Processo nº 74/2021
Data do Acórdão: 03JUN2021
Assuntos:
Imposto complementar de rendimentos
Caducidade de liquidação do imposto complementar de rendimentos
SUMÁRIO
Se a decisão da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos vier a ser anulada por decisão judicial, a Administração fiscal apenas poderá praticar novo acto administrativo tributário de fixação da matéria colectável se ainda não houver decorrido o prazo de caducidade do artº 55 do RICR.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 74/2021
Acórdão em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de recurso contencioso fiscal nº 2851/19-CF, que corre os termos no Tribunal Administrativo, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente o recurso:
I. Relatório
Recorrente A LIMITED (A有限公司), melhor id. nos autos,
Interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra
Entidade recorrida COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que, pela sua deliberação tomada em 1 de Fevereiro de 2019, manteve a matéria colectável do exercício de 2009 em MOP117,493,529.00 e fixou o agravamento, a título de custos, em 0.01% sobre a colecta.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos a fls. 2 a 21 dos autos, em síntese:
- a nulidade por ofensa do caso julgado;
- a prescrição e a caducidade do direito de fixação do rendimento;
- a falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
- a violação de lei por violação dos princípios da justiça, da igualdade, da imparcialidade e da proporcionalidade e das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º e 19.º da Lei n.º 21/78/M, e artigo 27.º da Lei n.º 16/2001; e
- a violação da lei por dupla tributação.
Concluiu, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação do acto recorrido e a determinação da prática do acto administrativo em sua substituição.
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A Entidade recorrida contestou, com os fundamentos a fls. 141 a 170 dos autos, pugnando-se pela improcedência do recurso.
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Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, mantendo as conclusões anteriores.
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No parecer final, a digna Magistrada do M.º P.º emitiu o parecer com fundamentos a fls. 219 a 225 dos autos, promovendo que fosse julgado improcedente o recurso.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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II. Factualidade
Resultam documentalmente provados nos autos os seguintes factos:
➢ A Recorrente é uma sociedade comercial que tem por objecto o investimento em hoteleira e gestão hoteleira (conforme consta de fls. 75 a 80 dos autos).
➢ A Recorrente dedica-se à exploração do Hotel XXX, na XXXXXX, Edif. “Hotel XXX”, em Macau (conforme consta de fls. 73 a 80 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B, S.A. (conforme consta de fls. 81 a 93 e 94 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 30 de Julho de 2010, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2009 (conforme consta de fls. 1 a 2v do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável negativo ou prejuízo no valor de MOP87,684,997.00 (ibid).
➢ Em 29 de Maio de 2014, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP117,493,529.00, e em 21 de Agosto de 2014, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 60 e 63 do P.A.).
➢ Em 19 de Agosto de 2014, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 21 de Outubro de 2014 (conforme consta de fls. 60 e 70 do P.A.).
➢ Em 11 de Setembro de 2014, a Recorrente reclamou contra a supradita decisão junto da Entidade recorrida (conforme consta de fls. 57 a 59 do P.A.).
➢ Em 29 de Setembro de 2014, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2009 o rendimento colectável de MOP117,493,529.00 (conforme consta de fls. 65 e v do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 9 de Dezembro de 2014, a Recorrente interpôs o recurso contencioso da referida deliberação no Processo n.º 1146/14-CF (conforme consta de fls. 131v dos autos).
➢ Em 10 de Julho de 2018, a referida deliberação foi anulada pelo Tribunal pela violação do dever de fundamentação consagrado no art.º 115.º, n.º 2 do CPA (conforme consta de fls. 131 a 135v dos autos).
➢ Em 1 de Fevereiro de 2019, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2009 o rendimento colectável de MOP117,493,529.00, com aplicação do agravamento de 0.01% sobre a colecta (conforme consta de fls. 80 a 83 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 22 de Março de 2019, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
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III. Fundamentação
Cumpre ver, acima de tudo, se ocorreu ou não a nulidade do acto recorrido pela ofensa do caso julgado, nos termos do disposto do artigo 122.º, n.º 2, alínea h) do CPA.
Segundo o que se alega, o novo acto viola o caso julgado na medida em que sua fundamentação continuou a não satisfazer as exigências mínimas legais.
Como se sabe, é hoje pacificamente reconhecido o efeito preclusivo da sentença anulatória sobre o subsequente exercício da actividade renovadora, que se traduz na proibição da reincidência nas ilegalidades cuja existência o tribunal identificou como fundamento da anulação.
Ou melhor dizendo, na sequência da anulação judicial do acto administrativo, constitui-se a Administração no dever de reconstituir a situação hipotética que existiria se o acto não tivesse sido praticado, ou se o acto anulado for renovável, no dever de renovar este acto no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado. Neste último caso, pode ser praticado novo acto administrativo que renovando o anterior, determine, agora sem reincidência nos mesmos vícios, a produção dos mesmos efeitos que aquele acto tinha determinado de modo inválido (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, CFJJ 2015, pp. 432 a 433, no mesmo sentido, Ac. do TSI, de 27/6/2019, Proc. n.º 531/2018).
Como se bem compreende, a ilegalidade do acto afere-se atendendo a uma concreta factualidade que tenha sido invocada, donde quando o Tribunal administrativo decide anular um acto administrativo inquinado por um determinado vício de ilegalidade tendo sempre como referência os factos concretamente alegados pelo recorrente quanto a este vício.
Assim, o anterior acto recorrido foi anulado pelo Tribunal pela verificação do vício de falta de fundamentação, por referência àquela fundamentação concreta na deliberação tomada pela Entidade recorrida em 29/9/2014. A reincidência deste vício de forma apenas ocorrerá quando a Entidade recorrida na renovação do acto anulado, nada alterando, utiliza a mesma fundamentação deficiente que motivara a sentença anulatória.
Não foi isso que sucedeu no nosso caso, a fundamentação utilizada na deliberação datada de 1/2/2019 é inteiramente nova, relativamente à da anterior de 29/9/2014. Não se pode ter por verificada, portanto, a nulidade do acto recorrido pela ofensa do caso julgado.
Questão diversa é saber se esta nova fundamentação satisfaz os requisitos legais previstos no artigo 115.º do CPA. Daí se pode depreender que salvo a parte em que se negou as questões colocadas pela Recorrente em sede da reclamação, se patenteiam os motivos que conduzem à fixação da matéria colectável pela Administração Pública naqueles termos – isto é, pela verificação dos pressupostos da relação jurídica tributária em causa (conforme se expõe, em especial, nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 15 da fundamentação do acto recorrido).
É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo antes a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos, a Administração Fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a da anulação do acto pelo vício de falta de fundamentação.
É que, “tendo a Administração invocado uma pluralidade de fundamentos para o indeferimento a legalidade de alguns deles assegura a validade substantiva da decisão e torna inoperante, caso existam, os vícios da motivação superabundante” (cfr. o Ac. do STA, Proc. n.º 0730/06, de 5 de Junho de 2007, consulta disponível em http://www.dgsi.pt).
Nestes termos expostos, é evidente a satisfação do dever legal de fundamentação do acto administrativo recorrido no caso dos autos, que não fica afectada pela eventual insuficiência da fundamentação superabundante. Julga-se, por isso, improcedente o recurso quanto a esta parte.
