Processo nº 43/2021 Data: 12.05.2021
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Pena disciplinar.
Reabilitação.
Pena de demissão.
Conversão (para aposentação compulsiva).
Poder discricionário.
SUMÁRIO
1. Importa distinguir “reabilitação”, e (todos) os seus “efeitos”, (como a “conversão da pena”), pois que, uma coisa é a “reabilitação” (stricto sensu), que – desde que verificados os seus pressupostos quanto aos “períodos de tempo” e “boa conduta” do funcionário ou agente – “(…) faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente”; (cfr., art. 349°, n.° 4 do E.T.A.P.M.).
Isto é, o reabilitado, volta a adquirir “capacidade para o exercício de funções públicas”, (cfr., art. 13°, n.° 1, al. d) do E.T.A.P.M.), embora “sem direito ao lugar ou cargo que detinha”, necessário sendo então um novo processo de candidatura/selecção e (eventual) provimento, tudo nos termos e em conformidade com o previsto no “Regime Jurídico da Função Pública”.
2. Porém, não se trata de um “voltar tudo atrás, ficando tudo na mesma”, pois que também a (eventual) “conversão da pena de demissão em aposentação” prevista no n.° 6 do art. 349° do E.T.A.P.M., constitui, apenas, uma “probabilidade” ou uma “expectativa” do trabalhador, à qual corresponde uma “faculdade” – ou melhor, um “poder discricionário” – da Administração, não sendo ou constituindo um efeito, “directo”, “imediato” ou “necessário” da concessão da reabilitação
3. A intervenção do Tribunal na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 43/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, datado de 19.03.2020 que lhe indeferiu o “pedido de conversão da pena disciplinar de demissão para a de aposentação compulsiva”; (cfr., fls. 2 a 49 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão julgando improcedente o recurso; (cfr., Ac. de 17.12.2020, Proc. n.° 453/2020, a fls. 170 a 184-v).
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Ainda inconformado, do assim decido vem recorrer para esta Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“I. Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que julgou improcedente o Recurso Contencioso interposto pelo Recorrente, confirmando e mantendo o acto administrativo recorrido, a saber, o despacho proferido pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças em 19 de Março de 2020, exarado na Proposta n.° 001/NAJ/VP/20 de 8 de Janeiro de 2020, devidamente notificado ao Recorrente no dia 16 de Abril de 2020 por Ofício n.º 013/NAJ/VP/20, de 27 de Março, que concordou com o parecer do Senhor Director dos Serviços de Finanças de 22 de Janeiro de 2020, e que indeferiu o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, nos termos do n.º 6 do artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro ("ETAPM").
II. O presente recurso tem dois fundamentos distintos: o primeiro relativo a um vício de errada aplicação de lei substantiva, tendo em conta a interpretação que o Tribunal a quo fez do n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM; o segundo relativo a um vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça, previstos nos artigos 5.º e 7.º do CPA, e pelo exercício desrazoável do poder discricionário (artigo 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC).
III. Quanto ao primeiro fundamento, está em causa a interpretação do n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM, e a questão que se coloca é a de saber se, para efeitos de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva podem, ou não, ser valorados os próprios factos que estiveram na origem da demissão, ou se devem apenas ser valoradas as boas condutas posteriores à aplicação da pena.
IV. O n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, devem apenas ser tidas em conta as boas condutas (ou a eventual falta delas) posteriores à aplicação dessa pena, e não as condutas que levaram à aplicação da pena de demissão.
V. O regime da conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, previsto no artigo 349.º do ETAPM, não visa alterar a sanção ou, em última ratio, desculpabilizar condutas incorrectas dos funcionários da administração pública que tenham sido punidos no âmbito de processos disciplinares instaurados, mas sim reintegrar infractores que adoptem uma boa conduta, retirando-lhe certas incapacidades e efeitos resultantes da punição sofrida, com vista a apagar, na medida do possível, o rasto de consequências negativas derivadas de tal punição - sendo esta a interpretação adequada e lógica.
VI. Entender-se o contrário abriria as portas a que nunca se convertesse uma pena de demissão em aposentação compulsiva, pelo simples facto de que, se à partida a conduta foi suficientemente grave para aplicar a pena de demissão, então essa gravidade sempre obstaria à conversão posterior da pena.
