Processo nº 1042/2020
Data do Acórdão: 27MAIO2021
Assuntos:
Contrato de locação
Não restituição da coisa locada
Mora do locatário
Renda em dobro
Indemnização dos prejuízos excedentes
Valor locativo comercial da coisa
SUMÁRIO
1. A mora referida no artº 1027º/2 do CC é mora provocada pela interpelação do locador no sentido da restituição da coisa locada.
2. Se a não restituição abusiva da coisa impede o titular da coisa, objecto da locação entretanto extinta, de usar e fruir a coisa e beneficiar das utilidades que a mesma coisa tem a potencialidade de lhe proporcionar, o valor a atender para a fixação dos prejuízos excedentes deve ser o valor locativo comercial actualizado da coisa, uma vez que a perda da potencialidade locativa comercial, originada pela não restituição da coisa ao seu titular, representa-lhe sempre perda dos “benefícios que deixou de obter”, a que se refere artº 558º/1, primeira parte, do CC.
3. Extinta a locação, a não restituição abusiva da coisa por parte do locatário, já interpelado para o efeito, constitui de per si um prejuízo consistente na indisponibilidade ou na perda das utilidades que a coisa tem a potencialidade de proporcionar ao locador, não se nos afigura exigível ao locador, já lesado por actos ilícitos, a demonstrar a existência de propostas de arrendamento e de seus concretos termos, dadas as dificuldades facilmente imagináveis de encetar as negociações com vista à celebração do novo contrato de locação, nomeadamente as resultantes da inacessibilidade da coisa por causa da ocupação abusiva pelo ex-locatário e da incerteza quanto à data da restituição da coisa por parte do ocupante, sob pena de punir o lesado e premiar o culpado.
4. Na esteira desse entendimento, cremos que independentemente da prova da existência da proposta de arrendamento ou de potenciais arrendatários interessados ou da prova de que teria sido dado de arrendamento se não tivesse havido a privação do uso da coisa, é bastante a demostração do valor da renda do mercado da coisa para justificar o reconhecimento ao locador lesado o direito à indemnização no valor a calcular com base nesse valor locativo actualizado do mercado, em vez de o montante legalmente fixado no artº 1027º/2 do CC, que é apenas renda em dobro.
5. Não obstante o montante legalmente tarifado no nº 2 do artº 1027º do CC, a razão de ser do nº 3 é que o nosso legislador não quis privar o locador lesado de exercer o direito de ser ressarcido pecuniariamente pelos danos na parte não coberta pela renda em dobro. Portanto, não é de atribuir à Autora, a título dos prejuízos excedentes, cumulativamente, a indemnização no valor correspondente ao dobro da renda nos termos calculados no nº 2 do artigo e a indemnização correspondente à renda do mercado. Ou seja, in casu, a Autora tem o direito de receber apenas o montante correspondente à renda do mercado, relativamente ao período de tempo em que o Réu se constituiu em mora.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 1042/2020
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de acção especial de despejo, ordinária, registada sob o nº CV3-17-0032-CPE, que correm os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, movida por Fomento Imobiliário A, Limitada, contra B, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I) RELATÓRIO
Fomento Imobiliário A, Limitada (A置業有限公司), com sede em Macau, na …, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº ..., vêm intentar a presente
ACÇÃO DE DESPEJO contra
B, casado, titular do BIRM nº..., residente em Macau, na…, porta principal.
com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 8.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente, por provada, e em consequência, deve a Ré ser condenada a:
a) Reconhecer que o contrato de arrendamento celebrado em 31 de Maio de 1979 referente ao prédio sito na Travessa do X, nºX, em Macau, descrito na CRP sob o nº..., aí inscrito a seu favor sob o nº... e inscrito na matriz predial sob o nº..., caducou em 30 de Abril de 2017, nos termos da alínea a), nº1, do artigo 1022º do C.C.;
b) Entregar à Autora o referido prédio, livre de pessoas e bens e no estado previsto na alínea j) dos artigos 983º e 1025º do C.C.;
c) Pagar à Autora uma indemnização equivalente ao valor em dobro das rendas estipuladas pelas partes atá à efectiva entrega do imóvel à Autora, desde 1 de Junho de 2017 e até à efectiva entrega do imóvel, desocupado de pessoas e bens, nos termos do artº1027º, nº2 do C.C.;
d) Pagar ainda à Autora uma indemnização pelos prejuízos excedentes, no montante de HKD$350.000,00 por cada trinta dias de calendário, a contar de 1 de Junho de 2017 e até à efectiva entrega do imóvel à Autora, livre e desocupado de pessoas e bens, nos termos do artigo 1027º, nº3 do C.C.
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Citado o Réu, este, por si próprio, requereu o depósito da chave do imóvel no Tribunal à disposição da Autora, visto que tentou fazer a entrega da chave à Autora, em 7 de Fevereiro de 2018, mas foi recusado pela Autora, por requerimento de 23/02/2018, de fls. 96 e 97.
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E apresentou contestação nos fundamentos constantes de fls. 99 a 107 dos autos, impugnando que a carta de denuncia alegada pela Autora foi dirigido ao endereço alheio e por número do fax que não é utilizado pelo estabelecimento comercial instalado no imóvel, entendendo que a denúncia invocada pela Autora não é válida e que o contrato de arrendamento foi renovado por um ano, renovando o pedido de depósito da chave no Tribunal.
