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Processo nº 175/2021
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data do Acórdão: 20 de Maio de 2021

ASSUNTO:
- Marcas
- Carácter distintivo
- Vocábulos comuns

SUMÁRIO:
- A marca tem como função servir à identificação do produto e do produtor distinguindo-o de outros da mesma espécie;
- A expressão “INSTANT LOOK IN A PALETTE” que traduzido para português significa “imagem instantânea numa paleta” não tem capacidade distintiva de acordo com o disposto na al. b) do artº 199º do RJPI para produtos da classe 03 constituídos essencialmente por produtos cosméticos.


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Rui Pereira Ribeiro



Processo nº 175/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Maio de 2021
Recorrente: A Limited
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:


I. RELATÓRIO

A Limited, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão de 14.05.2020 do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia que recusou o seu pedido de registo da marca nº N/1XXXXX pedindo que seja revogado o despacho de recusa da DSE, sendo substituído por outro que conceda a marca objecto do presente recurso.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSE a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Requerente da marca e Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
1. Na avaliação do carácter distintivo de um sinal cabe ponderar as particularidades do caso concreto devendo a apreciação da marca deve ser efectuada relativamente aos produtos a que se destina e em relação à percepção que dela tem o público relevante;
2. Sinal descritivo é aquele que exclusivamente define, indica ou evoca o objecto em causa, na natureza, nas suas propriedades ou nas suas qualidades;
3. O sinal em crise não descreve a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a providência geográfica, e época ou meio de produção dos produtos que se destinam assinalar;
4. Tão-pouco este sinal descreve a espécie do produto porque não faz uma alusão, directa e exclusiva, ao tipo de produtos a que a marca se destina;
5. O consumidor que seja confrontado com o sinal “instante Look in a Palette” não irá conceber o mesmo como uma descrição dos produtos assinalados pela Marca N/1XXXXX na classe 03;
6. O consumidor é obrigado a uma actividade intelectual imaginativa para associar o sinal em crise aos produtos marcados, por este não fornecer elementos ou indicações directas sobre os produtos distinguidos pelo mesmo;
7. Uma denominação é descritiva de um produto, e não sugestiva, se os empresários do sector não necessitam de usar a sua imaginação para descrever os seus produtos aos consumidores;
8. Ainda que a marca em causa se limite a sugerir ou a evocar por forma inabitual ou invulgar uma característica do produto ou serviço, estaremos perante marcas sugestivas, expressivas ou significativas as quais são perfeitamente válidas;
9. A DSE e o Douto Tribunal nunca consideraram nem demonstraram que os consumidores daqueles produtos, colocados perante o sinal em causa, teriam ou não de usar a imaginação para os associar directamente aos produtos assinalados;
10. A marca apresenta-se com uma composição final que lhe garante a singularidade e a criatividade necessárias ao registo;
11. A marca é utilizada em Macau nos produtos comercializados pela Recorrente tendo por isso adquirido carácter distintivo ao abrigo do artigo 214.º, n.º 3 do RJRI;
12. A marca recusada não é composta exclusivamente por sinais descritivos por estes não descreverem a espécie, quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção da prestação dos produtos que se destinam assinalar, pelo que o despacho recorrido violou os artigos 197.º, 199.º, n.º 1, alínea b) e 214.º, n.º 3 do RJPI e deve assim ser revogado e admitido o registo da marca recusada.

Notificado a DSE das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos:

Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
A) Em 13 de Abril de 2019, a recorrente apresentou à DSE o pedido de registo de marcas nº N/1XXXXX, fornecendo produtos/serviços na classe 3ª. A configuração da marca: INSTANT LOOK IN A PALETTE (ver fls. 1 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
B) Em 14 de Maio de 2020, o Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da DSE concordou com o teor da Informação nº 327/DPI/2020, na qual proferiu o despacho de recusar o pedido de registo de marcas nº N/1XXXXX.
C) “INSTANT LOOK IN A PALETTE” significa em chinês “調色板的即時外觀”, “調色盤中的瞬間模樣” ou “驟眼間看到調色盤”
D) O referido despacho de recusa foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 23, II Série, de 3 de Junho de 2020.
E) Em 3 de Julho de 2020, a recorrente interpôs recurso junto deste Tribunal.
F) A marca em causa foi registado na Inglaterra.

