Processo nº 1230/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 10 de Junho de 2021
ASSUNTO:
- Indeferimento liminar
- Interesse em agir
SUMÁRIO:
- O credor hipotecário tem interesse em agir em acção instaurada a pedir a declaração de nulidade da compra e venda do bem onerado com a hipoteca constituída a seu favor, feita entre quem estava onerado em expurgar a hipoteca como vendedor e um terceiro comprador, em momento em que a hipoteca havia, segundo se alega, sido ilegalmente cancelada, tendo este terceiro adquirido o bem livre de ónus e encargos.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 1230/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 10 de Junho de 2021
Recorrente: G
Recorridos: A, B (1ºs Réus),
C, D (2ºs Réus)
e F (3º Réu)
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
G, com os demais sinais dos autos,
veio deduzir a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
A, B, C, D e F todos, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo que, seja:
a) Declarada nula a venda aos 1ºs Réus através da procedência da acção de execução específica que correu seus termos no processo nº CV3-14-0089-CAO, por se traduzir na venda de um bem alheio no que diz respeito à metade indivisa que pertence ao cônjuge de F (F), sendo cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 1ºs Réus, através da inscrição nº 3****F com o nº de apresentação 140 de 19/11/2014;
b) Declarada nula a venda efectuada aos 2ºs Réus através da escritura de compra e venda celebrada em 18.04.2018 e, em consequência, ser cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 2ºs Réus, através da inscrição nº 3*****G com o nº de apresentação 137 de 18/04/2018;
c) Declarada nula a compra e venda, por simulação entre os 1ºs e os 2ºs Réus e, em consequência, ser cancelado o registo de aquisição do imóvel a favor dos 2ºs Réus, através da inscrição nº 3*****G com o nº de apresentação 137 de 18/04/2018.
Considerando que, relativamente à pretendida declaração de nulidade da primeira transmissão, falta competência ao tribunal, preteriu-se o litisconsórcio necessário e é evidente que não pode proceder se se considerar tratar-se de uma compra e venda, e porque, relativamente à pretendida declaração de nulidade da segunda transmissão não tem o autor, actualmente, interesse em agir, foi proferido despacho de indeferimento liminar da p.i..
Não se conformando com aquele, veio o Autor interpor recurso daquele despacho, apresentando as seguintes conclusões e pedido:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 144 dos autos, sendo que, embora, em tese, o Autor e ora Recorrente concorde com a fundamentação do despacho recorrido, não pode deixar de interpor o presente recurso tendo em conta que a acção foi proposta a fim de dar cumprimento ao disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil.
B. Um dos fundamentos do indeferimento liminar da petição inicial - preterição de litisconsórcio necessário - ficou sem efeito, tendo em conta que, em acto subsequente à prolação do despacho recorrido, o Autor requereu o chamamento de F, o devedor principal e anterior proprietário do imóvel objecto dos autos. Por despacho de fls. 152 dos autos, o Tribunal aceitou que fosse acrescentado o novo Réu à acção, pelo que, perante o teor do referido despacho, ficou sem efeito o argumento do Tribunal no sentido de indeferir liminarmente a acção por preterição de litisconsórcio necessário activo.
C. Tal como resulta dos factos descritos na petição inicial, a realidade que está subjacente aos presentes autos é complexa e tem na sua base duas transmissões sobre o mesmo bem imóvel: a aquisição do imóvel em apreço nos autos a favor dos 1ºs Recorridos no âmbito de uma acção de execução específica; em acto subsequente, o negócio jurídico de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.ºs e os 2.º Réus, todos ora Recorridos.
D. Tal como resulta da petição inicial, a presente acção foi proposta de forma a assegurar que os 2.ºs Réus não possam vir arguir que são terceiros de boa fé, nos termos do disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil.
E. Atentos os interesses em discussão na presente acção, a fim de evitar que os 2ºs Réus e ora Recorridos venham tentar prevalecer-se do regime do terceiro de boa fé, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não devia ter indeferido liminarmente a petição inicial.