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Por articulado de fls. 114, a Autora aceitou o depósito da chave pretendida pelo Reu.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Requerente é proprietária do prédio sito na Travessa do X, nºX, em Macau, descrito na CRP sob o nº..., aí inscrito a seu favor sob o nº... e inscrito na matriz predial sob o nº..., como se mostra pela certidão predial junta e cujo conteúdo se dá aqui por integramente reproduzido. (alínea A) dos factos assentes)
- A Autora adquiriu o domínio útil desses prédios em 21/11/2003 à Santa Casa da Misericórdia de Macau, através de escritura pública de compra e venda outorgada e lavrada a fls. … do livro …, do Cartório do Notário Privado Leonel Alberto Alves. (alínea B) dos factos assentes)
- O domínio útil da Autora sobre os ditos prédios encontra-se registado na CRP, a seu favor, pela inscrição nº..., de 25/10/2004 (vd. Doc. 1). (alínea C) dos factos assentes)
- O domínio útil desses prédios, bem como de vários outros, encontra-se actualmente hipotecado como garantia de duas facilidades bancárias que foram concedidas à Autora pelo Banco X S.A. (vd. Doc. 1). (alínea D) dos factos assentes)
- Por contrato celebrado em 31 de Maio de 1979 esse prédio foi dado de arrendamento, pela anterior proprietária, a Santa Casa da Misericórdia, a C, que aí instalou o estabelecimento “X X X Kei” e por uma renda mensal de MOP$464,00 (cfr. Doc. 2 junto à Notificação Judicial Avulsa que se juntou como Doc. 2). (alínea E) dos factos assentes)
- C trespassou o estabelecimento a B, por escritura celebrada, a 3 de Janeiro de 1987, no Cartório Notarial das Ilhas (fls. …, livro …), o qual incluía o arrendamento do imóvel (cfr. Doc. 3 junto à Notificação Judicial Avulsa que se juntou como Doc. 2). (alínea F) dos factos assentes)
- O arrendamento foi celebrado inicialmente por período de um ano, a contar de 1 de Maio de 1979, considerando-se tacitamente renovado, por igual período, salvo denúncia nos termos legais. (alínea G) dos factos assentes)
- A renda estipulada no contrato era de MOP$464.00. (alínea H) dos factos assentes)
- Posteriormente foi aumentada, sendo actualmente de MOP$1.200,00 a renda devida no momento em que o contrato terminou. (alínea I) dos factos assentes)
- Em 30/03/2016, a Autora apresentou em Tribunal uma Notificação Judicial Avulsa, para que a Ré fosse notificada da expressa vontade da Autora de não renovar o arrendamento do referido prédio, pelo que pretendia fazer cessar o respectivo contrato de arrendamento no termo do seu prazo, ou seja, em 30 de Abril de 2017. (alínea J) dos factos assentes)
- Um funcionário do tribunal dirigiu-se ao R/C do nº X da Travessa do X (onde funciona um supermercado), tendo um empregado desse estabelecimento, que se recusou a fornecer os seus dados pessoais, declarado que o seu patrão tinha a apelido LEI, mas que não se sabia era o notificado B, declarando este empregado que o avisaria para se dirigir ao Tribunal no sentido de receber a notificação avulsa. (alínea J-1) dos factos assentes)
- No dia 7 de Fevereiro de 2018 o R. deslocou-se à sede da A. a fim de informar a senhoria do intuito de cessar o arrendamento, restituindo o locado. (alínea K) dos factos assentes)
- Segundo informações da Srª D, empregada da A., a entidade patronal dela declarou que o R. deveria contactar o seu advogado para tratar desse assunto, pelo que recursou receber a chave do locado. (alínea L) dos factos assentes)
- Até a data da apresentação desta P.I., o Réu manteve o gozo do prédio supra id., requerendo a entrega das chaves do locado por requerimento de 23/02/2018 (fls. 96). (alínea M) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- O Réu não recebeu deliberadamente a Notificação Judicial Avulsa supra assente. (resposta ao quesito 1 da base instrutória)
- A Autora, em 27 de Maio de 2016, endereçou ao Réu uma carta (para o número de fax ...) no qual notificou mais uma vez o Réu, declarando expressamente a sua vontade de não renovar o contrato de arrendamento do prédio sito no nºX da Travessa do X. (resposta ao quesito 4 da base instrutória)
- … pelo que considerava que tinha cessado o contrato de arrendamento no termo do seu prazo (ou seja, em 30 de Abril de 2017) (Doc. 3). (resposta ao quesito 5 da base instrutória)
- O fax ... está registado em nome do Supermercado X, que é um estabelecimento comercial que faz parte do grupo empresarial X X Group de que o Réu é sócio e administrador. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- A renda mensal do concreto imóvel identificado supra está estimada em HKD$246.635,10. (resposta ao quesito 7 da base instrutória)
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III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Nos presentes autos, alegou a Autora que adquiriu o domínio útil do prédio com os n° X, sito na Travessa do X em Macau, descrito sob o n°..., na C.R.P. em 21 de Novembro de 2003. O prédio foi dado de arrendamento a C, onde foi instalado o estabelecimento “X X X Kei”, que foi trespassado ao Réu por escritura de 3 de Janeiro de 1987. Em 30 de Março de 2016, a Autora tentou comunicar ao Réu por notificação judicial avulsa de não renovação do arrendamento, a qual não foi recebida deliberadamente pelo Réu. A Autor tentou comunicar ao Réu a não renovação, por fax dirigido ao estabelecimento do Réu.
Pretende a Autora o despejo do Réu com fundamento de denúncia feita de acordo com o disposto do art°1038° e 1039° do C.C., exigindo ainda o Réu indemnização das rendas em dobro por ocupação do locado pelo Réu após o termo do contrato mais os danos.
Na contestação, refutou o Réu que a carta de denúncia foi dirigido que o Réu é alheio e para o número de fax que não é do estabelecimento comercial instalado no imóvel, concluindo que a denúncia não foi validamente realizada.
Aplicação da lei no tempo
A Autora alegou que o contrato de arrendamento urbano mantido com o Réu perdurou desde 1979 até 30 de Abril de 2017.
No momento da celebração, o regime jurídico de arrendamento urbano é regulado pelo Decreto 43525, publicado em 8 de Abril de 1961.
Ao longo dos anos, houve sucessões das leis sobre regime jurídico de arrendamento urbano, primeiro, o regime de arrendamento de imóveis urbanos regulado pela Lei n°12/95/M de 1995 e depois, o regime previsto no Código Civil. No entanto, esses dois diplomas prevêem expressamente a eficácia retroactiva aos contratos pretéritos, portanto, ao contrato em jogo são aplicáveis também as disposições desses regimes, consoante o tempo da ocorrência dos factos.
