Processo n.º 1161/2020 Data do acórdão: 2021-5-27
Assuntos:
– art.o 71.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– empurrar a mão um motociclo
– acto de condução
– não equiparação à situação de trânsito de peão
– motociclo em circulação
– não acatamento da luz vermelha dos semáforos
– contravenção
– art.o 99.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 12.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento do Trânsito Rodoviário
S U M Á R I O
1. Da norma do art.o 71.o da Lei do Trânsito Rodoviário não pode resultar a equiparação da situação de empurrar a mão um motociclo à situação de trânsito de peão.
2. Com efeito, empurrar a mão o motociclo não deixa de ser um acto de conduzir o motociclo, quer o motor do motociclo esteja ligado ou não.
3. Conforme a matéria de facto provada, o arguido recorrente empurrou a mão um motociclo e ao passar por uma avenida, não cumpriu o sinal de luz vermelha dos semáforos de regulação do trânsito. Ora, esta factualidade aponta claramente que o motociclo em causa se encontrou em circulação, por estar conduzido pelo arguido, através do método de “empurrar a mão”.
4. Assim, há que manter o julgado, condenatório do arguido na prática de uma contravenção p. e p. pelo art.o 99.o, n.o 1, da LTR, conjugado com o art.o 12.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento do Trânsito Rodoviário.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1161/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 24 a 25 do Processo Contravencional n.° CR1-20-0127-PCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A como autor material de uma contravenção p. e p. art.o 99.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), conjugado com o art.o 12.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento do Trânsito Rodoviário, em mil e duzentas patacas de multa, convertível em dez dias de prisão, no caso de não pagamento nem de substituição por trabalho.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir (na motivação de fls. 42 a 45v dos presentes autos correspondentes) a revogação da decisão condenatória recorrida, com almejada absolvição dele, tendo alegado, para o efeito, e no seu essencial, que:
– a norma do n.o 1 do art.o 99.o da LTR tem materialmente por destinatário todo o veículo em circulação;
– e embora o art.o 71.o da LTR não faz englobar, de modo expresso, na sua previsão a situação de empurrar a mão o motociclo, isto não representa que o seu Legislador tenha tido a intenção de afastar essa situação, nem que seja indispensável afastar essa situação;
– portanto, entende o recorrente que só quando o motociclo se encontrar em circulação ou com motor ligado, é que a conduta de não respeitar a luz vermelha poderá fazer incorrer na violação da norma do n.o 1 do art.o 99.o da LTR;
– apesar de o Tribunal recorrido ter considerado não haver prova de o recorrente ter desligado o motor do motociclo, o certo é que a matéria de facto descrita como provada na sentença não dá para comprovar que o motociclo do recorrente se encontrar em circulação ou com motor ligado na altura dos factos;
– por isso, por força do princípio de in dubio pro reo, haverá que absolver o recorrente da acusada prática da contravenção prevista no art.o 99.o, n.o 1, da LTR.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 62 a 67 dos autos), no sentido de improcedência do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 74 a 75), pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida consta de fls. 24 a 25, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Segundo a factualidade aí descrita como provada, o arguido (ora recorrente), em 16 de Junho de 2020, às 18:40 horas, empurrou a mão o motociclo de chapa de matrícula n.o MI-XX-XX, e ao passar pelo número policial n.o 50A da Avenida do Coronel Mesquita, não cumpriu o sinal de luz vermelha dos semáforos de regulação do trânsito, tendo agido de modo consciente, livre e voluntário, sendo ciente de que este tipo de conduta era proibida e como tal punível por lei.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Do teor da motivação do recurso, lê-se que o arguido constrói toda a sua tese do recurso com base no seu entendimento de que a situação de empurrar a mão um motociclo deve ser materialmente equiparada à situação de trânsito de peão, à luz do espírito do art.o 71.o da LTR.
O Regulamento do Trânsito Rodoviário vigente, no seu art.o 12.o, dispõe, nomeadamente, o seguinte:
<
(Sinalização luminosa)
1. A regulação do trânsito pode também fazer-se por meio de sinais luminosos, nos termos constantes dos números seguintes.
2. A sinalização luminosa destinada a regular o trânsito de veículos e animais é constituída por um sistema de três luzes circulares, não intermitentes, com as cores vermelha, amarela e verde, a que correspondem os significados seguintes:
a) Luz vermelha: passagem proibida, obrigando os condutores a parar antes de atingir a zona regulada pelo sinal;
[...]>>.
A LTR vigente, no seu art.o 99.o, prevê, nomeadamente, o seguinte:
<
Desrespeito pela obrigação de paragem
1. É punido com pena de multa de 1 000,00 a 5 000,00 patacas, o condutor de veículo que não respeite a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito ou pelo sinal de paragem obrigatória nas intersecções.
[...]>>.
Por outro lado, a mesma LTR, no seu art.o 71.o, estipula que:
<
Equiparação
Salvo estipulação em contrário, é equiparado ao trânsito de peões:
1) A condução de carros de mão;
2) A condução à mão de velocípedes de duas ou de três rodas e de carros de crianças ou de deficientes físicos;
3) O trânsito de cadeiras de rodas.>>
Para o presente Tribunal de recurso, dessa norma de equiparação não pode resultar a procedência da tese jurídica do recorrente, em sintonia com a qual a situação de empurrar a mão um motociclo deve ser equiparada à situação de trânsito de peão.
Na verdade, empurrar a mão o motociclo não deixa de ser um acto de conduzir o motociclo, quer o motor do motociclo esteja ligado ou não. E para se inteirar do sentido e alcance da conduta de “condução”, basta ver a situação prevista na alínea 1) do art.o 71.o da LTR, alusiva à “condução de carros de mão”: um carro de mão, necessariamente sem motor, não deixa de poder ser objecto de “condução”.
Aliás, aceitar tal tese jurídica do recorrente acarreta necessariamente autêntica situação caótica no trânsito de motociclos em vias públicas, com potencial perigo constante para outros utentes de vias públicas.
Por fim, conforme a matéria de facto provada, o recorrente empurrou a mão um motociclo e ao passar pelo número policial n.o 50A da Avenida do Coronel Mesquita, não cumpriu o sinal de luz vermelha dos semáforos de regulação do trânsito. Ora, esta factualidade aponta claramente que o motociclo em causa se encontrou em circulação, por estar conduzido pelo arguido recorrente, através do método de “empurrar a mão”.
Assim, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, há que manter o julgado, condenatório do arguido na prática de uma contravenção p. e p. pelo art.o 99.o, n.o 1, da LTR, conjugado com o art.o 12.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento do Trânsito Rodoviário.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do arguido.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 27 de Maio de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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