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Processo nº 820/2020
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 1 de Julho de 2021

ASSUNTO:
- Justificação de tempo de ausência da RAEM
- Preterição do dever de audiência prévia do interessado
- Obrigação de averiguação por banda da Administração
- Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO:
- Estando em causa procedimento iniciado a requerimento do interessado em que não se haja procedido a instrução ou em que esta se tenha limitado a confirmar a factualidade invocada por aquele, resultando a decisão da não concordância da Administração com os argumentos invocados, a prévia audição do interessado resultaria numa actividade inútil, degradando-se a preterição desta formalidade essencial em não essencial;
- Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC -;
- A intervenção do tribunal fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre o acto praticado e os interesses particulares sacrificados.


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Rui Pereira Ribeiro

















Processo nº 820/2020
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 1 de Julho de 2021
Recorrente: A
Recorrido: Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura de 14.04.2020 que indeferiu o pedido de justificação do tempo de ausência de Macau, formulando as seguintes conclusões:
1. Em 30 de Dezembro de 2019, o recorrente apresentou ao Fundo de Segurança Social a “Declaração por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, embora fosse o Fundo de Segurança Social a autoridade que recebeu a dita declaração, nos termos do art.º 12.º, n.º2 da Lei n.º14/2012, conjugado com o art.º 11.º, n.º4 da mesma lei, por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas, pode o Chefe do Executivo, ouvido o Conselho de Administração do FSS, justificar o período em que o titular da conta individual de previdência se encontre ausente da RAEM, sendo esse período contabilizado para efeitos da verificação do requisito de permanência mínima previsto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º.
2. Nos termos do art.º 68.º, b) do Código do Procedimento Administrativo, devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que causem prejuízos.
3. Bem como nos termos do art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
4. Contudo, nos autos, a entidade recorrida, após ter feito a averiguação, considerou que o recorrente não reúne a situação extraordinária “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, e tomou a decisão de concordância com a Proposta n.º0052/DAG/2020, mas tal decisão pode causar prejuízos aos direitos do recorrente, em particular, pode causar ao recorrente a perda da atribuição de verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais, nos termos do art.º 12.º, n.º2 da Lei n.º14/2012, conjugado com o art.º 11.º, n.º4 da mesma lei.
5. Não tendo a entidade recorrida, contudo, nos termos do art.º 68.º, al. b) do Código do Procedimento Administrativo, notificado o recorrente antes de tomar a decisão, nem concedido a ele a oportunidade de audiência, nos termos do art.º 93.º do mesmo Código.
6. Mesmo a entidade recorrida tenha tomado a decisão de “não autorização”, também não notificou o recorrente do respectivo despacho, nem lhe indicou qual via para impugnação, até que o recorrente, em Maio de 2020, recebeu o ofício n.º7/0501/DAG/2020 do FSS, vindo a saber a decisão tomada pela entidade recorrida, mas só parte do conteúdo. Isto quer dizer, nunca a entidade recorrida, nos termos do art.º 68.º do Código do Procedimento Administrativo, notificou o recorrente nem lhe concedeu a oportunidade de audiência.
7. Também é de salientar que a situação do recorrente não pertence às situações previstas nos art.ºs 96.º e 97.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que a entidade recorrida não pode nem deve dispensar a realização de audiência ou não procede à audiência do recorrente.
8. Evidentemente, a falta de audiência violou o direito do recorrente de participar no acto administrativo e seu direito à informação, violando o princípio de participação previsto no Código do Procedimento Administrativo.
9. Tal como o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal Administrativo têm vindo a considerar, face aos casos semelhantes ao presente, que a decisão do Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura é independente da decisão do FSS, no recurso contencioso contra o FSS não se pode deduzir pedido contra a decisão tomada pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (entidade recorrida) nos termos do art.º 11.º, n.º4 da Lei n.º14/2012, porque se trata do âmbito de competência exclusiva da entidade recorrida, isto é, o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal Administrativo sempre consideram que é independente o acto administrativo praticado pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (entidade recorrida), também são independentes o seu fundamento, análise e averiguação mesmo que seja recorrido, e certamente a notificação deste deve ser feita de forma independente, mas a entidade recorrida nunca fez tal notificação.
10. Dado que o acto da entidade recorrida violou o disposto nos art.ºs 68.º e 93.º do Código do Procedimento Administrativo, nos termos do art.º 124.º do mesmo código, o acto administrativo da entidade recorrida deve ser anulado.
11. Tal como acima foi indicado, a entidade recorrida nunca notificou o recorrente do acto administrativo por si praticado que se mostra desfavorável ao recorrente, e este só tomou conhecimento da decisão da entidade recorrida e parte do seu conteúdo até Maio de 2020 quando recebeu o ofício n.º7/0501/DAG/2020 do FSS.
12. Contudo, no ofício n.º7/0501/DAG/2020 não consta o conteúdo da decisão da entidade recorrida que ao recorrente deve ser notificado nos termos dos art.ºs 70.º e 113.º do Código do Procedimento Administrativo.
13. Pelo que, o acto administrativo praticado pela entidade recorrida violou os art.ºs 70.º, al. a), 113.º, n.º1, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, nos termos do art.º 124.º do mesmo Código, deve ser anulado o acto administrativo da entidade recorrida.
14. Indicou o recorrente na “Declaração por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas” apresentada à entidade recorrida em 30 de Dezembro de 2019, que “recebi desde o início o subsídio do FSS no valor de MOP1550 por mês, valor este ainda não dá para tomar de arrendamento uma fracção em Macau nem atinge o índice de subsistência. …… divorciado, sozinho …… vivo à custa do subsídio do FSS …... não tinha rendimento de trabalho. ……”.
15. Após ter apreciado a Proposta n.º0052/DAG/2020 do FSS, a entidade recorrida concordou com o conteúdo da Proposta e em 14 de Abril de 2010 proferiu o despacho de indeferimento do pedido do recorrente.