Relação jurídica estabelecida pelas partes
Conforme os factos assentes, através do contrato celebrado em 31 de Maio de 1979, o prédio n°X da Travessa do X, foi dado de arrendamento pela anterior proprietária Santa Casa da Misericórdia de Macau, a C, que aí instalou um estabelecimento “X X X Kei”.
Flui dessa factualidade que havia estabelecido uma relação jurídica de arrendamento sobre o prédio em discussão, mas, essa relação foi, primitivamente, entre C, na qualidade de arrendatária e a Santa Casa da Misericórdia de Macau, na qualidade de senhoria, de acordo com o disposto do art°3° do Decreto 43525.
Importa saber se houve a modificação subjectiva dos primitivos contraentes.
Em relação à parte do arrendatário, segundo o art°60° do Decreto acima referido, a posição jurídica do arrendatário é intransmissível, a não ser que as partes tenham estipulado a não caducidade do arrendamento por morte dele e nos demais casos exceptuados por este decreto.
Estatui-se, por outro lado, o art°85°, n°1 que qualquer transmissão por acto inter vivos da posição jurídica do arrendatário, sem autorização do senhorio, só é permitida em caso de traspasse.
Vem comprovado que C trespassou o estabelecimento a B, por escritura outorgada a 3 de Janeiro de 1987, o qual incluía o arrendamento do imóvel.
Com o trespasse do estabelecimento instalado no imóvel pelo C ao B, por escritura pública, forma exigida por essa lei para o efeito, a posição contratual da arrendatária da C é considerada, validamente, transmitida para o Réu.
Já quanto à parte do senhorio, vem comprovado que, em 21/11/2003, a Autora adquiriu o domínio útil desse prédio à Santa Casa da Misericórdia de Macau. Esse facto ocorreu na vigência do Código Civil, ao abrigo do disposto do art°1004° do C.C. actual, a Autora sucede nos direitos da ex-proprietária no contrato de arrendamento celebrado com o Réu.
Portanto, entre a Autora e o Réu existe uma relação de arrendamento.
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Denúncia do contrato
Alegou o Autor ter denunciado o contrato celebrado com a Ré com a antecedência fixada pela lei.
A denúncia é um dos meios legais para cessação do contrato de arrendamento, previsto no art°1013°, n°2 do C.C.. Porém, para os contratos pretéritos, o senhorio só pode exercer esse direito com o decurso do prazo de 7 anos após a entrada em vigor do Código Civil, nos termos da alínea a) do n°3 do art°17° do D.L. n°39/99/M .
Dispõe-se o art°1039 ° do C.C.:
“1. A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 180 dias, se o prazo for igual ou superior a 6 anos;
b) 90 dias, se o prazo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos;
c) 30 dias, se o prazo for igual ou superior a 3 meses e inferior a 1 anos;
d) Um terço do prazo, quando este for inferior a 3 meses.
2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.”
Flui do preceito acima transcrito, são dois requisitos essenciais de que dependem a validade da denúncia: i) ser feita com antecedência determinada; ii) ser feita por forma escrita.
Retomamos ao presente caso, vem comprovado que entre a Autora e o Réu foi mantida a relação de arrendamento desde 31 de Maio de 1979, para o efeito de denúncia, a Autora tem que comunicar ao Réu a não renovação do contrato, com a antecedência de 180 dias
O contrato de arrendamento foi celebrado, inicialmente por período de um ano, a contar de 1 de Maio de 1979, considerando-se tacitamente renovado, por igual período, nos termos dos n°1 e 3 do art°1038° do C.C..
De acordo com os factos assentes, a Autora deu entrada uma notificação judicial avulsa, em 30/03/2016, para que a Ré fosse notificada da intenção de não renovação do arrendamento no seu termo em 30 de Abril de 2017.
O funcionário do Tribunal dirigiu-se ao rés do chão do n°X da Travessa do X onde funciona um supermercado, tendo um empregado declarou que o seu patrão com apelido Lei, mas não se sabia era B, declarando que o avisaria para se dirigir ao Tribunal no sentido de receber a notificação avulsa.
Vem comprovado também que o Réu não recebeu deliberadamente a notificação judicial avulsa.
A Autora, em 27 de Maio de 2016, endereçou ao Réu uma carta (para o número de fax ...), no qual notificou mais uma vez o Réu, declarando expressamente a vontade de não renovar o contrato de arrendamento.
O fax ... está registado em nome do Supermercado X, que é um estabelecimento comercial que faz parte do grupo empresarial X X Group de que o Ré é sócio e administrador.
O art°216° do C.C. prevê-se que “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”
Constituem exemplo das situação referida n° 2 do artigo preceituado, o destinatário se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente. (Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. I., pg. 214, 4ª Edição)
No caso em apreço, apesar de notificação judicial avulsa não foi recebida pessoalmente pelo Réu, no entanto, o funcionário do Tribunal deslocou-se ao locado e contactou o empregado do supermercado instalado no imóvel, este declarou para o avisaria para se dirigir ao Tribunal com vista a receber a notificação avulsa. O Réu poderia tomar conhecimento da notificação, mas ele optou por não ir ao Tribunal a receber a notificação. Portanto, é por vontade deliberada do Réu é que a notificação judicial avulsa não foi recebida por ele.
Por outro lado, a Autora enviou mais uma carta, renovando essa intenção, em 27 de Maio de 2016, para o número de fax ..., número este que está registado em nome do Supermercado, que faz parte do grupo empresarial X X Group de que o Réu é sócio e administrador.
A faz foi dirigido ao estabelecimento comercial integrado no grupo comercial que o Réu é administrador, o Réu tem condições para tomar conhecimento do teor da carta, pois, por regra normal, a carta é imprimida através da máquina ligada com a linha do número do fax, e, por experiência comum, um estabelecimento comercial que funciona normalmente, haverá alguém receber ou tomar conhecimento do faz, não sendo muito provável que o empregado não dirigiu /transmitiu a carta para o seu patrão.
Assim, entendemos que quer a notificação judicial avulsa quer a carta enviada por faz chegou ao poder do Réu, assim, a mesma é eficaz em relação ao Réu.
