Processo nº 1043/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 17 de Junho de 2021
ASSUNTO:
- Danos não patrimoniais
SUMÁRIO:
- Na indemnização por danos não patrimoniais deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, sendo o valor fixado segundo critérios de equidade de modo a proporcionar ao lesado meios económicos que de algum modo o compensem da lesão sofrida;
- Uma vez que o crédito só se torna líquido aquando da decisão que definitivamente o fixa, os juros de mora são devidos nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 01.03.2011.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 1043/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Junho de 2021
Recorrente: A
Recorrido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
B, também, com os demais sinais dos autos,
Pedindo que seja condenado o Réu a pagar ao Autor os montantes seguintes, a título de indemnização:
1. Danos patrimoniais, no valor de quarenta e quatro mil, seiscentas e setenta e cinco patacas (MOP44.675,00);
2. Danos não patrimoniais, no valor de duzentas mil patacas (MOP200.000,00).
Proferida sentença, a acção foi julgada procedente e o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia MOP48.768,00, nos quais se inclui o valor de MOP5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Não se conformando com a decisão proferida no que concerne ao valor dos danos não patrimoniais, vem o Autor interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
I. O objecto recorrido é a sentença proferida pelo tribunal a quo no presente processo que foi condenado o recorrido a pagar ao recorrente uma quantia de MOP$48.768 a título de indemnização por danos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da sentença.
II. O recorrente não concorda com o valor da indemnização por dano não patrimonial fixado na sentença acima referida e a data do início da contagem de juros legais.
III. Nestes termos, o presente recurso é interposto contra: i. Quanto à indemnização por dano não patrimonial, o valor da indemnização por dano moral é fixado em MOP$5.000 (cinco mil patacas); e, ii. Os juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da sentença.
IV. O recorrente entende que a sentença recorrida padece do erro de direito na aplicação dos critérios para a fixação da indemnização por dano não patrimonial prevista no art.º 489.º do Código Civil.
V. Quanto à indemnização por dano não patrimonial sofrido pelo recorrente, o tribunal a quo entende que a fixação da indemnização por dano moral em MOP$5.000 é adequada, mas, o recorrente entende que esta não é a aplicação correcta do artigo 489.º do Código Civil, e não foram levados em consideração os factos provados e as circunstâncias concretas do caso.
VI. No art.º 489.º, n.º 1 do Código Civil dispõe-se “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
VII. A indemnização por dano não patrimonial não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores sofridas e, também sancionar a conduta do lesante.
VIII. Nesse sentido e segundo as práticas judiciais dos tribunais de Macau, a indemnização por dano não patrimonial “tem de ser significativa, não meramente simbólica ou miserabilista”. (vide os acórdãos do TSI de Macau n.ºs 238/2016 e 326/2016, respectivamente, de 14 de Abril de 2016 e de 12 de Maio de 2016)
IX. Essencialmente, a indemnização por dano não patrimonial é uma compensação das lesões sofridas pelo lesado, cujo valor deve ser compatível com a gravidade das lesões sofridas pelo lesado. Como tem vindo a referir o Tribunal de Segunda Instância de Macau nos vários acórdãos, “Visa-se, no fundo, proporcionar ao lesado uma satisfação que, em certa medida, possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcional à gravidade do dano e ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”. (vide os acórdãos do TSI de Macau n.ºs 326/2016, 384/2016 e 759/2016, respectivamente, de 12/05/2016, 03/11/2016 e 03/11/2016)
X. No art.º 489.º, n.º 3 do Código Civil dispõe-se “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º”.
XI. O significado da equidade é a “justiça”, aplicando-se o disposto no art.º 487.º do Código Civil a cada caso concreto.
XII. In casu, fixou-se o valor da indemnização por dano moral a ser pago ao recorrente em MOP$5.000, o que não foi correctamente aplicado o art.º 489.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que o valor fixado pelo tribunal a quo é obviamente muito baixo e viola a equidade prevista neste artigo.
XIII. No caso vertente, o recorrido agrediu o recorrente, razão pela qual foi ofendida a integridade física do recorrente em vários lugares e, o recorrente sentia muitas dores no momento do ferimento. Pela conduta do recorrido, o recorrente sofreu as lesões físicas e morais.
