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Processo nº 42/2021 Data: 21.04.2021
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Propriedade industrial.
Marca.
Registo.
“Secondary Meaning”.



SUMÁRIO

1. A “Propriedade Industrial” é considerada a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

2. A “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, constituindo, desta forma, “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”.

3. Se a “expressão” pretendida registar como marca carecer de (qualquer especial) “ressonância particular”, não possuindo (também) a necessária (especial) originalidade – e, provado não estando, igualmente, o seu “uso regular e contínuo, e com adequada intensidade”, para efeitos de a converter em “sinal identificador” ao abrigo da doutrina do “secondary meaning” – inviável é a pretensão apresentada no sentido do seu registo como marca pois que a mesma se apresenta desprovida de “eficácia distintiva” para tal efeito.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 42/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença datada de 12.02.2020 proferida pela Mma Juiz do 1° Juízo Civil do Tribunal Judicial de Base, decidiu-se negar provimento ao recurso judicial pela sociedade comercial “A” interposto do despacho n.° XXX/DPI do Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia (D.S.E.) que lhe recusou o registo da marca “”; (cfr., fls. 54 a 59 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a dita sociedade recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 17.12.2020, (Proc. n.° 566/2020), confirmou a sentença recorrida; (cfr., fls. 98 a 104).

*

Mantendo-se inconformada com a solução dada à sua pretensão, traz a referida sociedade o presente recurso, insistindo no seu pedido de registo da dita marca; (cfr., fls. 112 a 125).

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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre conhecer.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelas Instâncias recorridas está considerada como “provada” a seguinte factualidade:

“Em 7 de Fevereiro de 2018, a Recorrente requereu o registo da marca nominativa que consiste em “” e que tomou o n.º N/XXXXXX, para assinalar produtos da classe 36.ª, nomeadamente, “Serviços de seguros; efectuação de seguros relacionados com propriedades, casualidades, seguro profissional e seguro de responsabilidade executiva”.
O despacho de recusa da marca número N/XXXXXX foi proferido a 27 de Julho de 2019.
No Boletim Oficial de Macau de 21 de Agosto de 2019 foi publicada a decisão de recusa da DSE do pedido da Recorrente para registo da marca “” que tomou o número N/XXXXXX, na classe 36.
Em 2014, a Recorrente assinou um contrato para comprar B, presador de serviços de telemática e de assistência pessoal, e a C, administrador de programas de nicho que fornece produtos de seguros de viagens, ambas do D.
A marca registanda foi registada na Austrália, Nova Zelândia, Singapura e Estados Unidos da América, tendo sido igualmente publicado em Hong Kong”; (cfr., fls. 54-v e 99-v).

Do direito

3. Bate-se a sociedade ora recorrente pela concessão do registo da sua pretendida marca “” para assinalar produtos da classe 36ª e que dizem (essencialmente) respeito a “Serviços de seguros; efectuação de seguros relacionados com propriedades, casualidades, seguro profissional e seguro de responsabilidade executiva”, afirmando – essencialmente – que a mesma “goza de capacidade distintiva para identificar no mercado os serviços que visa assinalar”.

O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido considerou justo e adequado o raciocínio expendido na sentença do Tribunal Judicial de Base, e, como aí se tinha decidido, considerou (também) não verificados os necessários pressupostos legais para o pretendido registo da aludida marca.

Ponderando sobre a questão, e da reflexão que tivemos oportunidade de fazer, somos de opinião que a decisão recorrida não merece censura.

Aliás, a mesma, (que em grande parte acolhe e reproduz os argumentos antes expostos na sentença do Tribunal Judicial de Base), apresenta-se-nos como a correcta solução para a matéria em “questão”, em relação à qual, já teve este Tribunal oportunidade de se pronunciar, (valendo a pena aqui recordar o que se consignou).