16. O subsídio do FSS no valor de MOP1.550 por mês indicado pelo recorrente no pedido refere-se à pensão para idosos que recebe o recorrente do FSS, tendo o recorrente recebido a dita pensão desde 2013. Segundo o valor da pensão para idosos fixado no Despacho do Chefe do Executivo n.º47/2013, conjugado com a Lei n.º4/2010, como pertence à antecipação de recebimento da pensão para idosos, em 2015 o recorrente só podia receber mensalmente cerca de MOP2.468.
17. Ao mesmo tempo, segundo os dados de análise constantes da Proposta n,º0052/DAG/2020, podemos saber que o recorrente, a partir de Abril de 2013, já ficou desempregado, altura em que o recorrente já tinha 61 anos de idade e, em conjugação da situação de emprego em Macau, é fácil saber que, para o recorrente com a respectiva idade e baixa habilitação literária, será muito difícil voltar a ter emprego.
18. Naquela altura, perante a situação em que o recorrente não tinha emprego e o FSS não o acompanhou para conceder o subsídio, o recorrente só podia viver à custa da pensão para idosos concedida antecipadamente.
19. Além disso, antes de lhe ter sido distribuída em 2018 a habitação social pelo Instituto de Habitação, o recorrente não possuía qualquer imóvel nem tinha rendimento de trabalho mas sim vivia à custa da pensão para idosos. Tomando-se como referência as rendas dos bens imóveis de Macau em 2015, segundo a situação do recorrente nesse ano, ele não tinha capacidade para tomar de arrendamento qualquer fracção, e muito menos ainda para residir, viver em Macau, razão pela qual o recorrente mudou para viver em Zhuhai onde o nível de preço é relativamente mais baixo, mas mesmo em Zhuhai, o recorrente só conseguiu tomar de arrendamento a fracção com renda mensal de RMB500, em Macau como se pode arrendar uma fracção por esse valor?
20. Em 2015, o recorrente e sua cônjuge encontravam-se a viver separadamente e estavam a tratar as formalidades de divórcio (no mesmo ano foi decretado o divórcio), os pais do recorrente já faleceram, o recorrente não tem filho ou família que pode sustentá-lo para viver em Macau e para além de viver à custa da pensão para idosos, o recorrente não tinha qualquer rendimento ou pessoa de quem podia depender para fornecer-lhe apoio financeiro, perante o aumento dos preços e rendas elevadas existentes em Macau, o recorrente viu-se obrigado a mudar para viver em Zhuhai onde os preços são relativamente mais baixos até 2018 quando lhe foi distribuída a habitação social.
21. Face à situação do recorrente, ele mudou-se de Macau para viver em Zhuhai na altura, o que fez era a única opção para sobreviver, porque em Macau o recorrente só tinha a pensão para idosos como rendimento, isso, de maneira nenhuma. não dava para manter a sua vida, o recorrente também não tinha oportunidade de trabalho e as suas poupanças eram pequenas, perante essas situações, o que exigiu-lhe que continuasse a viver em Macau constitui uma violação dos seus direitos à sobrevivência, à vida, à residência e à saúde, violando os princípios concedidos pela Lei Básica, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais que visam proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.
22. Contudo, na tomada da decisão, a entidade recorrida ignorou tais situações do recorrente, não tendo a entidade recorrida feito de perto a averiguação e análise, mas sim concordado com a análise da Proposta: “A permanência do titular da conta no Interior da China em 2015 não foi devido ao interesse público, condições básicas para viver, vida (por exemplo sofrer de doença grave) ou outros aspectos que mostram uma necessidade objetivamente significativa.)
23. Além disso, na análise do caso do recorrente, a proposta reconhecida pela entidade recorrida indicou que “declarou o titular da conta que a partir de 2011, começou a viver no Interior da China e não tinha membro familiar principal em Macau, isto mostra que o centro da vida do mesmo não é Macau. Por outro lado, o facto também mostra que ele não tinha uma ligação suficiente com Macau em 2015”, e pelo que considerou que o recorrente não reúne a “correlação da vida”.
24. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, o recorrente não se conforma com tal reconhecimento, por que nos termos da Lei n.º14/2012, se Macau é ou não o centro da vida do recorrente não é o ponto essencial, uma vez que esta Lei visa focalizar e assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos concedidos pela Lei Básica, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Lei n.º14/2012 nunca rege que deva a pessoa fixar o centro da vida em Macau de modo a ser atribuída a verba de previdência, e tal como a situação prevista no art.º 11.º, n.º3, al.3) da Lei n.º14/2012, pode o requerente viver no Interior da China.
25. Por outro lado, é de salientar que no presente caso, o recorrente e sua cônjuge já se encontravam a viver separadamente em 2015 e estavam a tratar as formalidades de divórcio (no mesmo ano foi decretado o divórcio), os ascendentes do recorrente já faleceram, os irmãos têm sua família própria sem que sempre mantivessem em contacto, nessa circunstância, deve o recorrente ser considerado como agregado familiar de uma pessoa em 2015, como se podia exigir-lhe que tivesse membro familiar principal em Macau ou lhe exigir que vivesse em Macau com sua cônjuge já separada? Evidentemente isso é irrazoável.
26. Sem dúvida, isto é uma ofensa à liberdade de celebração de casamento e constituição de família concedida pelo art.º 38.º da Lei Básica, a análise e decisão da entidade recorrida é equivalente a exigir ao recorrente que deva manter o estado de casamento, ter filhos e constituir família em Macau de modo a reunir a excepção “por razões humanitárias e outras devidamente fundamentadas”, mas isto é uma ofensa à liberdade do recorrente de celebrar casamento e constituir família.
27. Em suma, nem a lei nem os tribunais opõem-se a ter uma igualdade relativamente adequada para salvaguardar a igualdade dos direitos civis, o disposto nos art.ºs 11.º e 12.º da Lei n.º14/2012 reúne a igualdade prevista na Lei Básica, em particular foi fixada a situação “por razões humanitárias e outras devidamente fundamentadas” para que possa ser considerado o período de não permaneceu em Macau como o tempo de permanência em Macau pelo menos de 183 dias, ou seja, é feita análise específica para situação específica.