VII. No espírito do artigo 349.º, n.º 6 do ETAPM está a ideia de que algo acontece (pode acontecer) entre a demissão e a conversão da pena. O que acontece são eventuais boas condutas e a reabilitação, e são essas, única e exclusivamente, que devem pesar na decisão de conversão da pena.
VIII. Uma coisa é apreciar a boa conduta e concluir-se que não é suficiente; outra, completamente diferente, é cismar-se na má conduta que levou à decisão de demissão, ignorando por completo a boa conduta a que se refere o artigo 349.º do ETAPM.
IX. Não está em causa um entendimento de que a conversão da pena decorre automaticamente da reabilitação (e nunca o Recorrente alegou tal coisa): avalia-se a boa conduta para a reabilitação, e avalia-se a boa conduta para a conversão da pena, podendo dar-se o caso de se aceitar a primeira e de se rejeitar a segunda.
X. Mas in casu, a entidade recorrida centrou toda a sua fundamentação na violação dos deveres de assiduidade e obediência que justificaram a demissão do Recorrente há 9 anos atrás, e ignorou toda a realidade posterior, isto é, ignorou o comportamento do Recorrente ao longo desses 9 anos que decorreram desde a sua demissão até ao pedido de reabilitação.
XI. O Tribunal a quo deveria ter anulado o acto porque, no caso que aqui nos traz, avaliou-se a boa conduta para a reabilitação e a má conduta para a conversão da pena, e isso não é admissível, ao abrigo do artigo 349.º, n.º 6 do ETAPM.
XII. Se a intenção do legislador fosse a de que se considerassem os factos que levaram à demissão, no momento de decisão sobre a conversão daquela pena em aposentação compulsiva, os requerentes de pedidos de reabilitação e conversão seriam repetidamente penalizados, o que consubstanciaria uma dupla valoração, proibida por lei (non bis in idem): valorava-se para punir e valorava-se para não converter a pena.
XIII. Punição e conversão são dois actos diferentes, com pressupostos distintos: para a punição interessam os factos culposos, para a conversão interessam os factos bondosos.
XIV. Os regimes da reabilitação e conversão visam aliviar as consequências de uma punição que já serviu o seu propósito, pelo que será dever da Administração fazer um juízo de prognose e considerar os factos posteriores à aplicação da pena de modo a verificar se o infractor deve ou não ser reabilitado e ter a sua pena de demissão convertida em aposentação compulsiva.
XV. Ao interpretar o artigo 349.º, n.º 6 do ETAPM, no sentido de permitir que a decisão de não conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva se centrasse, única e exclusivamente, nos factos que originaram a própria demissão, a decisão recorrida padece do vício de errada aplicação da lei substantiva, devendo, por isso, ser revogada e alterada por outra que determine a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
Acresce que,
XVI. O acto impugnado e a decisão agora recorrida que decidiu não o anular, violam os princípios da proporcionalidade, adequação e da justiça (arts. 5.° e 7.° do CPA), verificando-se também uma desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários (artigo 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC).
XVII. Os factos que levaram à pena de demissão correspondem a ausências alegadamente injustificadas do serviço.
XVIII. De todo o espectro de possíveis condutas que podemos imaginar, justificadoras de uma pena de demissão, as faltas ao serviço não são, de longe, as mais graves.
XIX. A conduta de ausência ao serviço, por não ser das mais graves que podemos imaginar, estará talvez na linha da frente de condutas que abrirão as portas à conversão da demissão em aposentação compulsiva.
XX. A essa gravidade diminuta (de entre as condutas que podem levar à demissão) acresce que a decisão recorrida não atendeu aos factos atinentes ao exercício por parte do Recorrente da função pública por mais de 20 anos, onde obteve sempre boas avaliações, e onde foi sempre reconhecido pelo seu profissionalismo e dedicação.
XXI. A decisão recorrida desvalorizou por completo que o Recorrente sofria efectivamente de problemas de saúde sérios (doenças do foro psiquiátrico, esgotamentos cerebrais e problemas cervicais).
XXII. A decisão recorrida ignorou também que, desde a aplicação da medida disciplinar expulsiva, o Recorrente tem mantido sempre uma boa conduta na sua vida pessoal, familiar e social.
XXIII. A decisão recorrida limitou-se a reproduzir os factos constantes do processo disciplinar, sem, no entanto, considerar factos essenciais para a aplicação de uma decisão justa, equitativa e proporcional.