XIV. Na presente causa, deu-se como provado que o recorrido tinha agredido o recorrente, causando-lhe a contusão nos tecidos moles da testa (lado esquerdo da testa, de 3 cm x 3 cm, vermelhidão e inchaço, e dor à pressão, com laceração associada com diátese hemorrágica, devendo ser suturado na região lesada), a contusão da parede torácica no lado esquerdo (com vermelhidão ligeira, dor à pressão no local, laceração de 0,8cm x 2cm), e a fractura na 8.ª costela esquerda, necessitando de 64 dias para recuperação.
XV. Mais, deu-se como provado que, desde 18/08/2015 até 20/10/2015, o recorrente ainda não se encontrava recuperado, não conseguiu retomar ao seu trabalho; a dor que o recorrente sentiu no lado inferior do peito foi intensa, especialmente na zona da 8ª costela esquerda, tendo durado com essa intensidade durante um mês após a ocorrência do evento; devido à dor, para a suportar, o recorrente teve de tomar analgésicos, 3 vezes por dia; durante o período acima referido, o recorrente necessitou de receber cuidado prestado pela sua família; no primeiro mês após o regresso ao trabalho, o recorrente sentia sempre uma dor anormal no peito esquerdo quando transportava as bagagens dos turistas no exercício das suas funções; e, até à presente data, nas mudanças de estação, o recorrente sente sempre dor no peito esquerdo.
XVI. Na sentença a quo, deu-se como provado que, nos autos n.º CR5-17-0247-PCS, o recorrido foi condenado, por ter praticado os ilícitos penais por sua iniciativa e de forma activa durante a sua prática, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos. Sem dúvida que se verifica o dolo na conduta do recorrido.
XVII. Pelo exposto, de acordo com os factos provados e salvo o devido respeito, é obviamente que o valor de MOP$5.000 (cinco mil patacas) fixado pelo tribunal a quo, a título de indemnização por dano moral a pagar ao recorrente, é totalmente incompatível com o grau da culpa do recorrido e a gravidade dos danos sofridos pelo recorrente, sendo esse valor excessivamente baixo, o que também não pode reflectir a função punitiva.
XVIII. Por um lado, o recorrente sofreu lesões corporais e sentia muitas dores no momento do ferimento, bem como as dores e os danos morais após o ferimento são graves, pelo que tem direito a receber uma indeminização correspondente.
XIX. Entretanto, como refere o Tribunal de Segunda Instância em 9 de Maio de 2019 no acórdão n.º 241/2019, “devemos levar em consideração as mudanças sociais e económicas de Macau ao longo dos anos e, o aumento contínuo do valor material, pelo que o “valor de conforto” relativo aos danos de saúde física e moral das pessoas também deve ser relativamente reflectido.”
XX. Sem dúvida que é indevido o montante de MOP$5.000 a título de indemnização por dano moral, tanto em comparação com a gravidade dos danos sofridos pelo Autor, como em comparação com o enquadramento económico e social de Macau.
XXI. Por outro lado, entende Menezes Cordeiro que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
XXII. O valor da indemnização por dano moral de MOP$5.000 não pode reflectir a função punitiva.
XXIII. O recorrido (sic.) considera que, salvo o devido respeito, a decisão recorrida fez errada aplicação e interpretação do disposto no art.º 489.º, n.º 3 do Código Civil, e violou a equidade que deve ser cumprida na fixação do valor da indemnização por dano não patrimonial prevista neste artigo.
XXIV. Quanto à ponderação dos critérios para a fixação do montante da indemnização por dano não patrimonial prevista no art.º 489.º do Código Civil, a sentença recorrida padece de vício de errada interpretação e aplicação de direito.
XXV. Paralelamente, O tribunal a quo entende que o montante de indemnização por danos a ser pago pelo recorrido ao recorrente, deve ser acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da sentença. Mas, salvo o devido respeito, o recorrente considera que isto viola a uniformização de jurisprudência proferida no acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 69/2010 publicado em 21 de Março de 2011 no Boletim Oficial da RAEM.
XXVI. No acórdão acima referido, o Tribunal de Última Instância uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos não patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data de decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.°, n.º 5, 764.°, n.º 4 e 795.°, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, seja a sentença de 1.ª instância ou tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.
XXVII. In casu, o tribunal a quo determina que os juros de mora à taxa legal contam-se desde a data do trânsito em julgado da sentença, o que, sem dúvida, é contrário ao entendimento na uniformização de jurisprudência que exige que os juros legais se contem a partir da data da prolação da sentença.