28. Contudo, na execução concreta da supracitada lei, a entidade recorrida ignorou a possibilidade relativamente igual do recorrente concedida pelo art.º 25.º da Lei Básica, não analisou de forma concreta o caso do recorrente, em particular, sobre o caso do recorrente, o nível financeiro do mesmo e a situação de residência em que se encontrou na altura, embora o recorrente não tivesse 65 anos de idade, era óbvio que não se podia exigir-lhe que continuasse a viver em Macau quando este não podia voltar a trabalhar, não tinha apoio familiar e só vivia à custa da pensão para idosos atribuída pelo FSS. Cabe perguntar como é que se pode suportar o alto consumo e alta renda em Macau com uma pensão de dois mil e tal. Não se pode esquecer que mesmo viva em Zhuhai, o recorrente só podia viver em uma residência com uma renda mensal de RMB500, mas se é possível tomar de arrendamento uma fracção em Macau em 2015 pelo valor de 500? Pelo que será razoável e justo exigir ao recorrente que viva em Macau de tal modo a reunir a atribuição de verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais?
29. É de salientar que tal situação não era um resultado da opção livre do recorrente, mas sim este viu-se obrigado a fazer tal opção por causa de dificuldade da vida, caso o recorrente tivesse dinheiro suficiente e residência adequada em Macau, não era necessário viver no Interior da China, tal como em 2018 o recorrente regressou a viver em Macau quando lhe foi atribuída a habitação social.
30. A entidade recorrida entendeu que o recorrente não tinha uma necessidade e correlação para viver fora de Macau e pelo que indeferiu o pedido do recorrente tomando a decisão de indeferimento da sua ausência de Macau por “razões humanitária e outras devidamente fundamentadas”. Para uma pessoa com capacidade financeira fraca e divorciada tal como o recorrente, evidentemente, a decisão e análise da entidade recorrida é um tratamento desigual, ofendendo o direito de igualdade do recorrente concedido pelo art.º 25.º da Lei Básica.
31. A decisão da entidade recorrida violou os direitos concedidos pelos art.ºs 25.º, 38.º, 40.º e 41.º da Lei Básica, pelos Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, uma vez que os respectivos direitos são direitos fundamentais dos cidadãos civis, nos termos do art.º 122.º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, tal acto administrativo é um acto administrativo nulo devendo ser declarado nulo.
32. A entidade recorrida, segundo a Proposta n.º0052/DASG/2020 apresentada pelo Conselho de Administração do FSS, tomou decisão concordando com a Proposta e proferindo em 14 de Abril de 2020 o despacho de não autorização do pedido do recorrente. Evidentemente na decisão a entidade recorrida violou a obrigação de averiguação e o poder discricionário.
33. Nos termos do art.º 86.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente fica obrigado para apuramento da verdade, deve o órgão competente procurar averiguar todos os factos que se mostram relevante para a decisão do acto administrativo.
34. Na Proposta n.º0052/DAG/2020 existem muitos problemas e averiguações inadequadas sobre a análise, e basta fazer o estudo podemos verificá-los facilmente, não tendo a entidade recorrida, contudo, realizado a averiguação necessária nem indicado o erro existente na Proposta.
35. Em primeiro lugar, a fim de confirmar a situação indicada pelo recorrente no pedido, “recebi desde o início o subsídio do FSS no valor de MOP1550 por mês, valor este ainda não dá para tomar de arrendamento uma fracção em Macau nem atinge o índice de subsistência. …… divorciado, sozinho …… vivo à custa do subsídio do FSS …... não tinha rendimento de trabalho. ……”. tendo a Proposta n.º0052/DAG/2020 só feito averiguação e análise os registos de contribuição para o FSS do recorrente mas não consultado nem solicitado ao recorrente que apresentasse outras informações para fim de averiguação incluído mas não se limitando à situação financeira do recorrente (em particular, situação em que necessitou de receber a pensão para idosos atribuída pelo FSS para manter a sua vida), à situação concreta familiar do recorrente, também não tempestivamente procedeu à audiência e averiguação do recorrente nos termos do art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo, mas sim só fez um juízo com base nos registos de contribuição do recorrente para o FSS.
36. De acordo com o pedido do recorrente, o alegado de ter “recebido desde o início o subsídio do FSS no valor de MOP1550 por mês” refere-se à pensão para idosos por si recebida junto do FSS, tendo o recorrente, desde 2013 começado a receber a pensão para idosos. Segundo o valor da pensão para idosos fixado no Despacho do Chefe do Executivo n.º47/2013, conjugado com a Lei n.º4/2010, como pertence à antecipação da pensão para idosos, o recorrente em 2015 só podia receber mensalmente cerca de MOP2.468.
37. Ao mesmo tempo, segundo os dados de análise constantes da Proposta n,º0052/DAG/2020, podemos saber que o recorrente, a partir de Abril de 2013, já ficou desempregado, altura em que o recorrente já tinha 61 anos de idade e, em conjugação da situação de emprego em Macau, é fácil saber que, para o recorrente com a respectiva idade e baixa habilitação literária, será muito difícil voltar a ter emprego.
38. Naquela altura, perante a situação em que o recorrente não tinha emprego e o FSS não o acompanhou para conceder o subsídio, o recorrente só podia viver à custa da pensão para idosos concedida antecipadamente.
39. Além disso, antes de lhe ter sido distribuída em 2018 a habitação social pelo Instituto de Habitação, o recorrente não possuía qualquer imóvel nem tinha rendimento de trabalho, mas sim vivia à custa da pensão para idosos. Tomando-se como referência as rendas dos bens imóveis de Macau em 2015, segundo a situação do recorrente nesse ano, ele não tinha capacidade para tomar de arrendamento qualquer fracção, e muito menos ainda para residir, viver em Macau, razão pela qual o recorrente mudou para viver em Zhuhai onde o nível de preço é relativamente mais baixo, mas mesmo em Zhuhai, o recorrente só conseguiu tomar de arrendamento uma fracção com renda mensal de RMB500.