XXIV. De modo a cumprir com os princípios basilares da actividade administrativa, patentes nos artigos 5.º e 7.º do CPA, bem como o da razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, a Entidade Recorrida não poderia deixar de considerar a boa conduta do Recorrente que, aliás, foi fundamento para a decisão da própria Administração que concedeu a reabilitação ao Recorrente.
XXV. O acto administrativo impugnado estava assim inquinado pelo vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e adequação consagrado no art. 5° do CPA e do princípio da justiça consagrado no art. 7° do CPA.
XXVI. Para além disso, verificou-se uma total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários da Entidade Recorrida, nos termos da al. d) do n.° 1 do artigo 21.º do CPAC.
XXVII. Ao decidir não anular o acto, a decisão proferida pelo Tribunal violou o princípio da legalidade, da proporcionalidade e adequação e da justiça, previstos nos artigos 5.° e 7.° do CPA, e permitiu o exercício totalmente desrazoável dos poderes discricionários da Entidade Recorrida (artigo 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC)”; (cfr., fls. 193 a 213).
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Nas suas contra-alegações, pugna a entidade administrativa recorrida pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 215 a 221).
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Na vista que dos autos teve, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer com o teor seguinte:
“Nos termos previstos na norma do artigo 157.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se como segue:
1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 19 de Março de 2020, que lhe negou o pedido de conversão da pena disciplinar de demissão em pena disciplinar de aposentação.
O Tribunal de Segunda Instância, por douta decisão proferida nos presentes autos e constante de fls. 170 a 184, julgou improcedente o recurso contencioso.
Inconformado, veio o Recorrente contencioso interpor o presente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, pugnando pela revogação da douta decisão recorrida.
2.
Se bem vemos, o Recorrente vem reiterar, no essencial, os fundamentos que já havia colocado no recurso contencioso e que aí não foram acolhidos.
Sobre tais fundamentos já tivemos a oportunidade de, em devido tempo, emitir pronúncia nos seguintes termos:
«Quanto ao alegado erro de direito na aplicação do artigo 349.º do ETAPM, o mesmo terá consistido, diz o Recorrente, no facto de a Entidade Recorrida apenas ter considerado os factos que já haviam fundamentado a pena de demissão, não se tendo pronunciado sobre os factos comprovativos da boa conduta do Recorrente que, segundo diz, ficaram plenamente comprovados no pedido de reabilitação que anteriormente foi objecto de despacho de deferimento por parte da Entidade Recorrida.
Vejamos.
«1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
(...)
6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º».
Como resulta da simples leitura da norma em apreço, a conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva pressupõe a reabilitação, sendo uma consequência desta.
Não se trata, no entanto, de uma consequência automática uma vez que depende de uma decisão administrativa de natureza discricionária.
No exercício desse poder discricionário, não vemos que a Administração esteja impedida de considerar a natureza e a gravidade das infracções disciplinares praticadas pelo requerente da conversão e se veja limitada à apreciação da boa conduta do mesmo no tempo posterior à aplicação da medida disciplinar. A boa conduta apenas constitui pressuposto da reabilitação, nos termos que resultam do n.º 2 do artigo 349.º do ETAPM e esta, por sua vez, é pressuposto da dita conversão, pelo que não faria sentido, estamos em crer, que o pressuposto da conversão só pudesse coincidir com o da reabilitação.
De resto, compreende-se que a Administração seja particularmente rigorosa na apreciação dos pedidos de conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva, sabendo-se que, em muitas situações, o que está em causa é uma verdadeira fraude à lei, em que os funcionários violam dolosamente o dever de assiduidade tendo em vista sofrer uma pena disciplinar de aposentação compulsiva ou, quando não, uma pena de demissão na expectativa de que, decorridos 5 anos, a mesma possa ser convertida em aposentação compulsiva, conseguindo lograr dessa forma ínvia uma aposentação voluntária antes do tempo legalmente previsto para o efeito.
Seja como for, não nos parece, olhando para a fundamentação do acto recorrido, que a Entidade Recorrida tenha incorrido no invocado erro de direito na aplicação do artigo 349.º, n.º 6 do ETAPM.
1.2.