A denúncia feita pelas Autora foi realizada no tempo e pela forma legalmente admitida para o feito, o que legitima a Autora cessar o contrato de arrendamento.
Pelo que, o contrato de arrendamento entre a Autora e o Réu é considerado cessado em 30 de Abril de 2017.
Restituição do imóvel
Denunciado o contrato, o Réu tem que restituir o imóvel à Autora, na altura do termo do contrato de arrendamento, nos termos do disposto da alínea j) do art°983°, conjugado com o art°1025°, ambos do C.C..
Na petição inicial, a Autora formulou o pedido de restituição do imóvel pela Ré, mas, na pendência da presente acção, o Réu requereu, por articulado de 23/02/2018, o depósito da chave do imóvel no Tribunal, alegando que a Autora recusou a receber a chave.
Por articulado de 08/03/2018, a Autora aceitou o depósito da chave pretendida pelo Réu.
Nestes termos, perante a aceitação da chave do prédio pela senhoria, deixando de ter qualquer utilidade o conhecimento desse pedido.
Indemnização da Autora
Pede a Autora que o Réu seja condenado a pagar uma indemnização equivalente ao valor em dobro da renda estipulada pelas partes desde 1 de Maio de 2017 até à efectiva entrega do imóvel, e mais a indemnização pelo prejuízos excedentes, no montante de HKD$350.000,00 por cada trinta dias de calendário, desde 1 de Maio de 2017 até à efectiva entrega do imóvel.
Nos termos do art°1027° do C.C., “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer quer as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333°.”
Fica denunciado o contrato de arrendamento, este considera-se caducado no fim do prazo, se o locatário se recusar a restituição do locado, obriga-se a pagar a renda estipulada, a título de indemnização até a efectiva restituição ao senhorio.
No caso em apreço, considera-se legalmente denunciado o contrato de arrendamento pela Autora, fica o Réu com a obrigação de restituição do locado no termo do contrato.
No entanto, o Réu não entregou o prédio à Autora até à data do registo da presente acção.
Se o Réu não restituir o locado à Autora depois da caducidade do contrato, tem a obrigação de pagar uma indemnização correspondente à renda mensal, ao abrigo do n°1 do preceituado acima referido.
Mas, quanto à indemnização ao dobro, essa obrigação de indemnização não se nasce ope legis, isso pressupõe, tal como se dispõe o normativo, a constituição da mora por parte do Réu.
Nesse sentido, “Isto é, não obstante a caducidade do arrendamento, que foi regular e atempadamente denunciado, prevenindo a possibilidade de o locatário ainda ali permanecer, seja por tolerância do locador, seja por outra razão, permanência que pode até conduzir à renovação do contrato, afigura-se que o legislador configura vários estádios de incumprimento, atribuindo consequência diversas em função da gravidade do incumprimento. Parece que o legislador configura aí a possibilidade de um incumprimento sem mora, caso em que o locatário pagará a título de indemnização o correspondente ao montante das rendas pelo período em que utilize o locado, devendo, porém, pagar em dobro se entrar em mora. A mora está ligada à culpa - “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” – art. 793, n.º 2 do CC.
Uma vez que o legislador releva a permanência do locatário para além do termo do prazo, atribui efeito jurídico a essa permanência, gradua diferentemente o seu inadimplemento, prevenindo até uma situação de tolerância do locador por um prazo de um ano, sob pena de essa tolerância se converter em abuso se o senhorio permanecesse inerte durante esse tempo e beneficiasse da indemnização máxima (montante equivalente ao dobro da renda), se porventura se considerasse que o locatário entrara logo em mora aquando do termo do prazo de arrendamento, por todas estas razões somos a considerar que se torna necessária uma interpelação judicial ou extrajudicial, não obstante a denúncia do arrendamento para o termo do respectivo prazo.” (Acórdão n°458/2014 de 4 de Dezembro de 2014).
No caso, está em causa uma obrigação da restituição do locado, para que haja mora, é necessária a interpelação para o cumprimento da obrigação. Não se resulta dos autos de que a Autora tinha interpelado ao Réu para a entrega do locado, excepto através da citação.
Pelo que o Réu só é constituído em mora a partir da data da citação.
O Réu foi citado, pessoalmente, em 23 de Janeiro de 2018, desde essa data, o Réu se encontra em mora, assim, a Autora tem também direito à indemnização no valor correspondente ao dobro da renda mensal a contar do dia 23 de Janeiro de 2018.
No que diz respeito à data da entrega do imóvel, o Réu fez o depósito da chave do imóvel no dia 23 de Fevereiro de 2018 no Tribunal.
Vem comprovado ainda que, na pendência da presente acção, o Réu deslocou-se à sede da Autora, em 7 de Fevereiro de 2018, a fim de informar a senhoria do intuito de cessar o arrendamento, restituindo o locado, mas a empregada da Autora recusou a receber a chave, dizendo que a entidade patronal dela exigir o Réu a contactar com o advogado para tratar desse assunto.
Ou seja, depois de ter sido citado das pretensões da Autora, o Réu optou, por vontade própria, a entregar o imóvel à Autora, , não se vê qualquer razão justificativa de que a Autora rejeitou a receber a chave, pois a restituição do imóvel pelo Réu é um dos pedidos formulados por ela.
Assim, julga-se que com a rejeita da entrega voluntária do chave pelo Réu, a falta de entrega do imóvel passou a ser imputada à própria Autora, pelo que a mora da entrega do imóvel é considerada cessada em 7 de Fevereiro de 2018.
Assim, assiste à Autora o direito de receber, por não restituição dos locados, a indemnização na quantia de MOP$11.651,61, correspondendo a MOP$1.200 x 8 + MOP$1.200/31 x 23 (1/05/2017-23/01/2018) + MOP$1.200x2/31x15 (24/01/2018-07/02/2018).
Para além disso, pretende a Autora de lhe ser indemnizado o montante de HKD$350.000,00 por cada trinta dais de calendário, a contar de 1 de Maio de 2017 até à efectiva entrega dos imóveis à Autora.
Dispõe-se o n°3 do art°1027° que “Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.”
