Processo nº 227/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 24 de Junho de 2021
ASSUNTO:
- Impugnação da matéria de facto
- Marca de Prestígio
SUMÁRIO:
- No âmbito do Regime Jurídico da Propriedade Industrial os recursos são de plena jurisdição devendo o tribunal selecionar todos os factos que venham ao seu conhecimento através dos documentos constantes do processo administrativo ou juntos pelas partes ao processo, quando os mesmos se relevem com interesse para a decisão da causa;
- Um dos critérios apontados pela Doutrina para a classificação de marca de prestígio passa pelo preenchimento de dois requisitos, sendo o primeiro de natureza quantitativa e que consiste na excepcional notoriedade, sendo conhecida de forma generalizada pelo grande público, e o segundo de natureza qualitativa significando que a marca tem um elevado valor simbólico-evocativo junto do público consumidor ainda que não seja de grande consumo, ou que goze de um elevado grau de satisfação junto do consumidor;
- A protecção que as marcas de prestígio gozam não está sujeita ao princípio da especialidade, o que significa que se estende independentemente de existir ou não identidade ou semelhança com os produtos ou serviços para os quais foi concedida;
- Sendo a marca que se requer nominativa e os seus elementos iguais aos de marca de prestígio, susceptível de criar no cidadão comum a confusão quanto à sua origem, não pode o registo da mesma ser autorizado ainda que não haja identidade nem semelhança entre os produtos ou serviços para que esta foi requerida e os daquela.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 227/2021
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Junho de 2021
Recorrente: A
Recorrida: B limitada
Direcção dos Serviços de Economia
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B Limitada, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão de 01.04.2020 do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia que recusou o seu pedido de registo das marcas nº N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290 pedindo que seja revogado o despacho de recusa da DSE, sendo substituído por outro que conceda as marcas objecto do presente recurso.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSE a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Citada a contraparte A veio este responder sustentando que se devia manter a decisão de recusa de registo das marcas, negando provimento ao recurso.
Foi proferida sentença decidindo-se pela concessão do registo das marcas em causa.
Não se conformando com a sentença proferida veio a parte contrária A interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
1º
I. Factos – Reapreciação da prova
A contraparte impugnou a decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 599.º do CPC pugnando que deveria ter sido dado como provado o seguinte:
(N) Os anexos 1 e 2 aos autos administrativos da DSE relativamente ao pedido do registo das marcas n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
(O) Os dados constantes de fls. 70 a 77 e fls. 80 a 87 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
(Q) O facto de ter sido atribuído, à loja explorada pela contraparte com a marca “B”, o título de «Marca típica de Macau».
II. Marca de prestígio
2º
Do relatório constante do despacho recorrido consta que: (1) “B” é o nome da marca típica da contraparte que goza de prestígio e notoriedade em Macau; (2) o nome tem sido utilizado pelo avô e pai da contraparte desde a década 50/60; (3) B é uma marca típica e amplamente conhecida em Macau e goza de considerável notoriedade e prestígio; e (4) dá aos consumidores de Macau uma clara e particular impressão; (5) Quando os consumidores têm à vista o sinal “B” das marcas pretendidas que se destinam aos produtos de comida de classes 29 e 30, produtos de bebida de classe 32 e serviços de exploração e gestão de empresa de classe 35, irão naturalmente o associar à loja “B” situada na Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida, bem como à marca registada “B” e aos seu produtos.
3º
O TJB, no entanto, procedeu à sua análise tendo como objecto o estabelecimento “Sorvetes B (B雪糕)” (cumpre salientar aqui que “B” é a marca e os sorvetes são os seus produtos), e concluiu que “Sorvetes B” não é uma marca de prestígio.
4º
No ordenamento jurídico de Macau, a marca de prestígio não só se limita aos produtos idênticos ou afins para os quais se destina, como ainda compreende os produtos ou serviços de outras classes, desde que a marca desses últimos produtos ou serviços seja susceptível de ser associada à referida marca notória e prestigiada.
5º
Na prática, considera-se, em geral, que os factores a considerar na determinação de marca de prestígio incluem mas não se limitam a: o grau de conhecimento da marca pelo público, a duração, extensão e área de uso, a duração, extensão e área de promoção da marca, e a duração e área de registos pré-existentes, o que reflecte o grau de uso e distinção do sinal.
6º
No caso vertente, a loja explorada pela contraparte com a marca “B” foi classificada como «Marca típica de Macau». A Comissão de Classificação integra a DSE da RAEM, o Conselho de Consumidores de Macau, o Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau, a Associação Comercial Geral dos Chineses de Macau, a Associação de Bancos de Macau, a Associação das Empresas Chinesas de Macau, a Associação Industrial de Maca, a Associação de Cadeias de Lojas e Franquias de Macau (Macau Chain Stores and Franchise Association), o Instituto do Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
7º
As regras de selecção das “marcas típicas de Macau” foram elaboradas com base nas «Regras (Experimentais) de Designação de “Marcas Tradicionais Chinesas”»1 da China (vide. fls 21 a 22 do Relatório de investigação e estudo do desenvolvimento das marcas típicas de Macau2).
8º
Da mesma forma, a entidade responsável pelo reconhecimento da “Marca Típica de Macau” foi criada de acordo com os seguintes pareceres do Relatório de investigação e estudo do desenvolvimento das marcas típicas de Macau3 (fls. 24 e 26 a 28).
9º
De acordo com o resultado do inquérito (fls.32 a 34) de consumidores levado a cabo no supramencionado Relatório de investigação e estudo do desenvolvimento das marcas típicas de Macau4, as marcas típicas no sector da restauração incluem: o Estabelecimento XXXX, o Estabelecimento de Comidas XXX, XX Bakery & Café, o Estabelecimento de Comidas XXXX, XXXX (Sandes de porco) (XXXX豬扒包), B Refrescos, Sorvetes e Doces (B雪糕飲冰專家), a Leitaria XX (XX牛奶公司), o Estabelecimento XX (XX茶樓), XXX (XXX).
10º
Pode constatar-se que a loja explorada pela contraparte com a marca “B” é reconhecida pelos residentes como marca típica de prestígio e com notoriedade. O estabelecimento especializa-se em produtos de padaria e confeitaria e gelados. As especialidades recomendadas são: “sanduíche de gelado, sorvete de coco e raspadinha de gelo com feijões vermelhos”.
11º
Daí se vislumbra que o negócio (referido na classe 35) explorado pela contraparte com a marca “B” dedica-se aos produtos de gelados comestíveis da classe 30, produtos lácteos da classe 29 e bebidas comuns de gelatarias da classe 32. A referida marca e os seus produtos são amplamente usados na dimensão geográfica e temporal.
12º
Pelo contrário, de acordo com o mesmo inquérito5 (fls. 33 a 34), no que toca ao sector da indústria, a lista de marcas típicas votadas pelos residentes não integra o estabelecimento “B Bakery”.
13º
Na sequência do inquérito6 acima referido, iniciou-se o projecto “Marca típica de Macau”7, com a fim de proteger os importantes recursos de marca de Macau. O negócio explorado pela contraparte com a marca “B” foi eleita para integrar a lista de “marcas típicas de Macau”8.
14º
Além disso, consta do ponto 5 do Relatório n.º 119/DPI/2020 da DSE, referido no facto D, o seguinte:
“(Realizaram-se) entrevistas e apresentações (de B) por diferentes instituições e plataformas, governamentais, de viagem e de imprensa, de diversos países e regiões, entre eles o interior da China, Hong Kong, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia e Singapura.”
15º
O estabelecimento foi entrevistado por mais de 130 instituições de imprensa9 de todo o mundo.
16º
Tendo em consideração os factos provados, incluindo a situação de uso da marca “B” em Macau e a extensão da promoção desta, não se pode deixar de admitir que os produtos e a marca da contraparte gozam em Macau duma elevada notoriedade, a qual não só se limita aos gelados comestíveis de classe 30, como cobre os produtos lácteos de classe 29 e as bebidas comuns de gelatarias de classe 32. Além disso, a contraparte tem usado desde há muito tempo a marca “B” para explorar o negócio de classe 35. A marca tem sido usada nas referidas classes por mais de 80 anos.
17º
Portanto, o surgimento de outra marca “B” no mercado pode fazer com que o público consumidor a associe à marca da contraparte.
18º
A referida notoriedade da contraparte é exactamente a razão porque as marcas prestigiadas devem ser protegidas.