Com efeito, em sede de análoga questão, (com idêntico pedido de registo de uma marca para os mesmos serviços), e em recente Acórdão de 10.03.2021, (Proc. n.° 14/2021), considerou-se, essencialmente, o seguinte:

«(…)
“Em causa no presente recurso está uma “questão” de “Direito da Propriedade Industrial” – em parte – regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), e em cujo preâmbulo se consignou:
“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.
Estatui-se, por sua vez, no art. 1° deste referido R.J.P.I. que:
“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.
Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
Cabendo apreciar de um reclamado direito de “registo de uma marca”, vejamos que solução adoptar.
(…)
Nos termos do art. 197° do aludido R.J.P.I.: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
E, assim, não obstante de um ponto de vista “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., Luís M. Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), atento ao preceituado no referido art. 197° é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., O. Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139)”; (cfr., o Ac. de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020).
In casu, e, tendo-se presente as “características” da requerida marca aqui em questão – “Own the Future” – cremos pois que, pela sua (em nossa opinião, patente) falta de “capacidade distintiva”, impõe-se concluir que a decisão de recusa do seu registo não merece censura.
Na verdade, e como pelas instâncias recorridas foi ponderado aquando da sua pronúncia em relação a tal “requisito”, (e, no fundamental, sufragando o entendimento dos Serviços de Economia), “é consideravelmente forte a probabilidade de ser apreendido como uma frase ou expressão que visa atrair a atenção dos consumidores”, (…) “muito dificilmente sendo entendida como marca identificadora de uma origem comercial de serviços assinalados”.
Com efeito, a expressão em questão, de caracter meramente “genérico”, (“comum”), e despida de qualquer “elemento figurativo”, não se nos apresenta com as necessárias “propriedades” para servir como “sinal distintivo” para efeitos do atrás transcrito art. 197° do R.J.P.I.
Porém, para a solução que se deixou adiantada importa ainda considerar o que segue.
–– Nas “conclusões” do seu recurso, alega também o ora recorrente que o dito (já efectuado) registo da marca na República Popular da China e em Hong Kong deve ser ponderado, invocando também o “princípio (denominado) «secondary meaning»”; (cfr., conclusões 5ª a 9ª).
Porém, e como já se deixou adiantado, não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.
Vejamos.
Considerando que a marca em questão está registada na República Popular da China e em Hong Kong, e invocando o teor do art. 6° quinquies A) da “Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial”, (cfr., Aviso n.° 94/99 in B.O. n.° 33, de 16.08.1999), é o recorrente de opinião que motivos não existem para o mesmo não suceder em Macau.
Pois bem, como é sabido, em matéria de “direito das marcas” vigora o “princípio da territorialidade”, (cfr., art. 4° e 5° do R.J.P.I.), nos termos do qual a “protecção da marca é de âmbito territorial”.
Isto é, (em princípio), uma marca registada num determinado ordenamento jurídico só goza de protecção no espaço em que o mesmo é aplicável.
Em suma, (e como cremos que resulta do art. 4° do R.J.P.I.), importa aqui ter em (especial) conta que os direitos de propriedade industrial são de base territorial, (“direitos territoriais”), o que quer dizer que a protecção inerente aos direitos privativos da propriedade industrial, (nomeadamente, quanto aos respectivos conteúdos e efeitos), é feita por referência a um determinado sistema jurídico, que é aquele à luz do qual são constituídos.
Nos termos do pelo recorrente invocado art. 6° quinquies da “Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial”:
“A) — 1) Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registada no país de origem será admitida para registo e como tal protegida nos outros países da União, com as restrições a seguir indicadas. Estes países poderão, antes de procederem ao registo definitivo, exigir a junção de um certificado de registo no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legislação deste certificado
2) Será considerado país de origem o país da União em que o requerente tem um estabelecimento industrial ou comercial efectivo e não fictício, e, se não tiver esse estabelecimento na União, o país da União em que ele tem o seu domicílio, e, se não tiver domicílio na União, o país da sua nacionalidade, no caso de ser nacional de um país da União”.
Porém, e independentemente do demais, há que ter igualmente presente o estatuído na “alínea B”, n.° 2 deste normativo, onde se prescreve que:
“B) Só poderá ser recusado ou anulado o registo das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo nos casos seguintes:
1.º Quando forem susceptíveis de implicar lesão de direitos adquiridos por terceiros no país em que a protecção é requerida;
2.º Quando forem desprovidas de qualquer carácter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida;
(…)”.
E, como se viu, tendo-se concluído que a “marca” em questão não tinha “carácter distintivo”, (cfr., alínea B), n.° 2), visto cremos estar que censura não merece o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Por sua vez, e em relação ao invocado “secondary meaning”, cabe dizer o que segue.
A doutrina do “sentido secundário ou encoberto” – mais conhecida pela sua denominação de língua inglesa “secondary or covert meaning”, tem permitido que marcas constituídas por sinais originariamente genéricos e comuns, desprovidos de dinstintividade, venham a adquirir esta qualidade em virtude do seu uso, regular e contínuo, com certa – um mínimo de – duração e intensidade, e, como tal, com o efeito de converter este “sinal” em marca identificadora de produtos ou serviços; (como são, v.g., exemplos clássicos, a “National”, “Volkswagen” e “American Airlines”; cfr., entre outros, Joana A. M. Barros Fernandes in, “O princípio do Secondary Meaning no direito de marcas”, e A. Ferro Ricci in, “O sentido secundário da marca. Interpretação do art. 6°, quinquies, C1 da Convenção da União de Paris e os reflexos do uso prolongado e das demais circunstâncias de fato na protecção das marcas”).
O sentido que o sinal adquira diz-se também “secundário” porque se afirma mais tarde no tempo.
Como nota Joana Fernandes, (in ob. cit.): “sucede aqui o surgimento de um segundo significado da palavra em adição ao seu sentido originário, o que é fruto de uma mudança na forma como os consumidores percepcionam o sinal. É a esta percepção, aos resultados psicológicos que o uso do sinal propicia e a um diferente valor semântico por este alcançado, que o princípio do secondary meaning vem conceder protecção legal, permitindo a ascensão do sinal, inicialmente indistintivo, à condição de marca”.
O mecanismo funciona, pois, através da permuta da “semântica originária” pela de “segundo grau”, (ou seja, pela “associação do consumidor”, tradução da feliz referência doutrinal “buyer association”, utilizada por Willajeanne F. Mclean in, “The Birth, Death, And Renaissance Of The Doctrine Of Secondary Meaning In The Making”, 1993, pág. 748), proporcionando, assim, um “neologismo” com um significado novo e autónomo que já não se poderia referenciar como destituído de carácter diferenciador.
Porém, (o certo é que), no caso dos autos, “provado” não está o aludido “uso”, (com as referidas “qualidades”), para se poder considerar que, (em Macau), o sinal em questão está, (devidamente) assimilado, e, como tal, passível de ser considerado como “sinal (distintivo)” em “serviços da classe 36ª” do ora recorrente para que accionado seja o invocado princípio.
(…)».

