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Processo n.º 328/2021 Data do acórdão: 2021-6-24 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– parte civil demandada sem constituição do mandatário judicial
– notificação postal da decisão final sobre o pedido cível
– presunção da data de notificação postal
– regra para se ilidir a presunção
– art.o 100.o, n.o 7, alínea a), do Código de Processo Penal
– art.o 100.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Penal
– art.o 100.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– art.o 201.o, n.o 4, do Código de Processo Civil
– art.o 4.o do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
1. O Código de Processo Penal (CPP), no seu art.o 100.o, n.o 7, alínea a), manda, inclusivamente, que a sentença tenha que ser notificada à parte civil, sendo a notificação postal naturalmente uma das vias para isso, por força do disposto na alínea b) do n.o 1 desse próprio art.o 100.o.
2. Não havendo, no próprio articulado do CPP, qualquer norma expressa sobre a maneira de se ilidir a presunção estabelecida no n.o 2 do seu art.o 100.o, a regra do n.o 4 do art.o 201.o do Código de Processo Civil é aplicável, sob aval do art.o 4.o do CPP, inclusivamente à notificação postal, em processo penal pendente, da parte civil demandada (mesmo sem constituição do mandatário judicial), da decisão final da Primeira Instância sobre o pedido cível, já que tal regra se harmoniza perfeitamente com o processo penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 328/2021
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrente e reclamante: 2.o demandado civil A
Recorrida: Assistente e demandante civil B





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 29 de Outubro de 2020 a fls. 731 a 744 do Processo Comum Colectivo n.° CR2-18-0213-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que o condenou a pagar solidariamente à assistente e demandante civil B a quantia indemnizatória civil de HKD650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), com juros legais contados a partir da data dessa decisão judicial até integral e efectivo pagamento, veio o 2.o demandado civil A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na sua motivação apresentada a fls. 760 a 768 dos presentes autos correspondentes, a absolvição da obrigação desse pagamento solidário da indemnização.
Ao recurso, respondeu aquela demandante a fls. 781 a 783v dos autos, defendendo a manutenção do julgado.
Subido o recurso, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 793, em sede de vista, que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Por decisão sumária do relator exarada em 7 de Maio de 2021 a fls. 794 a 794v, foi decidido em não se tomar conhecimento do recurso, com fundamento na sua apresentação extemporânea.
Vem o recorrente reclamar dessa decisão sumária para conferência, nos termos alegados a fls. 802 a 805, aí afirmando que o art.o 100.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP) não exige que ele, como recorrente sem mandatário forense no início, tenha que provar a sua inimputabilidade do atraso no recebimento da carta de notificação do acórdão objecto do seu recurso, e mesmo que se entendesse que seria possível aplicar analogicamente ao processo penal a regra do n.o 4 do art.o 201.o do Código de Processo Civil (CPC), esta regra só seria aplicável à pessoa recorrente com mandatário forense, razões por que o seu recurso deveria prosseguir, com conhecimento a final pelo TSI.
À reclamação, respondeu a demandante civil a fls. 809 a 810v, no sentido de improcedência da mesma.
Corridos os vistos, cabe decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Em 19 de Julho de 2018, a assistente B apresentou, a fls. 430 a 435v do ora subjacente processo penal n.o CR2-18-0213-PCC do TJB, versão rectificada do seu pedido civil (o qual foi aceite pelo M.mo Juiz titular do processo no TJB), deduzido contra o 2.o demandado A, inclusivamente.
2. Em 18 de Fevereiro de 2019, o 2.o demandado A foi notificado (policialmente), na sua própria pessoa, do pedido civil em causa para contestar (cfr. a certidão de notificação de fl. 486, assinada pelo próprio demandado A).
3. O demandado A chegou a indicar por escrito, em 8 de Março de 2019, ao processo ora subjacente n.o CR2-18-0213-PCC do TJB o seu endereço de contacto (cfr. o formulário preenchido por ele em 8 de Março de 2019, e ora constante de fl. 488) (endereço esse que foi usado inclusivamente na ulterior notificação postal dele do acórdão ora recorrido).
