Processo n.º 1021/2020
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 27 de Maio de 2021
Assuntos:
- Parecer da Junta de Saúde e notificação apenas deste parecer, sem que o despacho homologatório do DSS fosse notificado
SUMÁRIO:
I - Quando a Junta de Saúde emitiu o parecer no sentido de que o observado/doente/Recorrente devesse apresentar-se ao serviço a que pertencia para trabalhar, seja imediatamente, seja no dia e hora expressamente indicados, tal parecer sujeita-se à homologação pelo Director dos SS, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, conjugado com o artigo 8.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
II - Não constituindo o parecer da Junta de Saúde um verdadeiro acto administrativo, não lhe estão associados os efeitos que são próprios desses mesmos actos, nomeadamente e para o que agora interessa, o chamado efeito vinculativo, ou seja, o efeito que se traduz no carácter obrigatório das determinações contidas no acto administrativo para os sujeitos da relação jurídica sobre a qual incide: apresentar-se ao serviço a que pertence o destinatário do “parecer”, depois de convertido em decisão final.
III - Tratando-se de um acto administrativo (refere-se à “decisão” convertida com base no parecer devidamente homologado pelo Director dos SS) que imponha um comportamento ao seu destinatário, comparecendo pessoalmente no serviço, ele deve ser notificado pessoalmente nos termos do disposto no artigo 68º do CPA e nas condições dos artigos 70º a 72º do mesmo CPA.
IV - Não se actuando desta maneira, porque apenas se notificou o parecer, sem que este fosse deviamente homologado pela entidade competente, há violação da lei, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 1021/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data : 27/Maio/2021
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 21/09/2020, que aplicou ao Recorrente a pena de demissão (por ausência de serviço, não obstante lhe ter sido comunicado pela junta médica para regressar ao serviço), veio, em 28/10/2020 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 4 a 51, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Em sede de processo disciplinar é sempre necessário determinar cumulativamente todos os circunstancialismos e elementos de contexto – por exemplo, causas de exclusão da tipicidade, causas de justificação, causas de exclusão da responsabilidade ou causas de inexigibilidade - que existam em cada caso e que possam afastar a responsabilidade disciplinar.
2. Os elementos que constam dos subjacentes autos disciplinares apontam que o que esteve na base dos factos em questão foi, verdadeiramente, uma situação de ausência ao serviço prévia e plenamente amparada e sustentada em actos legítimos e estrita e exclusivamente médicos, praticados por profissionais da Medicina reconhecidos pela R.A.E.M., que ao longo de vários anos - logo desde 2013! - sempre foram periodicamente atestando de forma independente que o recorrente não poderia, pura e simplesmente, comparecer ao serviço e aí prestar qualquer tipo de funções.
3. Com efeito, após consultas efectuadas pelos seus advogados junto do processo individual do recorrente nos Serviços de Saúde bem como junto do C.P.S.P., constatou-se, entre muitos e variados outros documentos médicos consultados, a existência do seguinte histórico documentado quanto à longa e prolongada condição médica do aqui recorrente desde 2013.
4. Desde 2013, o recorrente foi assistido, examinado e acompanhado por, pelo menos, 16 (dezasseis) médicos licenciados e reconhecidos pelas competentes entidades do Governo da R.A.E.M. e prestando serviço tanto em instituições particulares como públicas.
5. Todos esses profissionais foram unânimes e taxativos desde 2013: seja por períodos de 1 dia, 7 dias, 15 dias ou de 30 dias, o recorrente não estava em condições de retomar as suas funções profissionais - fossem estas quais fossem -, estando por isso justificadas as suas faltas ao serviço.
6. Mais, em nenhum dos documentos acima mencionados - além de vários outros em sentido exactamente semelhante constantes dos autos -, jamais foi feita qualquer mínima menção, alusão ou ressalva de que o recorrente apenas não poderia efectuar trabalhos pesados ou fisicamente mais exigentes mas que, pelo contrário, poderia desempenhar funções simples ou leves sem particular esforço físico.
7. Com efeito, nos atestados médicos e demais documentação clínica apresentada junto dos seus Serviços, sempre tais actos médicos apenas referiram que o recorrente não poderia retomar todas e quaisquer funções profissionais de qualquer tipo, nunca dos mesmos constando qualquer excepção de que se deveria apresentar ao Serviço para prestar determinadas funções desde que de tipo ou natureza fisicamente menos exigente ou penosa.
8. O recorrente sempre se submeteu a avaliações e consultas médicas em relação às datas em questão tanto na decisão a quo como, aliás, desde 2013, na sequência das quais foram elaborados relatórios médicos que sempre seguidamente apresentou à sua entidade empregadora bem como à Junta Médica.