b) Do Direito

Na conclusão de recurso 8 vem a Recorrente sustentar que a expressão em causa tem capacidade distintiva uma vez que, “ainda que a marca em causa se limite a sugerir ou a evocar por forma inabitual ou invulgar uma característica do produto ou serviço, estaremos perante marcas sugestivas, expressivas ou significativas as quais são perfeitamente válidas”.
A questão que se discute no presente recurso, é a de saber se ocorre o fundamento de recusa do registo da marca previsto na alínea a) do nº 1 do artº 214º conjugado com o nº 1 da al. a) do artº 9º e a alínea b) do nº 1 do artº 199º, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 214º do RJPI o registo da marca é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa previsto no nº 1 do artº 9º do mesmo diploma.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 9º do RJPI devem ser recusados os direitos de propriedade industrial quando o objecto não for susceptível de protecção.
Segundo a alínea b) do nº 1 do artº 199º do RJPI não são susceptíveis de protecção «os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou a prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.».
Como é sabido a marca destina-se a distinguir a origem empresarial dos produtos ou serviços oferecidos ao consumidor, individualizando e distinguindo produtos, mercadorias ou serviços de outros da mesma espécie.
A marca para além de servir a identificação do produto/mercadoria/serviço com o produtor/fornecedor, tem vindo a assumir para além da sua função distintiva uma outra de carácter mais económico e que está directamente relacionada com a sua função publicitária e atractiva1.
Contudo, a função essencial da marca continua a ser o seu carácter distintivo.
Daí que não possam ser constituídas por indicações que possam ser usadas no comercio para identificar o produto.
A propósito de marcas constituídas apenas por sinais genéricos veja-se Manual de Direito Industrial de Luis M. Couto Gonçalves, Almedina, pág. 171 a 173: «A marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
A capacidade distintiva da marca, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições que a lei expressamente consagra.
O legislador nas als. b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 223.º enumera as situações mais frequentes em que o sinal carece de capacidade distintiva.
a) Sinal Genérico do Produto ou Serviço
Sinal genérico é ou o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa, unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.
Esta proibição vem referida implicitamente na al. a) do n.º 1 do art. 223.º. O sinal genérico corresponde à “antítese de uma marca”.
Ao sinal genérico devem equiparar-se, igualmente, os nomes dos produtos ou serviços incorrectamente redigidos, ou simplesmente abreviados ou, ainda, compostos de simples aditamentos, irrelevantes ou inexpressivos, dos quais não resulte qualquer significado mais sugestivo ou qualquer capacidade individualizadora e, ainda, as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da Comunidade Europeia.
Por outro lado, se um produto ou serviços tiver mais de uma designação própria a proibição alarga-se a ambas as designações.
Ao contrário dos sinais usuais, de que trataremos adiante, a qualificação jurídica de uma denominação genérica depende mais da definição linguística do que do uso por parte do público consumidor. Um sinal pode ser genérico sem ser usual. Uma denominação é genérica quando se refere ao nome próprio (ainda que não o mais usual) do produto ou serviço que assinale ou, ainda, quando designe o conceito (económico ou natural) do género a que esse produto ou serviço pertença de um modo considerado relevante no mercado.».
No caso em apreço a marca cujo registo se pretende traduzido para português significa “imagem instantânea numa paleta”.
“Look” em inglês é uma expressão que está associada à imagem aparência.
“Novo look” ou “novo visual” são expressões comuns para referir que a pessoa mudou a sua imagem ou se apresenta com uma nova ou diferente imagem.
“Instant”, instantânea, imediato.
“Palette”, em português paleta, é o objecto onde o pintor coloca as tintas, as cores, e as mistura, podendo também ter o significado de conjunto de cores ou o conjunto de características de determinado estilo artístico ou artista2.
