Processo n.º 173/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 21 de Maio de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Imposto sobre veículos motorizados
- Liquidação adicional oficiosa
SUMÁRIO
1. Nos termos do n.º 1 do art.º 18.º do RIVM, há lugar à liquidação oficiosa “sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau”.
2. Sendo adicional a liquidação, esta adiciona-se à liquidação anterior viciada, destinando-se a fazer ajustamento necessário para ficar em conformidade com a lei.
3. O imposto de veículos motorizados não pode incidir sucessivamente sobre dois factos tributários diferentes, ou sobre a transmissão do veículo para o consumidor, ou sobre a afectação para uso próprio.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 26 de Setembro de 2018, que indeferiu o recurso hierárquico necessário por si apresentado, mantendo a liquidação oficiosa adicional de imposto sobre veículos motorizados promovida pelo Director dos Serviços de Finanças.
Por Acórdão proferido em 28 de Maio de 2020, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformada, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela Recorrente contra a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado na proposta n.º XXX/NAJ/MG/2018, de 19 de Setembro, o qual determinou a improcedência do recurso hierárquico necessário apresentado contra a liquidação oficiosa que havia sido realizada mediante despacho do Exmo. Senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.º XXXX/NVT/DOI/RFM/2016, ao abrigo do artigo 18.º, n.º s 1 e 2, do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (“RIVM”);
2) A Recorrente considera que o acórdão recorrido encontra-se viciado por erros de interpretação e aplicação da lei, e ainda por não ter apreciado devidamente os vícios imputados ao acto, nomeadamente, a violação de lei consubstanciada na violação do princípio “tempus regit actum”, porquanto a Administração Fiscal efectua uma liquidação pretensamente “adicional” com base em elementos que não existiam à data da prática do acto de liquidação inicial, nos termos que melhor se demonstrarão infra e que devem determinar a revogação e substituição por acórdão que dê por procedente o recurso apresentado pela ora Recorrente e, consequentemente, anule o acto recorrido.
3) Sendo evidente e indiscutível que não houve falta de liquidação do imposto, o que está em causa no acto administrativo recorrido são os supostos “erros e omissões” existentes na liquidação inicial que motivariam uma liquidação ADICIONAL;
4) De forma surpreendente, o Tribunal de Segunda Instância, seguindo o parecer do Ministério Público, acaba de forma sui generis por “INVALIDAR” (ou pelo menos desconsiderar qualquer efeito jurídico de tal acto) a liquidação inicial para efeitos de fundamentação da decisão de considerar válida a liquidação ADICIONAL (este sim o acto recorrido!) e improcedente o recurso contencioso apresentado, apesar da liquidação inicial consubstanciar um acto que não foi posto em causa pela Autoridade Tributária, pois partiu daquele acto para fazer uma liquidação adicional, nem foi posto em causa pela Recorrente no seu recurso contencioso;
5) Não sendo “válida” nem se podendo manter a “liquidação inicial” efectuada (apesar de ser caso decidido e não estar em causa no recurso contencioso), então muito menos se poderia efectuar uma liquidação ADICIONAL a partir daqueloutra;
6) Por seu turno, não se compreende, na lógica da decisão recorrida, em que termos é que há algum “(…) facto imputável ao sujeito passivo” que retarda a liquidação do imposto devido e que justifique o acréscimo de juros compensatórios à taxa de juro legal ao abrigo do artigo 20.º do RIVM, pois a Recorrente liquidou o imposto de boa fé nos termos do artigo 4.º alínea 3) do RIVM, assumindo por si os custos envolvidos;
7) Não se pode alterar a fundamentação do acto recorrido, que se ficou a dever a “erros e omissões”, para se passar a considerar que está em causa uma nova liquidação visto que a primeira não era válida no entendimento do Tribunal recorrido;
8) Tudo porque não há fundamento que sustente uma liquidação adicional em violação do princípio “tempus regit actum” e com base em facto tributário distinto do que sustentou a liquidação inicial;
9) Com efeito, importa recordar que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, porquanto no dia 25 de Março de 2015 teria lugar a 9ª edição dos “Asian Film Awards”, sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da BMW, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados;
10) Por força do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RIVM, a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, ou seja, o facto tributário relevante foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados;
11) À data, a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
12) Note-se bem que a liquidação inicial não é posta em causa pelo despacho recorrido, aliás, é do ponto de vista legal um pressuposto necessário para a realização da liquidação oficiosa adicional ora posta em crise;
13) Posteriormente, no dia 12 de Novembro de 2015, a Recorrente vendeu aquele automóvel a um terceiro, conforme se pode constatar da factura junta ao respectivo procedimento administrativo;
14) Na verdade, a transmissão efectuada pela Recorrente para um terceiro, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim, desde logo, a liquidação adicional oficiosa em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à norma de incidência do artigo 2.º do RIVM, devendo ser anulada nos termos dos artigos 124.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC;