Nem nos parece que esteja verificada a omissão de pronúncia assacada pela Recorrente ao acto recorrido, por ter omitido, segundo ela, por completo a questão levantada – que há sociedades a operar no mercado, com o mesmo objecto e cujos rendimentos são em tudo idênticos, têm um Despacho da DSF datado de 17 de Novembro de 2006 que lhes concede uma isenção fiscal de Imposto Complementar de Rendimentos.
Como se entende pacificamente, o órgão competente “deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento”, nos termos dos artigos 11.º e 100.º do CPA, o que não implica, no entanto, o seu dever de responder de forma exaustiva a todos os argumentos minuciosos expostos pelos particulares.
Donde, o dever de decisão só se impõe ao órgão administrativo em certa medida, em relação àquelas questões pertinentes que constituam fundamento da sua decisão.
Como já vimos, a fundamentação do acto administrativo recorrido é mais do que suficiente ou “superabundante”, na medida em que, com os seus fundamentos concretos, se permita responder, satisfatoriamente, as questões pertinentes colocadas pela Recorrente.
Portanto, inexiste o vício de falta de fundamentação, assim com a omissão de pronúncia em relação ao acto renovador ora recorrido. Deve-se improceder o recurso contencioso quanto a este fundamento.
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De seguida, cumpre apreciar as questões de prescrição e de caducidade do direito de fixação de rendimento, levantada pela Recorrente.
Entende a Recorrente que na prática do acto recorrido, já tinha esgotado o prazo de 5 anos previsto no artigo 55.º do Código de Imposto Complementar de Rendimentos. Além disso, o direito de fixação de rendimento também caducou pelo incumprimento do prazo de 30 dias para a apreciação da reclamação, por parte da Entidade recorrida.
Quanto à primeira questão, com respeito à opinião contrária, é entendimento deste Tribunal (nos processos n.ºs 2828/19-CF, 2840/19-CF, 2842/19-CF) que a prescrição/caducidade do direito de liquidação nem é sequer uma ilegalidade invocável na impugnação contenciosa de um acto de quantificação da matéria colectável, conforme se transcreve no seguinte:
“Conforme preceituado no disposto do artigo 55.º do RICR:
“Artigo 55.º
(Prescrição)
1. A liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
2. Verificada a omissão ao lançamento, proceder-se-á à determinação do rendimento colectável e à liquidação do imposto que for devido, observando-se as disposições deste regulamento.”
Antes de mais, temos para nós que pese embora a referência, na epígrafe da norma, à “prescrição” e bem como a indicação de que “…prescreve decorridos cinco anos…”, é do prazo de caducidade que aqui se trata, e este regime de caducidade que deve ser aplicado ao próprio direito de liquidar de tributos, o qual, no direito tributário, se diferencia do regime de prescrição, que é aplicável ao direito de cobrar coercivamente dívidas de tributos previamente liquidados (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, pp.15 a 16).
Como é óbvio, a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação, enquanto que o presente recurso, sempre se recorda, foi interposto contra o acto diferente, que é de fixação da matéria colectável.
Portanto, se vendo as questões de forma mais incisiva, tal como foi feito aqui pelo digno Magistrado do M.º P.º no seu parecer, importa-nos, antes de verificar se a invocada caducidade operou ou não na realidade, responder à questão seguinte: poderá ser invocado ou não no recurso contencioso que tem por objecto o acto de fixação da matéria colectável, o vício inerente ao próprio acto de liquidação?
Como é sabido, no contencioso tributário assim como no contencioso comum dos actos administrativos, vigora o princípio de impugnação unitária nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que é acto de liquidação de imposto, por ser um acto que “afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definido os seus direitos e deveres” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, pp.467).
No entanto, nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um imposto, existem os actos preparatórios destacáveis que condicionam irremediavelmente o acto de liquidação e que conferem ao interessado a faculdade de impugnação contenciosa autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deva proferir a decisão final.
É o que se verifica com a impugnação do acto de fixação da matéria colectável, que, sendo cronologicamente antecedente ao acto final de liquidação, determina os pressupostos deste, e cuja impugnação contenciosa autónoma esteja expressamente prevista na lei, nomeadamente, nos termos do artigo 80.º do RICR.
Além do mais, a prática do acto de fixação da matéria colectável, conforme se trata do contribuinte do Grupo A ou B, compete ao Director dos Serviços de Finanças e ou à Comissão de Fixação, com decisão susceptível de reclamação graciosa para a Comissão de Revisão (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 e os artigos 36.º, n.º 2 e 44.º do RICR), e o acto de liquidação, por sua vez, é praticado pelo Director dos Serviços de Finanças (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003).
Em virtude da existência de um acto destacável legalmente previsto, impende-se sobre o interessado a obrigação de impugnação contenciosa tempestiva deste acto, sob pena da preclusão da possibilidade de invocar os vícios próprios do acto destacável na impugnação posterior do acto de liquidação. Uma vez obtida a anulação desse acto destacável, o acto de liquidação que venha a ser praticado e que se funda naquele acto antecedente, cai automaticamente por causa da nulidade, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA.
Por outro lado, a circunstância de não ter impugnado autonomamente o acto destacável também não impede o interessado de impugnar o acto final do procedimento, contudo, como referido atrás, não sendo jamais possível invocar as respectivas ilegalidades daquele acto antecedente, poderá fazê-lo, no prazo legal, com base nos vícios próprios do acto de liquidação, como a falta da fundamentação, a falta da audiência prévia deste acto, e além disso, vícios esses que podem não se reconduzir às categorias básicas da inexistência, nulidade ou anulabilidade, mas ainda configurar-se as situações da ilegalidade abstracta (ilegalidade da contribuição), ou da ilegalidade concreta (ilegalidade do lançamento) (cfr. melhor, Ac. do TSI, de 17/11/2011, Proc. n.º 672/2010, Ac. do STA, de 7/4/2005, Proc. n.º 01108/03).
Na situação vertente, ao ter-se verificado a apontada caducidade do prazo de 5 anos para a liquidação de imposto, deveria ser o próprio acto de liquidação que fica ferida do vício de ilegalidade pela violação da regra de caducidade prevista no artigo 55.º do RICR, tratando-se, portanto, do vício próprio da liquidação.
É evidente, pelo que fica dito, que esse vício só pode servir de fundamento em sede da impugnação anulatória do acto final de liquidação, e o facto de que uma eventual anulação deste acto final pela caducidade pudesse ainda comprometer a legalidade de um acto destacável antecedente (como por exemplo, na tese da Recorrente, é impossível exercer o direito de liquidação por ter caducado ao tempo da prática do acto de fixação da matéria colectável) não exonera o interessado do dever de impugnar, tempestivamente e com base naquele vício, este acto final através do processo próprio, com a devida observância do contraditório da entidade distinta daquele autor da fixação da matéria colectável.
Aqui chegado, não sendo a caducidade da liquidação invocável neste recurso contencioso, é manifesto que o alegado vício não pode proceder.”
Nestes termos, é de improceder esta questão levantada.
Já em relação a segunda questão – a caducidade de direito de fixação de rendimento. É manifesto ser insustentável a tese da Recorrente.
O prazo a que se refere no disposto do artigo 46.º do RICR é para apreciação das reclamações deduzidas da decisão de fixação do rendimento colectável de primeiro grau. Trata-se do prazo, tal como outros prazos procedimentais, de natureza disciplinar, cuja inobservância não preclude o poder de praticar o acto.
