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Processo nº 291/2021
(Reclamação para a Conferência – pedido da declaração da nulidade do acórdão)

   I – Introdução
    Em 6 de Maio de 2021 foi proferido por este TSI o acórdão constante de fls. 477 a 498, que foi notificado às Partes em 10/05/2021 (fls. 500), veio a Requerida (Direcção da AAM) em 24/05/2021 pedir a declaração da nulidade do acórdão com os fundamentos constantes de fls. 502 a 505, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
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    Ao Requerente foi notificado o pedido em causa em 27/05/2021 (fls. 509 dos autos), tendo oferecido a resposta constante de fls. 510 a 512, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
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    Cumpre analisar e decidir.
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   II – Apreciando
    No essencial a Reclamante invocou o seguinte:
     “(…)
     Vem a presente reclamação versar sobre o douto Acórdão proferido nos presentes autos de recurso jurisdicional interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, que deu provimento ao pedido suspensão de eficácia que ali correu termos sob o n.º 181/21-SE.
     Para o que ora releva, salienta-se desde já que a aqui Reclamante fez notar no início do seu recurso que interpunha recurso de tal douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, apenas quanto ao fundamento utilizado pelo Tribunal Administrativo que julgou procedente a presente providência cautelar.
     Ou seja, a Reclamante apenas interpôs recurso da parte daquela sentença que considerou que o acto objecto do pedido de suspensão de eficácia - deliberação da Recorrida, de 3 de Fevereiro de 2021 - teria "natureza disciplinar", pelo que recairia no âmbito do disposto no art.º 121.°, n.º 3, do CPAC, não sendo, em consequência, necessária a verificação do preenchimento do requisito estatuído na al. a), do n.º 1 da mesma norma.
     Alegando o que julgou necessário sobre esta parte, o recurso da Reclamante não versou sobre qualquer outro aspecto daquela sentença, até porque nada mais haveria para recorrer.
     Como é bom de ver, a douta sentença não dá como provado que o acto objecto do pedido de suspensão de eficácia causasse prejuízo de difícil reparação ao ora Reclamado, antes nega provimento nessa parte, pelo que o recurso interposto pela Reclamante não versou sobre esta parte.
     No entanto, o aqui Reclamado, Dr. A, à falta da possibilidade de interposição de recurso subordinado por falta de norma legal que o permita em sede de acção de suspensão de eficácia, veio requerer a ampliação do objecto do recurso, requerendo que fosse apreciada a sentença na parte em que julga não ter sido dado como provado que o acto objecto do pedido de suspensão de eficácia lhe causasse prejuízo de difícil reparação, desta forma preenchendo o requisito da alínea a) do n.º 1, do art.º 121.º do CPAC.
     Tendo o Tribunal Administrativo admitido o recurso interposto pela ora Reclamante, mandou subir de imediato os autos ao Tribunal de Segunda Instância para proferimento de douta decisão sobre o mesmo.
     Ou seja, não foi dada oportunidade à Reclamante de exercer o seu direito do contraditório estatuído no art.° 3.°, n.º 3, do CPC, ora aplicável ex vi do art.º 1.°do CPAC, de certa forma também consubstanciado no art.º 70.° deste CPAC.
     Ora, como é consabido, "O que se pretende garantir com a consagração do princípio do contraditório previsto no art.º 3, n.º 3 do Código de Processo Civil é a possibilidade de as partes processuais pronunciarem sobre as questões de direito ou de facto antes de ser decididas por juiz." - Acórdão do Tribunal de Última Instância (TUI), de 30.04.2008, proferido nos autos do processo de recurso n.º 10/2007.
     Também esse Tribunal de Segunda Instância (TSI) não notificou a Reclamante ou o seu mandatário para exercer o contraditório sobre o pedido de ampliação do objecto do recurso formulado pelo Reclamado, tendo decidido imediatamente.
     Note-se que foi precisamente com o argumento de que o acto objecto do pedido de suspensão de eficácia causava prejuízo de difícil reparação ao Reclamado, tal como alegado no pedido de ampliação do recurso formulado por aquele, que o esse Mmo. Tribunal fundamentou o sentido da decisão do douto Acórdão ora sob reclamação.
     No entanto, salvo todo o devido respeito por melhor entendimento, parece-nos que houve uma omissão de uma formalidade essencial para o devido exercício do direito do contraditório nos presentes autos, uma vez que a Reclamante nunca foi notificada para responder a tal pedido de ampliação do objecto do recurso, nem nunca sequer lhe foi dada oportunidade para tal.
     A ser assim, ainda salvo o devido respeito por melhor opinião, tal constitui uma nulidade, a qual para todos os devidos efeitos ora se invoca, conforme o disposto nos art.°s 147.°, n.º 1 e 2, e 151.°, n.º 1, ambos do CPC.
     Em consequência de tal nulidade; deve ser anulado o Acórdão proferido e dada oportunidade à Recorrente para se pronunciar sobre a questão suscitada pelo Reclamado no âmbito do seu pedido de ampliação do objecto do recurso.
     Não sendo assim, equivale o procedimento tomado como a assunção da possibilidade da interposição de recurso subordinado pela parte vencedora nos autos de suspensão de eficácia sem a possibilidade de contraditório da parte contrária, o que, não só deturpa a lei do processo administrativo contencioso, como é legalmente inadmissível.
     Termos em que:
     deve ser dado provimento à presente reclamação, julgando-se procedente a invocação da nulidade do Acórdão por omissão de formalidade essencial ao cumprimento do princípio do contraditório, devendo ser dada oportunidade à Recorrente de, na presente sede, se poder pronunciar sobre a mesma, assim se fazendo a necessária Justiça!
    