9. Aquilo que resulta das verificações feitas pela Junta Médica - em 1 NOV 2019 e em 6 DEZ 2019 (pese embora a ininteligível referência no 6.° parágrafo do despacho a quo a "20 de Setembro de 2019") - é manifestamente inconclusivo e inconsistente, isto porque a Junta Médica - em face da condição médica do recorrente tal qual expressa em cada um dos Atestados logo desde 2013 - nunca afirmou pela positiva nem de forma explícita e peremptória que o arguido estivesse apto a trabalhar ou a regressar ao serviço, para quaisquer funções que fosse - "normais" ou, pelo contrário, apenas de tipo ou natureza fisicamente mais leve e simples.
10. O que, na verdade, a Junta Médica declarou nos seus relatórios aludidos no despacho aqui impugnado foi que, face aos documentos que lhe foram apresentados, não concluiu pela inaptidão para o trabalho por parte do recorrente, constatando-se que apenas emitiu uma pronúncia puramente tíbia e inconclusiva, feita pela negativa, em face dos documentos que lhe foram exibidos ad hoc.
11. Nunca a Junta Médica nas suas verificações feitas designadamente em 29 MAR 2019, em 1 NOV 2019 e em 6 DEZ 2019 determinou ao recorrente que se deveria de imediato apresentar no seu Serviço a fim de prontamente retomar as suas funções profissionais.
12. Os Atestados Médicos apresentados pelo recorrente, por serem elaborados por médicos reconhecidos e licenciados pelos Serviços de Saúde de Macau e, assim, por estarem integrados de direito no sistema de saúde da R.A.E.M., gozam de uma presunção de veracidade e, como tal, fazem, em princípio, fé de tudo quanto neles conste.
13. Logo, só em caso de uma fundada e séria dúvida quanto ao teor do que neles estivesse enunciado e atestado, poderia ser tecnicamente afastado ou repudiado pela Junta, mediante argumentos e fundamentos estritamente médicos, o conteúdo recomendatório expresso naqueles Atestados, isto é, que o recorrente não estava apto para retomar as suas funções, quaisquer que fossem.
14. É a própria entidade recorrida que expressamente reconheceu que nunca a Junta de Saúde nas suas verificações de 29 MAR 2019, 1 NOV 2019 ou 6 DEZ 2019 determinou sem margem para qualquer dúvida e de forma taxativa e peremptória ao recorrente que se deveria de imediato apresentar no seu Serviço a fim de prontamente retomar as suas funções profissionais.
15. Em pelo menos sete diferentes processos disciplinares, incluindo o aqui vertente, a entidade recorrida reconheceu expressa e textualmente que atenta a gravidade das faltas e, bem assim, atentas razões de certeza e segurança jurídica, caberia proceder-se, em cada um dos processos, à inquirição dos membros da Junta de Saúde indagando-os acerca da sua convicção de que cada um dos arguidos - incluindo o aqui recorrente - teria ou não ficado ciente da decisão de não confirmação da doença e da concomitante obrigação de apresentação imediata ao serviço.
16. O fulcro da produção de prova determinada pela entidade recorrida foi o seguinte: saber-se se no espírito de cada um dos membros da Junta ficou ou não inscrita uma determinada convicção - se a não confirmação da doença e a inerente obrigação de apresentação imediata ao serviço teria ou não sido apreendida e interiorizada pelos arguidos.
17. Em face do despacho n.º 71/SS/2020 de 7 JUL 2020, pode-se concluir que a entidade recorrida apreendeu que o que estava em causa assumia a mais extrema gravidade disciplinar, pois que apta a desencadear o desligamento do recorrente (e demais arguidos) do serviço.
18. Pode-se ainda concluir que a entidade recorrida detectou inconsistências para efeitos da necessária e indispensável certeza e segurança jurídica quando em face da potencial aplicação de um tal tipo gravoso de penas disciplinares.
19. Todavia, não obstante tal apreensão e detecção, mesmo assim o objecto da produção complementar de prova determinada pela entidade recorrida não foi saber se efectivamente o recorrente soube ou não, com um grau de certeza inabalável para o efeito de assegurar toda a devida e necessária certeza e segurança jurídica, se do teor das verificações da Junta de Saúde, designadamente a de 1 NOV 2019, resultou uma expressa, inequívoca e directa determinação para de imediato se reapresentar ao serviço.
20. Diferentemente, a indagação complementar determinada pela entidade recorrida à Junta de Saúde apenas se dirigiu e incidiu sobre a perpepção ou convicção com que teriam ficado os membros da Junta se o recorrente - e demais arguidos - teriam apreendido tal cominação de imediato regresso ao seu serviço sob pena de faltas injustificadas ... !
21. Documentos não assinados não vinculam nem podem responsabilizar quem deles se apresenta como seu putativo autor, sobretudo, conforme in casu, quando está em causa um pedido expresso de pronúncia proveniente da entidade recorrida ex vi do despacho n.º 71/SS/2020 de 7 JUL 2020.