XXVIII. Quanto ao recorrente como o lesado, a confirmação dos danos por si sofridos deve ser feita o mais rápido possível, assim se fazendo a justiça. Mas, o tribunal a quo adiou o tempo até que a sentença transitou em julgado, o que equivale a requerer ao recorrente como lesado a suportar sacrifício adicional.
XXIX. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar a sentença na parte recorrida e fixar novamente a indemnização por dano não patrimonial a que o recorrente tem direito em valor não inferior a MOP$200.000,00 (duzentas mil patacas), bem como julgar todas as indemnizações fixadas pelo tribunal, incluindo as indemnizações por dano patrimonial e por dano não patrimonial, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença.
Nestes termos e sempre com o mui Douto suprimento de V. Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, o Tribunal de Segunda Instância deve fixar novamente a indemnização por dano não patrimonial a que o recorrente tem direito em valor não inferior a MOP$200.000,00 (duzentas mil patacas) segundo a equidade, bem como deve julgar todas as indemnizações fixadas pelo tribunal, incluindo as indemnizações por dano patrimonial e por dano não patrimonial, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença, conforme a uniformização de jurisprudência.
Pelo Réu e Recorrido não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da decisão recorrida consta a seguinte factualidade:
Dos factos assentes:
a) No dia 18/08/2015, cerca das 8:15 da manhã, na paragem do autocarro do Terminal Marítimo de Pac-On, da Taipa, o Réu e o Autor entraram em discussão. (alínea A) dos factos assentes)
b) Durante esse período, as partes empurraram-se um ao outro, de repente, o Réu usou um telemóvel que estava na sua mão direita, agrediu o Autor, na cabeça causando este lesão e hemorragia na testa. E depois, o Réu ainda com o telemóvel supra referido agrediu, uma vez, o Autor, no tórax esquerdo. Perante aquela situação, o Autor respondeu, dando-lhe um soco na região do tórax e puxando o cartão de guia turístico que estava pendurado ao pescoço, o que causou dano no dito cartão e ferida no pescoço do Réu. Durante a agressão, os dois ficaram entrelaçados. (alínea B) dos factos assentes)
c) A supra conduta praticada pelo Réu causou, directamente, ao Autor o rompimento nos tecidos moles da testa (lado esquerdo da testa, de 3 cm x 3 cm, vermelhidão e inchaço, e dor à pressão, com laceração associada com diátese hemorrágica) e a contusão da parede torácica no lado esquerdo (com vermelhidão ligeira, dor à pressão no local, laceração de 0,8cm x 2cm), necessitando de 64 dias para recuperação. (alínea C) dos factos assentes)
d) O Autor na sequência do supra referido foi transportado para a urgência do Centro Hospitalar Conde S. Januário para tratamento, em 18/08/2015, tendo pago trezentas e trinta e nove patacas (MOP$339,00) de despesas médicas. (alínea D) dos factos assentes)
e) O dia 17/09/2015 o Autor voltou ao hospital para consulta e exame, com o que gastou duzentas e sete patacas (MOP$207,00). (alínea E) dos factos assentes)
Da base Instrutória:
f) Nesse mesmo dia (18/08/2015), o Autor conforme a indicação do médico, deslocou-se à Farmácia "Alpha" (sucursal do Mercado Vermelho), para aquisição dos respectivos medicamentos, para tratamento das lesões, onde gastou, nas despesas medicamentosas, MOP$256,00. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
g) Uma vez que durante o período id. em C), ou seja, desde 18/08/2015, até 20/10/2015, o Autor ainda não se encontrava recuperado, não conseguiu retomar ao seu trabalho. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
h) Na altura, o Autor trabalhava como condutor na companhia "C" (C有限公司) e ganhava em média MOP$20.460,00 mensais. (resposta ao quesito 3° da base instrutória)
i) O Autor não recebeu qualquer salário de 18/08/2015 a 20/10/2015. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
j) Para sustentar o pedido apresentado neste processo, o Autor requereu o relatório médico, junto do Centro Hospitalar Conde S. Januário e para esse efeito pagou MOP$225,00. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
k) Em 18/08/2015 o Autor foi suturado na região lesada da cabeça. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
l) O Autor pela acção do R. supra descrita sofreu fractura na 8ª costela esquerda, sofrendo dores. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)~
m) A dor que o A. sentiu no lado inferior do peito foi intensa, especialmente na zona da 8ª costela esquerda, tendo durado com essa intensidade durante um mês. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
n) Devido à dor, para a suportar, o Autor teve de tomar analgésicos, 3 vezes por dia. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
o) Durante o período referido em 8., o Autor necessitou de receber cuidado prestado pela sua família. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
p) O A. no exercício da sua profissão de condutor de autocarro ajuda os turistas a transportar bagagens. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
q) Por causa da dor no peito esquerdo, especialmente a fractura e dor à pressão na região da costela, o trabalho referido em 13º causou ao A. no primeiro mês de trabalho uma dor anormal no peito esquerdo. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
r) Nas mudanças de estação, o Autor sente-se incómodos no peito. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
b) Do Direito.