    No caso, o Requerente invocou os factos suficientes para demonstrar que ele preencheu todos os requisitos exigidos pelo artigo 121º do CPAC para decretar a suspensão da eficácia da deliberação atacada, enquanto a Requerida na sua contestação replicou todos os factos alegados, ou seja, o quadro factual e jurídico estão bem definidos pelas partes logo na fase do articulado, ficando assim assegurado o contraditório em toda a tramitação processual da primeira instância.
    É certo que o TA entendeu que a deliberação tem a natureza de sanção disciplinar e como tal defendeu que não tem de ser satisfeita a exigência da alínea a) do artigo 121º do CPAC, por força do nº 3 do mesmo artigo, enquanto este TSI, rejeitando a tese do TA, defende que a deliberação não tem a natureza de sanção disciplinar e como tal procedeu à análise dos factos alegados pelo Requerente para saber se tal requisito está preenchido ou não e, a resposta foi positiva. Depois, nesta sede, a Requerida veio a defender que foi privada a sua oportunidade de se pronunciar sobre este ponto. Ora, salvo o melhor respeito, não acompanhamos este raciocínio, pois, tal como se referiu, desde o início até à prolação da decisão na primeira instância, foi assegurado o contraditório em toda a amplitude e a Requerida replicou timtim por timtim todos os argumentos, quer factuais quer jurídicos, produzidos pelo Requerente, por isso, nenhuma norma foi violada.
    Por outro lado, um ponto assaz importante que importa realçar é o da natureza urgente deste processo, relativamente à qual o legislador fixou uma norma especial (ou até excepcional, como alguns autores assim designam), constante do artigo 159º/3 (Poderes de cognição do tribunal de recurso) do CPAC que manda:
1. Quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamento que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito.
2. Quando a decisão impugnada seja nula, compete ao tribunal recorrido reformá-la em conformidade com o julgado.
3. No recurso de decisões proferidas em processos urgentes não se aplica o disposto nos números anteriores, devendo o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa.
    A propósito desta matéria, escreveu José Cândido Pinho (Cfr. Notas e Comentários ao CPAC, Vol II, CFJJ, 2018, pág. 424 a 425):
    “(…)
3 – O n°3, porém, vem introduzir uma excepção à regra dos n°s 1 e 2.
Diz: Se o processo em que está interposto o recurso jurisdicional tiver natureza urgente, já se reconhece ao tribunal de recurso poderes de substituição, devendo por isso conhecer de mérito. Ou seja, se julgar improcedente a matéria exceptiva ou a questão prévia invocada, não fará baixar os autos à instância inferior para decidir de fundo; procederá ele a esse conhecimento. Tal-qualmente, mesmo que decrete a nulidade da sentença recorrida (cf. Art. 571°, n°1, do CPC), não deixará de conhecer dos fundamentes “da causa”.
Qual a razão para esta disciplina excepcional? Ela está à vista: visa imprimir celeridade à resolução do processo atendendo aos valores em jogo, os quais, aliás, foram determinantes para a classificação do meio processual como sendo urgente.
(…)
Mas, como a solução nesse específico caso é de cassação, não se põem aí quaisquer problemas de interpretação. Ora, se os poderes são de substituição, "quando possível", no caso do n.º 3, e se o n.º1 estabelece uma solução cassatória quando a decisão da 1ª instância não tenha conhecido de mérito, a dificuldade passa a ficar restringida aos casos em que o tribunal "a quo" tiver realmente conhecido de mérito, embora sem ter apreciado algum dos fundamentos do pedido expressamente aduzidos pelo impetrante (no recurso contencioso, por exemplo quando somente a sentença sob censura tiver conhecido de alguns vícios do acto). Assim é que, se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certos "vícios do acto" ou “fundamentos de invalidade do acto", designadamente por os considerar prejudicados nela decisão favorável dada a outro, o tribunal de recurso, se entender que o recurso procede quanto ao vício conhecido no tribunal “a quo" e que nada obsta à apreciação dos restantes (omitidos), no mesmo acórdão em que revogar a decisão impugnada, deles conhecerá também (art. 630.º, n.°2, CPC)1.
Esta solução, para além de assentar na referida subsidiariedade, é sugerida pelo princípio da justiça célere e eficaz. Ainda assim, independentemente do apelo a estes princípios para que tal solução parece apontar, não cremos que a intenção do legislador tenha sido a de ir para além do que expressamente ditou no art. 159.°. A forma restritiva como consignou na epígrafe os "poderes de cognição do tribunal de recurso", e só esses, não parece reconhecer que outros poderes deva ter o tribunal de recurso. Ou seja, cremos que a norma não deve ser interpretada para lá da exibição do seu conteúdo literal, nem consentir, por omissão ou por tacitude, que quanto a outras eventuais situações, se aplique a regra do n.º2 do art. 630.º, do CPC.
    (…).
    É também esta posição que defendemos.
    Em suma, não ocorrendo “in casu” o vício alegado, não existem fundamentos bastantes para declarar a nulidade do acórdão reclamado, vai por isso indeferida a reclamação por manifestamente infundada.
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   III – Decidindo
    Face ao exposto, e decidindo, acordam em indeferir o pedido da reclamação deduzida pela Requerida.
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    Sem custas por isenção subjectiva,
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TSI, 10 de Junho de 2021
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng


1 Neste sentido, Ac. do TSI, de 13/03/2014, Proc. nº 517/2013.
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2021-291- Reclamação 7