22. Um alegado acto de conteúdo com base no qual se radica a violação de um dever (in casu, de assiduidade) que possa levar ao desligamento de um funcionário do serviço não se faz jamais através de uma alegada "informação verbal".
23. Um tal mesmo alegado acto de conteúdo com base no qual se radica a violação de um dever (de assiduidade) apto a levar ao desligamento de um funcionário do serviço não se faz através da formulação de "sugestões" ou de "comandos implícitos ou sugeridos", antes - sem conceder - apenas por via de uma expressa e inequívoca cominação para a prática de um comportamento (regresso imediato ao serviço) que, a ser inobservado, leva inelutavelmente a uma consequência desfavorável na esfera do trabalhador (faltas não justificadas que, se superiores a 5 dias consecutivos injustificados, levam a uma medida disciplinar de desligamento do funcionário).
24. A Junta, mesmo que tenha uma eventual faculdade de desde logo sugerir um comportamento ao funcionário (o que apenas se admite a título hipotético), deve sempre canalizar o resultado da sua apreciação ao respectivo Serviço onde este concretamente preste as suas funções, coisa essa que nunca ocorreu in casu.
25. Qualquer pretensa e alegada transmissão de que as anteriores faltas não estariam nem seriam doravante julgadas como justificadas ter-se-ia alegadamente dado por via de uma putativa e incerta informação verbal invocadamente transmitida ao aqui recorrente directa e exclusivamente pela Junta, tudo, pois, sem qualquer intermediação ou intervenção do serviço onde o recorrente exerce as suas funções profissionais.
26. Nem se diga a propósito da "não apresentação ao serviço" que, tal como consta do 4.° paragrafo do despacho impugnado, o recorrente teria «(...) ficado ciente desse dever, uma vez que prosseguiu com a apresentação de atestados médicos (...)», asserção que se liga directamente com o segmento do despacho n.º 71/SS/2020 de 7 JUL 2020 em que se mencionou que «(...) Não obstante os indícios já existentes habilitarem a convicção dessa interiorização, na medida em que os arguidos se apressaram a renovar os atestados médicos na sequência da sua primeira apresentação à Junta de Saúde, o que não teriam feito se não tivessem a percepção de que, não se apresentando se constituiriam em falta ao serviço (...)».
27. Tal questionamento bem como tal conjecturação não têm manifestamente qualquer mínima e equacionável aplicabilidade em relação ao aqui recorrente uma vez que, como se disse e consta do processo instrutor bem como dos elementos consultados na Junta de Saúde e no C.P.S.P., o recorrente vem juntando, logo desde 2013, sucessivos atestados médicos certificando a sua impossibilidade de retomar, nos períodos em cada um deles descrito, as suas funções profissionais.
28. Logo, é inteiramente descabido e destituído de qualquer fundamento essa invocação de que o recorrente teria "renovado" a apresentação dos seus atestados quando, na realidade - como está patenteado nos arquivos à guarda da Administração -, o fez e sempre veio fazendo há já 7 anos, isto é, desde 2013.
29. Ficou, pois, por demonstrar e necessariamente cai por terra essa pura e não demonstrada conjectura de que o recorrente teria ficado ciente do dever de imediata apresentação ao serviço uma vez que teria, só então, renovado ou prosseguido com a apresentação de atestados médicos na sequência da sua primeira apresentação à Junta de Saúde.
30. Ao assim não ter entendido, a decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 68.°, al. b), e 72.°, n.º 1, ambos do C.P.A., dos artigos 13.°, n.º 2, al. a), 196.°, n.º 1, e 202.°, al. d), todos do Estatuto dos Militarizados, e, ex vi do art. 256.° do Estatuto dos Militarizados, os artigos 88.º, 89.º, n.º 1, al. f), 97.º, n.os 1 e 2, 100.º, 101.º, 104.º e 105.º, todos do E.T.A.P.M.
31. Consequentemente, atentos esses vícios de violação de lei, a decisão a quo configura-se como um acto anulável, invalidades que aqui se invocam como fundamentos específicos para a sua revogação por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.° e a al. d) do n.º 1 do art. 21.° do C.P.A.C.
32. Em Direito Público a discricionariedade não é arbítrio e, assim, detendo a Administração uma margem de valoração, o acto que daí resulte deverá sempre e em qualquer caso estar balizado, entre outros, pelos princípios da justiça e da proporcionalidade.
33. O acto decisório final que determinou a demissão do recorrente não atendeu nem considerou que uma conduta que inviabilize a manutenção da relação jurídico-funcional é passível de desembocar em duas penas de conteúdo, alcance e efeitos claramente distanciados: a aposentação compulsiva e a demissão.