15) Em todo o caso, e na sequência dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa com base em omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para o terceiro estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM e, por força da nova tabela aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015), o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.º, n.º 3, do RIVM;
16) Pelo que haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o montante resultante da perda daquele benefício fiscal, isto é, MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas);
17) Salvo o devido respeito por opinião contrária, mais grave ainda que a tributação pela transmissão de um veículo usado nos termos acima descritos, é a evidente ilegalidade da cumulação de dois factos tributários distintos, um para efeitos de sustentação de uma liquidação inicial e outro, posterior, para efeitos de fundamentação de uma liquidação adicional com base em erros ou omissões;
18) É que o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não sendo admissível que a Administração Fiscal proceda a uma liquidação oficiosa, que se pretende adicional, com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), isto é, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM;
19) Retirando, a posteriori, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012;
20) Como é evidente, o princípio “tempus regit actum” impede que a Direcção dos Serviços de Finanças efectue uma liquidação pretensamente adicional (por supostos erros ou omissões) que, na verdade, mais não traduz do que a exclusão de um benefício fiscal em virtude de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes com a qual a Recorrente não poderia razoavelmente contar em 22 de Março do mesmo ano;
21) Pelo que o artigo 18.º do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada e não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM;
22) O despacho recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças nunca chega a apreciar esta questão de direito que a Recorrente volta a suscitar perante V. Ex.ªs, Venerandos Juízes do Tribunal de Última Instância, isto é, a ilegalidade da liquidação adicional com base em facto tributário cumulativo e diverso, bem como o agravamento do imposto devido por conta de alterações legais que só entraram em vigor após a liquidação inicial;
23) Em suma, não preenche o conceito de liquidação oficiosa “adicional” a realização de uma nova liquidação com base noutro facto tributário com total desconsideração do facto tributário objecto da liquidação inicial, sob pena de violação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 17.º e 18.º do RIVM, já que uma liquidação adicional só pode ser feita por conta de erros ou omissões na liquidação inicial e tendo por base, obviamente, o mesmo facto tributário;
24) Por outro lado, ainda que não fosse superiormente entendido que a liquidação oficiosa posta em causa não merece censura, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se dirá que não poderiam ser cobrados juros de mora à ora Recorrente;
25) Isto porque o artigo 20.º, n.º 1, do RIVM determina que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.”;
26) Como se deixou claro, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, mas que posteriormente, por efeito de uma liquidação oficiosa por factos ocorridos após a liquidação inicial (!), de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, a Recorrente foi notificada para o pagamento de um montante adicional de MOP$60,000.00;
27) Não se alcançando em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, não podendo contar com uma liquidação oficiosa adicional com base em facto tributário diverso!;
28) Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.º do RIVM, pelo que a liquidação de juros é, por si só, anulável nos termos dos artigos 124.º do CPA e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC por conta do vício de lei que a afecta.
Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de merecer provimento o recurso jurisdicional.
2. Factos
Resulta dos autos os seguintes elementos com relevância para a decisão:
- Por ofício n.º XXX/NAJ/MG/2018, de 18 de Outubro de 2018, foi dado conhecimento à recorrente do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 19 de Setembro de 2018, que determinou a improcedência do recurso hierárquico necessário por si apresentado.
- O referido ofício tem o seguinte teor:
Assunto: Notificação do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26/09/18.
Por referência ao Recurso Hierárquico Necessário apresentado por V.Exª., relativo ao Imposto sobre Veículos Motorizados – (M/6 2016/09/XXXXXX/X), cumpre-me notifica-lo, nos termos dos artigos 68º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26 de Setembro de 2018, exarado na Proposta nº XXX/NAJ/MG/2018, de 19 de Setembro, consistindo o seu teor no seguinte:
同意建議,駁回本訴願。(Concordo com a proposta e nego provimento ao presente recurso hierárquico.)
經濟財政司司長 (Secretário para a Economia e Finanças)
Assinatura
梁維特 (Leong Vai Tac)
2018年9月26日 (26 de Setembro de 2018)
Da Proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
“A, contribuinte n.º XXXXXXXX, com sede em Macau, na [Endereço], notificada da resposta à reclamação apresentada contra a liquidação oficiosa do Imposto sobre Veículos Motorizados efectuada na sequência da recepção da Guia n.º 2016-09-XXXXXX-X-X.
