打印全文
Processo n.º 52/2021
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrido: A
Data da conferência: 3 de Junho de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Sanção disciplinar
- Aplicação da pena de multa
- Pressupostos

SUMÁRIO
1. É pressuposto legal da aplicação da pena de multa o prejuízo manifesto provocado pela infracção disciplinar praticada pelo arguido para o serviço, para a disciplina ou para o público resultante de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais.
2. No caso concreto, se a Administração entender não verificada a circunstância agravante prevista na al. f) do n.º 2 do art.º 201.º do EMFSM, por não se detectar que a conduta do arguido produziu efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, então é de concluir pela não verificação do prejuízo manifesto para o serviço, para a disciplina ou para o público, daí que falta o pressuposto legal necessário para aplicação da pena de multa.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho punitivo proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança em 12 de Novembro de 2019, que em sede do recurso hierárquico por si interposto alterou a sanção disciplinar aplicada para 15 dias de multa.
Por acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2020, o Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento ao recurso, anulando-se o acto impugnado.
Inconformado com o acórdão, vem o Senhor Secretário para a Segurança recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Em 14 de Outubro de 2019, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública aplicou ao Recorrente a pena de multa de 20 dias e, por seu turno, o Recorrente interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança. Por despacho n.º XXX/SS/2019 de 12 de Novembro de 2019, o Secretário para a Segurança alterou a pena de multa de 20 dias para 15 dias.
2) O Recorrente recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho n.º XXX/SS/2019 do Secretário para a Segurança.
3) Por acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2020 no recurso contencioso em apreço, o TSI revogou o acto praticado pelo Secretário para a Segurança, uma vez que, no entendimento do Tribunal Colectivo, o aludido acto padece do vício de violação de lei, ou seja, em concreto, tal acto violou o disposto no art.º 235.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
4) Salvo o devido respeito, veio o Secretário para a Segurança interpor recurso contra o acórdão supramencionado, por ter considerado que o mesmo cometeu erro na interpretação da lei.
5) Pelo conteúdo do despacho n.º XXX/SS/2019 do Secretário para a Segurança: “Não se verificou no acto praticado pelo recorrente a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros”, o acórdão do TSI ora recorrido entendeu que a infracção disciplinar em causa não reuniu o requisito de aplicação da pena de multa previsto no art.º 235.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, concluindo que a pena aplicada era ilegal.
6) Na apreciação do recurso hierárquico interposto pelo Recorrente, o Secretário para a Segurança detectou que na acusação deduzida no processo disciplinar se apontou que o Recorrente tinha praticado o acto com circunstância agravante prevista na alínea f) do n.º 2 do art.º 201.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, invocando-se o seguinte fundamento: “O arguido aderiu, sem autorização deste CPSP, à sobredita associação – ‘Secção de Macau da Associação Internacional de Polícia’, exercendo funções de secretário-geral adjunto da direcção da referida associação, pelo que este devia ter previsto que a sua conduta produzia necessariamente resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros”.
7) Todavia, examinados os documentos constantes dos autos, constata-se que, em 28 de Janeiro de 2019, o Recorrente pediu ao CPSP que lhe autorizasse o exercício de funções de secretário-geral adjunto da direcção da referida associação a partir de 23 de Fevereiro de 2019, e, por seu turno, em 21 de Março de 2019, o Comandante do CPSP proferiu o despacho de não autorização, pelo que é inexistente a circunstância agravante supramencionada.
8) Devido à inexistência da sobredita circunstância agravante, por despacho n.º XXX/SS/2019, o Secretário para a Segurança alterou a pena de multa de 20 dias para 15 dias.
9) O art.º 201.º, n.º 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau dispõe: “A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;”
10) O art.º 235.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau dispõe: “A pena de multa é aplicável em caso de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais de que resulte prejuízo manifesto para o serviço, para a disciplina ou para o público.”
11) As matérias preceituadas nos referidos dois artigos são diferentes: no caso do art.º 235.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau são aplicáveis os critérios da pena de multa; e no caso do art.º 201.º, n.º 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau trata-se duma circunstância agravante emergente duma infracção disciplinar que produziu efectivamente resultados prejudiciais.
12) A não verificação da circunstância agravante, prevista na alínea f) do n.º 2 do art.º 201.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, no acto praticado pelo Recorrente não implica a não satisfação dos critérios de aplicação da pena de multa consagrados no art.º 235.º do mesmo Estatuto.
13) À luz das informações constantes dos autos (vide fls. 33 do processo disciplinar), em 2018, o Recorrente tinha exercido, sem autorização prévia de seu superior hierárquico, funções de secretário da comissão de supervisão da sobredita associação, violando o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 16.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, por conseguinte, foi lhe aplicada sanção disciplinar.
14) Daí se vislumbra que o Recorrente tinha perfeito conhecimento dos deveres funcionais, porém recusou, conscientemente, o cumprimento destes, o que se traduz na ignorância da importância de cumprimento dos deveres funcionais.
15) Assim sendo, a aplicação da pena de multa ao Recorrente, ao abrigo do art.º 235.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, atinge o resultado de correição e prevenção, sendo compatível com a lei.