F. Pelo exposto, atenta a complexidade dos factos em discussão, entende o Recorrente que, não obstante válidos os fundamentos expostos na decisão recorrida, o Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a petição inicial, nem declarado a falta de interesse do Autor para arguir a simulação do negócio de compra e venda celebrado entre os Réus em 18.04.2018.
G. Desde logo, nos termos do disposto nos arts. 232º e 279.º do Código Civil, o negócio simulado é nulo (não anulável), concretizando o art. 279º que a nulidade pode ser arguida a todo e tempo e por qualquer interessado.
H. Pelas razões expostas, por sentido de prudência a e a fim de salvaguardar o que vem disposto no art. 284.º, n.º 2 do Código Civil, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria antes ter declarado suspensos os autos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 223.º, n.º 1 do C.P.C., até ser proferida decisão final sobre o registo da hipoteca a favor do Autor, bem como decisão proferida no âmbito do recurso de revisão já interposto.
Termos em que se requer a V. Exas que seja declarado procedente o presente recurso e, em consequência, seja decretada a suspensão dos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 223.º, n.º 1 do C.P.C., até ser proferida decisão final sobre o registo da hipoteca a favor do Recorrente e / ou decisão proferida no âmbito do recurso de revisão já interposto.
Citados os Réus para os termos da acção e do recurso vieram os 2ºs Réus C e D apresentar contra-alegações, com as seguintes conclusões:
I - Da renúncia - A obtenção pelo Autor, nos termos e para os efeitos do art.s 306.º e 215.º, do CPC, da habilitação entre vivos dos aqui 2.os Réus nos autos CV1-17-0243-CEO-B (vide Doc. 1), pressupõe a aceitação do trânsito em julgado da sentença de execução específica proferida nos autos CV3-14-0089-CAO e da validade do mesmo contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 (Doc. 7 da p.i.) que o Autor ora vem impugnar na presente instância.
II - O suscitamento de tal incidente pelo Autor configura um comportamento inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer da decisão de fls. 144-145 que indeferiu liminarmente o ataque à sentença de execução específica proferida nos autos CV3-14-0089-CAO e a invocação da nulidade do contrato de compra e venda de 18.04.2018 feito na petição inicial.
III - Verifica-se assim uma situação de renúncia tácita nos termos do artigo 586.º, n.º 2 do CPC.
IV - Acresce que o Autor, num momento de maior lucidez, diz claramente no parágrafo A das conclusões do recurso que concorda com a fundamentação do despacho recorrido
V - Então porque dele recorre se concorda com a sua fundamentação?
VI - Nada obsta, pois, a que o recurso seja julgado findo pelo relator do processo no Tribunal ad quem pela impossibilidade do conhecimento do seu objecto, ou que o mesmo seja sumariamente julgado (por manifestamente infundado) nos termos do disposto no art.s 619.º, n.º 1, al. e) e g) ex vi do artigo 594.º, n.º do CPC.
VII - Do Abuso de direito - Sem conceder, ainda que porventura assim não se entendesse, sempre o exercício que o Autor fez do direito de recurso do despacho de fls. 144-145 se mostra manifestamente ilegítimo, configurando um abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, que salvo melhor opinião, não deve ser premiado.
VIII - Daí que sempre seja manifestamente ilegítimo o exercício que o Autor fez do direito de recurso que a lei lhe confere, gerando tal abuso mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de praticar.
IX - Do pedido formulado na alínea a) do petitório da petição inicial - o que o Autor pretende com este pedido não é mais (nem menos) do que a revogação da sentença transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO à margem do regime legal do recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 653.º, alínea f) do CPC!
X - Em suma, neste caso estamos perante uma situação de incompetência do tribunal a quo para anular a sentença de execução específica transitada em julgado nos autos CV3-14-0089-CAO dado o tribunal competente para o efeito ser, por força do disposto no artigo 658.º do CPC, o tribunal que nos autos CV3-14-0089-CAO proferiu a decisão a rever.