Alega a recorrente que:
1.º Nos termos da notificação n.º 2016/09/XXXXXX/X, de 26 de Outubro de 2016, foi dado conhecimento à ora Recorrente da liquidação oficiosa determinada por despacho do Exmo. senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na proposta n.º XXXX/NVT/DOI/RFM/2016, ao abrigo do artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (“RIVM”).
2.º Segundo a referida notificação, tal liquidação oficiosa ficou a dever-se a omissões ou erros, dos quais resultou prejuízo para a RAEM, sendo que ao imposto já anteriormente pago no montante de MOP$275,500.00 (duzentas e setenta e cinco mil e quinhentas patacas), competia ainda liquidar a título de imposto a quantia de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), acrescida de MOP$5,209.00 (cinco mil duzentas e nove patacas) a título de juros compensatórios.
3.2 A ora Recorrente apresentou reclamação desta decisão no dia 11 de Novembro de 2016, vindo a mesma a ser indeferida conforme se extrai do ofício com a referência n.º XXXX/NVT/DOI/RFM/2016, de 28 de Novembro de 2016 (Doc. n.º 1).
4.º Resulta do sobredito oficio que:
5.2 Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal decisão padece de vícios de facto e de direito que implicam a invalidade do acto ora impugnado.
Senão vejamos,
II - DOS VÍCIOS DE FACTO E DE DIREITO
6.2 Em primeiro lugar, importa referir que, no dia 22 de Março de 2015, a ora Recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
7.2 Com efeito, no dia 25 de Março de 2015 teve lugar em Macau a 9a edição dos “Asian Film Awards”, sendo que a ora Recorrente, enquanto concessionária da BMW, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados.
8.º Uma vez que o número de carros registados em nome da Recorrente não era suficiente para as necessidades do evento, foi necessário matricular provisoriamente alguns veículos novos, afectando-os assim para uso próprio, nos termos acima explicitados em apoio à 9.ª edição dos “Asian Film Awards”.
9.º Como “Nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou que beneficia de isenção.” (artigo 21.º, n.º 2, do RIVM), a Recorrente efectuou o pagamento do imposto devido, corno se disse, nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
10.º Daqui resulta que o facto tributário, isto é, a situação de facto concreta prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, foi a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados.
11.º Situação que não mereceu qualquer censura ou oposição por parte da Administração Fiscal, que procedeu à respectiva cobrança junto da Recorrente.
12.º Importa ainda mencionar que a Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
13.º Na sequência do pagamento do IVM nos termos acima descritos, veio o veículo em causa a ser utilizado no âmbito da 9.ª edição dos “Asian Film Awards”, após o que foi cancelada a respectiva matrícula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
14.º Entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, foi publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015.
15.2 Posteriormente, no dia 12 de Novembro de 2015, a Recorrente vendeu aquele automóvel ao B, conforme resulta da factura que ora se junta sob o Doc. n.º 2.
16.2 A coberto dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa, por omissões ou erros, sustentando para tanto que a transmissão do veículo da Recorrente para o B estava sujeita ao IVM nos termos da alínea 1) do artigo 2.º do RIVM.
17.º Ora, com a nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (isto é, depois do pagamento do IVM pela Recorrente em 22 de Março de 2015), o automóvel em apreço não poderia gozar da redução prescrita no artigo 16.º, n.º 3, do RIVM.
18.º Pelo que, segundo a Administração Fiscal, haveria lugar a uma liquidação adicional oficiosa, precisamente para cobrar o montante resultante da redução das taxas de IVM, isto é, MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas).
19.º Ao fim e ao cabo, a Direcção dos Serviços de Finanças, arbitrariamente, passou a considerar como facto tributário a transmissão para o B, socorrendo-se para tanto da alínea 1) do artigo 2.º do IVM e, uma vez que essa transmissão ocorreu depois da entrada em vigor da nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes, o imposto anteriormente pago (ao abrigo de um outro facto tributário!) não poderia gozar de uma redução nos termos do artigo 16.º, n.º 3, do RIVM!
20.º Como é bom de ver, tal interpretação efectuada pela Direcção dos Serviços de Finanças não tem base legal, o que se diz sem prejuízo de melhor opinião.
21.º Desde logo, porque o veículo já havia sido afectado para uso próprio da Recorrente, tendo por isso pago o competente IVM, não sendo por isso um veículo motorizado novo conforme exige a norma de incidência real prevista na alínea 1) do artigo 2.º do RIVM, mas antes um veículo usado.
22.º Até porque não se oferecem quaisquer dúvidas quanto à natureza mutuamente excludente das diversas alíneas do artigo 2.º do RIVM, já que um veículo motorizado só pode ser novo por uma única vez.