34. Se é certo que ambas as penas assentam de comum num mesmo denominador - inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional – e radicam em "factos-conclusão" indiciados por "exemplos-padrão" iguais - cfr. art. 238.° do Estatuto dos Militarizados -, igualmente certo é que daí em diante tais mesmas duas penas afastam-se e conduzem a soluções sancionatórias de resultado muito desigual, sendo bastante mais onerosa para o funcionário a pena de demissão.
35. Razões estas pelas quais - sempre sem conceder -, por em nada ser indiferente ou irrelevante aplicar-se uma pena em detrimento da outra, menos gravosa, se imporia ter explicado - rectius, explicitar ponto por ponto - por que razão uma pena que igualmente opera a cessação da relação funcional, não é suficiente ou bastantemente idónea para sancionar o aqui recorrente.
36. Do que é possível surpreender na decisão aqui recorrida apenas resulta que, atentos os factos tidos por assentes, de acordo com o art. 238.° do E.M., seria de «(...) excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva (...) em face da atitude relapsa demonstrada, e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, ao persistir num grau de incapacidade física não clinicamente comprovado (...)».
37. Nos termos do 7.° parágrafo da decisão recorrida, apenas foram focadas as faltas verificadas após a comunicação da deliberação da Junta de Saúde em 1 NOV 2019 até 6 DEZ 2019 e, assim sendo, não seria um tal exíguo período de ausência que, de per se, poderia caracterizar uma situação como sendo "relapsa", isto é, reincidente ou contumaz.
38. A menos que na mente do autor do despacho a quo estivesse na realidade o quadro clínico que desde 2013 - sempre ao abrigo dos competentes atestados médicos após acompanhamento por mais de 16 médicos licenciados pelo Governo da R.A.E.M. - vem afectando o recorrente mas, quanto a isso, nada se refere ou foca no despacho aqui impugnado.
39. Logo, a ausência ao serviço - igualmente tendo subjacentes atestados médicos apresentados pelo recorrente - estritamente de 1 NOV 2019 até 6 DEZ 2019 não pode manifestamente qualificar-se como sendo uma atitude "relapsa".
40. Por outro lado, reiterando o acima dito, inexiste qualquer persistência por parte do recorrente quanto a um grau de incapacidade física não clinicamente comprovado quando se tenha presente que este i) sempre se muniu dos competentes atestados médicos para legitimar a sua ausência ao serviço; ii) a Junta não emitiu qualquer "deliberação" tal qual erroneamente se menciona nos 3.° e 7.° parágrafos da decisão recorrida mas, quanto muito – e sempre sem conceder -, uma simples e mera "sugestão" sem qualquer cominação; e iii) essa própria "declaração" da Junta não está assinada, alega uma inaceitável mera informação verbal ao recorrente e, por fim, não foi canalizada para o serviço do recorrente para os devidos efeitos.
41. Mostra-se sem qualquer sustentação ou substracto o que se alega no 7.° parágrafo da decisão recorrida como fundamento para afastar a aposentação compulsiva em detrimento da aplicada pena de demissão.
42. No acto a quo em nenhum momento se produziu ou exibiu, como deveria, argumentação que, por um lado, mostre como necessária a pena de demissão e que, por outro lado e simetricamente, mostre como não bastante a aposentação compulsiva, trazendo trazer à colação, quanto ao princípio da proporcionalidade em sede disciplinar, o expendido pelo T.S.I. no acórdão de 30 MAI 2019 no processo n.º 994/2018, em que foi relator o Exm.º Dr. FONG MAN CHONG.
43. O dever de fundamentação expressa e circunstanciada dos actos administrativos tem uma tripla justificação racional: i) habilitar o interessado a optar conscientemente entre conformar-se com o acto ou impugná-lo; ii) assegurar a devida ponderação das decisões administrativas iii) e permitir um eficaz controlo da actividade administrativa pelos tribunais ou mesmo pela própria Administração, sendo que tal justificação, em todas as três vertentes assinaladas, assume particular relevo nos actos ablativos e punitivos em que a margem de livre apreciação e escolha pela Administração é mais alargada, como é o caso do direito disciplinar público, e deve, por isso, ser plenamente sindicável.
44. Caso a entidade recorrida tivesse no seu horizonte proceder quanto ao recorrente em vista da sua superveniente incapacitação para o serviço, não deveria ter lançado mão da via adoptada no acto ora impugnado mas sendo caso disso - e sempre sem conceder -, o ordenamento jurídico da R.A.E.M. prevê e admite a suspensão ou a cessação do vínculo funcional nos casos previstos nos artigos 44.°, n.º 1, al. d), 107.° e 262.°, n.º 1, al. b), todos do E.T.A.P.M., tanto face à sua redacção originária do DL 87/89/M de 21 DEZ como sobretudo após a redacção introduzida pela Lei 18/2018 de 27 DEZ.