Invoca a Autora que a não restituição dos imóveis após a caducidade do contrato, ela fica com prejuízo de não poder receber o valor de renda actualizado que é estimada em HKD$350.000,00 para o prédio n°8.
Na verdade, com a falta de restituição do prédio, a Autora fica impedida de os arrendar para terceiro.
No entanto, não foi alegado nem provado que havia interessado em arrendar o prédio por esse valor estimado. Pois, uma coisa é valor de renda do mercado, outra coisa é a efectiva proposta de arrendamento. Como se sabe, o valor de mercado é apenas um indício de rendimento e não rendimento efectivo, poderá acontecer que há um valor estimado mas sem interessado ou há interessado mas na renda diversa mais baixa.
Na verdade, emerge da prova que o prédio em causa é prédio antigo, que não foi objecto de reparação há mais de vinte anos, não poderá deixar de ter reservas a possibilidade de os prédios ser arrendidos ao terceiro logo após a restituição, pelo valor estimado, nas condições em que os mesmos se encontram sem a realização das obras necessárias.
Para que haja um dano real e efectivo, é necessário alegar e provar a existência da proposta do arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios, sendo insuficiente a mera prova do valor da renda do mercado dos prédios.
Pelo que, os danos alegados pela Autora são mais hipotéticos do que reais, não se justifica a atribuição de mais indemnização para além da sanção estipulada nos n°1 e 2° do art°1027° do C.C.
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IV) DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção formulada pela Autora e em consequência, decide:
a. Julgar-se extinta a instância em relação ao pedido de entregar o prédio, livre de pessoas e bens por inutilidade superveniente;
b. Reconhecer-se que o contrato de arrendamento celebrado em 31 de Maio de 1979 referente ao prédio sito na Travessa do X, n°X, em Macau, caducou em 30 de Abril de 2017;
c. Condenar o Réu B a pagar à Autora Fomento Imobiliário A Limitada uma indemnização na quantia de MOP$11.651,61 (onze mil, seiscentas e cinquenta e uma patacas e sessenta e um avos).
d. Absolvendo o Réu dos restantes pedidos formulados pela Autora.
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Custas da acção pela Autora e Réu no seu decaimento em 90/100 e 10/100 .
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Registe e Notifique.
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據上論結,本院裁定原告提出的訴訟理由部分成立,裁決如下:
一) 宣告原告提出的勒遷請求的訴訟程序,因嗣後無用而終止;
二) 宣告原告與被告於1979年5月31日就XX巷X號不動產所簽訂的租賃合同於2017年4月30日失效;
三) 判處被告B向原告A置業有限公司支付澳門幣$11,651.61元(澳門幣壹萬壹仟陸佰伍拾壹圓陸角壹仙)的賠償;
四) 裁定原告提出的其他請求不成立,並開釋被告。
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訴訟費用由原告及被告按敗訴比例各承擔90/100及10/100。
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依法作出通知及登錄本判決。
Não se conformando com a sentença que lhe julgou apenas parcialmente procedente a acção, vem a Autora recorrer dela para este TSI concluindo e pedindo que:
a) O presente recurso incide sobre a parte da Sentença do Tribunal a quo que absolveu o Réu B, ora Recorrido, do pedido d) da P.I., que formulava o pedido da indemnização pelos prejuízos excedentes, no montante de HKD$350.000,00 (equivalente a MOP$360.500,00), por cada trinta dias de calendário, desde 1 de Maio de 2017 até à efectiva entrega do imóvel, com base nos fundamentos constantes das fls. 297 e v dos Autos cujo teor já foi transcrito no ponto 7 das presentes Alegações de Recurso.
b) A decisão do Tribunal a quo está, em grande medida, em oposição com os seus fundamentos
c) Primeiro, porque a indemnização prevista no nº 3 do artigo 1027º do Código Civil (CC), não reclama que “Para que haja um dano real e efectivo, é necessário alegar e provar a existência da proposta do arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios, sendo insuficiente a mera prova do valor da renda do mercado dos prédios”, como considerou o Tribunal a quo.
d) Segundo, porque a indemnização prevista no nº 3 do artigo l027º do CC, prende-se com a obrigação de indemnizar pelos chamados prejuízos excedentes que consiste na diferença entre o aumento do valor patrimonial da coisa e o valor patrimonial concreto da coisa à data em que ocorre o dano.
e) Existe um dano concreto, sofrido pela Autora, que consiste na violação do seu direito à restituição do locado na data da cessação do contrato de arrendamento, situação esta que é geradora do direito à indemnização por prejuízos excedentes.
f) O Tribunal a quo deu como facto provado o aumento do valor da coisa (resposta ao quesito 7) e deu como assente que com a falta de restituição do prédio, a Autora fica impedida de o arrendar para terceiro (fls.297 dos Autos, sublinhado nosso), pelo que tais factos provados deviam ter levado à decisão do direito à indemnização pelos prejuízos excedentes.
g) O nº 3 do artigo l027º do Código Civil ressalva um direito do locador: o direito de poder exigir uma indemnização pelos prejuízos excedentes e estes existem sempre que se prove i) o aumento do valor da coisa; ii) um prejuízo certo, e este iii) resulte de um acto lesivo.
h) Quanto ao aumento do valor da coisa, o Tribunal a quo, após apreciação e ponderação entre a avaliação feita pelo perito da Recorrente e a avaliação feita pelos peritos da DSF, fixou o valor da renda mensal, à data do incumprimento da obrigação de restituição do locado, em HKD$246.635,10, Com este facto provado, ficou, pois, assente e dado como provado o pressuposto do aumento do valor da coisa, ou seja, o aumento do valor da renda mensal.
i) Consequentemente, ficou provado o pressuposto da existência de um prejuízo certo e concreto sofrido pela Autora. O prejuízo certo e concreto é a diferença entre o aumento do valor da renda mensal de HKD$246.635,10 (MOP$254.034,20) e o valor mensal da renda paga à data da restituição do locado (MOP$1.200,00) diferença essa que é de MOP$252.834,20,00 por mês (MOP$254.034,20 - MOP$1.200,00).