Por outro lado, conforme os factos dados como assentes, a matéria colectável foi desde logo quantificada em primeiro grau, em 29 de Maio de 2014, pela Administração tributária, que resta intocada e válida, não obstante a anulação do acto de Comissão de Revisão de segundo grau pela sentença judicial de 10 de Julho de 2018.
Deve-se por isso improceder o recurso nesta parte.
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Aqui chegado, vejamos se existe o invocado vício de violação da lei.
Em síntese, alega a Recorrente que desenvolvia sua actividade em colaboração necessária, nos termos do contrato de prestação de serviços, com a concessionária B, e que a tributação dos seus rendimentos obriga-a a repercutir os custos fiscais na sua relação com a concessionária, o que vai contra o espírito da isenção fiscal concedida pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007.
E que existe para a Recorrente uma dupla tributação sobre o mesmo rendimento, uma vez que os seus honorários foram já sujeitos a tributação especial sobre o jogo.
Por fim, mais alega, sem densificação, que o acto recorrido violou um conjunto de princípios da justiça, da igualdade tributária, da imparcialidade, da proporcionalidade e das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º e 19.º da Lei n.º 21/78/M, e artigo 27.º da Lei n.º 16/2001.
Vejamos.
Desde logo, a legalidade de que se fala aqui, não é a da quantificação da matéria colectável, resultante do acto de fixação da Entidade recorrida, mas sim a legalidade da própria tributação em sede de imposto complementar de rendimentos, referente à verificação dos pressupostos de incidência tributária, questão essa, ao que nos parece à partida, poderia ser discutida na impugnação do acto final de liquidação.
Em consonância com o entendimento que transparece na fundamentação do acto, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR.
Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
“O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”
E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
“1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
…
2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.
…”
Com a subsunção do caso às normas citadas, é evidente que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.
Em face do acto recorrido com a fundamentação tal como ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar fazer: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação dos pressupostos, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida.
Agora na situação vertente, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que ela entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal.
Como se compreende facilmente, quanto a isto, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, e constituem necessariamente a matéria de reserva da lei da Assembleia Legislativa, por força do princípio de legalidade tributária (neste sentido, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almeida, pp. 334 a 335).
Sendo assim, se a Recorrente pretende invocar a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios e sustentar que preencha os respectivos pressupostos legais. Mas a questão é que ela não logrou fazer isso, limitando-se a reclamar que o seu rendimento era proveniente da prestação dos serviços imprescindíveis para a actividade desenvolvida pela Concessionária, e que deveria gozar do benefício fiscal como esta, contudo não tendo invocado em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
Tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, Proc. n.º 0592-11, de 2011/11/23).
Significa isto que, se encontra sempre vedada, nesta matéria tributária, por força do princípio da legalidade tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.
Aqui chegado, concluindo, não sendo de todo possível invocar a isenção fiscal fora do âmbito da norma legal, a pretensão da Recorrente deveria ser necessariamente denegada.
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Ainda no entender da Recorrente, verifica-se no caso vertente, uma verdadeira situação de dupla tributação, pela razão de o mesmo facto tributário servir-se de base da incidência de tributos diferentes – imposto especial sobre o jogo e o imposto complementar.
Quanto a isso, ao nosso ver, independentemente de saber se efectivamente ocorreu ou não uma situação da dupla tributação, que a proibição ou eliminação da dupla tributação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM que seja autonomamente invocável à margem de qualquer previsão legal, muito menos poderia servir de fundamento da ilegalidade do acto tributário.
Veja-se, por exemplo, a isenção fiscal com base no fundamento de dupla tributação, no disposto do art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, nos termos do qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”
Além disso, na norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), estabelece-se que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”
Nestas linhas, resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, em princípio, qualquer situação de dupla tributação, e que a sua eliminação não deveria ocorrer automaticamente, não se podendo portanto operar sem ter sido baseada na norma legal preexistente, seja esta norma que tenha relegado para a regulamentação da convenção internacional com aplicação directa, seja a norma que tenha habilitado, para o efeito, a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.
No entanto, o que é lamentável é que a existência de tal norma não foi devidamente demonstrada no caso vertente. Assim, não se pode ter por verificado o vício de violação da lei, nomeadamente, das normas invocadas pela Recorrente.
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Quanto à imputada violação dos princípios fundamentais, não alegou a Recorrente factos concretos como integradores deste vício de ilegalidade.
Não obstante, não se deixa de perceber que tal imputação era pensada pelo facto de a Administração Fiscal ter anteriormente concedido a favor das outras contribuintes as isenções fiscais no caso materialmente semelhante, tal como descrito nos artigos 30. º a 31.º da petição inicial do recurso.
Esta circunstância, mesmo que se tivesse verificado, é totalmente irrelevante, do nosso ponto de vista, para se obter efeito invalidante do acto recorrido. Pois se a Administração Fiscal neste caso se circunscreve à apreciação dos pressupostos da isenção fiscal em observância às normas legais vigentes, não haverá então nenhuma margem para censurar o seu comportamento “faltoso” de não ter tratado de forma igual os casos que lhe foram colocados, alegadamente idênticos.
É que, como se sabe, no âmbito da actividade vinculada, o princípio da legalidade consome a generalidade dos restantes princípios administrativos (cfr. neste sentido Ac. do TUI, de 18/9/2019, Proc. n.º 26/2019).
Portanto, somos de concluir que o acto recorrido não incorreu no vício de ilegalidade pela violação dos princípios gerais da actividade administrativa. Cremos ser evidente que este fundamento do recurso contencioso não pode proceder.
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Por fim, quanto ao pedido de condenação cumulado neste recurso contencioso, ou seja, a determinação da prática do acto administrativo em substituição do acto recorrido.
Não se trata aqui, porém, de uma pretensão autónoma da Recorrente, cumulada com a pretensão anulatória neste recurso contencioso ao abrigo do disposto do artigo 24.º, n.º 1, alínea a) do CPAC, uma vez que aquilo que a Recorrente pretende obter não é mais que os efeitos próprios, decorrentes da eventual anulação judicial do acto recorrido.
Como se vê, contra um acto administrativo apenas com conteúdo positivo, bastaria a utilização do recurso contencioso como meio adequado de reacção, a fim de restabelecer a situação jurídica pré-existente, alterada pelo acto administrativo recorrido. Pois, uma vez anulado o acto administrativo pelo tribunal, impõe-se à Administração, na execução da sentença anulatória e no quadro de uma relação jurídica de conteúdo repristinatório, os deveres de “praticar os actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto administrativo ilegal não tivesse sido praticado”. 1
É o que se verifica no caso vertente. Aqui o que se discute é um acto de fixação da matéria colectável, de natureza ablativa e com vertente puramente positiva. A determinação da prática do acto administrativo em substituição do acto recorrido será a consequência necessária, resultante dos efeitos repristinatórios da sentença anulatória.
Mas, como fica dito acima, deve-se improceder o pedido anulatório do acto recorrido, cai, por consequência, também esta pretensão dos efeitos da anulação judicial.
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IV. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
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Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 6UC.
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Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio a recorrente A Limited recorrer da mesma concluindo que:
1.ª A douta sentença recorrida cita e fundamenta-se nas sentenças proferidas anteriormente em processos que correram termos no Tribunal Administrativo, citando e copiando parte da fundamentação,
2.ª Porém essas sentenças que são citadas foram revogadas após recurso para esse TSI.