Não contra-alegou o ora recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, reiterando a sua anterior posição já assumida em sede do recurso contencioso, no sentido de negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

2. Factos
O despacho proferido pelo Secretário para a Segurança tem o seguinte teor:
DESPACHO N.º XXX/SS/2019
Assunto: Recurso hierárquico
Recorrente: Guarda do CPSP n.º XXXXXX, A
Autos n.º: Processo Disciplinar do CPSP n.º XXX/2019
O recorrente interpôs recurso hierárquico do despacho proferido em 14 de Outubro de 2019 pelo Comandante do CPSP no âmbito do processo disciplinar em epígrafe que aplicou ao recorrente uma pena de 20 dias de multa, pelo motivo de que o recorrente, sem autorização prévia, exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” e, participou na actividade desta Associação, o que viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Examinados os autos, apura-se que o recorrente exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” sem autorização e essa conduta viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau. Mas, verifica-se uma falha no fundamento do despacho recorrido.
Por outro lado, de acordo com os elementos constantes dos autos, não se verifica que a conduta do recorrente produziu efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, pelo que não se verifica a circunstância agravante prevista no art.º 201.º, n.º 2, al. f) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
Pelos expostos, no uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 111/2014 e, nos termos do art.º 292.º, n.º 3 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e art.º 161.º do Código do Procedimento Administrativo, o Secretário para a Segurança vem modificar o fundamento do acto recorrido para: “o recorrente exerceu o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” sem autorização, o que viola os “outros deveres” previstos no art.º 16.º, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.” e, alterar a pena aplicada para 15 dias de multa.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 12 de Novembro de 2019.

3. Direito
A questão colocada no presente recurso jurisdicional reside em saber se está verificado o pressuposto legal para justificar a aplicação ao ora recorrido da pena disciplinar de multa.
O Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento ao recurso contencioso interposto pelo ora recorrido por considerar que falta o indispensável pressuposto legal para a aplicação da pena disciplinar de multa previsto no art.º 235.º do EMFSM, uma vez que resulta expressamente da decisão punitiva que não se verifica que a conduta do ora recorrido “produiu efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros”.
Imputando o vício de erro na interpretação da lei, alega a entidade recorrente que a não verificação da circunstância agravante prevista na al. f) do n.º 2 do art.º 201.º do EMFSM não implica a não satisfação dos critérios de aplicação da pena de multa consagrados no art.º 235.º do mesmo Estatuto, pois as matérias preceituadas nos referidos dois artigos são diferentes: no caso do art.º 235.º são aplicáveis os critérios da pena de multa, enquanto no art.º 201.º n.º 2, al. f) é prevista uma circunstância agravante emergente duma infracção disciplinar que produziu efectivamente resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros.
Vejamos.

Ora, tal como se pode facilmente constatar no despacho punitivo, considera a entidade recorrente que não se detecta que a conduta do ora recorrido, de exercer o cargo de vice-secretário geral da Direcção Geral da “Sessão de Macau da Associação Internacional de Polícia” e participar nas actividades desta Associação, mas sem autorização prévia, tenha produzido efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, pelo que não se verifica a circunstância agravante prevista no art.º 201.º n.º 2, al. f) do EMFSM.
Encontram-se no art.º 201.º do EMFSM várias circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar, que são aquelas “que aumentarem a culpabilidade do arguido ou o grau de ilicitude do facto”, entre as quais se inclui a prevista na al. f) do n.º 2: “A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”.
Por seu lado, dispõe o art.º 235.º do EMFSM que “A pena de multa é aplicável em caso de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais de que resulte prejuízo manifesto para o serviço, para a disciplina ou para o público”.
É verdade que as duas normas legais em causa regulam matérias diferentes, respeitantes às circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar e aos pressupostos da aplicação da pena de multa, respectivamente.
É de reparar, porém, que em ambas as normas há ponto semelhante, até se pode dizer comum: na primeira fala-se na “produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros” e na segunda no “prejuízo manifesto para o serviço, para a disciplina ou para o público”.
Não obstante a utilização dos termos e expressões diferentes, certo é que as duas normas relevam, a nosso ver, uma concepção quase idêntica, referente ao resultado prejudicial (ou prejuízo) ao serviço, à disciplina ou ao público.
Ora, é pressuposto legal da aplicação da pena de multa o prejuízo manifesto provocado pela infracção disciplinar praticada pelo arguido para o serviço, para a disciplina ou para o público resultante de negligência ou má compreensão dos deveres funcionais.
No caso vertente, entende a entidade recorrente não verificada a circunstância agravante da al. f) do n.º 2 do art.º 201.º, por não se detectar que a conduta do recorrido produziu efectivamente os resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, o que permite concluir também pela não verificação do prejuízo manifesto para o serviço, para a disciplina ou para o público.
Não se mostra relevante se o recorrido praticou a infracção com negligência ou má compreensão dos deveres funcionais, ou recusou o cumprimento dos deveres, embora com perfeito conhecimento dos mesmos, tal como alega a entidade recorrente (ponto 14 das conclusões das suas alegações), pois o que interessa mais no presente recurso é que não se considera verificado o prejuízo para o serviço, para a disciplina ou para o público.
Assim, falta o pressuposto legal necessário para aplicação da pena de multa
Não se vislumbrando o vício imputado ao acórdão recorrido, é de negar provimento ao recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Sem custas.

Macau, 3 de Junho de 2021
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas



1
Processo n.º 52/2021