No que aos danos não patrimoniais concerne é o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Dano não patrimonial
O Autor requereu uma indemnização no valor de 200.000,00 a título de dano não patrimonial.
Quanto à indemnização por dano não patrimonial, A. Varela, autor português, entende que “a prestação pecuniária do lesante pode aliviar, reduzir ou compensar em certa medida os danos sofridos pelo lesado”. (vide “Das Obrigações em Geral”, 7.ª edição, Vol I, pág. 598)
Nos termos do disposto no art.º 489.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, em conjugação com o art.º 487.º do mesmo Código, na fixação do valor da indemnização por dano não patrimonial, o tribunal deve atender à gravidade do dano, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
In casu, o Autor sofreu o rompimento nos tecidos moles da testa esquerda por ter agredido na cabeça, a contusão na parede torácica esquerda e a fractura de uma costela. Durante um mês de tratamento, o Autor tinha de receber cuidado prestado pela sua família. O Autor ainda sentia dor no peito esquerdo no primeiro mês do regresso ao trabalho. Mas, excepto as dores sofridas pelo Autor no momento em que ocorreu o caso, não é possível provar que o Autor apresenta sequelas graves.
Nestes termos, e tendo em conta as circunstâncias do caso, este Tribunal entende que a fixação da indemnização moral em MOP$5.000,00 é adequada.».
Vejamos então.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 489º do C.Civ. «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.».
«Há a ofensa de bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral.» – cf. Galvão Teles Direito das Obrigações, pág. 296 -.
Segundo o nº 3 do mesmo preceito «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 487º.».
Não sendo no caso em apreço de aplicar o disposto no artº 487º cuja previsão se refere apenas aos casos de mera culpa ou actuação negligente1, no que à redução da indemnização concerne, remete contudo o nº 3 do artº 489º do C.Civ. para esta norma no que concerne aos critérios a atender na fixação da indemnização, «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».
«6. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.» – cf. Pires de Lima e Antunes Varela em Código Civil Anotado, 3ª Ed., Vol. I, pág 474 -.
Como resulta da abundante doutrina sobre esta matéria a reparação dos danos não materiais visa proporcionar ao lesado uma quantia em dinheiro que lhe permita auferir de outros benefícios que, na medida do possível, permitam compensar do dano sofrido.
«Não há aqui indemnização no sentido corrente de fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstractamente considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, como é o dinheiro em relação aos valores patrimoniais. Mas há indemnização no sentido de proporcionar ao lesado meios económicos que dalguma maneira o compensem da lesão sofrida. Trata-se, por assim dizer, de uma reparação indirecta. Na impossibilidade de reparar directamente os danos, pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente através de uma soma de dinheiro susceptível de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados.» – Galvão Teles, ob. cit., pág. 297 -.
No caso sub judice não há qualquer facto apurado quanto à situação económica seja do lesado seja do lesante, pelo que, é impossível o recurso a este critério, tendo de se recorrer ao valor do salário médio em Macau que corresponde segundo alguns estudos indicam a cerca de MOP20.000,00.
Quanto aos danos sofridos e que importa indemnizar a factualidade que releva é a que consta das alíneas a) a c) e l) a s).
Daqui resulta que o Autor durante 64 dias esteve incapaz para o trabalho, durante o primeiro mês de convalescença teve dores intensas, duramente o primeiro mês que voltou ao trabalho ainda tinha dores quando ajudava os passageiros com a bagagem e tem incómodos nas mudanças de tempo.