3.ª No contencioso tributário assim como no contencioso comum dos actos administrativos, vigora o princípio de impugnação unitária nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que é acto de liquidação de imposto, por ser um acto que “afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definido os seus direitos e deveres” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, pp.467).
4.ª No entanto, nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um imposto, existem os actos preparatórios destacáveis que condicionam irremediavelmente o acto de liquidação e que conferem ao interessado a faculdade de impugnação contenciosa autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deva proferir a decisão final.
5.ª É o que se verifica com a impugnação do acto de fixação da matéria colectável, que, sendo cronologicamente antecedente ao acto final de liquidação, determina os pressupostos deste, e cuja impugnação contenciosa autónoma esteja expressamente prevista na lei, nomeadamente, nos termos do artigo 80.º do RICR.
6.ª Existem 2 actos: o lançamento (fixação do rendimento colectável) e a liquidação.
7.ª A contribuinte reclamou do lançamento e o artigo 44º/3 fala em efeito suspensivo, que não se repercute no artigo 55º/l do RICR.
8.ª No caso, a última notificação foi feita em 1/2/2019 (acerca da deliberação da Comissão de Revisão, que negou provimento à reclamação deduzida pela Recorrente), entendemos que a liquidação foi feita fora do prazo referido no artigo 55º do RICR, já depois de a faculdade de liquidar o imposto ter caducado.
9.ª Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
10.ª Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
11.ª Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
12.ª O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
13.ª Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
14.ª Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR. (Sublinhado nosso)
15.ª Com efeito, a fase do lançamento, liquidação e cobrança do imposto só tem lugar após a determinação (definitiva) do rendimento colectável.
16.ª Pelo que, tendo a Recorrente sido notificada em Janeiro de 2019 do acto definitivo de fixação do rendimento colectável, não foi manifestamente possível à Administração Fiscal a realização da liquidação desse imposto dentro do prazo de caducidade de 5 anos previsto no artigo 55.º do RICR.
17.ª É de ver que, quando foi feita a liquidação e a respectiva notificação, já passou o prazo de 5 anos, ou seja, já caducou o direito de liquidação estatuído no artigo 55º/l do RICR, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente anulação da sentença recorrida do TA, da deliberação da Comissão da Revisão e também do acto tributário impugando por a liquidação ter sido feita depois de caducidade fixada no artigo 55º/1 do RICR.
18.ª Perante os elementos existentes nos autos, não temos qualquer margem de dúvida de que já se caducou o direito de liquidação e sendo esta caducidade de conhecimento oficiosa (por ser matéria excluída da disponibilidade das partes - cfr. nº 1 do artº 325º do C.C.), então não há utilidade prática da manutenção do acto de fixação do rendimento colectável, sendo este como acto preparatório ou pressuposto do acto de liquidação.
19.ª É certo que a lei só prevê a caducidade da liquidação e não prevê a caducidade da fixação do rendimento colectável.
20.ª Contudo, sendo a fixação do rendimento colectável como acto preparatório ou pressuposto da liquidação, por coerência e lógica do sistema, a mesma também tem de ser feita, pelo menos, antes do prazo da caducidade legalmente prevista para o acto de liquidação.
21.ª Ou seja, o prazo de 5 anos para a caducidade da liquidação previsto no artº 55º do RICR também se aplica ou reflecte, na prática, para o acto de fixação de rendimento colectável.
22.ª O decurso do prazo da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR pode servir como fundamento do recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável.
23.ª Com a anulação do acto de fixação de rendimento anterior por decisão judicial, o acto de liquidação inicialmente feita com base naquele acto também deixou de existir, pois, o acto consequente do acto anulado é nulo - cfr. al. i) do nº 1 do artº 122º do CPA.
24.ª Assim, a Entidade Recorrida ao praticar o novo acto de indeferimento da reclamação apresentada pela Recorrente, está a praticar um novo acto de fixação de rendimento colectável referente ao exercício de 2009, o que já passou o prazo de 5 anos da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR.
25.ª Não podendo a liquidação ser feita depois do decurso do prazo da caducidade de 5 anos, muito menos pode o fazer para o acto de fixação do rendimento colectável, tendo em conta a relação intrínseca desses dois actos, bem como a coerência e lógica do sistema legal.
Sem prescindir,
26.ª A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual “foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
27.ª A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
28.ª No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: “foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente - ou seja, existe alguma margem de discricionaridade.
29.ª Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
30.ª Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
31.ª Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou “factos supervenientes” em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
32.ª Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões H), Q), P), Y) e Z).
33.ª Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
34.ª Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
35.ª Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
36.ª A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
37.ª As quatro funções do dever de fundamentar os actos administrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
38.ª O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
39.ª Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a “nova fundamentação” do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
40.ª A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
41.ª Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
42.ª Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
43.ª Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
44.ª Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
45.ª O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética não-discricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
46.ª O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
47.ª A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
48.ª Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 30 de Julho de 2010 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 1 de Fevereiro de 2019 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
49.ª E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro (prejuízo) tributável de (MOP87,684,997.00) declarado pela Recorrente para MOP117,493,529.00 fixado pela Recorrida
50.ª Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
51.ª O segmento decisório: “É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação”, aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
52.ª Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
53.ª O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
54.ª No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
55.ª Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
56.ª A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41°/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
57.ª Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
58.ª Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B “como situações diferentes” da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
59.ª Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
60.ª Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
61.ª Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
62.ª O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [...] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
63.ª A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a B.
64.ª Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
65.ª Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
66.ª Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
67.ª Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal- pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
68.ª A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
69.ª Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, “relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”.
70.ª A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento “relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28° da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011.”
71.ª Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que “o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos.”
72.ª Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei n° 12/2003)
73.ª O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
74.ª Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
75.ª O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
76.ª Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
77.ª O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
78.ª O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
79.ª Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
80.ª Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
81.ª O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as “receitas brutas da exploração do jogo”
82.ª A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
83.ª O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
84.ª O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO PROFERIDA EM SUA SUBSTITUIÇÃO OUTRA QUE ANULE O ACTO ADMINISTRATIVO RECORRIDO,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
Notificada das alegações, a Administração fiscal recorrida respondeu pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu seguinte parecer, pugnando pela improcedência do recurso:
Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, a recorrente em ambas as instâncias solicitou a revogação da sentença do MMº Juiz a quo que julgou totalmente improcedente o recurso contencioso, e em conse-quência dessa peticionada revogação, a anulação da deliberação atacada em sede do recurso contencioso.
*
Em relação à “caducidade do direito à liquidação” invocada pela recorrente na petição inicial, o MMº Juiz a quo julgou infundada por não ser invocável, argumentando sintecticamente que “Na situação vertente, ao ter-se verificado a apontada caducidade do prazo de 5 anos para a liquidação de imposto, deveria ser o acto de liquidação que fica ferida do vício de ilegalidade pela violação da regra de caducidade prevista no artigo 55.º do RICR, tratando-se, portanto, do vício próprio da liquidação.”