O Recorrente considera, igualmente, que o acto recorrido enferma de violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça bem como de desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Também aqui, segundo cremos, sem razão.
Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que, quando a Administração exerce, como no caso presente, poderes discricionários, o papel reservado ao tribunal quando chamado a intervir é meramente fiscalizador e não, ao contrário daquilo que acontece quando a actividade administrativa é legalmente vinculada, de reexame. Por isso, para além do desvio de poder, do erro sobre os pressupostos de facto, do vício de forma da falta de fundamentação e, eventualmente, do vício de procedimento da falta de audiência prévia, só constitui fundamento de anulação o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes (artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso), sendo que só em casos flagrantes de mau uso do poder discricionário e de evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais da actividade administrativa como o da proporcionalidade ou o da justiça, deve o acto contenciosamente atacado ser objecto de anulação judicial.
A fundamentação exarada na Proposta nº 001/NAJ/VP/20, de 8 de Janeiro de 2020, e de que o acto recorrido se apropriou é, parece-nos, uma fundamentação razoável. Dela se extrai é certo que a Administração ponderou na decisão de indeferimento da requerida conversão as circunstâncias que estiveram na base da aplicação da decisão disciplinar. Porém, ao contrário daquilo que o Recorrente considera, tal não consubstancia qualquer dupla valoração proibida por lei.
Na verdade, verificando-se que na conduta do Recorrente que foi disciplinarmente punida houve um desinteresse manifesto na manutenção do seu vínculo com a Administração Pública e um total alheamento quanto às consequências do processo disciplinar instaurado que é fortemente indiciador da existência de uma premeditação por parte do Recorrente, que não podia deixar de estar ciente de que ao seu dispor tinha a possibilidade de pedir a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, nem sequer vemos como podia a Entidade Recorrida ter decidido de forma diferente. Daí que, a nosso ver, resulte destituída de sentido, com todo o respeito o dizemos, a invocação em sede contenciosa de uma manifesta desrazoabilidade no exercício do poder discricionário que a norma legal do n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM atribui à Administração. Para usarmos a expressiva formulação do Tribunal de Segunda Instância no acórdão de 21.11.2019, tirado no processo n.º 143/2019, versando sobre situação idêntica àquela que constitui objecto do presente recurso contencioso, «não nos parece que o acto se tenha desviado, nem um milímetro sequer, do padrão de razoabilidade que em geral se espera da actuação administrativa, nem igualmente cremos que ele tenha incorrido em erro grosseiro, palmar e intolerável do exercício dos poderes discricionários».
Uma actuação razoável no exercício de um poder discricionário é uma actuação conforme aos princípios da proporcionalidade e da justiça, cuja violação, alegada autonomamente pelo Recorrente, evidentememte não ocorreu».
Não vislumbramos motivo para alterar este nosso anterior entendimento pelo que nos limitamos, neste momento processual, à sua reiteração.
3.
Deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público”; (cfr., fls. 230 a 232-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância considerou e elencou como “provados” os factos seguintes:
“a) Por requerimento de 21.05.2019 o agora Recorrente requereu ao Senhor Chefe do Executivo que lhe fosse concedida a reabilitação – cf. fls. 56 -;
b) Por Despacho de 30.07.2019 do Senhor Secretario para a Economia e Finanças foi autorizado o pedido de reabilitação do Recorrente – cf. fls. 57 a 62 -;
c) Por requerimento de 05.11.2019 o agora Recorrente pediu que a pena aplicada fosse convertida em aposentação compulsiva – cf. fls. 63 -;
d) Por Despacho de 19.03.2020 do Senhor Secretario para a Economia e Finanças foi indeferido o pedido de conversão da pena de demissão para aposentação compulsiva – cf. fls. 50 a 55 -.
e) É do seguinte teor a proposta subjacente àquele despacho:
«1. Foi enviado a este Núcleo o pedido de reabilitação do ex-funcionário da Direcção dos Serviços de Finanças A punido com pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de12/04/2010 exarado na Inf. n.º 0010/SM/2010, no âmbito do processo disciplinar sob o n.º 001/RM/2009.
2. Aquele pedido de reabilitação foi objecto de parecer tendo sido concedida a reabilitação por despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 30/07/2019, exarado na Proposta n.º 011/NAJ/VP/19, de 11/06/2019, tendo o ora requerente sido notificado mediante o Oficio n.º 080/NAJ/VP/19, de 22/10/2019.