4. O mesmo demandado não fez contestar o pedido cível no prazo legal para o efeito.
5. O acórdão ora recorrido pelo mesmo 2.o demandado ora reclamante encontrou-se proferido em 29 de Outubro de 2020 a fls. 731 a 744 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
6. A decisão sumária do relator, ora sob reclamação, teve o seguinte conteúdo essencial:
– < Assim sendo, o prazo de recurso de 20 dias, para o dito ora recorrente, deve ser contado ainda a partir do dia 30/11/2020, pelo que ao interpor recurso ele em 18/1/2021, já passou há muito tal prazo legal de 20 dias (art.os 100.o, n.o 2, e 401.o, n.o 1, do CPP).
Dest’arte, decido, sumariamente, em não se tomar conhecimento do recurso motivado pelo demandado cível A a fls. 760-768v, com custas pelo mesmo recorrente, com duas UC de taxa de justiça, dado que este recurso foi interposto extemporaneamente (art.o 407.o, n.o 6, al. a), do CPP)>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vem o 2.o demandado civil reclamar, para conferência, da decisão sumária do relator que lhe julgou extemporânea a apresentação do recurso do acórdão final da Primeira Instância que o tinha condenado a pagar solidariamente à demandante civil a quantia indemnizatória de HKD650.000,00, com juros legais.
O CPP, no seu art.o 100.o, n.o 7, alínea a), manda, inclusivamente, que a sentença tenha que ser notificada à parte civil, sendo a notificação postal naturalmente uma das vias para isso, por força do disposto na alínea b) do n.o 1 desse próprio art.o 100.o.
De notar que o n.o 2 desse mesmo art.o 100.o dita que <>.
Sucede, porém, que no próprio articulado do CPP, não há qualquer norma expressa sobre a maneira de se ilidir a presunção estabelecida nesse n.o 2 do seu art.o 100.o.
Por outra banda, o CPC dispõe, no seu art.o 201.o, a propósito de formalidades de notificação em processo pendente às partes que constituírem mandatário, o seguinte:
– <<1. O mandatário é notificado por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio por ele escolhido, podendo ser também notificado pessoalmente pelo funcionário quando este o encontre no edifício do tribunal.
2. A notificação postal considera-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil a seguir a esse, quando o não seja.
3. A notificação produz efeito mesmo que os papéis sejam devolvidos, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; em qualquer destes casos, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, junta-se ao processo o sobrescrito, considerando-se que a notificação foi efectuada nos termos do número anterior.
4. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis>>.
E o art.o 202.o do CPC, com a epígrafe de “Notificações às partes quando não constituam mandatário”, estatui, no seu n.o 1, que: <>.
Por aí se vê, nitidamente, que a regra do n.o 4 do art.o 201.o do CPC também é aplicável à matéria de notificações às partes em processo civil pendente quando não constituam mandatário.
A questão jurídica a decidir na presente sede de reclamação para conferência prende-se com a indagação se essa regra do n.o 4 do art.o 201.o do CPC é aplicável inclusivamente à notificação postal, em processo penal pendente, da parte civil demandada (mesmo sem constituição do mandatário judicial), da decisão final da Primeira Instância sobre o pedido cível.
E a resposta a isto tem que ser afirmativa sob aval do art.o 4.o do CPP (que preceitua, sob a epígrafe de “Integração de lacunas”, que <>), porquanto não se divisa qualquer razão plausível para a não aplicação daquela regra do n.o 4 do art.o 201.o do CPC ao tipo de notificações acabado de ser identificado, já que tal regra se harmoniza perfeitamente com o processo penal.
Assim sendo, e vistos todos os dados processuais elencados na parte II do presente acórdão (incluindo os dados processuais referidos em detalhes na fundamentação da decisão sumária do relator), é de improceder a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do relator, por essa decisão estar conforme não só com o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação da própria decisão, mas também com a posição jurídica acima emitida.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação, mantendo a decisão sumária do relator que julgou extemporâneo o recurso apresentado pelo reclamante do acórdão final da Primeira Instância.
Para além das custas e taxa de justiça referidas no dispositivo da decisão sumária, pagará ainda o reclamante as custas da sua reclamação, com três UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 24 de Junho de 2021.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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