Processo nº 62/2021 Data: 18.06.2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : “Trabalhador não residente”. (T.N.R.).
Autorização de permanência na R.A.E.M..
Recurso.
Questões novas.
Princípios de Direito Administrativo.
Reabilitação.
SUMÁRIO
1. O recurso de uma decisão tem como objectivo permitir uma apreciação da sua adequação legal, não sendo o meio processual (próprio) para se suscitar questões – “novas” – que não foram antes colocadas ao autor da decisão recorrida e que, por isso, não foram objecto de pronúncia.
2. As condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios da prática de quaisquer crimes são susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada de não residentes na R.A.E.M..
3. Não é adequada uma aplicação (pura) das disposições relativas à matéria da “reabilitação” ao “regime da entrada, permanência e autorização de residência”, uma vez que são (totalmente) distintos os interesses em jogo; (no regime de reabilitação, a ressocialização dos delinquentes condenados, no outro os interesses de ordem pública e segurança da comunidade).
4. No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se constatar erro manifesto ou total desrazoabilidade no seu exercício (de poderes discricionários), ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
Não cabe ao Tribunal dizer se renovaria ou não a autorização de residência temporária de um particular interessado se lhe competisse decidir. Ao Tribunal compete apreciar se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 62/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), devidamente identificado nos autos, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da decisão do SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que lhe recusou a autorização de permanência em Macau; (cfr., fls. 2 a 28 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14.01.2021, (Proc. n.° 358/2020), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 42 a 46).
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Inconformado com o decidido, traz agora o presente recurso jurisdicional, alegando para, a final, em sede de conclusões, e em síntese, afirmar que:
- a decisão padece de “erro de direito”; e,
- “viola os princípios da proporcionalidade e justiça”; (cfr., fls. 59 a 65-v).
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Sem resposta, vieram os autos a este Tribunal de Última Instância.
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público douto Parecer, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 83 a 84).
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Adequadamente processados os autos e nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância considerou como “provada” a seguinte matéria de facto:
“․ O recorrente A é residente em RAEHK;
․ Por despacho de 11SET2019 do Senhor Comandante da PSP, foi recusada a concessão ao recorrente da autorização de permanência na qualidade de trabalhador;
․ Inconformado com essa decisão, interpôs dela recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;
․ Em sede de recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Segurança, por despacho de 21JAN20201, exarado sobre a informação elaborada pelo Senhor Comandante da PSP em 13DEZ20192, negou-lhe provimento e manteve a recusa; e
․ Inconformado com esse despacho, o recorrente interpôs o recurso contencioso para o TSI”; (cfr., fls. 42-v a 43-v).
Do direito
3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, o presente recurso (jurisdicional) tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao anterior recurso contencioso pelo recorrente interposto do despacho do Secretário para a Segurança que confirmou a não autorização da sua permanência na R.A.E.M. como trabalhador não residente.
A fim de permitir uma boa percepção do que em causa (agora) está, comecemos por ver os termos da decisão ora recorrida:
“Para nós, as questões efectivamente colocadas com alegações devidamente motivadas já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.
Não obstante, achamos conveniente acrescentar, em relação à alegada violação do princípio da proporcionalidade.
Tradicionalmente falando, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.
In casu, tendo em conta a perigosidade, demonstrada pelos comprovados antecedentes criminais do recorrente, para a segurança e a ordem públicas da RAEM que visa alcançar, a recusa ao recorrente da autorização da permanência na qualidade de trabalhador não se mostra exagerada, muito menos inaceitável e intolerável, pois os interesses públicos que a Administração pretende tutelar estão em manifesta superioridade em relação aos interesses particulares por parte de um não residente em poder trabalhar na RAEM, que, ao que parece, foram aqui reclamados pelo recorrente.
(…)”; (cfr., fls. 45 a 45-v).
Aqui chegados, temos para nós que muito não se mostra necessário dizer para se chegar a uma solução em sede do presente recurso.
Sem mais demoras, vejamos.
–– Quanto ao assacado “erro de direito”.
Diz o recorrente que:
“Sempre com o devido respeito, consideramos que a Administração tinha aplicada erroneamente o artigo 15.° n.° 1 do Regulamento Administrativo ex vi a alínea 2) do n.° 2 do artigo 4.° da Lei n.° 4/2003, como fundamento, para recusar o pedido da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não-residente, apresentado pelo ora Recorrente”; (cfr., “conclusão o”).
Ora – para além de se notar que o ora recorrente invoca um “erro da decisão administrativa” e não da decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância – claro se apresenta que o recurso de uma decisão tem como objectivo permitir uma apreciação da sua adequação legal, não sendo o meio processual (próprio) para se suscitar questões – “novas” – que não foram antes colocadas ao autor da decisão recorrida e que, por isso, não foram objecto de pronúncia.
In casu, a aludida questão identificada como “erro de direito”, não foi pelo ora recorrente suscitada em sede do “recurso contencioso” apresentado no Tribunal de Segunda Instância; (cfr., a petição do “recurso contencioso”, a fls. 2 a 6).
Nesta conformidade, e constituindo a dita questão uma “questão nova”, (que não é de conhecimento oficioso), visto está que sobre a mesma não pode esta Instância conhecer; (sobre o tema, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 03.04.2021, Proc. n.° 125/2019 e de 24.02.2021, Proc. n.° 206/2020).
–– Vejamos agora da alegada “violação dos princípios da proporcionalidade e justiça”.