3. A 5 de Novembro de 2019 deu entrada nestes Serviços o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
4. Desde já adiantamos que julgamos existirem razões fortes e ponderosas para a não conversão pelos motivos que passamos a expor no ponto seguinte.
5. O requerente foi punido com pena de demissão por violação dos deveres de assiduidade e de obediência tendo-se dado como provados os seguintes factos relevantes:
5.1. O requerente faltou, injustificadamente, ao serviço no dia 23 de Março de 2009 durante a totalidade do período diário de presença obrigatória sendo a falta injustificada nos termos da alínea a) do artigo 90.º do ETAPM.
5.2. Face à não justificação nos termos legais, foram consideradas injustificadas as faltas dadas desde o dia 15 de Abril de 2009 até 10 de Agosto de 2009, num total de 108 faltas seguidas, até à data da conclusão da acusação no processo disciplinar que lhe foi instaurado.
5.3. O requerente omitiu o cumprimento de um dever funcional que lhe impunha a permanência regular e contínua ao serviço, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 279.º do ETAPM, constituindo tal conduta infracção disciplinar, nos termos do artigo 281.º do mesmo Estatuto, punível, atenta a alínea f) do n.º 2 do artigo 315.º, com a pena de aposentação compulsiva ou demissão.
5.4. Na conduta do requerente houve um desinteresse manifesto na manutenção do seu vínculo à Administração Pública. Este desinteresse manifestou-se, desde logo, pela retirada gradual dos seus objectos que se encontravam na sala onde trabalhava, na sua secretária e armário.
5.5. Verificaram-se fortes indícios da falta de comparência ao serviço com a intenção de não regressar, pretendendo o mesmo abandonar o seu lugar cessando o seu vínculo com o serviço, ou seja, houve premeditação por parte do ora requerente.
5.6. Cumpre, desde logo, salientar o facto de que durante a instrução do processo disciplinar o requerente não compareceu a actos do processo contra si instaurado nem manifestou qualquer interesse no mesmo não tendo, incluindo, levantado qualquer notificação pessoal que lhe foi dirigida por carta registada, nem requerido cópia da acusação após a notificação edital no BO e nos jornais.
6. Houve por parte do requerente um total alheamento quanto às consequências do processo disciplinar instaurado o que demonstrou um total desinteresse na manutenção do vínculo funcional.
7. Com efeito, atendendo à conduta do requerente e do fim último pretendido por ele com a sua conduta (a aposentação), a aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para o mesmo e não uma punição para um comportamento extremamente grave, que manifestou um total desinteresse pelo prosseguimento do vínculo e total desrespeito pelos objectivos e fins de interesse público subjacentes ao exercício da função pública que exercia e que inviabilizou irreversivelmente a manutenção da relação jurídicafuncional.
8. Ora a verdade é que o requerente bem sabia que tinha ainda ao seu dispor a possibilidade de uma conversão posterior da pena de demissão em aposentação compulsiva, assim que passassem os 5 anos sobre a aplicação da pena, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM.
9. Atendendo a que essa conversão é um poder discricionário da administração, como claramente ressalta do termo “poder-se-á” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, e atendendo aos factos descritos e ao fim último de todo este comportamento reprovável do requerente, julgamos não ser de decretar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva»”; (cfr., fls. 178 a 180).
Do direito
3. Colhe-se do até aqui relatado que, inconformado com o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao seu anterior recurso contencioso, traz agora o recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que (com a sua procedência) se revogue a decisão recorrida com a consequente anulação do despacho de 19.03.2020 do Secretário para a Economia e Finanças.
Sabendo-se que com o dito “despacho” se indeferiu o seu pedido de “conversão da pena disciplinar de demissão para a de aposentação compulsiva”, e constatando-se que pelo ora recorrente vem (agora) colocados os mesmos vícios de “errada aplicação do direito” e “violação do princípio da proporcionalidade” que em sede do seu anterior recurso contencioso já tinham sido suscitados, adequado se apresenta de atentar nas razões que levaram o Tribunal de Segunda Instância a “confirmar” o acto administrativo objecto do seu recurso.
Na parte que agora interessa, assim ponderou o Colectivo do Juízes no Acórdão ora recorrido:
“(…)
Do vício de violação de lei.
