina automaticamente a suspensão da inscrição como advogado estagiário, situação que não se enquadra na noção de uma infracção disciplinar, que pressupõe sempre a prática de um facto ilícito e culposo em termos de Direito Administrativo.
II - Nesta óptica, essa “suspensão automática” da inscrição pode ser configurada como uma “medida compulsória de efeito suspensivo”, que visa suspender os direitos inerentes ao advogado estagiário, com duração de um ano (improrrogável e encurtável), sendo o seu objectivo principal intimar e incentivar os advogados estagiários com já reprovações finais (mormente aqueles que têm já duas reprovações finais) a fazer esforços para passar no respectivo exame final e prestar atenção à sua situação profissional, com o risco de desta estarem afastados durante um ano.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida do TA, não obstante com fundamentos parcialmente diferentes.
*
Sem custas por isenção subjectiva (cfr. Ac. do TUI, Proc. nº 129/2020, de 03/03/2021).
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 06 de Maio de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 Cfr. Da Inconstitucionalidade do artigo 103º, alínea d), da LPTA, pág. 73.
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