19º
Se ambas as partes forem autorizadas a usar a marca “B” para assinalar produtos idênticos ou afins, haverá um risco de confusão por parte do consumidor. Tal risco resulta exactamente da celebridade da marca “B” da contraparte.
20º
Acresce que, cumpre salientar que os documentos juntos pela contraparte aos autos administrativos e aos presentes autos são suficientes para demonstrar a notoriedade da sua marca “B”.
21º
Razão pela qual, tal marca deve ser considerada como de prestígio.
22º
Ademais, o registo das marcas posteriores (as marcas aqui pretendidas) deve ser recusado nos termos do artigo 214.º, n.º 1, aliena c) do RJPI.
23º
Obviamente, a parte saliente do sinal das marcas pretendidas pela B Limitada é “B” (não só o som da versão chinesa é extremamente semelhante ao da versão de língua estrangeira, mas também a generalidade dos utentes da língua chinesa interpretará as letras de língua estrangeira como a versão romanizada dos caracteres chineses), a qual coincide com a parte saliente da marca de prestígio da recorrente.
24º
Tendo em conta a notoriedade de que a marca registada da contraparte goza em Macau, a concessão do registo do referido sinal à B Limitada para exercício de actividades comerciais semelhantes em Macau muito possivelmente induzirá o consumidor a pensar, erroneamente, que existe ligação entre as actividades da B Limitada e a contraparte. Assim sendo, independentemente de a B Limitada ter ou não a intenção de tirar partido indevido do carácter distintivo ou prestígio da marca já registada, objectivamente aquela beneficiar-se-á da reputação da marca.
25º
Nestes termos, deve considerar-se que o prestígio da marca já registada obsta ao registo das marcas pretendidas pela da B Limitada.
III. Marca notória
26º
No caso vertente, a parte essencial (“B”) das marcas pretendidas n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290, é totalmente idêntica, quer nominativa quer foneticamente, à marca n.º N/15880 detida pela contraparte.
27º
Tal como se refere no acórdão do TSI, processo n.º 116/2002, “Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor.
…essa notoriedade variará de acordo com a publicidade, a latitude, a implantação no mercado, o próprio universo dos destinatários.”
28º
No caso dos autos, os factos provados podem demonstrar que “B” já é considerada marca notória.
29º
Os produtos da contraparte passam a ser designados, não só em Macau, como em todo o Sudeste Asiático, por referência à marca “B”.
30º
A notoriedade dessa marca pode ser provada pelos dados constantes dos autos, a publicidade, a latitude, a implantação no mercado bem como o próprio universo dos destinatários.
31º
Ao abrigo do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea b) do RJPI, O registo de marca é recusado quando: (…) b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
32º
Apesar da diferença gráfica entre as faladas marcas registandas e registada, é de salientar que a citada alínea b) apenas exige “parte essencial”.
33º
Além disso, ambas a marca n.º N/15880 e a n.º N/147288 destinam-se aos produtos da classe 30. Quanto às restantes marcas registandas, todas destinam-se a produtos ou serviços afins aos da marca já registada (a marca n.º N/147287 destina-se aos produtos da classe 29, incluindo leite e produtos lácteos; a marca n.º N/147289 destina-se aos produtos da classe 32, a qual compreende bebidas; e a marca n.º N/147289 à classe 35, ou seja, negócio explorado com o uso da marca “B”).
34º
Por conseguinte, a utilização do termo “B” na composição das marcas pretendidas destinadas aos produtos ou serviços idênticos ou afins aos da marca notória registada é susceptível de confusão com esta última, e de associação com o proprietário da marca prestigiada, pelo que o registo das marcas registandas deve ser recusado.
35º
O mesmo acórdão do TSI adianta ainda que “…sendo a liberdade da composição a regra, importa indagar se as restrições da lei lhe são ou não oponíveis.
36º
A notoriedade seria então aquilo que faria distinguir a protecção de uma marca, por via já não de uma mera oposição a outro registo e tal como aconteceria se se tratasse de uma mera marca de facto, a proteger apenas em nome de uma concorrência desleal, mas por via directa, constituindo, por si, fundamento próprio do registo.”
37º
Portanto, não deve ser concedido o registo das marcas n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290.
IV. Confusão e erro
38º
O TJB não considera existir semelhança entre as marcas registandas e a registada, e entende que as primeiras não são susceptíveis de confusão e erro com a registada.
39º
A contraparte não acompanha o entendimento do TJB.
40º
In casu, as marcas pretendidas (n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290) são marcas nominativas meramente compostas por expressões em línguas chinesa e portuguesa “B”, letras essas totalmente idênticas às da marca n.º N/15880 já registada.
41º
Uma marca meramente nominativa, sem figura ou qualquer sinal distintivo, não dispõe de capacidade distintiva.
42º
O TSI pronunciou-se sobre essa questão no seu acórdão n.º 370/2019, entendendo que só podem ser registadas as marcas dotadas de características distintivas e que são facilmente identificáveis.
43º
Ora, a B Limitada pretende registar como marca o sinal desprovido de caracteres distintivos ( ) para produtos de classes 29, 30, 32 e 35. O consumidor, quando tiver à vista este sinal, só o associará à marca da contraparte (“B”) e não conseguirá identificar os respectivos produtos como provenientes de outra empresa. Portanto, as marcas pretendidas não podem ser registadas por falta manifesta de caracter distintivo.
44º
Por outro lado, as letras das marcas registandas e registada são totalmente idênticas. O registo desse sinal como marca permitirá a diferentes empresas dum mesmo lugar usarem o mesmo sinal para assinalar produtos nas classes 29, 30, 32 e 35. Isso será injusto para a empresa possuidor da marca já registada e prejudicará os seus produtos.
45º
À luz duma vasta jurisprudência, considera-se existente um verdadeiro efeito distintivo quando o consumidor comum (observador médio) consegue distinguir o produto assinalado de outros produtos idênticos ou afins e evitar a confusão ou erro.
46º
De acordo com as regras de experiência, sendo totalmente idênticas as expressões (“B”) das marcas pretendidas e da marca registada, é muito possível que o consumidor comum ao ver a marca “B” nos produtos das classes 29, 30, 32 e 35, associe-os aos produtos ou serviços da contraparte.
47º
Resumindo, as marcas pretendidas pela B Limitada são meramente nominativas, não têm qualquer figura distintiva, nem são compostas por qualquer sinal dotado de caracter distintivo; além disso, a expressão (“B”) a registar é totalmente idêntica à da marca já registada pela contraparte, pois não possui nenhum caracter distintivo que possibilita ao consumidor distinguir a proveniência dos produtos e serviços. Por conseguinte, as mesmas não possuem capacidade distintiva.
48º
Razão pela qual, a decisão da DSE de recusar o registo das marcas n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290 é correcta e deve ser mantida.
49º
Ultimamente, o que o consumidor comum vê é meramente uma marca composta por vocábulos. Se uma marca tem, per si, capacidade distintiva vai determinar se o consumidor consegue ou não distinguir os seus produtos ou serviços dos de outras empresas.
50º
Quando haja risco de confusão entre as marcas de duas empresas, a marca com menos prioridade tem de ser desqualificada, independentemente do motivo pelo qual a empresa a escolheu para assinalar os seus produtos e serviços. Somente desta forma se pode evitar a confusão pelo público.
51º
Face à elevada notoriedade de que goza a marca da contraparte, o uso pela B Limitada de uma marca com a expressão “B” nos produtos e serviços de classes 29, 30, 32 e 35 muito provavelmente faz o consumidor pensar que os mesmos são provenientes da contraparte, ou que existe alguma relação entre este e os produtos e serviços dela.
52º
Deve ser, dessarte, recusado o registo das referidas marcas pretendidas pela B Limitada.
V. Concorrência desleal
53º
O TJB entende que não vai haver concorrência desleal entre as marcas pretendidas (n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290) e a da contraparte (“B”).
54º
A contraparte não acompanha esse entendimento.
55º
O artigo 215.º do RJPI estabelece três requisitos cumulativos de imitação de marca.
56º
No caso subjudice, antes da entrada do pedido do registo das referidas marcas (n.ºs N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290) na DSE, a marca (n.º N/15880) da contraparte já foi registada em Macau. Portanto, o primeiro requisito está indubitavelmente preenchido. Quer dizer que a marca registada tem prioridade.
