Processo n.º 63/2021
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A.
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 18 de Junho de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Declaração da caducidade da concessão
- Ampliação da matéria de facto
- Insuficiência da matéria de facto
SUMÁRIO
1. Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato), o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade da concessão provisória se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
2. O Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu à culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
3. Se não se vislumbrar a insuficiência da matéria de facto nem a contradição na decisão de facto, evidentemente não há lugar à ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrente.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. Relatório
Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 8523 m2, designado por lote 2 da zona D do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22524, a fls. 176 do livro B49K.
Por acórdão de 27 de Fevereiro de 2020 proferido no Proc. n.º 589/2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, indeferindo também o pedido de suspensão da instância recursória formulado pela sociedade, confirmando o acto administrativo impugnado.
Inconformada, recorreu a Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A. para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do acórdão recorrido.
Por acórdão proferido em 31 de Julho de 2020 no Proc. n.º 78/2020, o Tribunal de Última Instância decidiu conceder provimento ao recurso, na parte que indeferiu o pedido de suspensão da instância, determinando a baixa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para pronunciar-se sobre o pedido deduzido, ficando prejudicada a apreciação das outras questões colocadas.
Por despacho do Juiz Relator do Proc. n.º 589/2018, foi determinada a suspensão da instância dos autos.
Após o trânsito em julgado da decisão final proferido em 4 de Dezembro de 2020 no Proc. n.º 175/2020 do TUI (Proc. n.º 355/2017 do TSI), que negou provimento ao recurso jurisdicional interporto pela mesma sociedade que pretendeu a suspensão e de prorrogação do prazo de aproveitamento do mesmo terreno, a renovação da sua concessão provisória por 10 anos, ou a nova concessão do terreno, com dispensa de concurso público, ou subsidiariamente a troca do terreno concessionado, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o acórdão ora recorrido, de 28 de Janeiro de 2021, julgando improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto contenciosamente impugnado que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa.
Inconformada com o acórdão, recorre a Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A. para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
“1. Requer-se que seja ordenada a ampliação do conhecimento da matéria de facto nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 650.º do Código de Processo Civil porquanto os factos-causa elencados pela Recorrente são factos relevantes em face das soluções plausíveis para a questão de direito nos termos do disposto no Artigo 430.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
2. Concretamente, requer-se que tal ampliação seja ordenada relativamente aos (i) factos de cuja prova resulta que o prazo de caducidade previsto no Artigo 47.º da Lei de Terras não havia decorrido na data em que tal é apontado como tendo acontecido na fundamentação do acto administrativo impugnado e, bem assim (ii) daqueles de cuja prova resulta que o prazo de aproveitamento haja de qualquer modo sido interrompido pela actuação soberana da concedente.
3. Atento o facto de que o sentido da decisão só possa ser finalmente determinado após e em razão da decisão quanto à matéria de facto nos termos em que a mesma possa vir a ser assente pela instância, deverá ser ordenado à mesma que reforme a decisão de mérito no sentido em que tal passe a ser justificado em face do juízo entretanto concluído quanto à matéria de facto.”
E indicou como normas jurídicas violadas o art.º 47.º da Lei n.º 10/2013 e o art.º 430.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Afinal pede que “seja ordenada a baixa dos Autos ao Tribunal de Segunda Instância para que o mesmo proceda ao julgamento ampliado da matéria de facto identificada, reformando depois a decisão de mérito em conformidade”.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pelo não provimento do presente recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.
2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro 285 da Direcção dos Serviços de Finanças, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, e com as alterações introduzidas pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 06 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 01 de Junho de 1994, e Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999, foi titulada a concessão por arrendamento de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., com sede na Avenida Comercial de Macau, Edifício FIT Center, 21.º andar B, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 4144 (SO) a fls. 166 do livro C10.
2. Através do Despacho do STOP n.º 91/2001, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 2 da zona D do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A..
3. O mencionado lote está descrito na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, sob o n.º 22524 a fls. 176 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.º 26678F, não se encontrando onerado com qualquer hipoteca.
4. O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Em 18/11/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
“…
1. Em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, por escritura de 30 Julho de 1991, exarada a fls. 4 e seguintes do livro n.º 285 da Direcção dos Serviços Finanças, com as alterações introduzidas pelos contratos de revisão titulados Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, foram concedidos por arrendamento a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A., vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situadas na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE).
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 91/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno designado por lote 2 da zona D do referido empreendimento, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Va Keng Van, S.A..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado à finalidade de hotel e de estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991. A altura máxima permitida seria de 52 mNMM.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 19 de Setembro de 2016.
7. Reunida em sessão de 17 de Novembro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade prec1usiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno…”.
6. Em 03/05/2018, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 71/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 18 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
3. Direito
Com a interposição do presente recurso, pretende a recorrente a ampliação do conhecimento da matéria de facto nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 650.º do CPC, invocando a violação dos art.ºs 47.º da Lei n.º 10/2013 e 430.º n.º 1 do CPC.
Vejamos.
