ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 2 de Março de 2020, que indeferiu o recurso hierárquico necessário por si apresentado, mantendo a liquidação oficiosa adicional de imposto sobre veículos motorizados promovida pelo Director dos Serviços de Finanças.
Por Acórdão proferido em 10 de Dezembro de 2020, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Última Instância, que julgou procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido.
Vem agora a entidade recorrida apresentar reclamação, com a qual pretende que seja reformado o acórdão reclamado, em conformidade com a nulidade, por omissão de pronúncia obrigatória, de que o mesmo enferma, considerando-se após o devido apuramento do valor da causa inadmissível o recurso jurisdicional, que não deve ser conhecido, em face do valor da causa inferior à alçada do Tribunal de Segunda Instância.
Respondeu A, entendendo que não se verifica a nulidade imputada, pelo que se deve considerar totalmente improcedente a sua arguição.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de indeferir a reclamação.
2. Fundamentação
Na óptica do reclamante, o acórdão reclamado enferma da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, uma vez que não efectuou o apuramento do valor da causa, que seria mister porque serve de critério para aferir da admissibilidade ou não do recurso jurisdicional decorrente da alçada do Tribunal de Segunda Instância.
Alega que, tendo em conta a quantia que está em causa na liquidação oficiosa adicional, in casu o valor da causa é manifestamente inferior a 1.000.000 patacas, alçada fixada no n.º 3 do art.º 18.º da Lei de Bases de Organização Judiciária para o Tribunal de Segunda Instância, pelo que não se afigura admissível o recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Evidentemente não lhe assiste razão.
Desde logo, a questão do valor da causa nunca tinha sido colocada (nem pelo próprio reclamante) ao longo dos presentes autos nem era objecto do recurso jurisdicional em sede do qual foi proferido o acórdão reclamado, daí que este Tribunal de Última Instância não tinha obrigação de se pronunciar, a não ser que por aquele valor se determine a não admissão do recurso, sendo que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 247.º do CPC, ao valor da causa se atende para determinar a relação da causa com a alçada do tribunal.
Ora, não obstante a norma contida no n.º 3 do art.º 18.º da Lei de Bases de Organização Judiciária, que prevê as alçadas dos tribunais de primeira instância e do Tribunal de Segunda Instância em matéria de contencioso fiscal e aduaneiro, “quando o valor da causa seja susceptível de determinação”, o art.º 42.º do Código de Processo Administrativo Contencioso não exige a indicação do valor da causa como um dos requisitos da petição do recurso contencioso,
Mesmo com a aplicação do n.º 1 do art.º 389.º do Código de Processo Civil, por força do art.º 1.º do CPAC, segundo o qual na petição inicial com que propõe a acção, deve o autor “declarar o valor da causa”, certo é que a sua omissão não implica o indeferimento liminar da petição, mas sim o despacho de aperfeiçoamento, e só a não indicação do valor da causa após o convite para aperfeiçoar determina a extinção da instância (art.ºs 394.º, 397.º n.º 1 e 256.º n.º 3 do CPC).
Por outro lado, e tal como entende o Digno Magistrado do Ministério Público, no caso vertente a exigência da indicação do valor da causa deve considerar-se satisfeita porque resulta, com segurança, da petição inicial apresentada qual o valor da causa que a recorrente pretende atribuir ao recurso contencioso, valor este que o ora reclamante também toma conhecimento, conforme as suas alegações contidas na reclamação.
Na realidade, constata-se na petição inicial que, com a interposição do recurso contencioso, impugna a recorrente o acto administrativo que decidiu manter liquidação oficiosa adicional de imposto sobre veículos motorizados em falta, acrescido de juros compensatórios, promovida pelo Director dos Serviços de Finanças.
É de considerar a quantia concretamente indicada na petição inicial como o valor da causa do presente caso, que representa a utilidade económica imediata do pedido (art.ºs 247.º n.º 1 e 248.º n.º 1 do CPC).
A imputação do reclamante tem na sua base a inferioridade manifesta do valor da causa em relação à alçada do Tribunal de Segunda Instância, mas com um equívoco muito grave!
É verdade que, nos termos dos art.ºs 638.º n.º 1 e 583.º n.º 1, ambos do CPC e do art.º 18.º n.º 3 da Lei de Bases de Organização Judiciária, é admissível o recurso ordinário para o Tribunal de Última Instância nas causas de valor superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância, que é de 1.000.000 patacas.
No entanto, com a alteração introduzida pela Lei n.º 4/2019, que entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação em 4 de Março de 2019, o referido art.º 18.º passou a ter um n.º 4 novo (o anterior n.º 4 passou a ser n.º 5), segundo o qual “Nas situações em que o Tribunal de Segunda Instancia conheça da causa em primeira instância, a alçada deste tribunal é a dos tribunais de primeira instância”, que é de 15.000 patacas, como se sabe.
Ora, o objecto do acórdão reclamado é precisamente um acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que conheceu o recurso contencioso em primeira instância, daí que a alçada deste tribunal passou a ser 15.000 patacas.
Assim sendo, o valor da causa é evidentemente superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância, nada obstando à admissibilidade do recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância.
Concluindo, não se verificando o vício imputado pelo reclamante, é de indeferir a reclamação por si apresentada.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Sem custas, pela isenção subjectiva do reclamante.
Macau, 23 de Junho de 2021
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Processo n.º 45/2021