57º
Quanto aos produtos, ambas a marca n.º N/147288 e a marca registada destinam-se a assinalar produtos idênticos ou afins na classe 30; pese embora a divergência entre os produtos (das classes 29 e 32) para os quais foram pedidas as marcas n.ºs N/147287 e N/147289 e os produtos a que se destina a marca registada, importa salientar que hoje em dia os produtos vendidos nos estabelecimentos de comidas e bebidas são cada vez mais diversificados. Para as lojas onde se vendem produtos lácteos (incluindo sorvetes) (classe 29) e bebidas (classe 32), o modo de exploração comum é alargar o menu das comidas e bebidas vendidas. Por isso, havendo sobreposição em termos do canal de venda e destinatários, os produtos são relacionados entre si. Portanto, também se encontra preenchido o segundo requisito acima referido.
58º
A classe 35 a que se destina a marca pretendida n.º N/147290 inclui o negócio explorado com o uso da marca “B”, sendo os serviços afins aos da contraparte. As lojas típicas tradicionais são cada vez mais raras em Macau. Desde o estabelecimento da contraparte (“B”) abriu as suas portas pela primeira vez há 80 anos, ele tem servido os residentes de Macau, tornando-se assim memória colectiva de muitos cidadãos. É preenchido, portanto, o 2º requisito.
59º
Em palavras simples, a classe 30 compreende os gelados comestíveis, a classe 29 abrange os produtos lácteos, a classe 32 cobre as bebidas comuns de gelatarias. E a contraparte tem usado desde há muito tempo a marca “B” para explorar o negócio de classe 35. Esta marca tem sido usada nas referidas classes por mais de 80 anos. Pelo que se mostra verificado o 2º requisito da imitação.
60º
Quanto ao 3º requisito, embora as marcas registandas e registada não sejam totalmente idênticas no seu conjunto visual, importa salientar que o consumidor de Macau distingue as marcas com base nos caracteres chineses e o consumidor estrangeiro com base nas letras inglesas, pelo que a parte nominativa das marcas é a sua parte essencial.
61º
Tais marcas contêm exactamente a mesma expressão, isto é, “B”, que não é palavras comuns dos produtos assinalados. Portanto, as marcas são semelhantes.
62º
Ademais, o facto das marcas registandas serem meramente nominativas aumenta a semelhança com a registada, o que por seu lado aumenta a susceptibilidade de confusão.
63º
Portanto, encontra-se preenchido o 3º requisito supra aludido.
64º
Ao abrigo do disposto no artigo 214.º, n.º 2, alínea b) do RJPI, as marcas pretendidas constituem imitação da marca registada.
65º
As marcas pretendidas são susceptíveis de indução em confusão e associação à marca já registada. Por conseguinte, a decisão de recusa da DSE é correcta e deve ser mantida.
66º
De resto, o artigo 212.º do mesmo diploma prevê o exame da marca requerida e a sua comparação com a marca ou marcas registadas para o mesmo produto ou serviço, ou para produtos ou serviços idênticos ou afins; estatui ainda que o exame da marca deve sempre atender à possível confundibilidade dos caracteres e sons portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si.
67º
O sinal requerido é um sinal nominativo composto por apenas dois caracteres (“B” e “B”). Tal sinal é exactamente idêntico à parte nominativa da marca registada, quer em termos de designação, quer em termos de caracteres e sons. O que implica o risco de confusão e associação.
68º
Razão pela qual, pode concluir-se que o sinal das marcas pretendidas carece de caracter suficientemente distintivo para o distinguir da marca anteriormente registada. Portanto, existe concorrência desleal por identidade das marcas. Pelo que deve aplicar-se o disposto no artigo 214.º, n.º 2, alínea b) e artigo 215 do RJPI por concorrência desleal.
69º
Tal como se refere no acórdão do TSI proferido no processo n.º 389/2006, “na avaliação da confundibilidade entre marcas se deve ter como “ponto de partida” a perspectiva de um “homem médio”, colocado na posição de um (normal) “consumidor”, nem especialmente atento, nem especialmente distraído.”
70º
Ora, constata-se que o elemento essencial da marca da contraparte é a expressão “B”, a qual é também exactamente o componente essencial do sinal das marcas pretendidas pela B Limitada. Assim, naturalmente se pode concluir que as marcas registandas e a marca registada são manifestamente semelhantes.
71º
Dizemos que há “possibilidade de confusão” se existir susceptibilidade de confundir uma marca com outra ou tomar um determinado produto por outro. Há “possibilidade de associação” quando o consumidor conseguir distinguir diferentes marcas mas ainda as associar.
72º
Sendo semelhantes, as marcas pretendidas são susceptíveis de confusão fácil com a da contraparte. Além disso, todas são destinadas a assinalar produtos comestíveis, da mesma classe (30) e afins (classes 29, 32 e 35). Razão pela qual, o consumidor vai pensar que há associação entre as mesmas.
73º
Estatui o artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do RJPI que, São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
74º
Por outras palavras, deve ser recusado o registo das marcas idênticas à da contraparte ou susceptíveis de confusão quando estiver apurada a intenção da requerente de fazer concorrência desleal, ou quando esta for considerada possível independentemente da sua intenção.
Notificada a Requerente das marcas das alegações de recurso veio esta contra-alegar apresentando as seguintes conclusões:
a) Na parte II da motivação, são expostos por desenho (a) a lista dos membros da Comissão de Apreciação constante da fls. 7 da motivação; (b) o relatório de pesquisa e estudo sobre o desenvolvimento das “Marcas Típicas de Macau”, constante das fls. 8, 9, 10, 11 e 12 da motivação; (c) o edital constante da fls. 13 da motivação; e (d) as fotos constantes das 14 a 33 da motivação (adiante designados por “documentos constantes da motivação”); mesmo que os referidos elementos constem do texto da motivação por captura de tela, os documentos constantes da motivação devem ser considerados como outros documentos independentes do articulado de defesa, portanto, devem ser apresentados em separado.
b) A recorrente só apresentou esses documentos até à fase de recurso, já passou o momento de apresentação previsto pelo art.º 450.º do Código de Processo Civil.
c) E mais, os referidos documentos constantes da motivação não são documentos supervenientes previstos pelo art.º 451.º do Código de Processo Civil, nem parecer previsto pelo art.º 452.º do Código de Processo Civil.
d) Os referidos documentos constantes da motivação não devem ser admitidos nem considerados no julgamento porque a sua apresentação é nula.
e) A recorrente pediu (a) juntar o disco compacto no pedido (1); e juntar os doc. 1 a 3 no pedido (2); (adiante designados por “documentos juntados à motivação), isso não está conforme ao art.º 451.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
f) O conteúdo do disco compacto que pediu juntar no pedido (1) são informações de entrevista no passado sobre a Loja “B Sovertes” da recorrente, uma parte desse conteúdo já consta da motivação por captura de tela (ou seja as fotos das fls. 14 a 33 da motivação, mencionadas no art.º 4.º alínea (d) do presente articulado), esse documento já existia e podia ser apresentado antes de intentar o processo, não é superveniente.
g) A recorrente também sustenta que, quanto ao facto D, o art.º 5.º da informação n.º 119/DPI/2020 da DSE menciona as entrevistas dos meios de comunicação do mundo, portanto, é necessário apresentar o disco compacto. Isso é ilógico.
h) A referida informação foi elaborada pelo técnico superior da DSE, não deve ser suplementada pela recorrente (sic.);
i) Além disso, a informação não é superveniente, existe desde o início, não é razoável só juntar outras provas sobre os factos até à fase de recurso.
j) E mais, se a recorrente entendesse que era necessário suplementar o conteúdo da informação, devia juntar o suplemento à resposta à petição de recurso na fase da primeira instância, mas não na fase de recurso quando o Tribunal a quo proferiu um acórdão desfavorável a ela.
k) Cabe apontar que, a recorrente não pode entregar, com base na sua omissão ou negligência no julgamento pelo Tribunal a quo, mais documentos ao Tribunal superior na fase de recurso, com a intenção de iludir o reconhecimento do Tribunal a quo sobre os factos.
l) Os documentos 1 a 3 que pede juntar no pedido (2) são as informações de registo das marcas n.º N/154430, N/154432 e N/154431 da recorrente.
m) A recorrente podia entregar essas informações no articulado de resposta, portanto, não se trata de documentos supervenientes.
n) Os referidos documentos juntados à motivação não devem ser admitidos nem considerados no julgamento.
o) A recorrida entende que, no tocante às alegações da parte I da motivação da recorrente, não especifica, nos termos do art.º 599.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
p) Deste modo, não estando preenchidos os 2 requisitos previstos pelo art.º 599.º n.º 1 do Código de Processo Civil, deve o recurso ser rejeitado.