XI - Sem conceder, ainda que porventura assim não se entendesse, sempre estaríamos perante uma situação de inidoneidade absoluta da forma de processo utilizada (ou de impropriedade do meio processual) quanto ao pedido formulado na alínea a) do petitório da p.i., que constitui uma excepção dilatória inominada, que determina a nulidade de todo o processado (sem possibilidade de aproveitamento ou convolação) e a consequente a absolvição dos Réus da instância.
XII - Da suspensão da instância - o Recorrente não aponta nenhum vício à decisão que indeferiu liminarmente o pedido formulado na alínea a) do petitório da petição inicial, limitando-se a considerar, no parágrafo H das conclusões do recurso, que o tribunal a quo devia ter antes ter mandado suspender a instância nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 1 do CPC.
XIII - Sucede que não foi o despacho recorrido que praticou a violação processual ora mencionada nas alegações do recurso (vide, neste sentido, Ac. TUI, Proc.º n.º 28/2006, 18/07/2007, in B.O.R.A.E.M. N.º 37, II Série, de 12/09/2007).
XIV - Assim, o que o Autor, ora Recorrente, deveria ter feito era ter arguido a nulidade processual no prazo geral de 10 dias (artigo 103.º, n.º 1 do CPC).
XV - Não o tendo feito, precludiu a possibilidade de conhecimento do hipotético vício neste recurso (cfr. Ac. TUI, proc.º 27/2006, de 6/12/2006)
XVI - Não é, pois, de conhecer, a questão suscitada.
XVII - Dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) da p.i. - Tratam-se, no entanto, de pedidos para os quais o Autor não tem interesse em agir.
XVIII - Desde logo, porque o que o Autor realmente pretende defender com a arguição da nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018 entre os 1.os e os 2.os Réus é uma hipoteca constituída a seu favor sobre o imóvel cujas transmissões impugna.
XIX - Ora, tais transmissões posteriores à constituição da hipoteca não o prejudicam.
XX - Não tem, pois, o Autor interesse em agir, pois pode executar o imóvel onde quer que (e com quem) ele se encontre, desde que realmente disponha dos direitos de que se arroga sobre os 2.os Réus ora executados nos autos de execução CV1-17-0243-CEO (vide Doc. 1).
XXI - Sendo evidente que meio processual mais célere, económico, próprio e adequado para o Autor defender a sua hipoteca a que se refere a inscrição 1*****C é o processo de rectificação judicial previsto no artigo 114.º e ss. do Código do Registo Predial a que se refere o artigo 18.º da p.i. e não a presente acção declarativa de condenação, cujo desfecho de nada lhe aproveita.
XXII - Logo se vê por aqui que a legitimação resultante do direito substantivo não se confunde com o interesse em agir visto que pode ter-se o direito de acção, por se ser o titular da relação material, ou por a lei especialmente permitir a respectiva intervenção processual e, todavia, não existir interesse em agir, porquanto, perante as circunstâncias concretas que rodeiam a situação, não existe qualquer necessidade de recorrer ao Tribunal para fazer valer o direito.
XXIII - Acresce, na esteira do já decidido no Ac. do TUI, Recurso civil n.º 5/2008, de 21/01/2009, não ser o Autor “interessado” na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 18.04.2018, por não ser sujeito de qualquer relação jurídica afectada, na sua consistência jurídica (v.g. subadquirente) ou prática (credor), pelos efeitos translativos do negócio.
XXIV - Só se fosse subadquirente e/ou credor dos 1.os Réus poderia o Autor ser considerado “interessado” para efeitos do art.º 279.º do Código Civil, mas não é.
XXV - Logo não tendo adquirido nem sendo credor dos transmitentes, não podia, pois, o Autor, ter lançado mão do regime do artigo 284º, n.º 2 do CC para justificar a proposição da presente acção.