O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
«O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
(…)
A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
Entende o Recorrente que há erro nos pressupostos de facto porquanto, a Administração valorou os factos que estiveram na causa da aplicação da pena de demissão e não a conduta do Recorrente após a punição, nomeadamente, o seu bom comportamento como devia ter feito, tendo, igualmente feito uma errada interpretação do artº 349º do ETAPM.
Segundo o Recorrente a boa conduta prevista no nº 2 do artº 349º do ETAPM seria o critério para apreciar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
Porém, não é esse entendimento que resulta da letra da lei.
O nº 6 do indicado artº 349º consagra um poder discricionário à Administração no sentido de poder decretar ou não a conversão da pena referida.
Segundo a letra do preceito a pena de demissão “poderá” (poder-se-á) ser convertida.
Se a intenção do legislador fosse fazer decorrer apenas da boa conduta posterior à aplicação da sanção a possibilidade de conversão, uma vez verificada aquela para efeitos de concessão da reabilitação não haveria que apreciar mais nada para a conversão sendo esta uma consequência automática daquela.
Ao se consagrar no nº 6 do indicado preceito 349º o poder discricionário de conceder ou não a conversão, ainda que seja deferida a reabilitação, o legislador consagrou também que a boa conduta poderá ser suficiente para justificar a reabilitação, mas poderá já não ser o bastante para a conversão em face de todas as circunstâncias que envolvem a situação.
Da mesma forma que nos termos do nº 5 do indicado artº 349º a reabilitação não atribui ao indivíduo o direito a reocupar um lugar ou cargo na Administração, o nº 6 do mesmo artigo implicitamente consagra que a reabilitação não tem como efeito automático a conversão da pena ali autorizada.
Procedendo-se na decisão recorrida à avaliação de toda a situação que esteve na génese da condenação para justificar o indeferimento do pedido de conversão, a decisão recorrida não incorreu no erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que, nada obsta que na apreciação do pedido sejam ponderados todos os factos que concorreram para situação, sejam eles os que estiveram subjacentes à condenação, bem como os que subjazem à reabilitação (a boa conduta posterior).
Nem se diga que tal valoração viola o princípio “non bis in idem”.
O que está aqui em causa não é mais a aplicação da sanção, mas a apreciação de estarem verificados os pressupostos para a conversão da pena aplicada, e o exercício intelectual que a decisão recorrida faz é analisar os pressupostos da condenação, para em face deles verificar se a boa conduta posterior justifica a conversão da pena aplicada, o que de modo algum equivale à dupla condenação pelos mesmos factos, sem prejuízo de poder ser bastante para justificar que nada há a alterar à pena aplicada.
De igual modo, o artº 349º impede que se aprecie a factualidade que presidiu à aplicação da sanção, ou impõe que se atenda apenas à boa conduta posterior do indivíduo.
Assim sendo, não enferma a decisão recorrida do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Do vício de violação do princípio de razoabilidade.
O vício invocado contende com o disposto nos artºs 5º e 7º do CPA.
Artigo 5.º
(Princípio da igualdade e da proporcionalidade)
1. Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
Artigo 7.º
(Princípio da justiça e da imparcialidade)
No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.
A propósito do princípio da justiça – também designado razoabilidade – tem este tribunal vindo a entender que «Só em casos pontuais de erro grosseiro, tosco e palmar é que a actuação administrativa discricionária pode ser sindicada com êxito judicial com fundamento na violação dos princípios gerais de direito administrativo, como é, por exemplo, o da proporcionalidade (tb. Justiça e razoabilidade) sob pena de os tribunais estarem a fazer administração activa - o que, como é sabido, não cabe na esfera do poder jurisdicional - e dessa maneira violarem o fundamental princípio da separação de poderes» - Acórdão de 02.04.2020 em procº 647/2019 – e que a «violação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e justiça ocorre quando a actuação administrativa se mostra excessiva, desmedida, injusta, em função das condições do caso concreto e das consequências dela resultantes, quer para os interessados particulares envolvidos, quer para o interesse público subjacente.» – Acórdão de 19.04.2018 Procº 265/2017 -.