q) Para evitar a repetição desnecessária e para os devidos efeitos jurídicos, a alínea i) da parte II (no despacho de indeferimento, menciona-se por várias vezes que “B (B)” deve ser “B Sorvetes”) e alínea ii) (marca de B Sorvetes) da petição de recurso de 2 de Junho de 2020 da recorrida dão-se por integralmente reproduzido.
r) Como entende o acórdão a quo, o facto de “B Sorvetes” ser uma loja típica de Macau ou não é independente de se a sua marca registada n.º N/15880 pode ser considerada como “marca notória” ou até “marca que goza de prestígio”.
s) Entre as alíneas A) a M) da parte 3) dos factos do acórdão a quo, nenhum facto está associado à reputação e notoriedade da marca “B B”.
t) E a recorrente não apresentou qualquer documento no processo administrativo e na resposta à petição de recurso.
u) No tocante aos documentos juntados à motivação, como se conclui na parte I (documentos constantes e juntados à motivação) do presente articulado, os documentos juntados pela recorrente à motivação na fase de recurso não devem ser admitidos e considerados no julgamento.
v) Por isso, não há qualquer facto fundamental que possa suportar a pretensão pessoal da recorrente de que a marca “B B” da contraparte é uma marca que goza de prestígio.
w) A pretensão da parte II da motivação não deve ser dada assente.
x) Nenhum facto das alíneas A) a M) da parte 3) dos factos do acórdão a quo está associado à reputação e notoriedade da marca “B B”.
y) Por isso, essa parte da motivação não passa de ser pretensão e conclusão pessoal da recorrente.
z) No mercado, nunca se designou “B B” como comidas geladas, lacticínios e bebidas comuns de geladaria.
aa) Portanto, isso também é uma pretensão pessoal da recorrente sem qualquer fundamento factual.
bb) Não se verificando que “B B” é uma marca notória de Macau, a pretensão da parte III da motivação da recorrente não deve ser dada assente.
cc) De facto, há imensas marcas normativas registadas na DSE.
dd) O acórdão n.º 232/2020 do TSI, invocado pela recorrente, analisou exactamente se havia imitação e confusão entre 2 marcas normativas, isto é, o tribunal tem sempre reconhecido marca normativa.
ee) A motivação da recorrente desvirtua o acórdão do Tribunal, com o fim de induzir-nos em interpretação errada.
ff) As marcas normativas também são conhecíveis e notáveis.
gg) As 4 marcas que a recorrida pretende registar não são marcas não protegidas, previstos pelo art.º 199.º n.º 1 alínea b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, constituídas exclusivamente por indicações para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica.
hh) Pelo que, mesmo sendo marcas normativas, as 4 marcas que a recorrida pretende registar são conhecíveis, não é constituída a situação de recusa do registo de marca, prevista pelo art.º 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
ii) Isto é, a recorrente interpreta incorrectamente os 2 acórdãos do TSI.
jj) Pelo que, a pretensão da parte IV da motivação não deve ser dada assente.
kk) Para evitar a repetição desnecessária e para os devidos efeitos jurídicos, a alínea vi) da parte II (concorrência desleal) da petição de recurso de 2 de Junho de 2020 da recorrida dá-se por integralmente reproduzido.
ll) No tocante à prioridade, cabe apontar que, em 7 de Julho de 2004 a recorrida conseguiu registar na DSE a marca (imagem vide o original)) (n.º N/13510, vide o anexo 25 da petição de recurso) da classe n.º 30 de produtos, até hoje essa marca ainda é válida e está a ser possuída e usada pela recorrente nos seus produtos.
mm) Ao contrário, a marca (imagem vide o original)) (n.º N/15880, vide o anexo 12 da petição de recurso) da classe n.º 30 de produtos (雪糕、雪條、甜品) (sorvetes, picolés, sobremesas) só foi registada na DSE até 5 de Maio de 2005.
nn) Pode-se ver que, a recorrida já planeou exercer as suas actividades com a marca ““B” há longo tempo, mas não pretende usar marcas com letras chinesas e portuguesas iguais à marca “B Sorvetes” para fazer qualquer concorrência desleal.
oo) Os produtos principais de “B Sorvetes” são sorvetes, que originaram a sua boa reputação, mas “B Sorvetes” não é conhecido de forma qualquer no sector de lembranças/prendas, isto é, é impossível para a recorrente obter qualquer interesse ilegítimo com a marca “B Sorvetes” no sector de lembranças/prendas, tampouco prejudicar a reputação de “B Sorvetes”.
pp) São diferentes os produtos das 4 marcas que a recorrida pretende registar e da marca “B Sorvetes”.
qq) Pelo exposto, as 4 marcas que a recorrida pretende registar não satisfazem os 3 requisitos previstos pelo art.º 215.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, essas 4 marcas não imitam nem reproduzem a marca da recorrente.
rr) Por isso, a motivação da parte V da motivação não deve ser dada assente.
Notificada a DSE das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos:
Da impugnação da matéria de facto.
Na sua primeira conclusão de recurso vem o Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto invocando que haviam de ter sido aditados os três factos que indica.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 599º do CPC «quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso: a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.».
Por outro lado, face ao disposto no nº 3 do artº 279º do RJPI é entendimento pacífico da jurisprudência ser este um recurso de plena jurisdição, «Nomeadamente, ao nível da prova, o Tribunal pode considerar não só os factos trazidos à colação pela Recorrente e Recorrida, mas todos os outros factos que venham ao seu conhecimento através dos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos» - cf. Acórdão deste Tribunal de 10.11.2011 proferido no processo 883/2009 -.
Entende, contudo, a Recorrida que os documentos com base nos quais o Recorrente pretende que seja alterada a decisão da matéria de facto não podem ser considerados.
Não lhe (à Recorrida) assiste razão.
A propósito já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 10.11.2011 proferido no processo 883/2009:
«Donde decorre que estes recursos são de plena jurisdição, em que o Tribunal procede à justa composição dos litígios que lhe são submetidos de uma forma positiva e não de mera legalidade. E o Tribunal não está vinculado à fundamentação da DSE para a sua decisão objecto de recurso, antes é o Tribunal inteiramente livre para apreciar todos os factos relevantes de que pode conhecer e decidir conforme o que entender ser a solução jurídica aplicável, sendo para isso que mesmo ao nível da prova o Tribunal se pode substituir a decisão da DSE e nessa medida exercer função materialmente administrativa, podendo considerar todos os factos que venham ao seu conhecimento através dos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos.»
Ou seja, nada obstava ao tribunal “a quo” acrescentar à factualidade indicada na decisão proferida pela DSE outra que entendesse ser relevante para a decisão e que constasse dos autos, assim como, nada obsta que este tribunal o venha a fazer se tiver por necessário.
Entende o agora Recorrente/contraparte que havia de ter sido aditado aos factos apurados um outro que consistisse em que fosse dado por integralmente reproduzido o que consta dos anexos 1 e 2 dos processos administrativos das marcas N/147287 a N/147290 e aqui objecto destes autos.
Aqueles dois documentos referem-se a negócios com tradição e consequentemente às marcas mais antigas, típicas e especiais de Macau, identificando a marca e estabelecimento comercial B B como sendo um deles.
No mesmo sentido vão os documentos de fls. 70 a 77 e fotografias de fls. 80 a 87, onde para além de constar que foi conferido o título de Marca Típica de Macau ao estabelecimento de bebidas B, constam também referências à publicidade, antiguidade e conhecimento de que é alvo a marca B.
Por fim entende o Recorrente/parte contrária que deve ser dado como provado que foi atribuído à marcaB B o título de marca Típica de Macau.
Ora, um dos temas objecto destes recursos é a eventual notoriedade da marca, ou ser marca de prestígio, e a prova/demonstração desse requisito.
Independentemente, da decisão que se vier a tomar sobre essa matéria, os factos que o Recorrente/parte contrária entende que haviam de ter sido aditados à decisão recorrida estão directamente relacionados com a classificação da marca em causa como Marca Típica de Macau, título que pode ter interesse para a decisão da causa.
Contudo, a formulação indicada pelo Recorrente é que não nos parece que obedeça à melhor técnica para o efeito, sendo de preferir extrair do contexto dos documentos o que de essencial deles consta ainda que sejam dados como reproduzidos ou servindo como meio de prova apenas.