XXVI - Assim, perante a constatação pelo Tribunal a quo de que nenhum dos pedidos formulados pelo Autor na sua p.i. poderia ser conhecido ou proceder, impunha-se, como se impôs, o seu indeferimento liminar por força do disposto no art.s 394.º, n.º 1, alíneas, c) e d), última parte, do CPC.
XXVII - Nada obsta, pois, à confirmação da decisão de indeferimento liminar, com o mesmo ou por diverso fundamento.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Alega o Autor na p.i. que o então proprietário da fracção autónoma que identifica, o aqui 3º Réu (F), constituiu a seu favor hipoteca sobre a mesma para garantia do pagamento de um mútuo.
Posteriormente os aqui 1º Réus (A, B) instauraram contra o então proprietário dessa mesma fracção autónoma, acção em que pediam a execução específica de contrato de promessa de compra e venda dessa fracção, acção essa que veio a ser julgada procedente declarando-se em consequência que aquele (o então proprietário e hipotecante) a vendia aos aqui 1ºs Réus os quais foram condenados a expurgar a hipoteca constituída sobre a mesma a favor do Autor.
Entretanto, por razões que não importa aqui descrever foi averbado o cancelamento do registo da hipoteca a favor do Autor.
Após o averbamento do cancelamento do registo da hipoteca a favor do Autor, os 1ºs Réus venderam aos 2ºs Réus (C, D) a fracção autónoma identificada e a que respeitam os autos.
Tomando conhecimento do cancelamento da hipoteca a seu favor, o Autor reagiu, estando neste momento em curso acção judicial com vista a que seja rectificado o registo de cancelamento da hipoteca, fazendo-se novamente inscrever o mesmo (o registo da hipoteca) a favor do Autor.
Invocando a nulidade da compra e venda realizada através da acção declarativa em que foi proferida sentença a decidir pela execução especifíca do contrato de compra e venda da fracção autónoma a que se reportam os autos e invocando também a nulidade da compra e venda realizada entre os 1ºs e os 2ºs Réus, vem o Autor pedir que se declarem as mesmas nulas.
Independentemente da veracidade da factualidade invocada, que nesta sede não cabe ainda apurar, esta é em síntese a argumentação usada pelo Autor, o qual pretende, com o primeiro pedido (a nulidade da venda por execução especifica) erradicar a venda pelo proprietário-hipotecante aos 1º Réus, e em consequência que seja também declarada nula a venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus, ou, se assim não for entendido erradicar a venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus com base na simulação, regressando o bem à esfera jurídica ou do 3º Réu proprietário-hipotecante a favor do Autor, ou dos 1º Réus.
Vejamos então.
1. Quanto à validade da venda feita aos 1º Réus, pedidos a) e b) da p.i.
Conforme resulta da p.i. e das certidões do registo predial juntas aos autos e referentes à fracção autónoma objecto destes, a compra e venda entre o proprietário-hipotecante aqui 3º Réu e os 1ºs Réus foi decidida em acção em que foi pedida e julgada procedente a execução específica de contrato de promessa de compra e venda.
Embora, na acção de execução de execução específica se peça ao tribunal que se substitua ao promitente inadimplente proferindo em substituição deste a declaração de vontade que lhe correspondia, o que ocorre é que essa “declaração de vontade” é proferida através de uma sentença.
Não sendo interposto recurso da sentença e tendo esta transitado em julgado ela tem força obrigatória geral nos termos do artº 574º do CPC, pelo que, não pode agora voltar a ser apreciada ou a decidir-se sobre aquela mesma declaração negocial.
Destarte, porque a questão da compra e venda entre o aqui 3º Réu e os 1ºs Réus foi objecto de decisão judicial na acção em que se pedia a execução específica do contrato de promessa de compra e venda, a qual já transitou em julgado, por força da excepção dilatória do caso julgado – artº 412º, 413º al. j) do CPC - não pode o tribunal voltar a apreciar a mesma1, o que, sendo de conhecimento oficioso – artº 415º do CPC -, poderia justificar o indeferimento liminar por ser manifesto que a pretensão do Autor não poderia proceder – artº 394º nº 1 al. d) do CPC -.