45. Ao assim não ter entendido, a decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 5.°, n.º 2, 114.°, n.º 1, al. a), e 115.°, todos do C.P.A., e dos artigos 223.°, 224.° e 238.°, todos do Estatuto dos Militarizados.
46. Consequentemente, atentos esses vícios de violação de lei, a decisão a quo configura-se como um acto anulável, invalidades que aqui se invocam como fundamentos específicos para a sua revogação por V. Ex. as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.° e a al. d) do n.º 1 do art. 21.° do C.P.A.C.
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 66 a 71, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) O recorrente constitui-se em ausência ilegítima, por violação do dever de assiduidade - artigo 13.° n.º2 al a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau - desde 30 de Março de 2019 - nos termos do n.º 7 do artigo 105.° do ETAPM -, dia posterior ao da Junta de Saúde, que entendeu não ser a doença impeditiva de comparecer ao serviço, excedendo, no mesmo ano civil, mais de 5 dias de faltas não justificadas;
b) O recorrente ficou ciente da deliberação da Junta de Saúde, comunicada na sua presença e cuja consequência só poderia ser o regresso ao serviço, o que o recorrente entendeu, porquanto prosseguiu a apresentação de atestados médicos, o que não seria necessário no caso de a Junta de Saúde lhe ter confirmado e prorrogado o estado de doença impeditiva de comparecer ao serviço;
c) As deliberações da Junta de saúde não foram impugnadas pelo que se consolidou a quebra do dever de assiduidade que se impõe aos trabalhadores da administração pública em geral, não sendo o recurso contencioso da decisão do Secretário para a Segurança, a sede própria para a sindicância ("perícia médica colegial") do seu mérito, como requer o recorrente;
d) Foram ponderadas as atenuantes que favorecem o recorrente, porém tal não afastou a justiça de punição com a pena de DEMISSÃO, o que resulta, aliás, da vinculação legal - alínea i) do n.º2 do artigo 238.°, ambos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau - a que está sujeito a entidade recorrida por força da alínea c) do seu artigo 340.°
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer de fls. 126 a 130, pugnando pelo provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Pela Entidade Recorrida foi proferido o despacho que contem os factos relevantes sobre o caso em discussão neste processo:
DESPACHO N.º 101/SS/2020
Processo Disciplinar n.º 250/2019-CPSP
Arguido: Guarda de primeira n.º ..., A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública
Nos presentes autos de processo disciplinar em que é arguido o Guarda de primeira n.º ..., A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, vem, conforme consta da acusação, a qual, quanto à matéria de facto, aqui se dá por inteiramente reproduzida, abundantemente provado que:
O arguido começou a faltar ao serviço no dia 29 de Março de 2019, assim se mantendo até 22 de Outubro, justificando as faltas por via de atestados médicos, comprovativos de doença incapacitante para o exercício de funções.
Porém, no dia 1 de Novembro de 2019 foi presente a uma Junta de Saúde, a qual deliberou não confirmar o impedimento constante dos atestados médicos e determinou que o arguido se deveria apresentar ao serviço de imediato.
O arguido não se apresentou, pese embora ter ficado ciente desse dever, uma vez que prosseguiu com a apresentação de atestados médicos, até nova reunião da Junta de Saúde.
A Junta de Saúde reuniu de novo no dia 6 de Dezembro de 2019 e, em face relatórios clínicos complementares, deliberou que a incapacidade deles constante, 8%, não era suficiente para justificar a sua falta de assiduidade desde 29 de Março, bem como a não apresentação aos serviço a partir de 1 de Novembro, quando lhe foi comunicada a respectiva deliberação.
O arguido foi de novo presente à Junta de Saúde em 20 de Setembro de 2019, mantendo a decisão anterior de não confirmação da doença incapacitante e, consequentemente, considerando injustificadas as faltas ao serviço com fundamento nessa incapacidade, deliberação que lhe foi comunicada, com os efeitos do disposto nos n.os 2 e 5, respectivamente dos artigos 90.° e 105.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública.
O arguido faltou injustificadamente ao serviço, pelo menos, desde o dia 29 de Março, num total de 212 dias, conforme consta da acusação, infringindo o dever de assiduidade previsto na a) do n.º2 do artigo 13.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, relevando, porém, para os efeitos do disposto na alínea i) do n.º2 do seu artigo 238.°, as faltas verificadas após a comunicação da deliberação da Junta de Saúde de 1 de Novembro de 2019, até 6 de Dezembro, data da realização da segunda Junta de Saúde, período durante o qual subestimou o dever de apresentação ao serviço, e, assim, por exceder os 5 dias consecutivos de faltas injustificadas, se colocando na situação de ausência ilegítima, a que se refere esta última norma citada.