40. Basta o FSS proceder à averiguação, não é difícil verificar que o recorrente efectivamente tinha necessidade de viver na região fora de Macau, mas o FSS que elaborou a Proposta n.º0052/DAG/2020 não fez isso, mesmo que muitas provas pudessem ser obtidas segundo os dados existentes no FSS, e a entidade recorrida, na recepção da Proposta n.º0052/DAG/2020 também não procurou averiguar a respectiva situação mas sim simples e meramente tomou a decisão com base a Proposta n.º0052/DAG/2020.
41. Além disso, a entidade recorrida reconheceu a análise da Proposta n.º0052/DAG/2020, considerando que o recorrente não reúne “por razões humanitárias e outras devidamente fundamentadas”, isso evidentemente violou o princípio da proporcionalidade e exerceu excessivamente o poder discricionário.
42. Mesmo que a entidade recorrida só tenha consultado os registos de contribuição do recorrente para o FSS, também é fácil verificar que o recorrente tinha necessidade de não viver em Macau, uma vez que o recorrente, a partir de Abril de 2013, já ficou desempregado, altura em que o recorrente já tinha 61 anos de idade, em conjugação da situação de emprego em Macau, não é difícil saber que, para o recorrente com a respectiva idade e baixa habilitação literária, será muito difícil voltar a ter emprego.
43. Bem como em 2015, o recorrente e sua cônjuge estavam a tratar as formalidades de divórcio (no mesmo ano foi decretado o divórcio), os pais do recorrente já faleceram, o recorrente não tem filho ou família que pode sustentá-lo para viver em Macau e para além de viver à custa da pensão para idosos, o recorrente não tinha qualquer rendimento ou pessoa de quem podia depender para fornecer-lhe apoio financeiro, também não tinha qualquer imóvel para servir de habitação em Macau, perante o aumento dos preços e rendas elevadas existentes em Macau, o recorrente não tinha qualquer escolha mas sim viu-se obrigado a mudar para viver em Zhuhai onde os preços são relativamente mais baixos até 2018 quando lhe foi distribuída a habitação social.
44. Face à situação do recorrente, ele mudou-se de Macau para viver em Zhuhai na altura, o que fez era a única opção para sobreviver, porque em Macau o recorrente só tinha a pensão para idosos como rendimento, isso, de maneira nenhuma. não dava para manter a sua vida, o recorrente também não tinha oportunidade de trabalho e as suas poupanças eram pequenas, perante essas situações, o que exigiu-lhe que continuasse a viver em Macau constitui uma violação dos seus direitos à sobrevivência, à vida, à residência e à saúde, violando os princípios concedidos pela Lei Básica, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais que visam proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.
45. Contudo, face à exposição de “ter declarado o titular da conta que não tinha rendimento de trabalho, não conseguindo tomar de arrendamento uma fracção em Macau, pelo que a partir de 2011, começou a residir no Interior da China”, a entidade não procedeu à averiguação e análise de perto, mas sim concluiu que “A permanência do titular da conta no Interior da China em 2015 não foi devido ao interesse público, condições básicas para viver, vida (por exemplo sofrer de doença grave) ou outros aspectos que mostram uma necessidade objetivamente significativa.”
46. Além disso, na apreciação da “correlação da vida”, a entidade recorrida também reconheceu a análise do FSS. “Declarou o titular da conta que a partir de 2011, começou a viver no Interior da China e não tinha membro familiar principal em Macau, isto mostra que o centro da vida do mesmo não é Macau. Por outro lado, o facto também mostra que ele não tinha uma ligação suficiente com Macau em 2015.”
47. Nos termos da Lei n.º14/2012, se Macau é ou não o centro da vida do recorrente não é o ponto essencial, uma vez que esta Lei visa focalizar e assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos concedidos pela Lei Básica, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Lei n.º14/2012 nunca rege que deva a pessoa fixar o centro da vida em Macau de modo a ser atribuída a verba de previdência, e tal como a situação prevista no art.º 11.º, n.º3, al.3) da Lei n.º14/2012, pode o requerente viver no Interior da China.
48. Por outro lado, é de salientar que no presente caso, o recorrente e sua cônjuge já se encontravam a viver separadamente em 2015 e estavam a tratar as formalidades de divórcio (no mesmo ano foi decretado o divórcio), os ascendentes do recorrente já faleceram, os irmãos têm sua família própria sem que sempre mantivessem em contacto, nessa circunstância, deve o recorrente ser considerado como agregado familiar de uma pessoa em 2015, como se podia exigir-lhe que tivesse membro familiar principal em Macau ou lhe exigir que vivesse em Macau com sua cônjuge já separada? Evidentemente isso é irrazoável.
49. Tal como acima foi indicado, o único membro do agregado familiar viu-se obrigado a deixar Macau para viver em Zhuhai por causa de dificuldade económica, mas a entidade recorrida exigiu-lhe que tivesse membro familiar principal para viver em Macau e pelo que considerou que o centro da vida do recorrente não é Macau sendo isso evidentemente irrazoável, há que saber porque o recorrente não fixou o centro da vida em Macau devido à situação económica na altura, e não era possível que o recorrente conseguisse fixar o centro da vida em Macau.
50. Evidentemente, no reconhecimento da “correlação da vida” do recorrente, a entidade recorrida exerceu excessivamente o poder discricionário e violou o princípio da proporcionalidade, bem como dependeu demasiadamente da Proposta n.º0052/DAG/2020 sem que tivesse procedido a averiguação e examinação independente, e finalmente fez o juízo de indeferir o pedido do recorrente “por razões humanitárias e outras devidamente fundamentadas”.