j) Quanto ao acto lesivo do Réu, ele consistiu na não restituição do prédio à Autora que assim ficou impedida de o arrendar a terceiro, conforme reconheceu o próprio Tribunal a quo (fls. 297 dos Autos).
k) A não restituição do locado à Autora, na data da cessação do contrato privou a Autora da disponibilidade do locado e privou-a de o poder arrendar a terceiro pelo aumento do valor mensal de HKD$246.635,10, sendo, pois, inegável, o nexo de causalidade entre a falta da restituição do locado e o prejuízo excedente concreto que a Recorrente sofreu.
l) É certo que o Tribunal a quo considerou que “o prédio em causa é prédio antigo, que não foi objecto de reparação há mais de vinte anos, não poderá deixar de ter reservas a possibilidade de os prédios ser arrendados ao terceiro logo após a restituição, pelo valor estimado, nas condições em que os mesmos se encontram sem a realização das obras necessárias”,
m) No entanto, e conforme resulta das próprias avaliações efectuadas, a antiguidade e o estado físico do prédio não tem qualquer peso no valor de uma renda, sobretudo quando o local a arrendar se destina ao comércio.
n) No caso de locados destinados ao comércio o elemento essencial que determina o valor da renda é a localização do prédio por ser um factor de maior ou menor fluxo de potenciais cliente.
o) O locado dos presentes autos está localizado na Travessa do X junto à Igreja de S. Domingos, em pleno centro de Macau, sendo uma zona que está quase sempre repleta de pessoas e de turistas e, sendo por essa razão, uma das zonas onde o valor das rendas é dos mais elevados, em Macau.
p) Mais, num locado destinado ao comércio, numa zona daquelas, a antiguidade e ou a situação física do prédio não tem qualquer importância até porque, regra geral, o arrendatário, depois de receber o locado, acaba sempre por realizar obras para adequar e adaptar o locado ao seu negócio e decorá-lo consoante o seu gosto.
q) Por conseguinte, e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o facto de o prédio em causa ser antigo e sem reparação, o certo é que seria muito fácil à Autora encontrar um arrendatário disposto a pagar a renda mensal no valor de HKD$246.635,10.
r) Em face de todo o exposto, e segundo o previsto no n.º 3 do artigo 1027.º do CC., o Recorrido devia ter sido condenado a pagar à Recorrente uma indemnização pelos prejuízos excedentes desde 1 de Maio de 2017 até 7 de Fevereiro de 2018 data da efectiva restituição do locado.
s) Ao absolver o Recorrido da indemnização prevista no n.º 3 do artigo 1027.º do CC., o Tribunal a quo tomou uma decisão que enferma do vício da violação do disposto do n.º 3 do artigo 1027.º do CC.
t) Devendo o Tribunal ad quem, segundo o artigo 630.º do CPC, substituir-se ao Tribunal a quo e condenar o Recorrido na indemnização prevista no n.º 3 do artigo 1027.º do CC, ou seja, na indemnização que resulta da diferença entre o valor do aumento da renda do locado ( HKD$246.635,10, correspondente a MOP$254.034,20) deduzido do valor da renda de MOP$1.200,00 paga à data da restituição do locado,
u) Sendo que aquela diferença corresponde ao montante de MOP$252.834,20,00(MOP$254.034,20 - MOP$1.200,00), valor da indemnização a pagar pelo Recorrido por cada trinta dias de calendário, desde 1 de Maio de 2017 até 7 de Fevereiro de 2018.
Nestes termos, e dando provimento ao presente Recurso, deve o Tribunal da Segunda Instância revogar a Sentença Recorrida na parte em que o Tribunal a quo absolveu o Recorrido do pedido d) da P.I. e condená-lo, segundo o n.º 3 do artigo 1027.º do CC, a pagar a indemnização no montante de MOP$252.834,20,00 por cada trinta dias de calendário, desde 1 de Maio de 2017 até 7 de Fevereiro de 2018, nos termos acima alegados.
Assim decidindo, fará o Tribunal a requerida
JUSTIÇA
Notificado das alegações de recurso, o Réu contramotivou pugnando pela improcedência do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não houve questões de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com as conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela Autora, são as seguintes questões que constituem o objecto do recurso:
1. Da mora do locatário; e
2. Da indemnização dos prejuízos excedentes.
Vejamos.
1. Da mora do locatário
O Tribunal a quo fundamentou a constituição em mora do locatário, ora Réu e recorrido, dizendo que:
…… para que haja mora, é necessária a interpelação para o cumprimento da obrigação. Não se resulta dos danos de que Autora tinha interpelado ao Réu para a entrega do locado excepto através da citação.
Pelo que o Réu só é constituído em mora a partir da data de citação.
O Réu foi citado, pessoalmente, em 23 de Janeiro de 2018, desde essa data, o Réu se encontra em mora……
No que diz respeito à data de entrega do imóvel, o Réu fez o depósito da chave do imóvel não dia 23 de Fevereiro de 2018 no Tribunal.
Vem comprovado ainda que na pendência da presente acção, o Réu deslocou-se à sede da Autora, em 7 de Fevereiro de 2018, a fim de informar a senhoria do intuito de cessar o arrendamento, restituindo o locado, mas a empregada da Autora recusou a receber a chave, dizendo que a entidade patronal dela exigir o Réu a contactar com o advogado para tratar desse assunto.
Ou seja, depois de ter sido citado das pretensões da Autora, o Réu optou, por vontade própria, a entregar o imóvel à Autora, , não se vê qualquer razão justificativa de que a Autora rejeitou a receber a chave, pois a restituição do imóvel pelo Réu é um dos pedidos formulados por ela.
Assim, julga-se que com a rejeita da entrega voluntária do chave pelo Réu, a falta de entrega do imóvel passou a ser imputada à própria Autora, pelo que a mora da entrega do imóvel é considerada cessada em 7 de Fevereiro de 2018.
Isto é, o Tribunal a quo faz equivaler a citação à interpelação para o cumprimento da obrigação de restituir o local, e entende que a partir da data de citação que é 23JAN2018, o Réu se constituiu em mora no cumprimento da sua obrigação de restituir o locado. E a mora cessou em 07FEV2018, data em que a Autora recusou a entrega voluntária da chave do locado pelo Réu.