Ora, aqui chegados, motivos não havendo para não se ter como adequado o que se deixou considerado, (em sede dos Autos de recurso civil n.° 14/2021), e que, em nossa opinião, (atento, especialmente, à “expressão” em questão, e aos “serviços” a que diz respeito), se apresenta (inteiramente) válido para a situação dos presentes autos, pouco há a acrescentar.

Com efeito, (e admitindo-se que em matérias como as agora em questão intervém sempre alguma “subjectividade”), temos para nós que a “expressão” em análise – “” – carece de (qualquer) “ressonância particular”, não possuindo a necessária (especial) originalidade, e, provado não estando, igualmente, o seu “uso regular e contínuo, e com adequada intensidade”, para efeitos de a converter em “sinal identificador” ao abrigo da doutrina do “secondary meaning”, inviável é a pretensão apresentada, pois que se apresenta desprovida de “eficácia distintiva”.

Na verdade, (e tal como na situação dos Autos de Recurso n.° 14/2021 igualmente se ponderou), a “expressão” cujo registo como marca agora se pretende, identifica-se como uma (mera) “frase promocional” (ou uma mera “mensagem publicitária comum”), que se limita a realçar, (elogiar), a “qualidade dos produtos ou serviços”, e que, desta forma, não deixará de ser (certamente) percebida como uma “pura fórmula promocional”; (cfr., v.g., L. M. Conto Gonçalves in, “Manual de Direito Industrial”, pág. 180 e 181, onde, a propósito de situações próximas, e com exemplos e referências da jurisprudência sobre a questão, nota que, “Bem vistas as coisas, não são sinais para «descrever» produtos ou serviços, mas para «promover» ou publicitar produtos ou serviços”).

Dest’arte, por falta de “carácter distintivo”, e como tal, incapaz de associar produtos a uma origem empresarial específica, verificados não se mostram os necessários pressupostos legalmente exigidos para efeitos do seu registo como “marca”, vista estando a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 21 de Abril de 2021


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 42/2021 Pág. 16

Proc. 42/2021 Pág. 17