Desde logo, é de relembrar que a questão ora suscitada pela recorrente, de ampliação da matéria de facto já foi abordada em vários acórdãos anteriores em que se discute a legalidade do acto administrativo que declarou a caducidade da concessão do terreno concedido, sendo de manter a posição pronunciada pelo Tribunal de Última Instância nesses acórdãos proferidos sobre a mesma questão e em casos semelhantes, pois não se vê motivo para alterá-la.
Como por exemplo, no acórdão de 4 de Dezembro de 2020, proferido no Proc. n.º 145/2020, em que está em causa a declaração da caducidade da concessão do terreno designado por lote 5 da zona D do mesmo empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, chegamos a consignar que:
“3.2. Da ampliação da matéria de facto
Dispõe o art.º 650.º do CPC o seguinte:
‘Artigo 650.º
(Insuficiência da matéria de facto e contradição na decisão de facto)
1. Se entender que a matéria de facto pode e deve ser ampliada para fundamentar a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão de facto que inviabilizam a decisão de direito, o Tribunal de Última Instância manda julgar novamente a causa no Tribunal de Segunda Instância.
2. O Tribunal de Última Instância fixa logo o regime jurídico aplicável ao caso; se, por insuficiência da matéria de facto, ou contradição na decisão de facto, o não puder fazer, fica a nova decisão que o Tribunal de Segunda Instância proferir sujeita a recurso para o Tribunal de Última Instância, nos mesmos termos que a primeira.’
Na tese da recorrente, a ampliação requerida deve ser ordenada relativamente aos (i) factos de cuja prova resulta que o prazo de caducidade previsto no art.º 47.º da Lei de Terras não havia decorrido na data em que tal é apontado como tendo acontecido na fundamentação do acto administrativo impugnado e, bem assim (ii) daqueles de cuja prova resulta que o prazo de aproveitamento haja de qualquer modo sido interrompido pela actuação soberana da concedente, procedendo-se à indicação exaustiva dos mesmos.
Nas suas alegações, enumerou a recorrente os factos que alegadamente deviam ter sido considerados provados, já constantes da petição do recurso contencioso, por serem relevantes (fls. 12v a 35 das alegações).
Ora, decorre expressamente do disposto no art.º 650.º do CPC que a ampliação da matéria de facto tem como pressuposto a insuficiência da matéria de facto ou a contradição na decisão de facto.
No presente recurso, não foi alegada a contradição na decisão de facto que inviabiliza a decisão de direito, resta ver se se verifica a insuficiência da matéria de facto que torna necessária a sua ampliação para fundamentar a decisão de direito.
Simplificando, resulta da factualidade assente o seguinte:
- O terreno em causa foi inicialmente concedido por arrendamento à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano, e pelo Despacho do SOPT n.º 92/2001 foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A. (ora recorrente) das situações decorrentes da concessão por arrendamento do terreno.
- Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 30 de Julho de 2016.
- O prazo de aproveitamento dos lotes das zonas C e D é de 96 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Julho de 2000, prorrogado depois por 72 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2005.
- Até ao referido termo do prazo de arrendamento não foi concluído o aproveitamento do terreno em causa.
Por outro lado, constata-se nos autos que está expressamente prescrito na cláusula segunda do contrato de revisão titulado pelo mencionado Despacho do SOPT n.º 92/2001 que o arrendamento é válido até 30 de Julho de 2016.
No seguimento das jurisprudências uniformes do TUI sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento do terreno, não se afigura que a factualidade dada como assente se mostre insuficiente para a decisão de direito.
É de recordar que, no que concerne à matéria em causa, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), como decorre dos art.ºs 212.º a 223.º da Lei n.º 10/2013, que contêm disposições finais e transitórias.1
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018 e n.º 43/2018, de 23 de Maio de 2018 e 6 de Junho de 2018, respectivamente, este Tribunal de Última Instância chegou a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
«Quanto ao regime jurídico aplicável temos que a concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da Lei de Terras e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável (artigo 41.º).
O artigo 42.º dispõe sobre o conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano: este abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na lei ou no contrato. A propriedade das construções referidas no período anterior pode ser transmitida, designadamente no regime da propriedade horizontal, observados os condicionalismos da presente lei sobre a transmissão de situações resultantes da concessão ou subconcessão.
O artigo 44.º da Lei de Terras estabelece que ‘A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente’.
Por outro lado, estatui o artigo 47.º que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. O prazo das renovações sucessivas não pode exceder, para cada uma, dez anos.
No caso dos autos o prazo de concessão por arrendamento fixado no contrato de concessão é de 25 anos (cláusula 2.ª).
A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º), sendo que a demarcação definitiva2 só é realizada após a prova do aproveitamento do terreno e precede a conversão da concessão provisória em definitiva (artigo 97.º).
Quanto à renovação da concessão, a lei estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (n.º 2 do artigo 48.º).
No caso dos autos não estamos perante a situação prevista na excepção, pelo que a concessão provisória não podia ser renovada.