23.2 Donde se retira que a transmissão efectuada pela Recorrente para o B, uma vez que não teve por objecto nenhum veículo motorizado novo, não está sujeita ao IVM, não podendo sustentar-se nesses termos qualquer facto tributário, pelo que incorre assim a liquidação adicional oficiosa em erro nos pressupostos de facto e de direito.
24.º Mais relevante ainda, o facto tributário que está na origem da liquidação do IVM é a afectação para uso próprio de veículo motorizado novo, efectuada pela Recorrente enquanto agente económico interveniente no circuito da comercialização de veículos motorizados, prevista e tipificada na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
25.º Não poderia, pois, a Administração Fiscal efectuar agora uma liquidação oficiosa que se pretende adicional com base noutro facto (supostamente) tributário (cujos pressupostos nem se encontram preenchidos, conforme se demonstrou supra!), qual seja, a transmissão para o consumidor prevista na alínea 1 do artigo 2.º do RIVM!
26.º Desse modo retirando, a posterior!, o benefício fiscal de que o contribuinte (i.e. a Recorrente) gozava no dia 22 de Março de 2015, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do IVM conjugado com a tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes prevista no Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
27.º Corno é evidente, o princípio “tempus regit actum” impede que a Direcção dos Serviços de Finanças efectue uma liquidação pretensamente adicional (por supostos erros ou omissões) que, na verdade, mais não traduz do que a exclusão de um benefício fiscal em virtude de uma nova tabela de valores-limite das emissões de gases poluentes aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015,
29.º Por outro lado, é também claro e inegável que não há quaisquer erros ou omissões se, no momento inicial da liquidação, a Recorrente gozava de um benefício fiscal que deixaria de usufruir de acordo com regras em vigor em momento posterior,
30.2 Pelo que o artigo 18.º do RIVM foi também por esta razão incorrectamente aplicado ao caso pela Direcção dos Serviços de Finanças, já que um dos respectivos pressupostos é a existência de erros ou omissões na liquidação inicialmente efectuada.
31.2 E não a realização de uma nova liquidação, com base num novo facto (alegadamente) tributário que só ocorreu depois da liquidação do IVM ao abrigo da norma prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
32.2 Acresce que são ainda contabilizados pela Autoridade Tributária juros compensatórios no total de MOP$5,209.00 (cinco mil duzentas e nove patacas).
33.º Ainda que fosse de entender que a Administração Fiscal pode, arbitrariamente, alterar o facto tributário relevante, o que só por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá que a lei já não permitiria liquidar juros compensatórios neste tipo de situações.
34.º Com efeito, diz o artigo 20.º, n.º 1, do RIVM que “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação do imposto devido a este acrescem juros compensatórios à taxa de juro legal.”.
35.2 No presente caso, a Recorrente efectuou a liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM, liquidação essa que foi aceite e não sofreu qualquer tipo de oposição por parte da Autoridade Tributária, pelo que o imposto foi devidamente cobrado.
36.2 Sucede que apenas posteriormente, por alteração dos pressupostos de facto, de única e exclusiva responsabilidade da Administração Fiscal, veio a ser efectuada uma liquidação oficiosa (alegadamente) adicional nos termos descritos acima.
37.2 Não se compreendendo em que termos é que tal facto é imputável ao sujeito passivo, pois no que concerne à Recorrente e até ao momento em que foi notificada para a liquidação oficiosa ora impugnada, esta sempre julgou, de boa fé, que o IVM já havia sido devidamente liquidado nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
38.º Sendo assim evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 20.º do RIVM.
39.º Em suma, a liquidação oficiosa “adicional” padece de erros nos pressupostos de facto e de lei que conduzem à sua anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, designadamente porque a coberto de uma pretensa liquidação adicional oficiosa, a Administração Fiscal vem, efectivamente, realizar uma nova liquidação com base num suposto facto tributário que só teria ocorrido já depois da devida liquidação do IVM nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.”
Confrontando o alegado pela recorrente com a factualidade que a mesma ofereceu aos autos e o respectivo enquadramento legal:
1. O Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados, doravante RIVM, aprovado pela lei n.º 5/2002 consagrou uma regra de incidência real, no artigo 2.º que dispõe que o imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
2) As importações de veículos motorizados novos para uso próprio do importador;
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores.
2. E a norma de incidência pessoal prevista no artigo 3.º determina que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que:
1) Transmitam veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado;
2) Procedam à importação de veículos motorizados novos para uso próprio;
3) Procedam às afectações para uso próprio referidas na alínea 3) do artigo 2.º;
3. Finalmente no que concerne ao momento da exigibilidade do imposto o artigo 4.º dispõe que o imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
2) Na data da notificação, pela Direcção dos Serviços de Economia, da emissão da licença de importação, nos casos de importação para uso próprio;
3) No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
4. Ora pese embora o pagamento da liquidação do IVM, com base no alegado “uso próprio” do veículo, certo é que o mesmo não foi demonstrado documentalmente.