Assim sendo, de acordo com o disposto no artº 629º do CPC “ex vi” artº 282º do RJPI, deve ser dado provimento ao recurso quanto à ampliação da matéria de facto aditando-se o seguinte:
N) O estabelecimento B B com oitenta anos de história é considerado pela literatura referente à matéria como sendo um dos estabelecimentos e marcas antigas e especiais de Macau, conforme consta dos documentos juntos sob os nº 1 e 2 aos processos de pedido de registo das marcas N/147287 a N/147290, os quais (os documentos) aqui se dão por reproduzidos;
O) Pela Comissão de Avaliação da Marca Típica de Macau foi atribuído ao estabelecimento de Bebidas B o título de “Marca Típica de Macau” – cf. fls. 70 -;
Destarte, de acordo com o agora decidido e o que já constava da sentença sob recurso, a factualidade apurada consta do seguinte:
A. A recorrente é titular da marca n.º N/XXX, do n.º 30 da classe de produtos/serviços, com a imagem da marca de e com prazo de validade até 7 de Julho de 2025, e é titular da marca n.º N/62524, do n.º 29 da classe de produtos/serviços, com a imagem da marca de e com prazo de validade até 31 de Agosto de 2026 (vide a fls. 260 dos autos).
B. Em 30 de Novembro de 2018, a recorrente pediu à DSE registar as seguintes marcas:
- N.º da marca: N/147287, do n.º 29 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “肉,魚,家禽及野味,肉汁,醃漬、冷凍、乾製及煮熟的水果和蔬菜,果凍,果醬,蜜餞,蛋,奶及奶製品,食用油和油脂.” (carnes, peixes, aves de capoeira e aves selvagens, molhos de carne, frutas e vegetais preparados, gelados, secos e cozidos, geleias de frutas, doces de frutas, compotas de frutas, ovos, leites e lacticínios, óleos e gorduras comestíveis) (vide a fls. 1 do processo administrativo n.º N/147287 da DSE, cujo teor se dá por reproduzido);
- N.º da marca: N/147288, do n.º 30 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “咖啡,茶,可可,糖,米,食用澱粉,西米,咖啡代用品,麵粉及穀類製品,麵包,糕點及糖果,冰製食品,蜂蜜,糖漿,鮮酵母,發酵粉,食鹽,芥末,醋,沙司(調味品),調味用香料,飲用冰.” (café, chá, cacau, doce, arroz, amido comestível, sagú, café artificial, farinha e preparados à base de cereais, pão, artigos de pastelaria e confeitaria, gelados, mel, melaço, levedura, fermento em pó, sal, mostarda, vinagre, molhos (condimentos), especiarias, gelo) (vide a fls. 1 do processo administrativo n.º N/147288 da DSE, cujo teor se dá por reproduzido);
- N.º da marca: N/147289, do n.º 32 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “啤酒,礦泉水和汽水以及其他不含酒精的飲料,水果飲料及果汁,糖漿及其他供飲料用的製劑.” (cervejas, água mineral e gaseificada e outras bebidas não-alcoólicas, bebidas e sumos de frutas, xaropes e outros preparados para fazer bebidas) (vide a fls. 1 do processo administrativo n.º N/147289 da DSE, cujo teor se dá por reproduzido);
- N.º da marca: N/147290, do n.º 35 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “廣告,實業經營,實業管理,辦公事務.” (publicidade; gestão comercial, administração comercial, serviços de escritório) (vide a fls. 1 do processo administrativo n.º N/147290 da DSE, cujo teor se dá por reproduzido);
C. As referidas marcas n.º N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290, que pretendeu registar, têm a seguinte exemplar como imagem da marca:
D. Por despacho de 13 de Março de 2020, o Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual concordou com o teor da informação n.º 119/DPI/2020, negou o pedido de registo das marcas n.º N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290 (constante do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido).
E. O referido despacho foi publicado no B.O. n.º 14, II Série, de 1 de Abril de 2020 (constante do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido).
F. Em 4 de Maio de 2020, por telefax, a recorrente recorreu para este Tribunal da decisão recorrida (vide a fls. 2 dos autos).
G. Segundo o teor do B.O. n.º 14, II Série, de 1 de Abril de 2020, a recorrente é titular da marca n.º N/62525, do n.º 43 da classe de produtos/serviços, com a imagem da marca de , ao abrigo do art.º 231.º n.º 1 alínea b) do Decreto-Lei n.º 97/99/M de 13 de Dezembro, em conjugação com o art.º 232.º n.º 5, o registo ficou caducado desde 13 de Março de 2020; a recorrente já recorreu dessa decisão de declaração da caducidade (vide o proc. n.º CV3-20-0039-CRJ deste Tribunal).
*
H. A contraparte é dono da Loja “B Sovertes”, dedica-se à exploração de loja ou tenda de venda a retalho de produtos gelados e sorvetes (vide as fls. 66 a 70 dos autos).
I. A contraparte é titular da marca n.º N/15880, do n.º 30 da classe de produtos/serviços, com a imagem da marca de , cujos produtos/serviços são: “雪糕,雪條,甜品” (sorvetes, picolés, sobremesas), foi registada em 5 de maio de 2005, com prazo de validade até 5 de Maio de 2026.
J. Em 17 de Maio de 2019, a contraparte pediu à DSE registar as marcas n.º N/154429, N/154430, N/154431, N/154432 e N/154433, cuja classe de produtos/serviços e produtos/serviços concretos são:
- N.º da marca: N/154429, do n.º 30 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “食用芳香劑;調味料;食品防腐鹽;餅乾;麥芽餅乾;曲奇餅乾;薄荷糖;糖果;可可製品;咖啡;肉桂(調味品);牛奶硬塊糖(糖果);茶;巧克力;蛋白杏仁糖果;調味品;甜食;冰淇淋;食用香料(不包括含醚香料和香精油);食鹽;食用麵粉;豆粉;麵粉;含澱粉食品;小蛋糕(糕點);冰淇淋(可食用冰)凝結劑;食用冰凝結劑;加奶可可飲料;加奶咖啡飲料;含牛奶的巧克力飲料;麵包;黃色糖漿;製糖果用薄荷;麵粉製品;胡桃糖;香草(香味調料);食用冰;冰淇淋粉;除香精油外的調味品;咖啡飲料;巧克力飲料;食用蜂膠(蜜蜂膠);牛奶蛋糕;茶飲料;乳蛋餅;咖啡調味香料(調味品);食用澱粉;糖;發酵粉;通心粉;麵條;三明治;布丁;加果汁的碎冰(冰塊);可可飲料;果凍(糖果);凍酸奶(冰凍甜點); 冰茶.” (preparações aromáticas para alimentos, condimentos, conservantes em géneros alimentícios, biscoitos, biscoitos de malte, bolachas, doce de mentol, doces, produtos de cacau, café, canela (condimentos), rebuçados duros de leite (doce), chá, chocolate, doce de amêndoas, condimentos, comidas doces, gelados, essências para alimentos (com excepção de essências etéreas e óleos essenciais), sal, farinhas comestíveis, soja em pó, farinhas, comidas com amido, bolinhos (artigos de pastelaria), preparações de congelação para gelado (gelo para refrescar), preparações de congelação para gelo para refrescar, bebidas de cacau com leite, bebidas de café com leite, bebidas de chocolate com leite, pão, xarope amarelo, menta para fabricação de doce, produtos de farinha, doce de noz, baunilhas (especiarias de aroma), gelo para refrescar, pós para fabricação de gelado, especiarias com excepção de óleos essenciais, bebidas de café, bebidas de chocolate, própolis comestíveis, bolo de leite, bebidas de chá, bolo de leite e ovo, especiarias de café (condimentos), amidos comestíveis, açúcar, fermento em pó, macarrão, aletria, sanduíche, pudim, gelo moído com sumo de fruta (gelo), bebidas de cacau, geleias de frutas (doce), iogurte gelado (sobremesa gelada), chá gelado)