51. Assim sendo, a entidade recorrida violou a obrigação de averiguação e princípio da proporcionalidade, erradamente interpretou e aplicou o art.º 12.º, n.º2 da Lei n.º14/2012 conjugado com o art.º 11.º, n.º4 da mesma lei ao analisar o caso do recorrente, que a conduziu a propor o indeferimento do pedido do recorrente “por razões humanitária e outras devidamente fundamentadas”, sendo isso a anulabilidade prevista no art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo o acto administrativo ser anulado.
  Citada a Entidade Recorrida veio a Senhora Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. O recorrente, por “razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, pediu à entidade recorrida a autorização do seu período de ausência de Macau em 2015 que não foi admitido pela entidade recorrida, como o tempo de permanência em Macau. Mas, o pedido do recorrente acima referido não foi admitido pela entidade recorrida.
2. Não se conformando com a decisão acima indicada, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso contra a entidade recorrida.
3. Foram apresentados pelo recorrente os seguintes fundamentos:
a) A entidade recorrida violou os art.º 68.º, al. b) e art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo e também violou o princípio da participação;
b) A entidade recorrida violou os art.º 70.º, al. a) e art.º 113.º, n.º 1, alíneas d) e f) do Código do Procedimento Administrativo;
c) A entidade recorrida violou o art.º 122.º, n.º 2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo, exerceu excessivamente os poderes discricionários e, ofendeu os direitos tutelados pelos art.º 25.º, art.º 38.º, art.º 40.º e art.º 41.º da Lei Básica, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
d) A entidade recorrida violou o dever de instrução e o princípio da proporcionalidade, entendeu e aplicou erradamente o art.º 12.º, n.º 2 da Lei n.º 14/2012, conjugado com o art.º 11.º, n.º 4 da mesma lei, o que levou erradamente a que tinha sido indeferido o pedido apresentado pelo recorrente “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”.
4. A entidade recorrida não concorda com todos os fundamentos do recorrente acima referidos.
5. Nos art.º 12.º e art.º 11.º, n.ºs 3 a 5 da Lei n.º 14/2012, “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas” é uma situação excepcional permitida pela lei para a atribuição dos saldos aos indivíduos, mesmo que os não preencham o requisito geral de ter permanecido, pelo menos, 183 dias em Macau no ano a que respeita.
6. Sendo diferente da apreciação dos requisitos gerais, “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas” é uma das situações excepcionais permitidas pela lei, pelo que o individuo deve deduzir reclamação e apresentar as provas relevantes.
7. uma vez que o recorrente não tinha permanecido em Macau, pelo menos, 183 dias, no ano de 2015, e em consequência, não preencheu os requisitos da atribuição de verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais do ano 2016, pelo que não foi incluído na “lista de atribuição de verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais do ano 2016”.
8. Para tal, o recorrente apresentou reclamação para o Fundo de Segurança Social com fundamento em “razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”.
9. O acto recorrido pelo recorrente é um acto administrativo de conteúdo negativo, pelo que cabe ao recorrente o ónus da prova.
10. Mais, enquanto o recorrente apresentou a “declaração - por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, estava bem ciente de que já lhe deu uma oportunidade de apresentar conjuntamente fundamentos e provas que considerou convenientes, ou seja, o recorrente já teve uma oportunidade de ser ouvido aquando da apresentação da “declaração - por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”.
11. Pelo exposto, não existe a violação pela entidade recorrida do art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, a não audiência do recorrente, nem existe a violação do princípio da participação.
12. Quanto à notificação, uma vez que a decisão do Fundo de Segurança Social foi proferida com base na decisão da entidade recorrida, é inteiramente adequada e oportuna a notificação ao recorrente da decisão recorrida conjuntamente com a decisão final do Fundo de segurança Social.
13. Daí pode-se saber que, o recorrente aplicou erradamente o disposto nos art.º 68.º, al. b) e art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que o acto recorrido não se enquadra nos casos previstos no art.º 124.º do mesmo Código, ou seja, não é o acto administrativo anulável.
14. Nos termos do disposto no art.º 11.º, n.º 4 da Lei n.º 14/2012, a entidade recorrida devia ter ouvido o Fundo de Segurança Social antes de tomar a decisão recorrida.
15. Sendo que a decisão recorrida foi feita pela entidade recorrida, mas, esta decisão foi tomada após a referência e a concordância completa da proposta do Fundo de Segurança Social, bem como essa decisão visou apreciar se o recorrente é legalmente incluído na lista de atribuição de verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais do ano 2016, pelo que o Fundo de Segurança Social notificou o recorrente da decisão recorrida em conjunto com a decisão final do Fundo de Segurança Social, o que não se verifica qualquer parte ilegal ou injustificada.
16. Pelo conteúdo do ofício n.º 7/0501/DAG/2020, se vê que os conteúdos previstos nos art.º 70.º, art.º 113.º e art.º 114.º do Código do Procedimento Administrativo constavam clara e expressamente do ofício.
17. Pelo exposto, o recorrente alegou que a entidade recorrida não tinha feito notificação nos termos do disposto no art.º 70.º, al. a) e art.º 113.º, n.º 1, alíneas d), e) e f) do Código do Procedimento Administrativo, o que é uma acusação totalmente desrazoável.
18. Do art.º 1, n.º 2 da Lei n.º 14/2012 pode-se saber que o objecto da criação de previdência visa a protecção da vida de aposentação dos residentes de Macau, e não a resolução das actuais dificuldades da vida do recorrente.
19. Em segundo lugar, relativamente à repartição extraordinária de saldos orçamentais previstos no art.º 12.º, n.º 1 da Lei n.º 14/2012, o seu objecto é beneficiar os residentes permanentes de Macau que estão intimamente ligados a Macau e retribuir eficazmente os resultados económicos de Macau aos residentes de Macau, a fim de garantir os recursos do governo a ser utilizados de forma adequada e atingir finalmente o objecto acima referido da protecção da vida de aposentação dos residentes de Macau.
20. Nestes termos, a situação excepcional - “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, também deve alcançar o objecto acima indicado.