Pois bem, a decisão recorrida é – absolutamente – clara, corresponde ao entendimento que esta Instância tem adoptado sobre a “matéria” em questão, e limitando-se o ora recorrente a insistir na sua discordância, evidente se apresenta a decisão a proferir.
Com efeito, de forma firme tem esta Instância considerado que:
“Não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.
No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.
Para a Lei n.º 4/2003, não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações.
Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança pública da Região”, (cfr., v.g., o Ac. de 13.12.2007, Proc. n.° 36/2006);
“Para efeitos de concessão da autorização de residência e de respectiva renovação, a lei manda expressamente atender aos antecedentes criminais do interessado, ao comprovado incumprimento das leis da RAEM ou a qualquer das circunstâncias referidas no art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, incluindo a condenação do interessado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior.
(…)
Não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação ao regime de entrada, permanência e autorização de residência, uma vez que são totalmente distintos os interesses que estão em jogo: no regime de reabilitação o que se visa é a ressocialização dos delinquentes condenados e no segundo relevam-se mais os interesses de ordem pública e segurança social da comunidade.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica for a de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
O Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
Não se descortina no acto administrativo impugnado qualquer desvio do objecto legislativo da Lei n.º 4/2003 nem erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
As razões humanitárias não conduzem necessariamente à renovação da autorização de residência, sendo apenas um dos factores atendíveis na tomada da decisão administrativa, conforme o disposto na al. 6) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003.
E os interesses públicos subjacentes na ponderação de renovação ou não de autorização de residência prevalecem, em princípio, sobre os interesses individuais de interessados de residir em Macau”, (cfr., v.g., o Ac. de 14.12.2012, Proc. n.° 76/2012); e,
“Os n. os 1 e 2, alínea 1) do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, quando referem que para efeitos de concessão de autorização de residência na RAEM, deve atender-se, nomeadamente, aos “Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”, confere verdadeiros poderes discricionários à Administração.
A reabilitação de direito não tem natureza vinculativa para a Administração na decisão quanto à autorização de residência, tomada ao abrigo do disposto no art. 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, que permite a Administração indeferir o pedido de autorização de residência do interessado, tendo em consideração os seus antecedentes criminais.
Não cabe ao Tribunal dizer se renovaria ou não a autorização de residência temporária dos recorrentes, se lhe competisse decidir. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro”; (cfr., v.g., o Ac. de 28.01.2015, Proc. n.° 123/2014).
Nenhum motivo se vislumbrando para se divergir do que se tem entendido e decidido (e se deixou transcrito), resta pois concluir como segue.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 18 de Junho de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Despacho
Assunto: Recurso hierárquico necessário
Interessado: A
O interessado interpõe o presente recurso hierárquico necessário contra a decisão do Comandante da PSP que rejeitou a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador não residente.
Nos termos do art.º 161.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo, concordo com a análise feita em 13 de Dezembro de 2019 pelo Comandante da PSP na informação, no sentido de manter a decisão de recusa de concessão da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente, contudo, dado que foram verificadas algumas inexactidões dos fundamentos jurídicos em que se baseou o despacho recorrido, aqui procedo à rectificação, para servir de fundamento jurídico da decisão, é o disposto no art.º 15.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010 conjugado com o art.º 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º4/2003.
O Secretário para a Segurança,
Wong Sio Chak
Aos 21 de Janeiro de 2020
2 INFORMAÇÃO
Assunto: Recurso hierárquico. Indeferimento de pedido de emissão de TITNR
Recorrente: A
1. O recorrente, visitante da RAE de Hong Kong, de nome A, titular do HKIC nº V XXXXXX(X), vem interpôr recurso hierárquico do despacho através do qual lhe foi indeferido o pedido de emissão de autorização de permanência na qualidade de trabalhador (TITNR), invocando, em síntese, o seguinte:
2. Que, desde a altura da prática dos factos já se passaram dezoito anos, pelo que não se pode invocar uma questão tão antiga para negar o pedido; e transcreve as normas da lei das penas criminais da RAE de Hong Kong, para afirmar que dos referidos factos já não resultam efeitos, e que elimina qualquer menção no registo criminal;
3. Pedindo, pelos fundamentos acima invocados, que seja revogado o acto recorrido, e concedida a autorização de permanência pretendida.
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4. Para o indeferimento do pedido do recorrente de concessão de autorização de permanência na qualidade de trabalhador - TITNR, a corporação socorreu-se dos factos descritos na informação da Polícia de Hong Kong (a fls. 161),
5. e do conteúdo do despacho do Exmo. Secretário para a Segurança, exarado em 26 de Novembro de 2018, relativo ao indeferimento do pedido de autorização de residência (a fls. 187 e 188);
6. Considera a corporação, que uma autorização de permanência na qualidade de trabalhador, é igualmente um tipo de permanência que necessita de um elevado grau de confiança e o órgão recorrido neste momento não se sente seguro em conceder,
7. pelo que os fundamentos que prevaleceram para o referido indeferimento do pedido de autorização de residência são idênticos, e enquadram-se no disposto do nº 1 do artº 15º do RA nº 8/2010, e considerou-se necessário não deferir a pretensão do requerente.
8. Pelo exposto, considera-se que o despacho através do qual foi recusada a autorização de permanência ao recorrente na qualidade de trabalhador, não sofre de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não devendo assim ser concedido provimento ao presente recurso hierárquico.
9. À superior consideração de V.Exa ..
CPSP, aos 13 de 12 de 2019.
O Comandante,
B
Superintendente Geral
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