5. Pelo contrário, se tivesse havido uma intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente, seria exigível não só o pedido de “chapa de Experiência” na DSAT, que a recorrente admite ter requerido e cancelado de seguida, como teria que requerer o “registo do veículo – 1.º pedido” na mesma DSAT, pagando o imposto de circulação, e promovendo o registo da transmissão de propriedade de automóveis é obrigatório e deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão.
6. Ora não tendo logrado nem em sede de reclamação, nem em sede do presente recurso hierárquico juntar a documentação comprovativa dos actos necessários a prova dos actos supra mencionados, a qual lhe competia demonstrar, considera a administração fiscal que não ficou demonstrado o alegado.
7. Em conformidade com o que antecede, que é reforçado com os indícios de que o uso foi, no limite, meramente circunstancial, do lote de 25 veículos, no qual se incluí o que respeita ao acto ora recorrido, porquanto foi imediatamente cancelada a chapa de experiência.
8. O que teve como consequência que aquando da aquisição pelo efectivo consumidor final, o mesmo efectuou o pedido e obteve a matrícula do mês e ano do momento da aquisição e efectuou o registo do veículo com a data correspondente a Novembro de 2015, sendo que, como decorrência o veículo não tem, como devia, junto ao processo qualquer sinal registral ou administrativo de ter tido o alegado uso por parte do importador, ora recorrente.
9. Tendo sido, como reconhece e é publico, publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, em 8/4/2015, que Alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012 (que por sua vez Aprovou as «Normas Ecológicas de Emissão de Gases Poluentes por Automóveis Ligeiros Novos»), o mesmo entrou em vigor no dia 9 de Abril.
10. Por último, e em conformidade com o que antecede foi efectuada a liquidação oficiosa (adicional) ao abrigo do disposto no artigo 18.º do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$60, 000. 00 (sessenta mil patacas), acrescido de MOP$5,209.00 a título de juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 20.º do mesmo diploma. Isto em decorrências das normas ecológicas em vigor a 12 de Novembro de 2015 – porquanto, nos termos do disposto nos artigos 2.º 1) e 4.º 1) após ter chegado ao conhecimento da Administração Fiscal a noticia da venda do veículo ao consumidor final – B – sem que a recorrente tivesse promovido o registo e matricula do veículo em stock.
Conclusões
1. O imposto sobre veículos motorizados incide sobre as importações ou afectações para uso próprio de veículos motorizados novos ou sobre as transmissões para os consumidores de veículos motorizados novos efectuadas na RAEM, sendo sujeitos passivos as pessoas que exerçam a actividade de venda de veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado, e os que procedem à importação ou afectação de uso próprio de veículos motorizados novos.
2. A Recorrente alega que, no dia 22 de Março de 2015, liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na alínea 3) do artigo 2.º do RIVM.
3. A Recorrente beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), das taxas do IVM, uma vez que o automóvel novo em causa cumpria, na data da “autoliquidação” prevista no artigo 17.º do RIVM, com as normas ecológicas de emissão de gases poluentes definidas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
4. Na sequência do pagamento do IVM alega que o veículo em causa foi utilizado no âmbito da 9.ª edição dos “Asian Film Awards”, após o que foi cancelada a respectiva matrícula provisória, tendo a Recorrente armazenado o referido veículo, já usado.
5. Ao ter cancelado a matrícula provisória não cumpriu os requisitos legais decorrentes da alegada “importação de veículos novos para uso próprio do importador”, a saber o registo do veículo para obtenção de matrícula e subsequente registo em favor da recorrente no prazo de 30 dias nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 49/93/M.
6. Pelo que não pode ser considerado, por não ter sido feita prova bastante no processo, o alegado, até porque pelo cancelamento do pedido de matrícula/Chapa de experiência (?) e omissão de registo, o veículo em termos legais ficou como novo tendo tido primeira matrícula em data posterior, na sequência da venda, em 12 de Novembro de 2015, a B que obteve a primeira matrícula e, posteriormente, obteve o primeiro registo da propriedade do veículo na conservatória do registo comercial e de bens móveis da RAEM.
7. Tendo entretanto, no dia 8 de Abril de 2015, sido publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012, o qual entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2015, tendo sido promovida pela Administração fiscal a liquidação oficiosa, adicional, efectuada em conformidade com a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 18.º do RIVM, por ser devido pela contribuinte, ora recorrente, o valor em falta no montante de MOP$60,000.00 (sessenta mil patacas), acrescido de MOP$5,209.00 a título de juros compensatórios, nos termos do disposto no artigo 20.º do mesmo diploma.