21. Com base na informação supra mencionada, a entidade recorrida, no exercício de poderes discricionários, já considerou plenamente as situações pessoais do recorrente e o objecto de repartição de saldos orçamentais antes de tomar uma decisão.
22. De acordo com as alegações do recorrente, é obviamente que o seu foco de vida já não está em Macau, bem como o divórcio e a mudança de residência para Zhuhai são as opções pessoais do recorrente devido às suas situações de vida.
23. As razões humanitárias são os motivos relativos ao interesse público, à vida e às condições básicas de subsistência, ou às outras situações com a necessidade objectivamente relevante e conformes à ordem pública, mas, as quais não se encontram presentes nas situações do recorrente.
24. O recorrente considerou já ter reunido as condições por razões humanitárias, simplesmente pela razão de que não tinha emprego, a receita era baixa, não foi atribuída uma habitação social pelo Instituto de Habitação, não tinha bem imóvel, já se divorciou e nenhum familiar residiu em Macau, o que, sem dúvida, interpretou erroneamente o conceito de “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”.
25. Nos termos do disposto no art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, o acto administrativo praticado, no exercício de poderes discricionários, por um órgão administrativo, só pode ser como objecto de apreciação do recurso contencioso, quando constitui o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
26. o recorrente entende que o indeferimento pela entidade recorrida do pedido do recorrente “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas” ofendeu os direitos tutelados pelos art.º 25.º, art.º 38.º, art.º 40.º e art.º 41.º da Lei Básica, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o que passa a obrigar a entidade recorrida a tomar obrigatoriamente uma decisão de aprovação, fazendo com que os poderes discricionários conferidos pela lei passem a ser vinculados, bem como vai contra o objecto da repartição extraordinária de saldos orçamentais.
27. o recorrente alegou que a entidade recorrida exerceu excessivamente os poderes discricionários, e ofendeu os direitos tutelados pelos art.º 25.º, art.º 38.º, art.º 40.º e art.º 41.º da Lei Básica, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o que se trata de acusação infundada.
28. “Por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas” é uma situação excepcional que é deduzida pela vontade individual do recorrente, pelo que deve ser deduzida por iniciativa do recorrente a quem cabe o ónus da prova.
29. Enquanto o recorrente apresentou ao Fundo de Segurança Social a “declaração - por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, foi notificado de que devia apresentar todas as provas que lhe são favoráveis. Além disso, o registo do estado civil e o registo de conta bancária, invocados pelo recorrente, são documentos facilmente obtidos pelo recorrente, pelo que compete ao recorrente o ónus da prova.
30. A informação n.º 0052DAG/2020 elaborada pelo Fundo de Segurança Social e a decisão recorrida tomada subsequentemente pela entidade recorrida com base nesta informação, foram todas feitas com fundamento na análise e juízo das declaração do recorrente e provas por si apresentadas. O Fundo de Segurança social examinou, por sua iniciativa, o registo de contribuições do recorrente, a fim de confirmar a situação de trabalho declarada pelo recorrente.
31. Tendo em consideração que as situações do recorrente não preencheram os requisitos para aprovação do pedido, razão pela qual foi indeferido pela entidade recorrida o pedido do recorrente “por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas”, ao invés de a entidade recorrida ter indeferido por não entender suficientemente as situações do recorrente ou pôr em causa.
32. Pelo exposto, não se encontra o alegado do recorrente que a entidade recorrida cumpriu o dever de instrução.
33. Como se refere em abundantíssima jurisprudência, a intervenção do tribunal na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
34. Mais, o acto da entidade recorrida preenche completamente os três critérios do princípio da proporcionalidade, como adequação, necessidade e proporcionalidade.
35. Nestes termos, in casu, não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade pela entidade recorrida.
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, estas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto administrativo praticado pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 14 de Abril de 2020 que decidiu não considerar como tempo de permanência em Macau o período em que o Recorrente, no ano de 2015, esteve a viver no Interior da China.
2.
2.1.
A primeira questão suscitada pelo Recorrente é a de saber se o acto recorrido enferma do vício procedimental decorrente da falta de audiência prévia à decisão final do procedimento.
Salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, parece-nos que a resposta a essa questão não pode deixar de ser positiva.
Procuraremos, em termos necessariamente breves, demonstrar porquê.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), «salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».
Com efeito, através da audiência do interessado, o que se procura é assegurar-lhe a possibilidade de se pronunciar não só sobre os factos e sobre a sua prova no âmbito do procedimento, mas também, mais do que isso, sobre o próprio resultado da operação da subsunção dos factos à norma que o órgão administrativo se propõe realizar, mesmo quando esteja em causa um poder vinculado (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 115).
Através da audiência prévia do interessado procuram-se assegurar funções subjectivas, evitando-se decisões-surpresa e facultando ao particular a possibilidade de fazer valer a sua posição e funções objectivas, auxiliando a Administração a decidir melhor (nestes termos, MARCELO REBELO DE SOUSA - ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, tomo III, Lisboa, 2007, p. 127).
Ora, no caso, a decisão da Entidade Recorrida, não obstante ter sido de uma actividade instrutória relevante, não foi antecedida da audição do Recorrente ao contrário do que é imposto pela referida norma do n.º 1 do artigo 93.º do CPA.
Salvo o devido respeito, não procede, a nosso ver a alegação da Entidade Recorrida no sentido de que está em causa a decisão de uma reclamação apresentada pelo Recorrente uma vez que, em bom rigor, assim não é. O procedimento de reclamação quanto à inclusão nas listas, previsto no artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2012, entretanto revogado pelo Regulamento Administrativo n.º 33/2017 não se confunde com o pedido de justificação do tempo de ausência da RAEM por parte do Chefe do Executivo ao abrigo da norma do n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 14/2012, entretanto revogada pela Lei n.º 7/2017.
Por outro lado, a situação não se enquadra em nenhuma das hipóteses de inexistência do dever de audiência ou de dispensa de tal dever a que se referem os artigos 96.º e 97.º do CPA.