Ressalvado o merecido e elevadíssimo respeito, afigura-se-nos que é mais lógica a tese jurisprudencial, segundo a qual “- Não obstante o acto de fixação de rendimento e o acto de liquidação serem dois actos distintos, am-bos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa autónoma, o decurso do prazo da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR pode servir como fundamento do recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável. - Pois, não podendo a liquidação ser feita depois do decurso do prazo da caducidade de 5 anos, muito menos pode o fazer para o acto de fixação do rendimento colectável, face à relação intrínseca desses dois actos (a fixação do rendimento colectável é o acto preparatório ou pressuposto da liquidação), bem como à coerência e lógica do sistema legal.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º505/2020, na nossa modesta opinião, o douto Acórdão tirado no Processo n.º326/2020 anda mesmo sentido)
Não divisando qualquer norma legal que contemple a suspensão ou interrupção do prazo previsto no art.55.º do RICR, não podemos deixar de concluir que ao caso sub judice se aplica a regra consagrada no art.320.º do Código Civil, traduzida em não se suspender nem se interromper. Daí que subscrevemos a brilhante jurisprudência que proclama (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º327/2020 e n .º529/2020): Se a decisão da Comissão de Revisão vier a ser anulada por decisão judicial apenas se poderá praticar novo acto administrativo tributário de fixação da matéria colectável se ainda não hou-ver decorrido o prazo de caducidade do artº55º do RICR.
Em esteira das doutas jurisprudências supra aludidas, e na medida em que a deliberação tomada em 01/02/2019 e posta em crise no recurso contencioso se refere ao exercício do 2009 (doc. de fls.26 a 29 dos autos), temos por certo que se verifica a caducidade invocada pela recorrente. Pois, é óbvio e inquestionável que ao emanar em 01/02/2019 a supramencionada deliberação. decorreu, em larga medida, o prazo de 5 anos consignado no RICR.
Bem, os veredictos prolatados pelo Venerando TSI nos Processos n.º327/2020 e n.º529/2020 encorajam-nos ainda a entender que ficam pre-judicada a apreciação das restantes críticas assacadas pela recorrente à douta sentença in quaestio.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do pre-sente recurso jurisdicional.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.
Em face do teor das conclusões tecidas nas alegações do recurso jurisdicional, a título principal, a recorrente, vem insistir na invocada caducidade do direito à liquidação, como fundamento da procedência do presente recurso jurisdicional e do provimento do recurso contencioso de anulação.
A proceder este fundamento, invocado a título principal, ficará necessariamente prejudicado o conhecimento das restantes questões subsidiariamente colocadas.
Assim, vamo-nos debruçar sobre ela primeiro.
Esta questão, colocada a título principal, no fundo consiste em saber se, decorrido o prazo de 5 anos previsto no artº 55º/1 do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos», fica a Administração fiscal impedida de voltar a proceder à fixação do rendimento colectável da recorrente, mesmo na sequência da anulação pelo Tribunal Administrativo da fixação da matéria colectável e ao abrigo do disposto no artº 174º/1 do CPAC.
A propósito dessa mesma questão, este TSI já se pronunciou em vários Acórdãos, nomeadamente nos Acórdãos tirados nos processos nºs 325/2020 e 529/2020, respectivamente de 17DEZ2020 e de 17SET2020.
Nesse último processo, o Acórdão fundamentou o juízo conclusivo de que ficou caducado o direito de liquidação no seguinte:
Sobre a natureza do acto da Comissão de Revisão é esclarecedor o Acórdão deste Tribunal de 13.02.2014 proferido no Processo nº 221/2009, onde se diz que:
«Com efeito:
1 - Da fixação do rendimento colectável cabe “impugnação” através de reclamação para a Comissão de Revisão (cfr. arts. 44º, nº4 e 80º, nº1, do RICR).
2 - Esta reclamação tem efeito suspensivo (art. 44º, nº3, do RICR).
Significa que a decisão reclamada não pode ser dada à execução pela Administração Fiscal e que precisa de esperar pelo resultado final e definitivo da deliberação da Comissão de Revisão. É assim, aliás, que sucede com qualquer acto administrativo de que não caiba recurso contencioso, face ao disposto no art. 150º, do CPA.
3 - A deliberação tomada nessa sede em 3/03/2008 é considerada acto definitivo de que cabe recurso contencioso para o tribunal administrativo (art. 80º, nº2, 81 e 82º, do RICR).
4 - A reclamação graciosa que se seguiu àquela deliberação é deduzida perante a mesma Comissão (art. 77º, nº1, RICR) e tem efeito meramente devolutivo (art. 78º, nº1, RICR), não interrompendo o prazo do recurso contencioso (art. 84º, nº2, RICR), tal como sucede no regime geral da reclamação administrativa nos termos do art. 150º, nº2, do CPA.
Serve esta incursão normativa, apresentada sob a forma de breve resenha, para esclarecer que a reclamação graciosa tinha apenas em vista a tentativa de obter uma decisão favorável no seio da Administração Fiscal, mas que não invalidaria, de maneira nenhuma, a necessidade de recorrer contenciosamente da deliberação anterior da Comissão de Revisão. Esse, sim, é que era o acto administrativo definitivo e executório (sublinhado e negrito nosso), a última palavra da Administração Fiscal, tal como decorre sem sombra de dúvida do conjunto de normas citado, e, consequentemente, o único recorrível contenciosamente.».
Ou seja, como resulta do acórdão citado o acto tributário que define a matéria colectável para efeitos de incidência de ICR é a decisão da Comissão de Revisão.
Uma vez que, de acordo com o disposto no artº 22º do CPAC o recurso contencioso não tem efeito suspensivo, aquele que haja sido interposto da decisão da Comissão de Revisão não suspende os efeitos desta decisão, o mesmo é dizer, não obsta à liquidação do imposto.
Daí que, quando a agora Recorrente recorreu, antes, para o TA da decisão da Comissão de 11.08.2016, tal não haja obstado à liquidação do imposto e seu pagamento.
Porém, aquela decisão da Comissão de Revisão nos termos do nº 4 do artº 44º do RICR veio a ser anulada por decisão do TA de 18.07.2018, transitada em julgado.
Ora, se é anulada a decisão da Comissão de Revisão que fixa a matéria colectável não pode subsistir a liquidação que incidiu sobre a mesma e cujo pagamento veio a ser exigido em 21.09.2016 como resulta de fls. 18 do processo administrativo apenso.
Antes de sabermos se a Administração poderia praticar um “novo acto administrativo/tributário” - no que, acompanhamos sem dúvida o Magistrado do Ministério Público junto do TA no seu Douto Parecer e a sentença recorrida -, há que conhecer dos efeitos da sentença anulatória do acto antes praticado.
E aqui, não encontramos como justificar como é que, incidindo a liquidação de imposto sobre a matéria colectável, sendo erradicado o acto de fixação da matéria colectável pode subsistir o acto de liquidação que sobre ela incidia.
Ora, é aqui que salvo melhor opinião na decisão recorrida se tenta ultrapassar a questão tentando demonstrar o indemonstrável.
O acto administrativo que pode ser dado à execução é apenas a decisão da Comissão de Revisão.
Se tivermos dois actos administrativos definitivos e executórios em que o segundo haja substituído o primeiro, a anulação do segundo, em determinadas situações pode significar a reposição do que havia sido primeiro praticado.
Mas há um requisito essencial: ambos os actos têm de ser definitivos e executórios, o que não acontece entre o acto da Comissão de fixação e o acto da Comissão de Revisão.
Ora como se viu supra só há um acto de fixação da matéria colectável, o qual, é o único que é contenciosamente recorrível e esse acto é o da Comissão de Revisão. Veja-se o citado acórdão deste Tribunal de 24.09.2015 proferido no processo nº 328/2015, transcrito supra na parte que releva.
Logo, o único acto administrativo que se praticou e que foi impugnado e anulado, desapareceu da ordem jurídica e não lhe subsistiu acto nenhum, uma vez que o anterior (que por força da reclamação com efeito suspensivo) nunca foi um acto administrativo definitivo, já havia sido substituído por este outro que foi anulado.