…
Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
A lei exige expressamente um acto administrativo que declare a caducidade das concessões. Na verdade, dispõe o artigo 167.º:
‘Artigo 167.º
(Declaração de caducidade)
A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial.’
6. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos
Estamos, agora, em condições de extrair algumas conclusões do regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Já vimos que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos.
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Assim, podemos concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, como vimos, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo3.
Que o Chefe do Executivo, quando declara a caducidade pelo decurso do prazo por incumprimento das cláusulas de aproveitamento, não tem que apurar se este incumprimento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário, resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que ‘A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo’.
Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 96 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
É exacto que a Lei de Terras não estatui expressamente que as prorrogações do prazo de aproveitamento só podem ser concedidas desde que, desse modo, não seja ultrapassado o prazo da concessão, sem prejuízo deste poder ser alterado até perfazer 25 anos. Mas isso resulta com toda a clareza da interpretação conjunta das normas já citadas. Afigura-se-nos que a razão pela qual a lei não teve necessidade de o dizer expressamente se deveu à circunstância de, sendo o prazo da concessão provisória de 25 anos (é o prazo máximo, mas é o prazo normalmente utilizado), não passou pela mente do legislador que, durante tal prazo, o terreno não tivesse, ainda, sido aproveitado (recorde-se que, normalmente, os prazos de aproveitamento rondam os 18 a 48 meses4. E, por isso, não se pode dizer que as Leis de Terras não sejam claras. Elas são claras, não podem é contar com o não cumprimento dos prazos e das condições contratuais, seja pela Administração, seja pelos concessionários ou com a menor eficiência na apreciação e na aprovação dos projectos, por parte da Administração Urbanística.
Por outro lado, ao contrário do que se defende nos autos, a renovação do prazo do arrendamento mencionada na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato, que refere a possibilidade de o mesmo ser renovado até 19 de Dezembro de 2049, não é o da concessão provisória, que é a que está em causa nos autos, mas sim o das renovações definitivas, estabelecendo a Administração portuguesa (1990/91) o mencionado prazo, por ser o limite até ao qual o Governo da República Popular da China se obrigou a respeitar os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do Estabelecimento da RAEM e a propriedade privada, de acordo com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987.»
Trata-se da posição uniforme deste Tribunal de Última Instância, que tem sido mantida e reiterada em todos os acórdãos posteriores proferidos em que se discute a questão de declaração da caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento do terreno.
No caso vertente, dado que o prazo de arrendamento fixado no respectivo contrato de concessão é de 25 anos, que é o prazo máximo legal, cujo início está claramente previsto no contrato de concessão, e a recorrente não concluiu o aproveitamento do terreno a si concedido nesse prazo, é de concluir que o acórdão ora recorrido não merece censura.
Não se vislumbra a insuficiência da matéria de facto nem a contradição na decisão de facto, não há lugar à ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrente.”
A solução encontrada no Proc. n.º 145/2020 também se mostra adequada para o presente caso, até porque os terrenos reportados em dois processos, designados respectivamente por D5 e D2, se encontram na zona D do mesmo empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, a concessão inicial de ambos foi titulada pela mesma escritura pública e com as alterações introduzidas pelos mesmos Despachos e, não obstante a transmissão dos terrenos a sociedades diferentes por Despachos do STOP diversos (n.ºs 92/2001 e 91/2001), o prazo de arrendamento estipulado para os terrenos em causa é válido até 30 de Julho de 2016.
Assim sendo, e tal como afirma o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, “os factos que se dão por provados e encontram especificados no Acórdão in quaestio são, sem sobra de dúvida, suficientes e cabais para abonarem a decisão atacada neste recurso jurisdicional. Daí resulta a inviabilidade e a inutilidade da peticionada ampliação da matéria de facto”.
Invoca ainda a recorrente a violação do disposto no n.º 1 do art.º 430.º do CPC,segundo o qual o juiz deve seleccionar a matéria de facto relevante segundo as vária soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, face às considerações acima expostas e à posição unanime deste TUI, nomeadamente sobre a natureza preclusiva da caducidade da concessão de terreno e o carácter vinculado do acto administrativo de declarar a caducidade por decurso do prazo de 25 anos da concessão provisória sem aproveitamento do terreno, não se vislumbra, evidentemente, o vício imputado pela recorrente por não haver outra hipótese a não ser a declaração da caducidade da concessão.
Concluindo, é de negar provimento ao recurso.
4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 10 UC.
Macau, 18 de Junho de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
1 Neste sentido, cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018.
2 A demarcação definitiva, que se baseia na demarcação provisória e nas subsequentes correcções resultantes do processo de concessão, consiste na marcação dos pontos de fronteira do terreno e na execução das operações relativas à demarcação que permitem a perfeita identificação e localização do terreno concedido no registo predial (artigos 95.º e 96.º).
3 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
4 42 meses, no caso do Processo n.º 1/2018, 36 meses no caso do Processo n.º 28/2017, 18 meses no caso do Processo n.º 81/2016, para referir prazo de concessões em recursos jurisdicionais que correram neste TUI.
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Processo n.º 63/2021