Da apontada preterição resulta, em nosso modesto entendimento, (…1) a anulabilidade do acto recorrido sem que, diga-se, se mostre possível proceder ao seu aproveitamento.
Com efeito, o acto recorrido foi praticado no exercício de um poder discricionário. Ora, entre nós tem vindo a ser decidido de modo uniforme que, quando tal suceda, não é possível aproveitar o acto praticado com preterição da audiência prévia. Apenas quando «no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível» é que a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo se degrada em preterição de formalidade não essencial (assim, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Tribunal de última Instância de 31.7.2020, processo n.º 18/2020).
Estando em causa um poder discricionário, só pode aproveitar-se o acto ferido de vício procedimental por omissão de audiência nas situações em que a apreciação do caso permita identificar apenas uma solução como possível (as chamadas situações de redução da discricionariedade a zero). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso em apreço pelo que, como dissemos, cremos ser inviável a neutralização do efeito invalidante do vício antes assinalado ao acto recorrido.
Ocorre, a nosso ver, a apontada invalidade do acto administrativo recorrido.
2.2.
A segunda questão que vem colocada pelo Recorrente é a da violação das normas dos artigos 70.º, alínea a) e 113.º, n.º 1, alínea d) e f) do CPA.
Alega o Recorrente nunca ter sido notificado do acto recorrido de acordo com as exigências referidas naquelas normas. Sem razão, parece-nos.
Na verdade, os eventuais vícios da notificação não afectam, como se sabe, a validade do acto notificado, pois que a notificação apenas releva no que tange à respectiva eficácia e no recurso contencioso do que se cuida é da validade do acto (artigo 20.º do CPAC).
Sem necessidade de maiores considerados, propendemos no sentido de que este fundamento do recurso deve ser desatendido.
2.3.
Também não nos parece que o acto recorrido esteja afectado do vício de nulidade por violação do núcleo essencial de direitos fundamentais do Recorrente, nomeadamente aqueles que o mesmo identifica na douta petição inicial, como sejam, o direito à residência, à vida, à saúde e à igualdade, como é, aliás, evidente.
O que aqui está em causa é tão-só um acto administrativo praticado pela Entidade Recorrida que, no exercício de poderes discricionários, não reconheceu o preenchimento de um dos requisitos para o Recorrente poder beneficiar da atribuição de uma verba a título de repartição extraordinária de saldos orçamentais, sem que, no entanto, como é bom de ver, tal implique a violação de qualquer daqueles direitos fundamentais e muito menos do respectivo núcleo essencial.
De resto, mesmo na tese do Recorrente, a demonstração da existência da alegada violação implicava uma prova de factos que não foi feita.
Deve, pois, improceder, parece-nos, o terceiro vício invocado.
2.4.
A última questão que importará apreciar é a de saber se o acto recorrido violou a obrigação de averiguação e o princípio da proporcionalidade.
Cremos que o Recorrente, pelo menos em parte, tem razão.
O acto administrativo recorrido foi praticado ao abrigo da norma de competência constante do n.º 4 do artigo 11.º, aplicável por força do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 14/2012, entretanto revogada pela Lei n.º 7/2017 que, aliás, reproduz normas em tudo idênticas nos respectivos artigos 39.º, n.º 4 e 40.º, n.º 2.
Ali se preceitua: «Fora dos casos previstos no número anterior e por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas, o Chefe do Executivo, ouvido o Conselho de Administração do FSS, pode justificar o período em que o titular da conta individual de previdência se encontre ausente da RAEM, sendo esse período contabilizado para efeitos da verificação do requisito de permanência mínima previsto na alínea 3) do n.º 1».
Assente que o Recorrente, no ano de 2015, esteve ausente da RAEM, está em causa saber se esse período de ausência podia ser contabilizado, por razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas, como tempo de permanência para efeitos de justificar a atribuição da verba correspondente à distribuição do saldo orçamental extraordinário.
Como é de meridiana clareza, a referida norma concede ao Chefe do Executivo um poder discricionário e, como tal, os poderes de sindicância do tribunal relativamente à legalidade do exercício de tal poder não são plenos.
Em todo o caso, não pode deixar de reconhecer-se que o exercício do poder discricionário é limitado juridicamente e é orientado por critérios jurídicos. O respeito por tais limites e a observâncias desses critérios constituem condições jurídicas do exercício legítimo do poder discricionário, pelo que existirá um vício no exercício da discricionariedade sempre que a Administração desrespeite tais condições (seguimos de perto PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, 2020, p. 234).
No que concerne aos critérios jurídicos do exercício do poder discricionários, a boa doutrina aponta que um deles é conhecimento integral, exacto e correcto dos elementos pertinentes (os outros são o exercício adequado do poder de apreciação e a exigência de respeito pelos princípios gerais da actuação administrativa). De acordo com este critério, «o agente administrativo tem, sempre, o dever de identificar e avaliar todas as circunstâncias e elementos relevantes ou pertinentes para se colocar em posição de exercer o seu poder discricionário» (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 243).
Em rigor, o que está em causa é o efectivo exercício do poder de apreciação que a lei defere à Administração e isso implica como condição necessária «a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação em causa» (para usarmos a sugestiva formulação do Tribunal Geral da União Europeia, no seu acórdão de 14.12.2018, processo T-750/16, FV contra Conselho da União Europeia, disponível em www.curia.europa.eu).
É isto mesmo que é imposto pela norma do n.º 1 do artigo 86.º do CPA: «O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito», a qual, não sendo privativa das decisões no exercício de poderes discricionários, adquire aí uma importância fundamental e decisiva para um correcto exercício de tais poderes (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 244).