A não se entender assim, o contribuinte tinha de recorrer contenciosamente do acto da Comissão de Fixação, o que, como já se viu não é possível.
A liquidação é essencialmente uma operação matemática que consiste na aplicação de uma taxa percentual a um determinado valor – matéria colectável expressa em numerário – de que resulta o apuramento de um resultado – colecta – que é o valor do imposto a pagar.
Se é anulado o apuramento da matéria colectável não há como calcular a colecta. Logo a colecta que foi calculada sobre o apuramento de uma matéria colectável que foi anulada não pode subsistir.
É isto que a Recorrente sustenta.
E tem razão.
Aqui chegados passemos à situação seguinte.
Anulada a decisão da Comissão de Revisão de 11.08.2016, esgrime-se a decisão sob recurso, a justificar que a Administração Fiscal podia praticar novo acto, o que não sendo um erro “quanto à possibilidade de praticar outro acto”, não é absoluto porque esse acto só poderá ser praticado novamente se outra causa não houver que obste a tal.
Dúvidas não há que, em teoria e abstractamente apreciando a questão, a Administração Tributária, no caso em apreço a Comissão de Revisão da matéria colectável, uma vez anulada a anterior decisão de fixação da matéria colectável por falta de fundamentação podia praticar um novo acto administrativo em matéria tributária de nova fixação da matéria colectável, agora devidamente fundamentado.
E assim fez.
Mas este acto “é novo”. Este acto é outro acto administrativo tributário. Este acto está fundamentado, é diferente e distinto do anterior. Por mera coincidência fixa um valor igual. Este acto novo é o acto da Comissão de Revisão de 01.02.2019.
Mas sendo este acto de fixação da matéria colectável um “acto novo” então havia que daí retirar as devidas consequências.
Como qualquer acto de fixação da matéria colectável ele visa que a administração fiscal por força da aplicação da taxa de incidência de imposto sobre a matéria colectável apure a colecta, isto é, o valor do imposto a pagar, ou seja, liquide o imposto a pagar.
Assim pergunta-se onde está o acto de liquidação impugnável e que havia de ser atacado para se apurar da eventual caducidade do direito à liquidação?
Decorre da decisão sob recurso que esse acto de liquidação é aquele que foi praticado em 2016.
A ser assim a decisão sob recurso confunde entre a possibilidade da Administração praticar um “novo acto” e “renovação do acto em si”.
A Administração Fiscal sem dúvida pode praticar (se outras causas a tal não obstarem) um novo acto de fixação da matéria colectável agora devidamente fundamentado. Mas este acto novo que se pratica não é a “renovação do anterior e anulado” no sentido de ir ocupar o lugar deste justificando “a posteriori” a liquidação que antes havia sido feita.
Este acto de fixação da matéria colectável praticado em 2019 pela Comissão de Revisão, é um acto novo dando origem a todo um novo procedimento a partir do momento em que é proferido, nomeadamente, nova liquidação e lançamento para cobrança.
Porém, não houve acto de liquidação algum, e aqui surge aquilo que apenas pode ser ficção, tentando transmutar este acto de fixação da matéria colectável de 01.02.2019 agora fundamentado, no acto que no anterior procedimento de liquidação de imposto decorrido no ido ano de 2016 foi anulado e como fixa o mesmo valor de matéria colectável e agora já está fundamentado, está sanado o vício. Isto seria como se a fundamentação apresentada “a posteriori” sanasse o vício do acto que já foi anulado “revalidando-o” e em momento algum se sustenta tal solução, por absurda que é.
No procedimento de apuramento da matéria colectável e subsequente liquidação de imposto em 2016 o acto praticado pela Administração Tributária foi anulado.
O acto praticado em 2019 é outro procedimento de apuramento da matéria colectável que haveria de conduzir a nova liquidação se fosse ainda possível.
Imagine-se que ao fundamentar a nova fixação da matéria colectável a Comissão de Revisão encontrava agora um valor distinto. Dúvidas não há que havia que fazer nova liquidação.
A situação é a mesma independentemente da alteração ou não do valor apurado.
Escuda-se a decisão sob recurso que o artº 55º do RICR apenas se reporta à caducidade do direito à liquidação e que como a liquidação foi feita dentro desse prazo de 5 anos não ocorria aquela.
Como vimos não é assim.
O acto agora praticado de fixação da matéria colectável não é de convalidação do acto praticado em 2016, impugnado e anulado.
Este é um acto novo, e todo o procedimento haveria de ser concluído antes de decorrido o prazo de 5 anos do artº 55º do RICR.
A este respeito já se pronunciou o então Tribunal Superior de Justiça de Macau, no processo nº 927, em Acórdão de 18.11.1998, mas que por não ter sido alterada a norma sob que versa se mantém actual.
«8.3. Conforme se afirma - e bem - na decisão recorrida, o procedimento tendente à aplicação da norma tributária material a cada caso concreto e que dará origem à prolação do acto tributário final ou conclusivo é complexo. Importa distinguir, por um lado, este acto tributário final dos restantes actos integrados na série procedimental que em relação a ele funcionam como actos pressupostos, actos preparatórios e actos complementares e, por outro, explicar a relevância destes últimos actos no valor jurídico do acto tributário, já que este valor pode ser afectado pela existência e validade daqueles.
Por actos pressupostos costuma-se aqueles actos de qualificação jurídica de situações cuja verificação a lei reputa indispensável para que o acto tributário se possa praticar, ou se possa praticar de certo modo.
Por sua vez, serão actos preparatórios aqueles que têm em vista preparar o acto tributário, habilitando a autoridade competente a manifestar uma vontade conforme à lei.
Assim, os actos preparatórios não respeitam directamente ao problema da vontade, limitam-se, antes, a desempenhar uma função de reconhecimento ou a qualificar as situações jurídicas com base nas quais o acto tributário deverá ser praticado, enquanto que os actos preparatórios de conteúdo decisório inscrevem-se directamente no processo de manifestação de vontade da Administração fiscal, de que representam a expressa resolução de algum ou alguns dos seus antecedentes lógicos.
Os actos complementares são aqueles actos que têm por fim condicionar a eficácia ou a perfeição do respectivo acto conclusivo.
Dado que estes últimos actos já se encontram, no procedimento, a jusante do acto tributário, não assumem especial relevância na problemática que agora estamos a tratar.
Mas, mesmo em relação aos actos pressupostos e actos preparatórios, eles só terão relevância no procedimento na medida em que consubstanciem questão condicionante do acto tributário de natureza substantiva, isto é, que se refira directamente à obrigação do imposto, que assumam a função de questão directa e imediatamente prejudicial de tal acto e que sejam, ao mesmo tempo, objecto de um acto expresso e autónomo em relação ao acto tributário final.
Quer isto dizer que apenas se incluem no conceito de questões prejudiciais aquelas que fazem parte do juízo lógico relativo à questão de fundo, como seus antecedentes necessários, excluindo-se assim do seu âmbito todas as que revestem natureza meramente processual e às quais melhor cabe a designação de questões prévias (vide, no sentido exposto, o Prof Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, págs. 188 e segs, e págs. 243 a 258).
