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Processo n.º 310/2021 Data do acórdão: 2021-5-27
Assuntos:
– crime de detenção indevida de utensílio
– art.o 15.o da Lei n.o 17/2009
– utensílios para consumo de droga
– utensílios de uso corrente na vida quotidiana
– consumo ilícito de estupefaciente
– art.o 14.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– detenção ilícita de estupefaciente para consumo
– art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009
– não autonomização da punição do consumo de pequena quantidade
S U M Á R I O
1. Não podendo os objectos então detidos pela arguida ser considerados como utensílios especificadamente destinados ao consumo de droga, pois são objectos, aliás, de uso corrente na vida quotidiana das pessoas, é de manter a já decidida absolvição do crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da Lei n.o 17/2009.
2. No caso dos autos, estando em causa a detenção, pela arguida, de um total de 25,548 gramas líquidos de heroína (em parte comprado em Hong Kong, e na outra parte, muito maior, colocada previamente na sua residência em Macau), tudo para fins do seu consumo próprio e de venda a outrem, e de 0.0997 grama líquido de metanfetamina (comprado em Hong Kong no mesmo dia) para seu consumo pessoal, não faz sentido autonomizar a punição da detenção ilícita dessa quantidade de metanfetamina, já que o n.o 3 do art.o 14.o da referida Lei n.o 17/2009 (na redacção vigente) dá para contemplar essa situação concreta da arguida.
3. Portanto, em vez de ser condenada, pelo tribunal recorrido, como autora de um crime de consumo ilícito de estupefaciente (em concreto, da dita pequena quantidade de metanfetamina) p. e p. pelo n.o 1 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009 (na redacção vigente à data dos factos), e também de um crime de detenção ilícita de estupefaciente (em concreto, daquela quantidade não pequena de heroína), p. e p. pelo n.o 2 do mesmo art.o 14.o, a arguida passa a ser condenada como autora de apenas um crime de detenção ilícita de estupefaciente do n.o 2 do art.o 14.o, com moldura penal do art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 310/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: Ministério Público
1.a arguida B (B)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 292 a 304v do Processo Comum Colectivo n.° CR5-20-0288-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a 1.a arguida B, aí já melhor identificada, como autora material de um crime consumado de detenção ilícita de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14º, n.o 2, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), com moldura penal do art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei, na pena de sete anos e três meses de prisão, e como autora material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei n.o 17/2009, na pena de cinco meses de prisão, e em cúmulo jurídico destas duas penas, finalmente em sete anos e seis meses de prisão única, enquanto ficou absolvida da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da mesma Lei n.o 17/2009.
Inconformados, vieram o Ministério Público e a 1.a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedirem, aquele (na motivação de fls. 324 a 328 dos presentes autos correspondentes), a condenação também no crime de detenção de utensílio, e, esta (na motivação de fls. 330 a 335 dos presentes autos), a redução da pena do seu crime de consumo ilícito de estupefacientes dos art.os 14º, n.o 2, e 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na redacção vigente aplicável), e, por conseguinte, também a redução da sua pena única de prisão.
Ao recurso da arguida, respondeu o Ministério Público (a fls. 339 a 342 dos presentes autos), no sentido de improcedência do mesmo, enquanto a arguida opinou (na resposta de fls. 344 a 347) pelo não provimento do recurso daquele.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 361 a 363), pugnando pelo provimento do recurso do Ministério Público e pelo não provimento do recurso da arguida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido consta de fls. 292 a 304v, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Na fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal seu autor considerou que o total de 25,548 gramas líquidos de heroína apreendido à arguida recorrente (tendo uma pequena parte dessa quantidade total sido comprada por ela em Hong Kong em 17 de Março de 2020, e a outra parte, muito maior, sido colocada por ela previamente na sua residência em Macau) foi por esta destinado, em pequena parte, ao seu consumo próprio, e, em grande parte, à venda a outrem, e que o total de 0,0997 grama líquido de metanfetamina comprado pela arguida (na mesma ocasião ocorrida em 17 de Março de 2020 em Hong Kong) foi por esta destinado ao seu consumo próprio, razões por que a arguida ficou aí condenada pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009, com moldura penal prevista no art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei, na pena de sete anos e três meses de prisão, para além de um crime de consumo ilícito de estupefaciente do art.o 14.o, n.o 1, da mesma Lei, na pena de cinco meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de sete anos e seis meses de prisão.