O arguido afrontou de forma deliberada e indesculpável uma decisão que se lhe impunha como obrigação a cumprir. O seu comportamento absentista demonstra não ter condições para a manutenção do vínculo funcional, nomeadamente por falta de identificação com os deveres de assiduidade e de disponibilidade para o exercício de funções, especialmente quando se comparam este tipo de condutas com a entrega ao serviço público protagonizada pela generalidade dos seus colegas, sendo, pois, de excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva, não obstante contar mais de 15 anos de serviço, em face da atitude relapsa demonstrada, e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, ao persistir num de grau incapacidade física não clinicamente comprovado.
Nestes termos, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, o Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do n.º1 da Ordem Executiva n.º182/2019, com referência à competência disciplinar atribuída pelo Anexo G ao artigo 211.° do EMFSM, ponderado que foi, também, o circunstancialismo atenuante constante da acusação, designadamente aquele a que se referem as alíneas b) e i) do n.º2 do artigo 200.° do citado EMFSM
Pune o arguido, Guarda de primeira n.º ..., A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública com a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 219.°, alínea g) e 224.°,238.° n.º2 al. i) e 240.° al c), com os efeitos do artigo 228.°, todos os normativos citados do EMFSM.
Macau, aos 21 de Setembro de 2020
O Secretário a Segurança
XXX
* * *
IV – FUNDAMENTOS
Em torno das questões suscitadas pelo Recorrente neste recurso, o Digno. Magistrado junto deste TSI teceu as seguintes considerações:
“(…)
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo da autoria do Secretário para a Segurança, datado de 21 de Setembro 2020, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, com fundamento na violação do dever de assiduidade previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
2.1.
Parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o Recorrente tem razão.
Os motivos deste nosso modesto entendimento são os que seguem.
Como se sabe, relativamente aos militarizados das Forças de Segurança de Macau, constitui infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo militarizado com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado. É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 196.º do EMFSM.
Por sua vez, o dever de assiduidade, cuja violação imputada ao Recorrente esteve na base da decisão punitiva impugnada, consiste, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1 do EMFSM, «em comparecer regular e continuadamente ao serviço», sendo que, no cumprimento desse dever, como resulta da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, o militarizado está impedido de «se constituir na situação de ausência ilegítima, deixando, injustificadamente, de comparecer ao serviço».
Constitui, pois, infracção disciplinar decorrente da violação do dever de assiduidade, a ausência ilegítima por parte do militarizado, o que ocorrerá quando o mesmo deixe, sem justificação, de comparecer ao serviço.
2.2.
Resulta da fundamentação do acto recorrido que pela Administração foi considerado que o Recorrente se constituiu em situação de ausência ilegítima entre 1 de Novembro e 6 de Dezembro de 2019, dado que os atestados médicos que apresentou não constituem meio válido de justificação de tal ausência. Desse modo, teria incorrido em violação culposa do falado dever de assiduidade.
Na base de tal consideração está o entendimento de que, naquele dia 1 de Novembro de 2019, a Junta de Saúde à qual o Recorrente se apresentou, «não confirmou o impedimento constante dos atestados médicos e determinou que o arguido se deveria apresentar ao serviço de imediato»; todavia, não obstante esta determinação e «pese embora ter ficado ciente desse dever, uma vez que prosseguiu com a apresentação de atestados médicos», o Recorrente não regressou ao serviço.
Se bem interpretamos o acto recorrido, para a Administração, após a comunicação que foi feita ao Recorrente do parecer da Junta de Saúde que o considerou apto para regressar ao trabalho, ficou o mesmo obrigado a apresentar-se ao serviço, não podendo justificar a ausência mediante a apresentação de atestados médicos como vinha fazendo até aí.
Com todo o respeito, parece-nos que este entendimento que está na base da punição disciplinar impugnada não encontra na lei o indispensável suporte.
2.3.
Na verdade, o Recorrente apresentou-se à Junta de Saúde, ao que se crê solicitada pelo dirigente do serviço nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/97/M, de 21 de Dezembro, ou seja, por ter atingido «o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada nos termos dos artigos anteriores».
Nessa situação, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, cabe à Junta de Saúde pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço. Trata-se, aliás, de uma competência que é deferida à Junta de Saúde pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro: «verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas (…)».
De acordo com o n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, «o parecer da Junta de Saúde deve ser comunicado ao trabalhador no próprio dia e enviado ao respectivo serviço imediatamente após ter sido homologado».
Face aos normativos legais acabados de citar, parece-nos seguro afirmar, desde logo, que a intervenção da Junta de Saúde não se destina a verificar a exactidão ou a idoneidade certificativa dos atestados médicos que anteriormente tenham sido emitidos para justificar a ausência ao serviço por doença por parte do trabalhador. A Junta pronuncia-se sobre a sua aptidão ou inaptidão para regressar ao serviço, devendo, desejavelmente, fazê-lo de forma inequívoca, para que não haja qualquer dúvida relativamente ao sentido do parecer.