Delimitados, assim, os actos pressupostos e actos preparatórios de conteúdo decisório com relevância condicionante e prejudicial no procedimento relativamente ao próprio acto tributário conclusivo ou final, importa agora determinar, não tanto em que categoria daqueles actos se inclue a fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do Grupo B, a que está sujeito o ora agravante, mas mais qual o regime jurídico aplicável àqueles actos, esse sim com interesse para o tratamento da última questão, suscitada pelo ora agravante, da prescrição da liquidação do imposto.
Determina o nº 2 do artº 36º do RICR que compete à Comissão de Fixação - orgão colegial com a constituição e funcionamento referidos no artº 37° daquele diploma (ao qual pertencerão todas as normas a partir daqui citadas sem indicação de origem) - a determinação do rendimento colectável do imposto complementar dos contribuintes do Grupo B.
A fixação do rendimento será feita, sem prejuízo do disposto nos artºs 19º a 35º e 36º, nº 3, em face das declarações dos contribuintes, eventualmente corrigidas com base em informações devidamente fundamentadas dos serviços de fiscalização ou de quaisquer outros elementos de que se disponha, e a decisão será fundamentada se fixar rendimento colectável divergente da declaração do contribuinte (artº 41º).
Ficará depois sujeita a exame e a reclamação para a Comissão de Revisão e a deliberação desta, sobre a matéria, a recurso contencioso nos termos que atrás deixamos indicados nos artº 43º, nºs 4 e 5, 44º, nºs 2, 3 e 4, 80º, 81º, 82º e artº 7º da Lei nº 15/96/M.
Deste modo, quer a fixação do rendimento colectável feita nos termos que resumidamente deixamos expostos seja enquadrada no conceito de acto pressuposto como atrás se deixou delineado - para que parece tender o Exmº Magistrado do MºPº no seu bem fundamento parecer final de fls. 144 a 151 -, quer no de acto preparatório de conteúdo decisório - no qual a parece enquadrar o Prof Alberto Xavier (in obra citada, pág. 224 a 227 e 245), dando aqui especial relevância ao facto de a determinação do rendimento co1ectável, nestes casos, de processos que decorrem perante as Comissões de fixação de rendimentos, ser um acto conclusivo de um processo gracioso autónomo que se enxerta necessariamente no decurso do processo gracioso tributário e, por conseguinte, consubstanciar uma manifestação de vontade da Administração fiscal que representa a expressa resolução de um antecedente lógico do acto tributário final -, o seu regime jurídico é sempre o mesmo e, consequentemente, o resultado prático que dela se pretende extrair.
Na verdade, quer os actos pressupostos, quer os actos preparatórios, com a natureza atrás referida, para além de regras específicas a que estão sujeitos no que diz respeito à competência do orgão para a sua decisão - que tem necessariamente de caber a orgão diverso do que praticará o acto tributário -, têm efeitos especiais de conformação e invalidade derivada sobre o conteúdo do acto tributário e gozam ainda de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário por eles prejudicado.
Ora, é destas últimas características de autonomia de decisão e de impugnação directa em relação ao acto tributário que resultam as principais consequências para a equação do problema da prescrição da liquidação do imposto.
Com efeito, como vimos atrás, a lei faculta aos interessados, nestes casos da fixação do rendimento colectável do imposto complementar relativo aos contribuintes do grupo B, remédios impugnatórios de reclamação e de recurso contencioso em relação àquele acto autónomo conclusivo de um processo também autónomo ainda que rudimentar como é a fixação do rendimento colectável, de tal modo que, decorridos os prazos para a sua apresentação sem que tenham sido utilizados, se verifica uma preclusão processual da questão neles versada, que já não mais poderá ser discutida, daí resultando o fundamento do dever da autoridade fiscal se conformar com o conteúdo desse acto prejudicial.
Quer tudo isto dizer que, in casu, enquanto os actos pressupostos prejudiciais ou actos preparatórios prejudiciais referidos não estiverem completamente estabilizados no procedimento, não se poderá passar à fase seguinte, do lançamento e liquidação do imposto, a não ser no caso de ser interposto recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão, já que aqui a lei atribui a tal recurso efeito meramente devolutivo (artº 85º). Porém, se porventura for invalidado tal acto prejudicial com fundamento em vícios próprios, então, nessa situação, essa invalidação acarreta a necessária invalidação derivada do acto tributário, que deve ser anulado, substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial, operando tal invalidade derivada automaticamente. (Neste sentido, autor e obra citada, pág. 256).
Não funciona, assim, no procedimento tributário, na sua pureza, o chamado princípio da impugnação unitária segundo o qual deveriam reflectir-se no acto tributário final todas as ilegalidades dos actos preparatórios ou actos pressupostos, mas apenas aqueles vícios destes actos prejudiciais dos quais se tenha reclamado ou recorrido autonomamente.
Delineado, assim, o regime jurídico dos actos prejudiciais, encontramo-nos em condições de, a partir de agora, apreciar a terceira e última questão da prescrição liquidação do imposto complementar referente aos exercícios de 1991 e de 1992.
Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
“Os prazos de caducidade, por sua própria natureza, pressupõem o interesse da rápida definição do direito, que se não-compadecem com dilações, já que protegem direito acabado de nascer e limita-o na sua distância, como afirma Carnelutti (citado pelo Dr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina na Lei e na Jurisprudência”, pág.49).
Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
O direito caducável existe até ao limite do prazo, extinguindo-se depois de modo a dele nada restar, porque se perdeu a possibilidade de o realizar por falta de exercício”.
Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
Deste modo, estes prazos não se suspendem nem se interrompem senão nos casos em que a lei o determina e a sua verificação só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo (artºs 328º e 331, nº 1, do Cód. Civil).
Pelo contrário, na prescrição, que assenta na inércia e na negligência do titular do direito no seu não exercício e que visa fundamentalmente a realização de objectivos de conveniência e oportunidade, embora não lhe sendo, como é óbvio, estranhas razões de justiça e também a segurança jurídica e certeza do direito, a suspensão e interrupção dos prazos são admitidos como regra (vidé artºs 318º e segs. e 323º e segs. do cód. Civil).
Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
Ora, in casu, e partindo da solução, a que aderiu a decisão recorrida e vai confirmada no presente Acórdão e que é a mais favorável à Administração, de que o recorrente, ora agravante, foi notificado da fixação do rendimento colectável, respeitante aos exercícios de 1991 e 1992, em 31.12.96, e não apenas em 28.01.97, como é a tese do ora agravante - e considerando ainda, de acordo com a orientação mais correntemente seguida (vidé autor e obra citada, pág. 242, nota 129), de que só a partir da notificação da liquidação ao contribuinte, e não apenas da realização desta dentro do prazo, se impede os efeitos da caducidade -, mesmo assim teremos de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o direito à liquidação do imposto respeitante ao exercício de 1991 caducou nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR, porquanto, apesar de ter sido efectuada ainda no ano de 1996 e ter sido notificada ao agravante em 31.12.96, ela só poderia produzir efeitos decorrido que estivesse o termo legal dos 20 dias, contados após a notificação, seguidos de mais 30 dias, que a lei concede para a reclamação e sua apreciação pela Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável nos termos atrás indicados, pelo que a sentença recorrida irá ser revogada nesta parte.».
Como decorre do citado Acórdão enquanto o “acto pressuposto” ou “acto preparatório” como se entender designá-lo de fixação da matéria colectável não estiver “estabilizado no procedimento”, o mesmo é dizer enquanto não forem um acto definitivo e executório, não pode passar-se à fase seguinte de lançamento e liquidação do imposto.
