Processo n.º 1102/2020 Data do acórdão: 2021-5-27
Assuntos:
– crime de arma proibida
– qualificação do instrumento como arma proibida
– não justificação da posse da arma
– art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal
– art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de
Armas e Munições
– Decreto-Lei n.o 77/99/M
S U M Á R I O
Como a qualificação do instrumento então transportado pelo arguido numa bagagem no Aeroporto Internacional de Macau como arma proibida e a justificação, ou não, da posse do instrumento pelo arguido são conclusões a tirar da matéria de facto provada, o tribunal de recurso pode tirar conclusões diversas das do tribunal recorrido acerca dessas duas questões, e passar a condenar o arguido como autor material, de um crime de arma proibida, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal, conjugado com os art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1102/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 62 a 65 do Processo Comum Colectivo n.° CR2-20-0205-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou absolvido o arguido A, aí já melhor identificado, da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de arma proibida, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal (CP), conjugado com os art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M.
Inconformado, veio o Ministério Público recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir, na sua motivação de fls. 71 a 75v dos presentes autos, o reenvio do processo para novo julgamento, com fundamento na alegada existência do vício de erro notório na apreciação da prova acerca do acusado facto de o arguido não ter razões para explicar a detenção do anél de ferro dos autos, e também de erro de interpretação do direito no tocante ao conceito de arma proibida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 86 a 87 dos autos, pugnando pelo provimento do recurso do Ministério Público, com opinada consequente condenação directa do arguido no crime acusado, com medida da pena respectiva.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido consta de fls. 62 a 65 dos autos, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. O instrumento tido na acusação pública então deduzida a fls. 42 a 43 dos autos (cujo teor se dá por aqui também integralmente reproduzido) contra o arguido como sendo uma arma proibida ficou fotografada a fl. 20 dos autos. Dessa fotografia, vê-se que se trata de um instrumento metálico contundente de uso não corrente na vida quotidiana das pessoas, com mais de 10 centímetros de cumprimento, e mais de 5 centímetros de altura.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Juridicamente falando, segundo as disposições conjugadas dos art.os 6.o, n.o 1, alínea b), e 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, consideram-se armas proibidas instrumentos perfurantes ou contundentes e facas com lâmina superior a 10 cm de comprimento, susceptíveis de serem usados como instrumento de agressão física, e desde que o portador não justifique a respectiva posse.
Por outro lado, o art.o 262.o (com a epígrafe de “Armas proibidas e substâncias explosivas”) do CP dispõe, no seu n.o 1, o seguinte: Quem importar, fabricar, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma proibida ou engenho ou substância explosivos, ou capazes de produzir explosão nuclear, radioactivos ou próprios para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
No caso concreto dos autos, o Tribunal recorrido não qualificou o objecto apreendido ao arguido (e já acima referido no ponto 2 da parte II do presente acórdão de recurso) como sendo uma arma proibida.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, o mesmo objecto deve ser qualificado como uma arma proibida, para efeitos incriminadores do art.o 262.o, n.o 1, do CP, conjugado com o disposto nos art.os 6.o, n.o 1, alínea b), e 1.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento de Armas e Munições (aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M), porquanto é de entender que se trata de um instrumento contundente susceptível de ser usado como instrumento de agressão física, e o arguido não conseguiu apresentar justificação plausível da respectiva posse.
Sendo de frisar que é pertinente a observação da Digna Entidade Recorrente: tal instrumento é diferente de um livro ou de uma garrafa de água (citados pelo Tribunal a quo na fundamentação do acórdão recorrido como exemplos de instrumentos também contundentes), visto que enquanto um livro ou uma garrafa de água têm a sua própria utilidade notoriamente conhecida na vida quotidiana das pessoas, tal instrumento, pelas características que apresenta (cfr. o que se vê na fotografia de fl. 20 dos autos), se destina propriamente à agressão física.
Quanto à questão da justificação da posse, das circunstâncias em que o arguido trouxe consigo tal instrumento no interior da sua bagagem no Aeroporto Internacional de Macau não pode resultar cabalmente justificada a posse do próprio instrumento nesse Aeroporto.
Como a questão de qualificação do tal instrumento como arma proibida e a questão de justificação ou não da posse do próprio instrumento pelo arguido são conclusões a tirar da matéria de facto provada, o Tribunal de recurso pode tirar conclusões diversas das tiradas pelo Tribunal recorrido acerca dessas duas questões.
Assim sendo, é de passar a condenar directamente o arguido como autor material de um crime consumado de arma proibida, nos termos inicialmente acusados pelo Ministério Público, na pena de dois anos e três meses de prisão (pena essa aqui achada aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, sendo certo que em sede do art.o 64.o do CP, não é de optar pela aplicação da pena de multa, por causa das elevadas exigências da prevenção geral do delito penal em questão).
Sendo o arguido delinquente primário, é de conceder-lhe uma oportunidade, no sentido de lhe suspender a execução da pena de prisão, por um período de dois anos e seis meses.
O instrumento em questão tem que ser declarado perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau, por se tratar do objecto do próprio crime de arma proibida (art.o 101.o, n.o 1, do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando, por conseguinte, a condenar o arguido como autor material de um crime consumado de arma proibida, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal, conjugado com os art.os 1.o, n.o 1, alínea f), e 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 77/99/M, na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, com declaração de perdimento da arma apreendida nos autos, a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Sem custas no presente recurso, mas o arguido deve pagar as custas do processo em primeira instância (com quatro UC de taxa de justiça) e a quantia de mil e quinhentas patacas de honorários já fixada no acórdão recorrido.
Fixam em mil patacas os honorários, em segunda instância, do Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão (com cópia do acórdão recorrido) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, para os efeitos legais tidos por convenientes.
Macau, 27 de Maio de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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