Nas conclusões de recurso, a Autora veio a insistir apenas na condenação do Réu no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos excedentes desde 01MAIO2017 até 07FEV2018, sem que todavia tenha cumprido o ónus que sobre ele impende o artº 598º/2 do CPC.
Em regra, o recurso nesta parte quanto à questão sobre o terminus a quo da mora do locatário deve ser logo rejeitado.
Não obstante isso, cabe salientar que a questão quanto à data de constituição em mora do Réu já foi exaustivamente apreciada e correctissimamente decidida na sentença recorrida.
E sobre a mesma questão, este Tribunal já chegou a pronunciar-se no mesmo sentido em vários Acórdãos, nomeadamente o Acórdão no proc. nº 458º/2014, tirado em 04DEZ2014, citado e parcialmente reproduzido na sentença recorrida, o Acórdão no proc. 382/2013, tirado em 25JUL2013, onde se afirma que “Findo o contrato de arrendamento por caducidade, a não entrega imediata do locado pelo locatário não o faz incorrer desde logo em mora; só se verifica a mora se o locatário foi interpelado para o efeito e não o fez.”.
2. Da indemnização dos prejuízos excedentes
A Autora pediu, ao abrigo do disposto no artº 1027º/3 do CC, a título de indemnização pelos prejuízos excedentes, que lhe fosse arbitrado o montante de HKD$350.000,00, configurado como valor de renda no mercado no momento da denúncia do arrendamento, por cada mês de atraso na restituição do locado.
Ficou provado nos autos que a renda mensal do concreto imóvel identificado supra está estimada em HKD$246.635,10 (resposta ao quesito 7 da base instrutória).
Todavia, este valor de HKD$246.635,10 não foi tido em conta pelo Tribunal a quo para a quantificação da indemnização arbitrada à Autora, com fundamento na não demonstração pela Autora da existência da proposta do arrendamento, dos concretos termos e do que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios.
Pois na óptica do Tribunal a quo, para que haja um dano real e efectivo, é necessário alegar e provar a existência da proposta do arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios, sendo insuficiente a mera prova do valor da renda do mercado dos prédios. Pelo que, os danos alegados pela Autora são mais hipotéticos do que reais, não se justifica a atribuição de mais indemnização para além da sanção estipulada nos n°1 e 2° do art°1027° do C.C.
Tendo em conta que o direito de propriedade de uma coisa confere ao seu titular o gozo pleno e exclusivo dos poderes de uso e fruição, é inquestionável que, findo o contrato de locação, a não restituição da coisa locada pelo locatário representa ao locador sempre a privação temporária desses poderes de uso e fruição e confere-lhe o direito de ser ressarcido pela perda da disponibilidade ou utilidades que lhe é susceptível de proporcionar a coisa, originada pela privação do uso e de fruição da coisa.
O que nenhuma das partes questiona.
A questão que ora se impõe resolver é saber de acordo com que valor se deve fixar a indemnização para ressarcir os prejuízos causados ao locador.
A propósito da indemnização pelo atraso na restituição da coisa, o artº 1027º do CC dispõe que:
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
Decorre do preceituado desse artigo que, em regra, extinto o contrato, o valor convencionado da renda continua a ser o referencial e é presumido como justo valor do lucro cessante por causa da indisponibilidade do locado.
A lei distingue duas situações: se não houver mora é devida ao locador a quantia correspondente à renda convencionada em singelo; e havendo mora, é devida a renda em dobro.
E além dessa regra geral, o legislador teve o cuidado de contemplar as situações de mora por parte do locatário, em que o montante legalmente tarifado nos nºs 2 e 3 do artigo não se mostra suficiente para ressarcir os prejuízos sofridos pelo ex-locador.
Compreende-se a preocupação do legislador, pois por razões variadíssimas, nomeadamente a inflação, a valorização da coisa, o aumento da potencialidade locativa comercial da coisa, o valor da renda convencionada no momento de negociações das condições da locação pode ficar muito aquém do valor no momento da extinção da locação ou estar longe de assegurar o dito equilíbrio das prestações nos negócios bilaterais.
Cremos que foi justamente por essa preocupação que o nosso legislador decidiu reconhecer ao locador lesado, através do comando legal estatuído no nº 3 do citado artº 1027º do CC, o direito de ser ressarcido pecuniariamente pelos danos na parte não coberta pela renda em dobro.
Inteirados da ratio legis subjacente ao nº 3 do artigo, urge saber qual deverá ser o critério de valoração dos prejuízos excedentes.
Para nós, se a não restituição abusiva da coisa impede o titular do bem, objecto do contrato entretanto findo, de usar e fruir o bem e beneficiar das utilidades que a mesma coisa tem a potencialidade de lhe proporcionar, o valor a atender para a fixação dos prejuízos excedentes deve ser o valor locativo comercial actualizado do bem, uma vez que a perda da potencialidade locativa comercial, originada pela não restituição do bem ao seu titular, representa-lhe perda dos “benefícios que deixou de obter”, a que se refere artº 558º/1, primeira parte, do CC.
É portanto tido por justo o valor locativo comercial actualizado do bem e como critério para valoração dos prejuízos causados ao locador.
Então, basta a demonstração do valor locativo comercial actualizado do bem ou é preciso, tal como defende o Tribunal a quo, que sejam alegados e provados a existência da proposta do arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação dos prédios?
Para nós, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Pois, se continuarmos a ser fieis à tese de que, extinta a locação, a não restituição abusiva da coisa por parte do locatário, já interpelado para o efeito, constitui de per si um prejuízo consistente na indisponibilidade ou na perda das utilidades que a coisa tem a potencialidade de proporcionar ao locador, não se nos afigura exigível ao locador, já lesado por actos ilícitos, a demonstrar a existência de propostas de arrendamento e de seus concretos termos, dadas as dificuldades facilmente imagináveis de encetar as negociações com vista à celebração de novo contrato de locação, nomeadamente as resultantes da inacessibilidade da coisa por causa da ocupação abusiva pelo ex-locatário e da incerteza quanto à data da restituição da coisa por parte do ocupante, sob pena de incorrer em erro de punir o lesado e premiar o culpado.