Proceder à avaliação de toda a conduta do funcionário enquanto tal, bem como da conduta que esteve na génese da aplicação da sanção e do comportamento posterior a esta de forma a aquilatar da justiça da conversão da pena aplicada, em momento algum se mostra desrazoável ou violador dos princípios consagrados nos artºs 5º e 7º do CPA, tanto para mais que, esse é o procedimento normalmente usado em situações equiparadas, como resulta da jurisprudência deste tribunal – Acórdão de 21.11.2019 Procº 143/2019 -.
Aliás, como decorre da leitura da decisão que aplicou a pena, tanto assim é, que o próprio Recorrente nas suas alegações vem, também, rebuscar a argumentação que usou em processo disciplinar – os atestados médicos – para tentar justificar e minimizar as consequências do comportamento que levaram à aplicação da demissão.
Logo, no caso em apreço, pelas razões constantes da proposta com base na qual foi proferida a decisão recorrida de indeferimento e também referidas no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público entendemos estar justificado o sentido daquela (da decisão de indeferimento da conversão) e em consequência improceder também este vício.
Em sentido idêntico a este e situação semelhante se decidiu no Acórdão deste tribunal de 21.11.2019 proferido no processo nº 143/2019.
(…)”; (cfr., fls. 180-v a 184).
Aqui chegados, transcrita que ficou a “factualidade (com relevo e) dada como assente”, assim como o “segmento decisório” do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância em que se procede à apreciação dos vícios assacados ao “acto administrativo (então) recorrido”, e agora, novamente imputados ao aludido aresto, é momento para se ponderar sobre o mérito do presente recurso, o que, (sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento), desde já se adianta que de sentido negativo se nos apresenta dever ser a resposta, pois que, como com – total – clareza e acerto foi pelo Ministério Público considerado no Parecer que se deixou transcrito, (e que aqui, em prol da economia processual, se dá como reproduzido para efeitos de fundamentação da decisão que se irá proferir), nenhuma razão se pode reconhecer ao recorrente.
Aliás, no Acórdão recorrido explicitou-se de forma igualmente clara e correcta as razões para a solução que se adoptou, pouco havendo a acrescentar ao que aí se deixou exposto (e que não merece censura).
Sucede também que sobre “idêntica questão” – e perante uma “situação de facto” quase que tirada a “papel químico” – já teve este Tribunal oportunidade de se pronunciar no seu Acórdão de 20.05.2020, (Proc. n.° 33/2020), tendo-se, (nomeadamente), ponderado no que segue:
“(…)
Por sua vez, e em nossa (modesta) opinião, importa distinguir “reabilitação”, e (todos) os seus “efeitos”, (como a agora almejada “conversão da pena”).
Uma coisa é a “reabilitação” (stricto sensu), que – desde que verificados os seus atrás referidos pressupostos quanto aos “períodos de tempo” e “boa conduta” do funcionário ou agente – “(…) faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente”; (cfr., art. 349°, n.° 4 do E.T.A.P.M.).
Porém, importa desde já notar que como se estatui no n.° 5 do mesmo comando legal, “A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração”.
Isto é, (o reabilitado) volta a adquirir “capacidade para o exercício de funções públicas”, (cfr., art. 13°, n.° 1, al. d) do citado E.T.A.P.M.), embora “sem direito ao lugar ou cargo que detinha”, necessário sendo enão um novo processo de candidatura/selecção e (eventual) provimento, tudo nos termos e em conformidade com o previsto no “Regime Jurídico da Função Pública”.
No caso, a ora recorrente, disciplinarmente punida com a pena de “demissão”, (que consiste no afastamento definitivo do funcionário ou agente com a cessação do seu vínculo laboral), pode, após reabilitada, restabelecer o referido vínculo de emprego público, não podendo porém voltar ao seu lugar de origem, tendo, antes, caso assim o queira, que se colocar na mesma posição que qualquer outro candidato que se apresente a disputar o lugar.
No fundo, com a “reabilitação”, (e como sua “consequência directa”), cessa a “impossibilidade de reocupação de um lugar ou cargo na Administração”.
Porém, e como se viu, não se trata de um “voltar tudo atrás, ficando tudo na mesma”, nesta óptica se devendo perspectivar a medida em causa, pois que também a “conversão da pena de demissão em aposentação” prevista no n.° 6 do preceito em questão, constitui, apenas, uma “probabilidade” ou uma (eventual) “expectativa” do trabalhador, à qual corresponde uma “faculdade” – ou melhor, um “poder discricionário” – da Administração, não sendo ou constituindo um efeito, “directo”, “imediato” ou “necessário” da concessão da reabilitação.