- N.º da marca: N/154430, do n.º 29 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “食物蛋白;食用水生植物提取物;食品用膠;食用油脂;花生醬;黃油;可可脂;黑布丁;脫水椰子;食用菜子油;食用菜油;果醬;冷凍水果;葡萄乾;食用油;奶油(奶製品);奶酪;水果蜜餞;牛奶;果凍;果肉;水果肉;食用果凍;玉米油;食用魚膠;蛋黃;牛奶製品;人造黃油;蛋;食用蛋白;水果皮;果皮;椰子油;水果片;罐裝水果;肉罐頭;蘋果醬;酸果醬(蜜餞);以水果為主的零食小吃;豆奶(牛奶替代品);蛋清;糖漬水果;製食用脂肪用脂肪物;芝麻油;酸乳酪;牛奶飲料(以牛奶為主的);乳清;精製堅果仁;食品用果膠;碎杏仁;加工過的花生;食用酪蛋白;摜奶油.” (proteínas, extractos de plantas aquáticas comestíveis, gelatinas comestíveis, gorduras comestíveis, manteiga de amendoim, manteiga, manteiga, pudim preto, coco desidratado, óleos de semente de colza, óleo de colza, doce de frutas, frutas geladas, uvas secas, óleos, cremes (produtos de leite), iogurte, compotas de frutas, leite, geleias de frutas, polpa de fruta, polpa de fruta, geleias, óleos de milho, cola de peixe, gema, produtos de leite, margarina, ovos, proteínas, pele de frutas, pele de frutas, óleo de coco, fatias de frutas, frutas enlatadas, carnes enlatadas, compota de maçã, geléia azeda (compota), lanches à base de frutas, leite de soja (substituto de leite), clara de ovo, frutas cristalizadas, gorduras para fabricar gorduras comestíveis, óleo de sésamo, iogurte azedo, bebidas de leite (à base de leite), manjar-branco, nozes preparadas com requinte, pectina, amêndoas picadas, amendoins processados, caseína comestível, chantilly)
- N.º da marca: N/154431, do n.º 32 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “無酒精果汁;無酒精果汁飲料;乳清飲料;飲料製作配料;飲料香精;果汁;製飲料用糖漿;水(飲料);汽水製作用配料;礦泉水(飲料);餐用礦泉水;葡萄汁;檸檬水;蔬菜汁(飲料);製檸檬水用糖漿;未發酵的葡萄汁;杏仁糖漿;蘇打水;果汁冰水(飲料);番茄汁(飲料);無酒精飲料;杏仁奶(飲料);泡沫飲料錠劑;泡沫飲料用粉;汽水;無酒精混合果汁;無酒精果茶;果茶(不含酒精);花生奶(軟飲料);不含酒精的蘋果酒;以蜂蜜為主的無酒精飲料.” (sumos de fruta não alcoólicos, bebidas de sumo de fruta não alcoólicas, bebidas de manjar-branco, preparações para fazer bebidas, aromas para bebidas, sumos, xarope para bebidas, água (bebida), preparações para águas gasosas, águas minerais (bebida), águas minerais para refeições, sumo de uva, água de limão, sumo de vegetais (bebida), xarope para água de limão, sumo de uva não fermentado, xaropes de amêndoa, soda, sumos de fruta preparados com água congelada (bebidas), sumos de tomate (bebidas), bebidas não alcoólicas, leite de amêndoa (bebida), pastilhas para bebidas efervescentes, pós para bebidas efervescentes, águas gasosas, sumos misturados de fruta não alcoólicos, chá de fruta não alcoólico, chá de fruta (não alcoólico), leite de amendoim (bebida), cidra não alcoólica, bebidas não alcoólicas à base de mel)
- N.º da marca: N/154432, do n.º 35 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “商業管理輔助;張貼廣告;戶外廣告;進出口代理;樣品散發;廣告宣傳本的出版;廣告;廣告宣傳;商業研究;公共關係;市場研究;組織商業或廣告展覽;商業信息;人員招收;廣告空間出租;替他人推銷;文字處理;替他人採購(替其他企業購買商品或服務);價格比較服務;為零售目的在通訊媒體上展示商品;特許經營的商業管理;開發票;食品、飲品、甜品、雪糕、雪條和冰製食品的零售和批發服務;經全球電腦網絡提供的零售和批發服務;零售店服務.” (assistência em gestão comercial, afixação de propaganda, publicidade ao ar livre, agência de importação e exportação, distribuição de amostras, publicação de materiais de propaganda, propaganda, publicidade, estudo comercial, relações públicas, estudo do mercado, organização de exposição comercial ou publicitária, informações comerciais, recrutamento de pessoal, aluguer de espaços publicitários, promoção de vendas por conta de outrem, processamento de texto, aquisição por conta de outrem (serviços de compras de mercadorias ou serviços para outras empresas), serviço de comparação de preço, apresentação de mercadorias em meios de comunicação para fins de venda a retalho, gestão comercial de «franchising», facturação, serviços de venda a retalho e por grosso de comidas, bebidas, sobremesas, sorvetes, picolés e comidas congeladas, serviços de venda a retalho e por grosso prestados através de uma rede global informática, serviços de lojas a retalho)
- N.º da marca: N/154433, do n.º 43 da classe de produtos/serviços, cujos produtos e serviços são: “提供食物和飲料服務;咖啡館;餐廳;飯店;餐館;自助餐廳;快餐館;冰室;茶餐廳;小食店.” (serviços de fornecimento de comidas e bebidas, café, restaurante, casas de pasto, refeitório, refeitórios de auto-serviço, refeitórios de refeições rápidas, geladarias, estabelecimento de comida, snack bar)
K. A referida marca n.º N/154429, que pretendeu registar, tem a seguinte exemplar como imagem da marca:
L. As referidas marcas, que pretendeu registar, têm a seguinte exemplar como imagem da marca:
M. Por despacho de 13 de Março de 2020, a entidade recorrida concordou com o teor da informação n.º 120/2020/DPI, aprovou o pedido de registo das marcas n.º N/154429, N/154430, N/154431, N/154432 e N/154433 (vide as fls. 124 a 136 e 260 a 261 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido).
N. O estabelecimento B Bcom oitenta anos de história é considerado pela literatura referente à matéria como sendo um dos estabelecimentos e marcas antigas e especiais de Macau, conforme consta dos documentos juntos sob os nº 1 e 2 aos processos de pedido de registo das marcas N/147287 a N/147290, os quais (os documentos) aqui se dão por reproduzidos;
O. Pela Comissão de Avaliação da Marca Típica de Macau foi atribuído ao estabelecimento de Bebidas BB, o título de “Marca Típica de Macau” – cf. fls. 70 -;
b) Do Direito
Da Marca de Prestígio e Notória.
Sobre esta matéria conclui-se na decisão recorrida do seguinte modo:
«Salvo o devido respeito, embora “B Sovertes” seja uma loja típica e conhecida, não significa que a referida marca registada é “marca notória” ou “marca que goza de prestígio” em Macau, como dispõe o art.º 214.º n.º 1 alíneas b) e c) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.».
Sobre o que se deve entender por marca notória ou de prestígio cita-se na sentença recorrida, o seguinte:
«Cumpre invocar a douta análise do acórdão de recurso n.º 1235/2019 de 21 de Maio de 2020 do TSI:
“Dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 214º do RJPI que “o registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”.
Por sua vez, preceitua a alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI que é recusado o registo de marca que, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca.
Segundo Pinto Coelho10, “para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que a esta fórmula se atribui na nossa legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados”.
Para Carlos Olavo11, marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, enquanto a marca de prestígio goza de protecção que ultrapassa o princípio da especialidade das marcas.
Em primeiro lugar, para se poder beneficiar de protecção como marca notória, é necessário que os sinais distintivos postos em confronto se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins ― é o chamado princípio da especialidade da marca.
Enquanto a marca de prestígio merece uma protecção reforçada que vai além daquele princípio, ou seja, é recusado o registo de uma marca que constitui reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, bastando que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca.».
No mesmo sentido ensina Luís M. Couto Gonçalves em Manual de Direito Industrial, a pág. 304 e 305 «A marca notoriamente conhecida é entendida como a marca conhecida de uma grande parte do público consumidor como a que distingue de uma forma imediata um determinado produto ou serviço.
Uma forte corrente doutrinária e jurisprudencial distingue ainda duas hipóteses: se o produto ou serviço for de grande consumo, a marca deve ser conhecida do grande público; se o produto ou serviço for de consumo específico, a marca deve ser conhecida de grande parte do público interessado nesse produto ou serviço.
A marca notoriamente conhecida deve ser notória no país onde se solicita a especial protecção – pois é nele que, obviamente, se haverá de dirimir o conflito entre a marca a registar e a marca notoriamente conhecida – embora não careça de nele ser usada de modo efectivo.
A marca notoriamente conhecida pode ser nacional ou estrangeira.