Ora o acto de fixação da matéria colectável foi anulado, o que significa ter sido erradicado da ordem jurídica.
Se já não há acto pressuposto ou preparatório não pode haver o acto subsequente de lançamento e liquidação do imposto.
O poder ser praticado novo acto, embora de conteúdo igual, mas agora expurgado do vício, não vem repristinar o acto inicial.
Este acto de fixação da matéria colectável relativo ao exercício de 2012 apenas foi praticado em 2019 quando há muito se havia completado o prazo de caducidade a que alude o artº 55º do RICR já não podendo por força dele proceder-se aos actos subsequentes de lançamento e liquidação do imposto.
Ao contrário do que se sustenta no Parecer do Ministério Público junto do TA - quando defende que o novo acto foi praticado nos 30 dias em que o podia ser -, não tem aplicação no caso em apreço o disposto no artº 174º do CPAC, o qual inserido no capítulo referente ao processo executivo visa o cumprimento das decisões que imponham à Administração a prática de um comportamento (vg. pagamento de uma quantia) ou de um acto administrativo de conteúdo vinculado.
A sentença anulatória por falta de fundamentação, como é o caso dos autos quanto à fixação da matéria da colectável ocorrida em 2016, não cabe seguramente na previsão do artº 174º do CPAC.
Em face da anulação do acto a Administração Tributária praticaria ou não um outro acto se ainda fosse possível, nomeadamente, se ainda pudesse haver lugar à liquidação de imposto.
O fundamento invocado na decisão recorrida de que o artº 55º do RICR apenas se aplica à liquidação e não ao acto da fixação da matéria colectável, também nos termos em que é usado, não estando errado, não serve à solução do caso em apreço.
Após a sentença anulatória da decisão da Comissão de Revisão a Recorrente pediu a devolução do imposto pago em 2016.
Salvo melhor opinião, a anulação da liquidação de imposto de 2016 – como aliás decorre do citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau – é uma decorrência da anulação da decisão de fixação da matéria colectável.
Não havendo fixação da matéria colectável não se pode inscrever o imposto para lançamento e proceder à liquidação.
Tal como já vimos, uma vez que o recurso da decisão da Comissão de Revisão tem efeito meramente devolutivo, nada obstava a que após aquela decisão se lançasse e liquidasse o imposto. Mas anulando-se aquela (a fixação da matéria colectável) a liquidação é anulada por ser um acto decorrente/consequente/dependente daquele.
Em termos de direito comparado o Regulamento do Imposto Complementar de rendimentos não segue o regime que se aplica em Portugal de impugnação unitária dos actos tributários que é feito através da impugnação da liquidação onde se discutem todos os vícios do procedimento, nomeadamente os actos de fixação da matéria colectável. Esta solução jurídica evita os problemas como aquele que temos agora, mas não foi a opção escolhida pelo nosso legislador.
Havendo um regime de impugnação autónoma dos actos pressuposto ou actos preparatórios e do acto de liquidação, pode ocorrer – como sucede no caso em apreço – que após a realização do acto de liquidação (que ao tempo era possível) venha a ser anulado um dos actos pressuposto ou preparatórios.
Não se pode exigir (nem a lei o faz) que o contribuinte tendo impugnado o acto pressuposto ou preparatório, haja, apenas para acautelar o seu direito que impugnar a liquidação, o que até nem faria sentido, porque se aquele não vier a ser anulado esta (a liquidação) não enfermaria de vício algum.
No entanto se o acto pressuposto ou preparatório vier a ser anulado a liquidação sendo um acto subsequente daquele tem de ser anulada.
Isto era o que se devia ter feito no caso em apreço e não se fez.
Se ainda não houvesse decorrido o prazo de caducidade de 5 anos nada obstaria a que a Administração Fiscal praticasse novo acto de fixação da matéria colectável, inscrevesse o imposto para lançamento e procedesse à liquidação.
O que nunca se poderia fazer é praticar um acto novo, expurgado dos vícios que o acto anulado tinha, e fazer crer que esse acto (novo) praticado posteriormente se insere no procedimento que se havia realizado antes.
Ou seja, neste caso - que é o que parece que a Administração Fiscal e a sentença recorrida sustentam – o acto pressuposto ou preparatório é praticado 3 anos depois da liquidação e fica tudo sanado sem que se possa invocar a caducidade da liquidação porque essa tinha sido feita em tempo.
É precisamente contra esta situação que o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau decidiu em 18.11.1998.
No caso em apreço a Administração Fiscal em resposta ao requerimento da Recorrente, nada disse quanto à anulação da liquidação de 2016 e devolução do imposto, praticando um acto de fixação da matéria colectável para além dos 5 anos do prazo de caducidade da liquidação, não liquidando imposto e dizendo que a liquidação que subsiste foi a feita anos antes do acto de fixação da matéria colectável.
Ora, este raciocínio viola manifestamente todo o procedimento de liquidação do imposto.
A anulação do acto administrativo implica segundo as regras do direito a anulação de todos os actos subsequentes que dele dependam.
A possibilidade de praticar um novo acto administrativo expurgado dos vícios do anterior que foi anulado, exige que se pratiquem de novo também os actos subsequentes que dele dependem.
No caso dos autos ficámos num limbo em que nada se disse quanto à liquidação anterior, subsequente e decorrente do acto que foi anulado e não se fez nova liquidação decorrente do acto novo.
Outra solução não resta que não seja a de, acompanhando o citado Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau, concluir pela caducidade do direito ao procedimento de liquidação por força do disposto no artº 55º do RICR e consequentemente revogar o acto impugnado de fixação da matéria colectável de imposto complementar sobre o rendimento referente ao exercício de 2012 por violação de lei.
Assim são de proceder as conclusões do recurso 1) a 15) e 16) a 18), sendo de anular a decisão recorrida.
Em sentido idêntico e de onde resulta que a liquidação não pode ter lugar antes de concluído o processo de fixação da matéria colectável se concluiu no Acórdão deste Tribunal de 02.03.2000, Procº 34/2000, consultado em Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, Tomo I, de 2000 e no Acórdão de 24.06.2020 processo 327/2020.
Procedendo a invocada caducidade do direito à liquidação e subsequente anulação do acto impugnado fica prejudicada a invocada apreciação de erro nos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.
Concordamos com este segmento da fundamentação do Acórdão tirado no processo nº 529/2020, e com efeito, não vejamos razões para não manter o entendimento ai vertido e convertê-lo, mutatis mutandis, na fundamentação do presente Acórdão, julgando procedente o presente recurso jurisdicional, e em consequência concedendo provimento ao recurso contencioso.
Resumindo e concluindo:
Se a decisão da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos vier a ser anulada por decisão judicial, a Administração fiscal apenas poderá praticar novo acto administrativo tributário de fixação da matéria colectável se ainda não houver decorrido o prazo de caducidade do artº 55 do RICR.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar procedente o presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, e em substituição anular a deliberação da Comissão de Revisão, datada de 01FEV2019, que em sede da reclamação, manteve para o exercício de 2009 o rendimento colectável de MOP$117.493.529,00 e aplicando o agravamento de 0,01% sobre a colecta.
Sem custas pela entidade administrativa por isenção subjectiva – artº 2º/1-b) do RCT.
Notifique.
RAEM, 03JUN2021
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
1 Cfr. Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Almedina, pp. 30 a 37.
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Ac. 74/2021-50