O parecer da Junta está, no entanto, e como resulta expressamente do n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, sujeito a homologação do Director dos Serviços de Saúde nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
Ora, quando a Junta de Saúde intervém ao abrigo da competência conferida pela norma do n.º 1 do artigo 105.º e, portanto, se pronuncia sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, é a homologação do respectivo parecer e não este que reveste a natureza de acto administrativo recorrível (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.12.2014, processo n.º 74/2014. Entre nós, e ao contrário do que sucede em Portugal, o parecer da Junta de Saúde não reveste, pois, a natureza de verdadeiro acto administrativo, mas, antes, a de mero acto opinativo e, portanto, de mera actuação administrativa, para usarmos a formulação de inspiração germânica de MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 376. O que é típico da homologação é «a existência entre os dois órgãos – o autor do ato homologatório e o autor do ato homologado – de uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes títulos de legitimidade para a produção dum mesmo resultado. Tal o sentido mais genuíno que a figura pode adquirir: por um lado, a lei pretende que a decisão final não deixe de ser tomada por quem, em virtude da posição que ocupa na estrutura da Administração, lhe pode dar a força e a autoridade que ela reclama; por outro lado, entende circunscrever essa decisão no quadro de opções previamente definido por outro órgão, em homenagem à sua especial competência técnica, às garantias de imparcialidade e independência por ele proporcionadas ou a outras razões análogas»: nestes termos, veja-se o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 39/2012, de 21.3.2013, disponível em www.ministeriopublico.pt).
Não constituindo o parecer da Junta de Saúde um verdadeiro acto administrativo, não lhe estão associados os efeitos que são próprios desses actos, nomeadamente e para o que agora interessa, o chamado efeito vinculativo, ou seja, o efeito que se traduz no carácter obrigatório das determinações contidas no acto administrativo para os sujeitos da relação jurídica sobre a qual incide (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito…, p. 185 e, no mesmo sentido, salientando a especial força jurídica auto-vinculativa e hetero-vinculativa de que gozam os actos administrativos, cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 165).
Assim, é com a notificação da homologação pelo Director dos Serviços de Saúde do parecer da Junta de Saúde que se tenha pronunciado no sentido da aptidão do trabalhador para regressar ao serviço que, não obstante a falta de norma expressa nesse sentido, em nosso entender, aquele ficará constituído no dever de se apresentar ao serviço, não podendo continuar a justificar as suas ausências através da apresentação de atestados médicos nos termos da alínea a) do artigo 100.º do ETAPM (este último ponto não é de resposta inequívoca. No entanto, a norma do n.º 2 do artigo 105.º do ETAPM aponta claramente no sentido propugnado, ao fazer depender a relevância justificativa da doença do trabalhador ocorrida após a Junta de Saúde o ter considerado apto para regressar ao serviço, da confirmação desta: sobre isto, apontando no mesmo sentido, embora manifestando algumas dúvidas, PAULO VEIGA MOURA – CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º volume, Coimbra, 2014, pp. 46-47 e, em especial, p. 53. Todavia, como dissemos, em Portugal o parecer da junta médica não está sujeito a homologação, constituindo, ele próprio, um acto administrativo e por isso aí se justifica que se entenda que o trabalhador deve regressar ao trabalho no dia seguinte à notificação do resultado da junta médica o que transpondo para o nosso ordenamento, não pode deixar de ter por referência a notificação do acto de homologação do parecer).
Portanto, de acordo com a que nos parecer ser a melhor leitura da lei, o simples parecer da Junta de Saúde, ainda que comunicado ao Trabalhador, não o constitui no dever de regressar ao trabalho no dia seguinte, nem o impede de justificar as faltas por doença através de atestado médico, nos termos previstos na alínea a) do artigo 100.º do ETAPM. Tal dever e um tal impedimento só se constituem com a notificação do acto de homologação do dito parecer.
2.4.
No caso sujeito, não se vê que o parecer da Junta de Saúde de 1 de Novembro de 2019, mesmo admitir-se que o mesmo considerou o Recorrente apto para regressar ao trabalho, tenha sido objecto da indispensável homologação por parte do Director dos Serviços de Saúde nem, em qualquer caso, se vislumbra que tal homologação, a ter existido tenha sido notificada ao Recorrente.
Assim, ao contrário do respeitável entendimento subjacente ao acto administrativo recorrido, estamos em crer que a simples comunicação do parecer da Junta ao Recorrente no próprio dia a que se refere o n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM não só não vinculou o Recorrente a regressar ao serviço como também não constituiu impedimento juridicamente relevante a que o mesmo continuasse a justificar, validamente, a ausência por doença mediante apresentação de atestado médico nos termos gerais resultantes do artigo 100.º, alínea a) do ETAPM na exacta medida em que, como vimos, inexistia na ordem jurídica o acto administrativo do qual, de forma autoritária e vinculativa, resultasse um dever jurídico para o trabalhador regressar ao serviço ou, em caso de adoecer nos 7 dias úteis seguintes, se apresentar à Junta para confirmação da doença nos termos previstos no n.º 2 do artigo 105.º do ETAPM.