Por último, a marca notoriamente conhecida não carece de estar registada no país de origem ainda que este exija o registo como modo de aquisição do direito de marca. A marca nesse país pode ser, por exemplo, apenas, e também, uma marca notoriamente conhecida e como tal protegida sem necessidade de registo.».
Citando ainda o mesmo autor e obra a pág. 309 «Por sua vez, a Recomendação da CUP/OMPI estabelece um conjunto de factores indicativos para determinar se uma marca é notoriamente conhecida. Esse conjunto de factores (que consta do art. 2.º (1)(b) é o seguinte:
a) O grau de conhecimento da marca junto dos meios interessados;
b) A duração, extensão e âmbito geográfico do uso da marca;
c) A duração, extensão e âmbito geográfico de promoção da marca, incluindo anúncio ou publicidade ou a apresentação em feiras ou exposições dos produtos ou serviços assinalados pela marca;
d) A duração e âmbito geográfico dos registos, e/ou do pedido de registos, da marca, que reflictam a extensão do uso ou reconhecimento da marca;
e) O número de decisões judiciais favoráveis, em particular, ao reconhecimento da marca como notoriamente conhecida;
f) O valor associado à marca.».
Quanto à noção de marca de prestígio escreve o citado autor na mesma obra a pág. 312 a 314:
«Não é fácil definir uma marca de prestígio.
A protecção da marca de prestígio não podemos ignorá-lo, representa uma solução anómala num sistema assente no interesse da diferenciação de bens ou serviços num pretenso mercado de livre concorrência. Na verdade, a protecção da marca por forma tendencialmente intemporal só faz sentido se a marca for essencial e normalmente protegida na sua dimensão funcionalmente distintiva. Só esta dimensão justifica a atribuição de um direito privativo indefinidamente renovável no tempo ao contrário do que acontece, por exemplo, com as criações de tipo autoral ou industrial em que a atribuição do direito corresponde a uma compensação, temporariamente limitada, para um esforço de criação e inovação de um bem em si mesmo considerado.
Por tudo isto, a abertura do sistema à protecção de marcas célebres deve ser o mais exigente possível. Essa marca deve obedecer a dois apertados requisitos, um quantitativo e outro qualitativo:
1.º gozar de excepcional notoriedade;
2.º gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores.
O primeiro requisito, de natureza quantitativa, significa que a marca deva ser, espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande-público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços.
O conhecimento pode ser limitado ao âmbito de um só país. Esta é a solução mais defensável ante a lógica normativa da DM (que não interfere com o princípio da territorialidade do direito de marca) e do RMC (que alude à marca nacional de prestígio).
O segundo requisito referido, da natureza qualitativa, significa que a marca deva contar ou com um elevado valor simbólico-evocativo junto do público consumidor, não obstante não seja de grande consumo, ou com um elevado grau de satisfação junto do grande público consumidor. Este último aspecto não significa que os produtos ou serviços, em si, devam ter uma excepcional, sequer, boa qualidade objectiva. Não é da qualidade dos produtos ou serviços que se trata, mas sim do particular significado que a marca representa junto do consumidor médio em ordem à satisfação, bem sucedida, de determinadas necessidades concretas. Nesse sentido, deve tratar-se de uma marca que haja penetrado no espírito do consumidor com uma imagem positiva de qualidade dos produtos ou serviços que distingue.
Em conclusão, a marca de prestígio, para além de uma excepcional capacidade distintiva, deve ter ou uma excepcional capacidade evocativa e-ou uma excepcional aceitação no mercado, num caso e noutro de modo tão intenso que, dificilmente, e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços.
É que, repetindo-nos, sustentamos que a função distintiva e a função publicitária “correm lado a lado” de um modo complementar e não de um modo autónomo. Não se protege a marca de prestígio em virtude de se ter tornado como que independente dos produtos ou serviços para as quais originariamente foi destinada. O mérito da marca célebre não é o de ter deixado de ser marca. O seu mérito, a justificar protecção, é, na nossa opinião, o facto de se ter tomado numa marca que distingue “bem demais” e de um modo especialmente evocativo ou atractivo uma determinada classe de produtos ou serviços.
Há, ainda, autores que exigem que a marca deva ser única e original.
Não estamos inteiramente de acordo. O facto de a marca ser única e fantasiosa não define a marca de grande prestígio apenas facilita o seu surgimento.
Na verdade, há que reconhecê-lo, será mais difícil a uma marca comum a diferentes sectores do mercado, pouco original ou expressiva alcançar o estatuto de marca célebre. Só que esse é um plano diferente de abordagem. Uma coisa é saber o que é mais fácil ou difícil para que uma marca se torne de prestígio, outra coisa é o que é (ou deve ser) uma marca de prestígio. E esta é (deve ser) o resultado de uma conjugação de factores a valorar caso a caso não sendo, na nossa opinião, de excluir desse resultado, por razões de tipo formal-constitutivo, qualquer marca.».
A distinção entre marca de notória ou de prestígio tem consequências quanto ao regime de protecção conferido à marca.
Enquanto relativamente às marcas notórias a protecção se estende apenas aos mesmos produtos ou serviços ou a semelhantes, no que respeita às marcas de prestígio foi consagrada uma excepção ao princípio da especialidade, não podendo a marca ser atribuída ainda que haja sido requerida para produtos ou serviços não afins – cf. al. a) e b) do nº 1 do artº 214º do RJPI -.
Entende o Recorrente que a marca em causa goza de prestígio, pelo que, conferindo este regime maior protecção é por aqui que se deve iniciar a análise.
Conforme resultou da factualidade apurada segundo a organização “Marca Típica de Macau” ao estabelecimento e marca do Recorrente foi atribuída a classificação de “Marca Típica de Macau”.
Consultando no site http://www.mcbrand.mo/ os critérios de avaliação da “Marca Típica de Macau”, bem como as respectivas definições encontramos o seguinte:
«Regras de Avaliação de "Loja de Características de Macau"
Artigo 1 Âmbito de aplicação
Esta regra aplica-se à avaliação de “Antigos armazéns característicos de Macau”.
Artigo 2 Nome da avaliação
Uma antiga loja com características de Macau (português: Marca Típica de Macau; Inglês: Macau Classic Brand).
Artigo 3 Termos e definições
Os seguintes termos e definições se aplicam a esta regra.
1. Antiga loja de especialidades de Macau
Tem uma história relativamente longa, tem produtos, competências ou serviços que foram transmitidos de geração em geração, tem uma formação cultural distinta e características de património cultural de Macau, tem um certo grau de reconhecimento social e tem uma boa reputação e foi avaliada e confirmada pela "Comissão de Avaliação de Armazéns Antigos Características de Macau". Nome comercial ou marca comercial.
2. Nome da empresa
Nome comercial, ou seja, o nome comercial que o proprietário de uma empresa comercial pessoa singular ou o proprietário de empresa comercial pessoa jurídica obtém de acordo com a lei e é utilizado na gestão da empresa.
Artigo 4 Âmbito da avaliação
Empresas relevantes na Região Administrativa Especial de Macau.
Artigo 5 Condições de avaliação
Os empresários comerciais pessoas singulares ou colectivas que se candidatem a participar na avaliação de “Antigos Armazéns Característicos de Macau” deverão cumprir os seguintes requisitos:
1. A firma está registada e estabelecida em Macau, com boas condições comerciais e capacidade de desenvolvimento sustentável.
2. Ter o direito exclusivo ou o direito de usar uma marca registada em Macau.
3. O nome comercial ou marca comercial foi estabelecido há 40 anos ou mais.
4. O tempo acumulado de uso do nome comercial ou da marca para a realização de atividades comerciais é superior a 30 anos.
5. Ter estabelecimento comercial independente, e ainda utilizar o nome comercial e a marca registrada para o exercício da atividade empresarial.
6. Herdar produtos, habilidades ou serviços exclusivos.
7. Possui as características regionais de Macau, uma formação cultural local e um património cultural distintos.
8. Possui boa reputação e é amplamente reconhecida e elogiada pela sociedade.
9. Não é devedor do tesouro da Região Administrativa Especial de Macau.
Artigo 6 Método de avaliação
1. O Gabinete para os Assuntos Económicos assume a liderança e a Câmara de Comércio Franchisada de Macau é responsável pela coordenação geral e estabelecimento da “Comissão de Avaliação de Antigos Armazéns Características de Macau” (doravante designada por Comissão de Avaliação), a qual é integralmente responsável pela avaliação da “Antiga Loja Característica de Macau”.