De tudo o quanto se explanou, não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa, uma vez que, estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 16.º, 17.º, 18.º e 20.º do RIVM, que motivam a revisão oficiosa do acto tributário e determinam a correcção da matéria colectável, tendo a Sociedade sido notificada correctamente e nos termos do artigo 2.º, do DL n.º 16/84/M.
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V. Ex.ª que seja negado o provimento ao mesmo.”
Pelas razões expostas, o senhor Secretário para a Economia e Finanças, no uso das competências delegadas pelo senhor Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 110/2014, exarou o despacho de concordância com a proposta e negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto.
Mais se comunica a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e no artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
3. Direito
No acórdão ora recorrido considera o Tribunal de Segunda Instância que, em face do disposto nos art.ºs 2.º e 4.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados, não é tida como integrante em qualquer das situações previstas nas várias alíneas desse art.º 2.º a afectação pelo importação, a título temporário e não translativo da propriedade, de veículos novos como forma do patrocínio em espécie no determinado evento, com vista à promoção da imagem da marca dos veículos que comercializa e/ou do seu fabricante, nem o momento da tal afectação considerado o da exigibilidade do imposto a que se refere o citado art.º 4.º, pelo que julgou legal a liquidação oficiosa adicional de imposto em causa efectuada pela Administração, negando provimento ao recurso contencioso.
Por sua vez, alega a recorrente que não preenche o conceito de liquidação oficiosa adicional a realização de uma nova liquidação com base noutro facto tributário com total desconsideração do facto tributário objecto da liquidação inicial, sob pena de violação dos art.ºs 2.º, 3.º, 4.º, 17.º e 18.º do RIVM, já que uma liquidação adicional só pode ser feita por conta de erros ou omissões na liquidação inicial e tendo por base, obviamente, o mesmo facto tributário.
Impugna também o acórdão na parte que mantém a decisão administrativa que determinou a cobrança de juros compensatórios nos termos do art.º 20.º do RIVM.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
Encontram-se no Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados as seguintes disposições:
Artigo 2.º
Incidência real
O imposto sobre veículos motorizados incide sobre:
1) As transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos efectuadas na Região Administrativa Especial de Macau;
2) As importações de veículos motorizados novos para uso próprio do importador;
3) As afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos, nomeadamente vendedores, importadores e exportadores.
Artigo 3.º
Incidência pessoal
São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que:
1) Transmitam veículos motorizados novos para o consumidor, quer a transmissão seja efectuada no âmbito da sua actividade comercial, quer seja um acto isolado;
2) Procedam à importação de veículos motorizados novos para uso próprio;
3) Procedam às afectações para uso próprio referidas na alínea 3) do artigo 2.º;
4) Façam figurar indevidamente em factura, recibo ou outro documento a liquidação do imposto sobre veículos motorizados;
5) Sendo beneficiárias de isenção do imposto, afectem o veículo a finalidade diferente daquela que determinou a isenção ou transmitam, a qualquer título, o veículo a terceiro que lhe altere a finalidade;
6) Sendo beneficiárias de isenção do imposto, não cumpram o disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 7.º ou no n.º 1 do artigo 11.º
Artigo 4.º
Momento da exigibilidade do imposto
O imposto é exigível:
1) No momento da transmissão do veículo para o consumidor;
2) Na data da notificação, pela Direcção dos Serviços de Economia, da emissão da licença de importação, nos casos de importação para uso próprio;
3) No momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização;
4) No momento da afectação do veículo a finalidade diferente da que determinou a isenção ou da sua transmissão a terceiro que a altere;
5) Na data da emissão da factura, recibo ou outro documento de onde conste a liquidação indevida de imposto sobre os veículos motorizados.
Artigo 18.º
Liquidação oficiosa
1. O director dos Serviços de Finanças promove oficiosamente a liquidação sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau.
2. Efectuada a liquidação oficiosa, é o sujeito passivo notificado através de impresso modelo M/6, enviado sob registo postal, para que proceda ao pagamento do imposto em falta e do acrescido a que haja lugar, no prazo de 15 dias.
3. Quando a liquidação oficiosa por omissões ou erros determinar uma liquidação adicional, é o consumidor solidariamente responsável com o sujeito passivo pela diferença do imposto devida.
Ora, no que respeita à matéria que nos interessa no presente caso, o imposto sobre veículos motorizados incide sobre as transmissões para o consumidor de veículos motorizados novos ou sobre as afectações para uso próprio de veículos motorizados novos, efectuadas pelos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização dos mesmos (al.s 1 e 3 do art.º 2.º), sendo respectivamente exigível no momento da transmissão do veículo para o consumidor ou no momento da afectação para uso próprio efectuada pelo agente económico interveniente no circuito de comercialização (al.s 1 e 3 do art.º 4.º).