Pelo que nesta parte, embora por razões diversas das invocadas no despacho recorrido, admitimos que, caso outras razões não obstassem ao indeferimento liminar, poderia ter-se decidido nesse sentido.
2. Da nulidade por simulação da venda dos 1ºs aos 2ºs Réus.
Como já se referiu supra na acção que julgou procedente o pedido de execução específica e em consequência a fracção autónoma vendida aos aqui 1º Réus, foram estes condenados a expurgar a hipoteca constituída a favor do Autor.
Quando ocorre a venda entre os 1ºs e 2º Réus havia sido averbado o cancelamento da hipoteca constituída a favor do Autor, e os 2ºs Réus adquiriram a fracção autónoma livre de ónus e encargos.
Na acção que corre termos no TJB sob o nº CV3-19-0011-CRJ está em causa a validade do averbamento em que se declara a caducidade da inscrição feita da hipoteca constituída a favor do agora Autor e Recorrente sobre a fracção autónoma a que se reportam estes autos.
Caso se venha a decidir no sentido de eliminar o averbamento em que se declara o cancelamento, o resultado é que o registo da hipoteca a favor do Autor/Recorrente volta a vigorar.
Admitindo-se que o Autor obtém a procedência dessa sua pretensão nessa outra acção, é do interesse deste invocar a nulidade da venda feita pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus, uma vez que, na decisão em que se julgou procedente a acção de execução específica e a aquisição a favor destes (dos 1º Réus), estes (os 1º Réus) foram condenados a expurgar a hipoteca, enquanto que, aquando da venda feita pelos 1º Réus aos 2º Réus, estes adquiriram o bem sem que a hipoteca se encontrasse registada.
Ora, sem aprofundar a questão uma vez que não é o objecto deste recurso, mas de acordo com as soluções em direito plausíveis, o credor hipotecário (admitindo que o Autor/recorrente venha a obter decisão a seu favor quanto ao registo da hipoteca) com registo da hipoteca a seu favor, previamente à realização da compra e venda cuja nulidade por simulação invoca, tem interesse em que o bem regresse à esfera jurídica do anterior titular do direito o qual estava condenado a expurgar essa mesma hipoteca.
Especialmente se essa venda é feita num momento em que contra a sua vontade e através de uma acto ilegal o registo dessa mesma hipoteca tiver sido cancelado.
Assim sendo, não acompanhamos a decisão recorrida na parte em que indefere a acção por entender que o Autor não tem interesse em agir para invocar a simulação da compra e venda entre os 1ºs e 2ºs Réus, tanto mais que, se lhe assistir razão e se o não fizer, estes (os 2ºs Réus) podem ser tidos como adquirentes de boa-fé, com as consequências que daí advierem.
Aqui chegados, impõe-se concluir que a acção sempre poderia prosseguir com vista a apreciar o pedido formulado em c).
Não sendo no caso em apreço admissível o indeferimento liminar parcial quanto aos pedidos formulados em a) e b) uma vez que deles não resulta a exclusão de algum Réu - nº2 do artº 394 do CPC – não podia a p.i. ter sido liminarmente indeferida ainda que parcialmente, havendo que decidir em conformidade.
Sobre esta mesma questão de facto e estando em causa os mesmos sujeitos, embora num contexto jurídico diferente, já nos pronunciámos no Acórdão de 07.01.2021 proferido no processo que correu termos neste tribunal sob o nº 980/2020.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos se outros motivos não houver que obstem a tal.
Custas a cargo da parte que afinal vier a ficar vencida.
Registe e Notifique.
RAEM, 10 de Junho de 2021
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 Sem prejuízo das situações previstas para os recursos extraordinários.
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1230/2019 CÍVEL 1