Na esteira desse entendimento, cremos que independentemente da prova da existência da proposta de arrendamento ou de potenciais arrendatários interessados ou da prova de que teria sido dado de arrendamento se não tivesse havido a privação do uso da coisa, é bastante a demostração do valor da renda do mercado da coisa para justificar o reconhecimento ao locador lesado o direito à indemnização no valor a calcular com base nesse valor locativo actualizado do mercado, em vez de o montante legalmente fixado no artº 1027º/2, que é apenas renda em dobro.
Por outro lado, vimos supra que, não obstante o montante legalmente tarifado no nº 2, a razão de ser do nº 3 é que o nosso legislador não quis privar o locador lesado de exercer o direito de ser ressarcido pecuniariamente pelos danos na parte não coberta pela renda em dobro.
O que aliás se mostra compatível com o entendimento já vertido no acima citado Acórdão no processo nº 519/2020, onde se preconiza que a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízos excedente, sob pena de duplamente se “sancionar” o inquilino!
Portanto, não é de atribuir à Autora, a título dos prejuízos excedentes, cumulativamente, a indemnização no valor correspondente ao dobro da renda nos termos calculados no nº 2 do artigo e a indemnização correspondente à renda do mercado.
Ou seja, in casu, a Autora tem o direito de receber apenas o montante correspondente à renda do mercado, relativamente ao período de tempo em que o Réu se constituiu em mora.
Assim é de revogar a sentença recorrida na parte que fixou a indemnização correspondente ao dobro da renda devida no período em que o Réu se constituiu em mora e na parte que indeferiu o pedido de indemnização dos prejuízos excedentes.
Ficou decidido supra que o intervalo de tempo em que o Réu se constituiu em mora, justificativa da atribuição da indemnização nos termos do disposto no artº 1027º/2 e 3 é o período de 15 dias, compreendido entre 24JAN2018 e 07FEV2018.
É portanto devida à Autora, a título de indemnização contemplada no artºs 1027º/3 do CC, a quantia de MOP$$123.098,76 (HKD$246.635,10/31 x 15 x 1,0315 = MOP$123.098,76), valor que, por razões vimos supra, já absorve a renda em dobro tarifada no nº 2 do artº 1027º do CC.
Em conclusão
1. A mora referida no artº 1027º/2 do CC é mora provocada pela interpelação do locador no sentido da restituição da coisa locada.
2. Se a não restituição abusiva da coisa impede o titular da coisa, objecto da locação entretanto extinta, de usar e fruir a coisa e beneficiar das utilidades que a mesma coisa tem a potencialidade de lhe proporcionar, o valor a atender para a fixação dos prejuízos excedentes deve ser o valor locativo comercial actualizado da coisa, uma vez que a perda da potencialidade locativa comercial, originada pela não restituição da coisa ao seu titular, representa-lhe sempre perda dos “benefícios que deixou de obter”, a que se refere artº 558º/1, primeira parte, do CC.
3. Extinta a locação, a não restituição abusiva da coisa por parte do locatário, já interpelado para o efeito, constitui de per si um prejuízo consistente na indisponibilidade ou na perda das utilidades que a coisa tem a potencialidade de proporcionar ao locador, não se nos afigura exigível ao locador, já lesado por actos ilícitos, a demonstrar a existência de propostas de arrendamento e de seus concretos termos, dadas as dificuldades facilmente imagináveis de encetar as negociações com vista à celebração do novo contrato de locação, nomeadamente as resultantes da inacessibilidade da coisa por causa da ocupação abusiva pelo ex-locatário e da incerteza quanto à data da restituição da coisa por parte do ocupante, sob pena de punir o lesado e premiar o culpado.
4. Na esteira desse entendimento, cremos que independentemente da prova da existência da proposta de arrendamento ou de potenciais arrendatários interessados ou da prova de que teria sido dado de arrendamento se não tivesse havido a privação do uso da coisa, é bastante a demostração do valor da renda do mercado da coisa para justificar o reconhecimento ao locador lesado o direito à indemnização no valor a calcular com base nesse valor locativo actualizado do mercado, em vez de o montante legalmente fixado no artº 1027º/2 do CC, que é apenas renda em dobro.
5. Não obstante o montante legalmente tarifado no nº 2 do artº 1027º do CC, a razão de ser do nº 3 é que o nosso legislador não quis privar o locador lesado de exercer o direito de ser ressarcido pecuniariamente pelos danos na parte não coberta pela renda em dobro. Portanto, não é de atribuir à Autora, a título dos prejuízos excedentes, cumulativamente, a indemnização no valor correspondente ao dobro da renda nos termos calculados no nº 2 do artigo e a indemnização correspondente à renda do mercado. Ou seja, in casu, a Autora tem o direito de receber apenas o montante correspondente à renda do mercado, relativamente ao período de tempo em que o Réu se constituiu em mora.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento parcial ao recurso e por conseguinte revogar a sentença recorrida na parte que condenou o Réu a pagar à Autora, a título da indemnização consistente na renda em dobro e que lhe indeferiu o pedido da indemnização pelos prejuízos excedentes calculados de acordo com o valor do mercado, passando a:
* Condenar, em substituição, o Réu a pagar à Autora, a título da indemnização, pela mora no cumprimento da obrigação de restituir o imóvel em causa, referente ao período compreendido entre 24JAN2018 e 07FEV2018, a quantia de MOP$123.098,76; e
* Manter a condenação no pagamento da indemnização pela ocupação do imóvel no período compreendido entre 01MAIO2017 e 23JAN2018, no valor apurado segundo a fórmula adoptada na sentença recorrida (MOP$1.200 x 8) + (MOP$1.200/31 x 23) = MOP$10.490,32;
Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção de decaimento, de 6/10 e 4/10, respectivamente.
Notifique.
RAEM, 27MAIO2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Ac. 1042/2020-29