--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 21/06/2021 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 436/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (2.o arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 127 a 132v do ora subjacente Processo Comum Singular n.º CR2-21-0050-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o 2.o arguido A, aí já melhor identificado, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, primeira parte, da Lei n.o 6/2004, na pena de seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e rogando o seguinte, na sua motivação de fls. 187 a 190v dos presentes autos correspondentes: houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, porquanto não existiam provas concretas a comprovar a factualidade constante dos factos 6, 7 e 9 descritos como provados na sentença, não se podendo basear somente no teor do depoimento do trabalhador testemunha dos autos para dar por assente que foi o ora recorrente quem empregou esse indivíduo para trabalhar, nem se podendo dar por provado o estabelecimento da relação de trabalho entre o recorrente e esse indivíduo, nem se podendo julgar estarem verificados todos os elementos do tipo legal de emprego, daí que deveria o recorrente ser absolvido, por tal decisão judicial condenatória ter violado também o princípio da tipicidade.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 192 a 195 dos presentes autos, no sentido de manifesta improcedência do recurso.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 204 a 205v, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o texto da sentença ora recorrida consta de fls. 127 a 132v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido;
– o Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos, tendo explicado os motivos pelos quais não acreditou na justificação dita pelo 2.o arguido (ora recorrente) na audiência de julgamento (cfr. o teor do aresto recorrido, a partir da sua página 8 (desde o seu penúltimo parágrafo) até à página seguinte (até ao segundo parágrafo da mesma), a fls. 130v a 131).
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Decidindo nesses parâmetros, e no tocante à questão esgrimida pelo 2.o arguido ao Tribunal sentenciador recorrido, de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP:
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido nesse preceito processual penal quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, atentos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão judicial ora recorrida, não se mostra patente que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, havendo, pois, que naufragar o pedido do recorrente de sua absolvição do crime de emprego, tendo-se ele limitado a tentar fazer impor o seu ponto de vista sobre a factualidade provada no concernente à conduta dele, ao arrepio, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do mesmo Código.
Com efeito, o Tribunal recorrido já explicou (mormente a partir do penúltimo parágrafo da página 8 até ao segundo parágrafo da página seguinte, ambas do texto da sentença), com suficiente congruência lógica, por quê é que considerou, após examinados os meios de prova referidos na fundamentação da sua sentença, ter o 2.o arguido praticado o crime de emprego em causa.
O resultado do julgamento de factos feito pelo mesmo Tribunal não é manifestamente desrazoável ou ilógico. Nota-se que a livre convicção do Tribunal sentenciador foi formada, como foi frisado no segundo parágrafo da página 9 do texto da sentença, com base na análise global e crítica sobre as provas dos autos.
É, pois, em face da factualidade já tida por provada em primeira instância sem erro notório nenhum de apreciação da prova, de manter o juízo judicial de verificação do crime referido, cometido em autoria material, na forma consumada, pelo arguido ora recorrente.
E agora da questão da alegada violação do tipo legal de emprego:
A Lei n.o 6/2004 dispõe, no seu art.o 16.o (com a epígrafe de “Emprego”), o seguinte:
<<1. Quem constituir relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, independentemente da natureza e forma do contrato, ou do tipo de remuneração ou contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos e, em caso de reincidência, com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Para os efeitos previstos no número anterior, presume-se existir relação de trabalho sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas.>>
A matéria de facto é subsumível perfeitamente na previsão da norma (da primeira parte) do n.o 1 desse art.o 16.o.
Há, por conseguinte, que rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o 2.o arguido as custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária pela rejeição do recurso, e mil e setecentas patacas de honorários a favor da Ex.ma Defensora Oficiosa que minutou a motivação do recurso.
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública e à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 21 de Junho de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)
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