Resulta dos autos que no dia 22 de Março de 2015, a ora recorrente liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (“IVM”) ao abrigo da norma de incidência prevista na al. 3) do art.º 2.º do RIVM, porquanto no dia 25 de Março de 2015 teria lugar a 9ª edição dos “Asian Film Awards”, sendo que a recorrente, enquanto concessionária da BMW, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos (incluindo o reportado nos presentes autos) para receber os convidados, tendo também em vista, naturalmente, a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados, e efectuou o pagamento do imposto, tendo beneficiado de uma redução, no limite máximo legal de MOP$60,000.00 das taxas do IVM, nos termos do Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
Após o evento ocorrido no dia 25 de Março de 2015, a recorrente requereu o cancelamento da matrícula provisória do veículo, tendo a recorrente armazenado o veículo, até este ser vendido em 12 de Novembro de 2015 a um terceiro.
Na sequência dessa venda, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar a liquidação adicional oficiosa posta em crise, confirmada pelo acto administrativo contenciosamente impugnado, uma vez que, com a publicação e a entrada em vigou do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015 em 9 de Abril de 2015, foram alteradas as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012.
Discute-se a legalidade dessa liquidação adicional oficiosa.
Nos termos do n.º 1 do art.º 18.º do RIVM, há lugar à liquidação oficiosa “sempre que verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau”.
No caso vertente, a recorrente liquidou e pagou o IVM ao abrigo da al. 3 do art.º 2.º do RIVM.
Daí que a liquidação adicional oficiosa posta em causa foi efectuada pelo Director dos Serviços de Finanças por considerar haver omissões ou erros na liquidação inicial do imposto.
Salienta-se que a liquidação inicial foi feita nos termos da al. 3 do art.º 2.º, motivada pela afectação para uso próprio do veículo, enquanto a liquidação adicional foi promovida na sequência da venda do veículo a terceiro.
Daí que, no entender da entidade recorrida, a transmissão do veículo em causa está sujeita a imposto, tendo em conta o disposto na al. 1 do art.º 2.º.
Não partilhamos a mesma opinião.
Tal como foi dito, o imposto sobre veículos motorizados incide sobre as transmissões para o consumidor ou as afectações para uso próprio de veículos motorizados “novos”.
Com a utilização do veículo para receber os convidados no evento da 9ª edição dos “Asian Film Awards”, o veículo deixa de ser novo.
Constata-se no Parecer n.º 2/II/2002, emitido pela 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa sobre a Proposta de Lei intitulada «Aprova o regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados» que no art.º 2.º do RIVM “Ficam … previstas as diversas situações de introdução na circulação de veículos motorizados novos. Consequentemente, os actos transmissivos de veículos que não sejam novos não estão sujeitos a tributação, entendendo-se como ‘novos’ os veículos que não tiveram uso anterior”.
Ora, não obstante o curto tempo durante o qual foi utilizado o veículo, certo é que este já teve “uso anterior”, pelo que não deve ser considerado como novo.
Evidentemente o imposto de veículos motorizados não pode incidir sucessivamente sobre dois factos tributários, ou sobre a transmissão para o consumidor, ou sobre a afectação para uso próprio.
É de reparar que a recorrente, enquanto sujeito passivo referido na al. 3 do art.º 3, liquidou (e pagou) o imposto devido conforme a disposição legal contida nas normas do al. 3 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 17.º do RIVM.
Na altura de liquidação não ocorreu a transmissão do veículo, mas sim a sua afectação para uso próprio, não tendo indicado a Administração nenhuma omissão ou erro na respectiva liquidação. E o pagamento do imposto foi imposto pelo n.º 2 do art.º 21.º do RIVM, pois “Nenhum veículo motorizado pode circular ou ser matriculado provisória ou definitivamente na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego sem que para o efeito o interessado apresente junto desta entidade o comprovativo de que o imposto sobre veículos motorizados se encontra pago ou que beneficia de isenção.”
Daí que, com a liquidação (e o pagamento) do imposto efectuada pela recorrente, é de afastar a liquidação do imposto por outro facto tributário, ou seja, por venda posterior a terceiro.
Por outro lado, não parece existir omissões ou erros na primeira liquidação do imposto, pressuposto necessário da liquidação adicional oficiosa prevista no art.º 18.º.
Resulta da própria designação do conceito que, sendo adicional a liquidação, esta adiciona-se à liquidação anterior viciada, destinando-se a fazer ajustamento necessário para ficar em conformidade com a lei.