“Instant Look in a Palette” é imediatamente associado a uma paleta de cores que lhe atribui de forma imediata e instantânea uma nova imagem, um novo visual.
Na área dos cosméticos é comum serem comercializadas caixas com produtos para colorir os olhos, o rosto ou o corpo compostas por várias cores que mais não são do que uma paleta de cores para, uma vez usadas nos olhos, rosto ou corpo, darem ao sujeito um novo visual.
Uma paleta de cores que dá um visual/imagem instantânea é uma expressão que descreve a função e objectivo de produtos cosméticos – v.g. quem usa esta paleta imediatamente adquire uma nova imagem - os quais se enquadram na classe 3.
A paleta pode também significar um conjunto de produtos organizados numa placa ou numa caixa com um propósito comum que não seja apenas ou exclusivamente colorir.
Nomeadamente pode significar uma paleta onde estão um conjunto de produtos que usados em conjunto permitem construir, mudar, a imagem de forma instantânea, função esta descritiva de produtos cosméticos como aqueles para os quais a marca foi requisitada.
O uso da expressão com o significado de “uma paleta que lhe dá um visual instantâneo” para cosméticos como marca, seria permitir que uma expressão – frase – que pode ser usado para descrever produtos desta natureza fosse monopolizada por determinado fabricante ou comerciante destes produtos, quando ela é necessária e útil à descrição destes produtos.
Neste sentido veja-se Carlos Olavo em Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 85/86:
«Nas alíneas c) e d) do artigo 223.º, tem-se em vista as marcas tradicionais (nominativas, figurativas ou mistas).
Visam estas alíneas evitar que sejam monopolizadas como marcas expressões ou sinais indispensáveis à identificação de mercadorias ou necessárias para a identificação das usas qualidades e funções, ou cujo uso se vulgarizou.
Assim, não servem como marca os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, ou a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.
Tratando-se de expressões meramente descritivas da realidade a que se reportam, devem poder ser, enquanto sinais genéricos, utilizados por qualquer um.
A simples indicação do produto ou serviço ou de características destes, como seria o caso da marca “Leite” para lacticínios, por carecer de capacidade distintiva, não pode constituir marca.
A capacidade distintiva de um sinal deve ser apreciada tendo em atenção as características próprias dos sinais distintivos em geral, e das marcas em particular.
A protecção de determinado sinal como marca não decorre da maior ou menor qualidade inventiva ou criadora desse sinal, mas sim da sua adequação para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A marca não precisa de ser invenção do seu titular, nem mesmo original, pode ser uma palavra de uso corrente.
A lei não proíbe que seja adoptado como marca um vocábulo comum de uso generalizado, só sendo de afastar, como marca, sinais meramente descritivos no ramo de comércio onde se inserem os produtos ou serviços a que a marca se destina.
O facto de se tratar de palavras concretas não exclui a capacidade distintiva do sinal, pois seria absurdo que só pudessem constituir marcas nominativas expressões de fantasia.».
Assim sendo, com base nas disposições legais indicadas, bem andou a decisão recorrida ao confirmar a decisão da entidade recorrida de negar a marca, uma vez que a mesma não é susceptível de protecção face ao disposto na al. a) do nº 1 do artº 9º, al. b) do nº 1 do artº 199º e al. a) do nº 1 do artº 214º todos do RJPI.
Em igual sentido estabelece a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, concluída em 14.07.1967, no seu artigo 6º - quinquies B) 2º.
Em sentido idêntico vejam-se Acórdãos deste tribunal tirados nos processos 575/2013 e processo 346/2013 ambos de 03.07.2014 e 251/2014 de 24.07.2014.

III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe e Notifique.

RAEM, 20 de Maio de 2021
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong

1 Sobre esta matéria veja-se Carlos Olavo; Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 74/75.
2 Dicionário da Língua Portuguesa 2009, Porto Editora.
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175/2021 CÍVEL 1