Doutra forma, e como se mostra evidente, outra seria a “redacção” do preceito, sem necessidade de se regular de forma expressa, separada e específica, a questão da (“reocupação do cargo” e da) pretendida “conversão”.
E se assim é, é porque foi (real) intenção do legislador (local) “separar as águas”, exigindo uma “nova”, global, (e “diferente”), ponderação da Administração aquando da decisão a proferir em relação à dita “conversão da pena”, como (foi o que sucedeu e) acabou por concluir o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Portanto, (para além dos aludidos “prazos”), não está só (e apenas) em causa, a “boa conduta” da recorrente.
Ou seja, a “boa conduta”, que no caso até se deu como verificada para efeitos da sua “reabilitação”, não implica uma (necessária e automática) “conversão da pena”.
Esta, como um dos possíveis efeitos da “reabilitação”, pressupõe uma (nova) “ponderação de interesses” – onde, para além do interesse do requerente, (no caso, da recorrente), sobressai, obviamente, o “interesse público e da colectividade” – e uma decisão em conformidade.
No caso, o Acórdão recorrido é cristalino na justificação dos motivos da inexistência de qualquer desrespeito ou “violação à lei”, o mesmo sucedendo com a razão da inexistência de qualquer “abuso ou excesso no exercício do poder administrativo discricionário”.
E só não vê quem não quer ver, pois que, atentos os “factos” que levaram à aplicação da “pena de demissão” em questão, e, em especial, os “motivos da sua prática”, a sua “conversão”, nos termos pretendidos, acabaria, no fundo, por permitir a consideração, que se estaria a “beneficiar o infractor”, com graves prejuízos para a dignidade e moralização da Administração Pública, (não sendo pois de olvidar que, in casu, a conduta desenvolvida pela recorrente consistiu – precisamente – em faltar ao serviço de forma intencional para com as faltas cometidas alcançar, ou melhor, “provocar”, a sua “aposentação compulsiva” com os benefícios que a mesma proporciona).
Dir-se-á que, desta forma, “inútil” ou “vazia de conteúdo” é a norma do n.° 6 do art. 349° do E.T.A.P.M..
Em nossa opinião, de forma alguma assim é.
Para além do demais, importa pois ter presente que a pena disciplinar de “demissão” pode ser aplicada a (um conjunto de) “situações” que integram outras “infracções disciplinares”, (cfr., art. 315° do E.T.A.P.M.), e que, para o “efeito” aqui em causa são objecto de apreciação casuística, em face dos interesses atingidos e que à Administração Pública cabe prosseguir e assegurar.
Seja como for, com o consignado, não se quer dizer que esteja a ora recorrente (absoluta e eternamente) “excluída” de poder vir a beneficiar da prevista “conversão”, sendo apenas de sublinhar que, em face da “situação” no momento existente e verificada, e em resultado da análise e ponderação que se efectuou, (tanto no acto administrativo objecto do recurso para o Tribunal de Segunda Instância, como no Acórdão deste mesmo Tribunal), não se vislumbram motivos para qualquer divergência ou reparo.
(…)”.
Ora, mostrando-se-nos que as considerações que se deixaram transcritas se apresentam inteiramente válidas para os presentes autos, e afigurando-se de considerar que em face do descrito, nomeadamente, em relação à “conduta disciplinar” do recorrente dada como provada, adequado não parece de entender que na decisão administrativa proferida e aqui em questão se terá incorrido em violação ou desrespeito do “princípio da proporcionalidade”.
Na verdade, e como repetidamente temos afirmado, “a intervenção do Tribunal na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem”; (cfr., v.g., entre outros, os Acórdãos de 15.10.2003, Proc. n.° 26/2003; de 29.06.2005, Proc. n.° 15/2005; de 12.01.2011, Proc. n.° 53/2010; de 21.01.2015, Proc. n.° 26/2014; de 05.12.2018, Proc. n.° 65/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 11/2019; de 29.11.2019, Proc. n.° 107/2019, de 10.07.2020, Proc. n.° 41/2020 e de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020).
Dest’arte, à vista está a solução para o presente recurso.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 8 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 12 de Maio de 2021
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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