Nas palavras de Alberto Pinheiro Xavier1, já citadas no douto parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, o acto tributário adicional “é o acto pelo qual a Administração, verificado que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.”
Na realidade, a Administração não indicou concretamente se a primeira liquidação foi efectuada por um montante inferior ao legal, havendo diferença entre o montante já liquidado e o devido, tendo em consideração a afectação do veículo para uso próprio.
Repete-se que não pode haver tributação por factos diferentes.
Tal como refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, “a Administração fiscal não constatou qualquer omissão ou erro no primeiro acto de liquidação. Entendeu, diferentemente, que o facto subjacente à liquidação efectuada pela Recorrente não se verificou. Ora, se o facto tributário se não verificou, a consequência a extrair pela Administração fiscal só poderia ser a da anulação da referida liquidação com a consequente efectivação de uma nova liquidação tendo por base um outro facto tributário, no caso, a transmissão do veículo novo ao consumidor final. Por isso, é contraditório nos próprios termos falar-se, nesta situação, de uma liquidação adicional”.
Se a Administração considerar, tal como realmente considerou, que o imposto não deve incidir sobre o facto declarado pela própria recorrente, deve comprovar que o veículo não foi afectado para uso próprio, cumprindo assim o ónus de prova que lhe cabe, como é consabido e é de entendimento pacífico, o que não foi feito, já que não se constata nem no processo administrativo instrutor nem em sede do recurso contencioso que a Administração fez prova do facto diverso do uso próprio declarado pela recorrente, negando a utilização anterior do veículo.
E se a Administração fiscal não revogou o acto tributário anterior, mas sim manteve-o, efectuando uma liquidação adicional, então já não se pode, salvo o muito respeito por opinião diferente, fazer valer um facto tributário ocorrido depois e aplicar uma norma legal que foi aprovada e entrou em vigou após a liquidação primitiva para exigir o pagamento da quantia de redução das taxas do IVM que a recorrente tinha beneficiado nos termos do quadro legal vigente na altura de primeira liquidação, sob pena de ilegalidade na aplicação do Despacho do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, que não tem efeito retroactivo.
A administração fiscal fundamentou a sua liquidação adicional oficiosa na não demonstração documental do uso próprio do veículo declarado pela recorrente e na falta de intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente.
Ora, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 17.º do RIVM, a liquidação do imposto compete ao respectivo sujeito passivo e efectua-se mediante a entrega da declaração modelo M/4.
Não resulta da disposição legal que na liquidação é exigida a apresentação da prova documental do facto tributário declarado nem na declaração modelo M/4 se constata tal necessidade.
E na realidade, a liquidação efectuada pela recorrente bem como o pagamento do imposto pela afectação ao uso próprio do veículo foram aceites pela Administração.
Por outro lado, também não resulta da lei a ideia de afectação permanente do veículo a uso próprio, bem podendo acontecer que, depois da afectação ao uso próprio, o veículo é vendido a terceiro.
O que se interessa mais é que tal afectação seja efectiva, com utilização do veículo.
É verdade que a recorrente requereu o cancelamento da matrícula provisória do veículo e não registou a sua aquisição na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis. O que não implica, no entanto a nosso ver, necessariamente a falta de intenção de afectar o veículo ao uso próprio.
De facto, a recorrente afectou o veículo ao uso próprio.
E não se coloca no presente caso a questão de evasão fiscal nem de fraude fiscal, abordada no acórdão recorrido, uma vez que a liquidação adicional oficiosa não se deveu à existência de diferença entre os impostos devidos pela transmissão de veículo e pela afectação do veículo ao uso próprio (no sentido de ser mais elevado o imposto a pagar pela transmissão do veículo para o consumidor), mas sim se deveu à entrada em vigor no dia 9 de Abril de 2015 (data entre a liquidação efectuada pela recorrente e a venda do veículo) do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015 que alterou as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012, ao abrigo do qual a recorrente beneficiou de uma redução de MOP$60,000.00 das taxas do IVM, e não se constata nos autos que a recorrente tinha já conhecimento, na altura de liquidação do imposto, do sentido e da data da alteração do quadro legal e que, ao declarar a afectação do veículo para o uso próprio, tenha intenção de evasão fiscal nem de fraude fiscal.
Resumindo, uma vez não verificado o pressuposto da aplicação do art.º 18.º do RIVM, não se deve efectuar a liquidação adicional oficiosa, como sucedeu no presente caso.
E fica prejudicado o conhecimento da questão também suscitada pela recorrente relativa à fixação de juros compensatórios.
É de julgar procedente o presente recurso jurisdicional.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido.
Sem custas, nas duas instâncias.
Macau, 21 de Maio de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, p. 128 e 129.
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38
Processo n.º 173/2020