3. Os utensílios então detidos pela arguida recorrente foram os mencionados no facto provado 11 descrito no mesmo texto decisório, a saber: papéis de estanho, tubos de ingestão cortados, um dos quais ligado a papel de estanho, uma garrafa de plástico com dois tubos de ingestão inseridos na sua tampa, um dos quais ligado a papel de estanho.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O Ministério Público pediu a condenação da 1.a arguida também no crime de detenção indevida de utensílio.
Entretanto, como os objectos então detidos pela arguida e acima referidos, no entender deste Tribunal de recurso, não podem ser considerados como utensílios especificadamente destinados ao consumo de droga, pois são objectos aliás de uso corrente na vida quotidiana das pessoas, é de manter a já decidida absolvição deste crime.
E antes de abordar a questão da redução da pena da arguida, é de unir os dois crimes por que vinha condenada ela em primeira instância num só crime de detenção ilícita de estupefaciente p. e p. pelo art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009 (na redacção vigente à data dos factos), com moldura penal do art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei.
Com efeito:
O art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na redacção vigente (dada pela Lei n.o 10/2016), prevê o seguinte:
– <<1. Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias, salvo o disposto no número seguinte.
2. Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente referido no número anterior cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º
3. Para determinar se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém excede ou não cinco vezes a quantidade a que se refere o número anterior, são contabilizadas as plantas, substâncias ou preparados que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais.>> (com sublinhado só agora posto).
Assim, no caso dos autos, estando em causa a detenção, pela arguida, de um total de 25,548 gramas líquidos de heroína (em parte comprado em Hong Kong em 17 de Março de 2020, e na outra parte, muito maior, colocada previamente na sua residência em Macau), tudo para fins do seu consumo próprio e de venda a outrem, e de 0.0997 grama líquido de metanfetamina (comprado em Hong Kong no mesmo dia 17 de Março de 2020) para seu consumo pessoal, não faz sentido autonomizar a punição da detenção ilícita da dita quantidade líquida de metanfetamina, já que o n.o 3 do art.o 14.o da referida Lei n.o 17/2009 (na redacção vigente) dá, no entender do presente Tribunal de recurso, para contemplar a acima referida situação concreta da arguida.
Desta feita, e ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância e como tal descritas no texto do acórdão recorrido com pertinência à medida da pena (aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do Código Penal) de um só crime de detenção ilícita de estupefaciente do art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009 (redacção vigente), dentro da moldura penal aplicável de cinco a quinze anos de prisão do art.o 8.o, n.o 1, da mesma Lei, e consideradas também as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral deste delito, poderia ser mantida a pena de sete anos e três meses de prisão, achada no acórdão recorrido para este delito penal.
Deste modo, acaba a arguida por ter a sua pena final reduzida a sete anos e três meses de prisão, embora com base em fundamentos diversos dos alegados na sua motivação do recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do Ministério Público, e parcialmente provido o pedido de redução da pena da arguida B, passando, por conseguinte, a condenar esta apenas pela autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de estupefaciente do art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), com moldura penal do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na mesma redacção vigente), na pena de sete anos e três meses de prisão.
Sem custas em ambos os recurso.
Fixam em duas mil e trezentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso da arguida, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 27 de Maio de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
  (本人認為:在上訴人持有及使用過的器具中,其中一個係由膠樽、樽蓋、吸管、錫紙組裝而成,該改造組裝改變了日用品原有的功能用途,成爲有效、可反復使用及專門用來吸食毒品的工具,具有專門性及耐用性,且在上述器具包括膠樽內的液體、樽蓋、吸管、錫紙上均驗出第 17/2009 號法律第四條內表二B 所管制的“甲基苯丙胺”成份。故此,應對上訴人依據經第10/2016號法律修改之第 17/2009 號法律第15條的規定作出獨立處罰。)



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