Como tal, tendo o Recorrente justificado validamente as suas faltas ao serviço posteriores a 1 de Novembro através de atestados médicos, carece de fundamento legal a conclusão que fundou a prática do acto recorrido no sentido de que tais faltas, porque injustificadas, representam situação de ausência ilegítima disciplinarmente relevante.
Cremos, por isso, que o acto administrativo recorrido enferma de vício de violação de lei que lhe é imputado pelo Recorrente e deve, por isso, ser anulado.
2.4.
Para o caso de se entender, em contrário do que antecede, que o apontado vício de violação de lei não ocorre e que, portanto, o Recorrente incorreu na prática infracção disciplinar aqui em causa, não deixaremos, subsidiariamente, de nos pronunciar sobre a segunda questão colocada pelo Recorrente atinente à escolha da medida disciplinar efectuada pela Entidade recorrida.
Segundo ele, impunha-se, no caso, a pena menos gravosa, a saber a aposentação compulsiva e não a demissão.
Parece-nos que não tem razão. Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 238.º do EMFSM que «as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional».
Por sua vez, do n.º 2 do dito artigo resulta que «As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
(…)
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil; (…)».
Por seu turno, o artigo 239.º do mesmo diploma estabelece:
«1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão».
E o artigo 240.º preceitua:
«A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
(…)
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º».
De acordo com a fundamentação jurídica que se colhe do acto recorrido, a conduta da Recorrente foi enquadrada na alínea i) do n.º 2 do artigo 238.º e na alínea c) do artigo 240.º do EMFSM, nada havendo a censurar nesse ponto uma vez que, em abstracto, a conduta do Recorrente seria punível com a pena de demissão, tendo a escolha dessa pena disciplinar plena cobertura legal.
Por outro lado, é pacífico que a escolha da medida disciplinar corresponde ao exercício de um poder discricionário em relação ao qual os poderes sindicantes do tribunal são limitados, pois que só pode actuar quando ocorra erro manifesto ou total desrazoabilidade nesse exercício com violação intolerável dos princípios gerais que regem a actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.
Como se tem salientado na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, ao tribunal não compete dizer se, no caso, aplicaria ou não a pena disciplinar de demissão. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é outro, é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários», nomeadamente, por violação intolerável, flagrante, evidente do princípio da proporcionalidade ou outro (também assim, Ac. do TUI de 19.11.2014, processo n.º 112/2014 e Ac. do TUI de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
Nesta como noutras situações, «há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça» (nestes termos, veja-se o acórdão do Tribunal de Última Instância de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
A nosso ver, não se pode dizer que a pena escolhida e aplicada pela Entidade Recorrida seja manifesta ou intoleravelmente violadora do princípio da proporcionalidade.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado procedente e, em consequência, deve ser anulado o acto administrativo recorrido.
(…)”.
Em face de douta argumentação acima transcrita, que subscrevemos inteiramente e que é reproduzida para a fundamentação da decisão deste TSI, e além disso, acrescentamos e realçamos ainda o seguinte:
1) - Quando a Junta de Saúde emitiu o parecer no sentido de que o observado/doente/Recorrente devesse apresentar-se ao serviço a que pertencia para trabalhar, seja imediatamente, seja no dia e hora expressamente indicados, tal parecer sujeita-se à homologação pelo Director dos SS, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM, conjugado com o artigo 8.º, n.º 2, alínea f) do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro.
2) - Não constituindo o parecer da Junta de Saúde um verdadeiro acto administrativo, não lhe estão associados os efeitos que são próprios desses mesmos actos, nomeadamente e para o que agora interessa, o chamado efeito vinculativo, ou seja, o efeito que se traduz no carácter obrigatório das determinações contidas no acto administrativo para os sujeitos da relação jurídica sobre a qual incide: apresentar-se ao serviço a que pertence o destinatário do “parecer”, depois de convertido em decisão final.
3) - Tratando-se de um acto administrativo (refere-se à “decisão” convertida com base no parecer devidamente homologado pelo Director dos SS) que imponha um comportamento ao seu destinatário, comparecendo pessoalmente no serviço, ele deve ser notificado pessoalmente nos termos do disposto no artigo 68º do CPA e nas condições dos artigos 70º a 72º do mesmo CPA.
Não se actuando desta maneira, porque apenas se notificou o parecer, sem que este fosse deviamente homologado pela entidade competente, há violação da lei, o que é razão bastante para julgar procedente o recurso nos termos acima analisados, anulando-se a decisão recorrida
Com o decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
*
Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
*
RAEM, 27 de Maio de 2021.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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