2. Os membros do comitê de avaliação são compostos por representantes do governo, indústria e comércio, serviços profissionais e academia e, de acordo com as necessidades do trabalho de avaliação, especialistas em setores relacionados são convidados a fornecer opiniões profissionais.».
Aqui chegados, face à factualidade apurada e em face da classificação de “Marca Típica de Macau” atribuída ao estabelecimento e marca do Recorrente impõe-se saber se esta preenche os requisitos que a Doutrina usualmente exige para o efeito.
Ora, seguindo de perto os critérios apontados por Luís Couto Gonçalves citado supra, o que podemos concluir face à atribuição do título de “Marca Típica de Macau” é que a marca deve gozar de “boa reputação, prestígio e ser reconhecida amplamente pela sociedade” o que nos permite concluir que sendo a marca do Recorrente detentora de tal título sem dúvida que goza de excepcional notoriedade.
Quanto ao segundo critério indicado pelo mesmo autor – excepcional atracção/satisfação junto dos consumidores – trata-se de um requisito qualitativo “com um elevado valor simbólico-evocativo”12.
De igual modo também este critério se tem de ter por preenchido uma vez que a atribuição do título “Marca Típica de Macau” exige a singularidade dos produtos e técnicas usadas e um contexto e essência cultural próprias de Macau.
Não exigindo nem a Doutrina, nem a Jurisprudência que o conhecimento vá além fronteiras, entendemos que a factualidade aditada sob as alíneas N) e O) de onde resulta corresponder a marca do Recorrente a um “estabelecimento - BB - com oitenta anos de história, considerado pela literatura referente à matéria como sendo um dos estabelecimentos e marcas antigas e especiais de Macau”, permite-nos concluir estarmos perante marca que em Macau goza de prestígio.
As marcas que se pretendem registar e objecto destes autos são constituídas apenas por um elemento nominativo em caracteres Chineses e romanizado que consiste no seguinte:
A marca do Recorrente é constituída também por um elemento nominativo em caracteres Chineses e romanizado, acrescido de um elemento figurativo - a imagem de uma rapariga de tranças -, que consiste no seguinte:
Para além da diferença no desenho/caligrafia dos caracteres chineses e romanizado, o elemento nominativo e fonético são rigorosamente iguais.
A única diferença entre as marcas em causa consiste na imagem da rapariga de tranças.
Ou seja, se outras considerações não houvesse, a conclusão de que há, ainda que não intencional, imitação de marca é óbvia.
Porém, gozando a marca do Recorrente de prestígio em Macau dúvidas não há, também, que perante as duas marcas o cidadão comum irá associar as marcas em causa ao mesmo produtor/fornecedor, pelo que, independentemente da marca do Recorrente nº 15880 ser para o nº 30 da classe da produtos/serviços e as marcas objecto destes autos serem para as classes 29, 30, 32 e 35, concluindo-se ser aquela de prestígio, nos termos da al. c) do nº 1 do artº 214º do RJPI, tal é fundamento bastante para a recusa das marcas em questão, independentemente dos produtos ou serviços para que foram requeridas.
Assim sendo, procedem as conclusões de recurso no que concerne à classificação da marca do recorrente como sendo de prestígio, ficando prejudicada a apreciação de tudo o mais quanto se alega no que concerne à marca notória, confusão e erro e concorrência desleal, por ser inútil.
Destarte, e de acordo com o disposto no artº 279º nº 2 do RJPI13 deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e confirmando a decisão da DSE, negando os registos marcas em causa, embora por fundamento diverso.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, aditando à factualidade apurada os factos indicados supra sob as alíneas N) e O) e confirmando a decisão da Direcção dos Serviços de Economia no sentido de negar as marcas N/147287, N/147288, N/147289 e N/147290, embora por fundamento diverso do ali indicado.
Custas a cargo do Recorrido.
Registe e Notifique.
RAEM, 24 de Junho de 2021
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 http://www.mofcom.gov.cn/article/fgsjk/200704/20070402655791.shtml
2 http://www.mcbran.mo/uploads/ueditor/file/20180710/1531192409753822.pdf
3 http://www.mcbran.mo/uploads/ueditor/file/20180710/1531192409753822.pdf
4 http://www.mcbran.mo/uploads/ueditor/file/20180710/1531192409753822.pdf
5 http://www.mcbran.mo/uploads/ueditor/file/20180710/1531192409753822.pdf
6 http://www.mcbran.mo/uploads/ueditor/file/20180710/1531192409753822.pdf
7 http://www.mcbran.mo/news/98
8 http://www.mcbran.mo/page-51
9 Jornais: Jornal Ou Mun, Jornal Va Kio, Ming Pao, Oriental Daily, Apple Daily, Sing Tao Daily, Hong Kong Economic Times, China Daily, Guangzhou Daily, Headline Daily, Sing Tao, Jornal Hou Kong, Macau Commercial Post, Hong Kong Daily News, Jornal Tribuna de Macau, Southern Metropolis Daily (Jornal Nandu), Tastes Gazette, Hoje Macau e World Journal, entre outros.
Canais de televisão: TDM, TVB, CCTV(China), TVB8, NowTV, Phoenix TV, MASTV, Hainan TV, Hunan TV, ATV, TV Asahi (Japão), Nagoya TV (Japão).
Revistas: Ming Pao Weekly, Next Magazine, Oriental Sunday, TVB Weekly, East Week, Eat and Travel Weekly, East Touch, Business Weekly de Hong Kong, U Magazine, Weekend Weekly, Yes Weekly, Weekend Times, China Tourism, TurbojetHorizon, Lifestyle, Business Weekly de Taiwan, Turismo de Guangzhou (广州自由行), SDmagazine, Revista Monday de Hong Kong, Hong Kong Walker, CUP Magazine, Face Magazine, Mook de Taiwan, Mook de Xangai, Mook de Pequim, Colatour de Taipei, CREATraveller de Japão, ZA Magazine, FHM, Let’s go Macau, Macau Travel Talk, Bravi (Japão), Arukikata(Japão), Turismo Individual de Macau (澳門自由行),MACAU Magazine, Destination Macau Magazine, etc.
Editoras de guias de viagem: San Choi Tong (三彩堂), Cheng Sam Man Fa (青森文化),Mook de Pequim, Editora Popular de Guangdong, CTS, Guo Yu Cultura e Comunicação da China (中國國娛文化傳播), Editora Po Iet (博益出版社),Editora Turismo da China (中国旅游出版社),Grupo Oriental Press, Editora da Universidade Normal de Guangxi, Empresa Editora Cheong Kong, Limitada (長空出版有限公司),Revista SZYouth, Klook Taiwan, Keng Io Cultura (經要文化),First Asia Entertainment, Hong Kong Post, Crown (Taiwan), Editora Kuo Liang-hui (Taipei), Sky Publishing Lda., Rightman Publishing Limitada., Chinese United Press, Macau Central Lda., Chinese Christian Literature Council (Hong Kong), Empresa de Produção Hong Fong de Hong Kong, Lda. (香港鸿锋制作有限公司), iGlobe, MacauPost, Macaulink, Team Publicações e Consultoria, Lda., etc.
Imprensas e editoras japonesas: Japanese Media co. Lda., Shogakukan, JAL, Globe Travel de Tóquio, BOAO, Hanako, Tokyo Premium Entertainment Lda., KADOKAWA SS Communications Inc., K&B Publishing, MilePost, FRaU, Izawa Kazunori de Tóquio, MAPPLE, WorldHoliday, KIZUNA, Blue (Tóquio), CREATraveller, Fotografia Kume, Jitsugyo no Nihon Sha, JTB, etc.
Outras imprensas: Taobao, Tmall, Xiaohongshu (RED), Empresa Cultural Manner Lda., Câmara de Comércio das Marcas Tradicionais de Taiwan, RoadShow, Openrice, TripAdvisor, UTravel, 1220 Film Production, Sociedade de Comunicação Cultural e Comercial Pensar Bem, Limitada, Companhia de Desenvolvimentos Mei Nga, Lda.(美亚发展有限公司), HopeTrip (Taiwan), MoneyHero (Hong Kong), Associação de História Oral de Macau, VIACOM (EUA), KINEMA Film&Media, Backpackers (Taiwan), SeeWide (Hong Kong), entre outras.
10 Pinto Coelho, in RLJ, 89/23
11 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Volume I, 2ª edição, pág. 97
12 Citando o indicado Autor
13 Neste sentido veja-se Acórdão deste Tribunal de 10.11.2011 proferido no processo 883/2009.
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227/2021 CÍVEL 42