Lesões essas que no caso em apreço resultaram de uma actuação dolosa por parte do Réu.
Não estabelecendo o legislador qualquer critério valorimétrico para este tipo de indemnizações o recurso à equidade demanda por si que se tenham em consideração os valores fixados na jurisprudência para situações semelhantes, ponderando, em situações idênticas às dos autos, a lesão física em si, o tempo de recuperação, a privação da mobilidade e a dependência de terceiros, bem como, o sofrimento que dai resulta de acordo com as regras da experiência.
Tendo em atenção que a indemnização visa dar ao lesado uma satisfação acrescida para o compensar do sofrimento infligido, temos tido por critério que, sabendo-se os dias de recuperação e/ou sofrimento/dores, aquela deve ser atribuída em função dos dias de sofrimento tendo por base um valor diário ficcionado.
No apuramento do valor a atribuir, maior ou menor, haverá que ponderar se a recuperação foi feita em regime hospitalar ou ambulatório, se houve intervenções cirúrgicas, tratamentos usados, etc..
No caso “sub judice” houve que realizar uma sutura na cabeça e uma costela partida, que em conjunto exigiram 64 dias de convalescença, 30 dos quais (o primeiro mês) com dores e algumas dores ainda durante o primeiro mês de regresso ao trabalho.
Contudo, sendo indiscutíveis a existência de danos – sofrimento físico -que pela sua gravidade são indemnizáveis a situação está longe de se equiparar a outras de gravidade bem maior cuja indemnização se situou nas centenas de milhares de patacas2.
Assim sendo, considerando toda a factualidade e a circunstância dos danos terem resultado de uma actuação dolosa, a atribuição de uma indemnização igual a MOP50.000,00 patacas mostra-se adequada à situação3.
Razões pelas quais deve ser concedido provimento ao recurso quanto ao valor da indemnização a arbitrar revogando-se a decisão recorrida nesta parte, passando o montante indemnizatório total a ser de MOP93.768,00, resultante da soma dos danos patrimoniais de MOP43.768,00 e danos não patrimoniais de MOP50.000,00.
Mais invoca o Recorrente que a sentença recorrida não obedece a jurisprudência obrigatória ao fixar que os juros são devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença e não da data em que a sentença é proferida.
A Jurisprudência fixada pelo Acórdão do TUI de 02.03.2011 quanto a esta matéria consiste no seguinte: «A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.».
Ora, quanto ao mérito do recurso assiste razão ao Recorrente uma vez que a data fixada na sentença recorrida foi a do trânsito em julgado e não a data da sentença.
Contudo, no que concerne ao valor arbitrado a título de danos patrimoniais a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância transitou, versando o recurso apenas quanto à parte relativa a danos não patrimoniais, onde, ainda que parcialmente, obteve provimento.
Destarte, quanto aos valores da indemnização por danos patrimoniais – MOP43.768,00 - os juros são devidos desde a data da sentença proferida em 1ª instância e quanto ao valor dos danos não patrimoniais sendo nesta instância de recurso alterado o montante indemnizatório, devem os juros ser contados desde a data deste Acórdão, em obediência àquela mesma Jurisprudência.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos concedendo-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a decisão recorrida quanto ao valor da indemnização por danos não patrimoniais e ao momento a partir do qual são devidos os juros de mora e em consequência, condena-se o Réu B a pagar ao Autor A:
- A quantia de MOP43.768,00 a título de indemnização por danos patrimoniais nos termos em que havia sido fixado na decisão de 1ª instância, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data dessa decisão (1ª instância);
- A quantia de MOP50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data deste Acórdão.
Custas a cargo do Recorrido e do Recorrente na proporção do decaimento quanto ao valor do pedido de danos não patrimoniais no recurso, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Junho de 2021
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
1 Dario Martins de Almeida em Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., pág. 68/70: 6. Mera culpa ou negligência. Negligência consciente e negligência inconsciente
2 Veja-se como exemplo os Acórdão do TUI de 17.12.2009 procº 32/2009 e do TSI de 16.07.2020 procº 415/2020
3 Quanto aos valores de referência de indemnizações por danos morais veja-se a abundante jurisprudência citada por João Gil Oliveira e Cândido de Pinho em Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Vol. VII em anotação ao artº 489º.
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1043/2020 CÍVEL 4