No caso em apreço, quando analisamos a fundamentação de facto da decisão administrativa recorrida constatamos, salvo o devido respeito, que a mesma não procedeu à concreta ponderação das razões invocadas pelo Recorrente nem cuidou de apurar se as mesmas correspondem ou não à realidade. Com efeito, o Recorrente invocou perante a Administração que se viu obrigado a ir viver para o Interior da China em virtude de os seus parcos rendimentos decorrentes da sua situação de desemprego não lhe possibilitarem arrendar uma casa em Macau. Perante esta alegação, o Fundo de Segurança Social limitou-se a afirmar que o Recorrente passou a viver no Interior da China por opção, por escolha e não por causa de razões de interesse público ou falta de condições básicas para viver.
Ora, é certo que foi uma escolha do Recorrente ir viver para o Interior da China. Mas não é esse, se bem vemos, o ponto. O que está em causa é saber o que o motivou a essa escolha e se apesar da ausência do Recorrente em Macau durante 183 dias em Macau durante o ano de 2015, não há razões que permitam justificá-la. Todavia, em nosso modesto entendimento e com todo o respeito, estamos em crer que a Administração não desenvolveu o indispensável esforço instrutório no sentido de apurar se o Recorrente tinha ou não a situação económica extremamente precária que alegou que pudesse permitir justificar o período em que o mesmo esteve ausente de Macau em 2015. Desse modo, se podendo dizer que não levou a efeito um efectivo exercício da prerrogativa de apreciação do caso concreto em que se traduz, afinal, o poder discricionário que a lei lhe defere.
E se é certo que em causa está um acto negativo que corresponde a uma posição subjectiva do particular de natureza pretensiva e que, portanto, é sobre ele que recai o ónus da prova, não podemos deixar de sublinhar que nem por isso estava a Administração dispensada de instruir e investigar a concreta situação fáctica que lhe foi trazida de forma a uma cabal habilitação ao correcto exercício do poder discricionário nos termos que antes expusemos. Aliás, como sabemos, a melhor doutrina processualista perspectiva o ónus da prova, sobretudo, como um critério de decisão destinado a permitir ultrapassar situações de falta de prova ou de dúvida quanto à realidade de determinado facto, transformando uma situação de non liquet numa situação de liquet contra a parte onerada.
Tudo ponderado, consideramos que a Administração ao não ter diligenciado no sentido de obter um conhecimento integral, exacto e correcto dos elementos pertinentes inobservou um dos critérios jurídicos do exercício do poder discricionário que, na matéria em apreço, lhe foi concedido pela lei, concretamente, o critério que expressamente resulta da norma do n.º 1 do artigo 86.º do CPA, incorrendo, deste modo, num vício do poder discricionário que fere o acto de invalidade anulatória.
3.
Pelo exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso contencioso e anulado o acto administrativo recorrido.».

Foram colhidos os Vistos.

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.

III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

a) Em 30.12.2019 o agora Recorrente solicitou ao Fundo de Segurança Social que fosse considerado justificada a ausência de Macau em 2015 e tida como tempo de permanência em Macau, tudo conforme consta do documento a fls. 17 e traduzido a fls. 60/61;
b) Por despacho da Senhora Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, concordando com a proposta nº 52/DAG/2020 com os fundamentos constantes de fls. 18 a 21, traduzido a fls. 62 a 66, não foi autorizada a pretensão do Requerente, ora Recorrente, referida na alínea anterior;
c) O Recorrente foi notificado daquela decisão por ofício datado de 08.05.2020 – cf. fls. 16 traduzido a fls. 57 a 59 -;
  
2. Do Direito

São quatro os vícios apontados pelo recorrente ao acto recorrido:
- Preterição de audição prévia do interessado;
- Preterição de formalidade quanto à notificação por violação dos artº 70.º, al. a) e art.º 113.º, n.º 1, alíneas d) e f) do CPA;
- Violação do conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado nos art.º 25.º, art.º 38.º, art.º 40.º e art.º 41.º da Lei Básica, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
- Violação do princípio da proporcionalidade e errado exercício do poder discricionário.

Vejamos então.

1. Preterição do direito de audição prévia.
  
  Vem o Recorrente invocar que não foi notificado para se pronunciar antes de ser tomada a decisão agora impugnada, tendo sido violado o direito de audição prévia.
  O artº 10º do CPA consagra o direito de participação dos interessados e das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses em serem ouvidos antes de ser tomada decisão.
  Com este princípio pretendeu o legislador afastar as decisões surpresa e garantir o contraditório.
  A Audiência dos interessados está disciplinada nos artº 93º a 97º do mesmo diploma legal.
  Consagra o nº 1 do artº 93 do CPA que “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final”.
  Os artigos 96º e 97º do CPA consagram as excepções à necessidade da audiência dos interessados, sendo que, da alínea a) do artº 97º resulta que, pode ser dispensada a audiência dos interessados sempre que estes já se tenham pronunciado no procedimento relativamente às questões que importam à decisão.
  Por outro lado a redacção do nº 1 do artº 93º corresponde à redacção original do artº 100º do CPA Português relativamente ao qual Mário Aroso de Almeida em Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, pág. 117, diz que:
  “Na redação do anterior artigo 100º do CPA, era “uma vez concluída a instrução” que se previa a realização do momento formal da audiência dos interessados. Esta formulação permitia o entendimento de que a audiência dos interessados só era devida quando houvesse instrução, e não, por exemplo, quando a decisão fosse tomada exclusivamente com base nos elementos fornecidos pelo próprio interessado, junto com o requerimento apresentado.
  A nosso ver, este entendimento não era, porém, adequado, na medida em que, mesmo nesse caso, e mesmo quando esteja em causa o exercício de um poder vinculado, não pode deixar de ser assegurada ao interessado a possibilidade de se pronunciar sobre o resultado da operação de subsunção dos factos à norma que o órgão administrativo se propõe realizar, para o que não pode deixar de lhe ser reconhecido o direito de ser ouvido sobre o sentido provável da decisão a tomar.”.
  Pese embora o entendimento citado, o certo é que a Jurisprudência deste tribunal acompanhando aquilo que se vinha a decidir em Jurisprudência comparada no STA Português2, tem vindo a entender que quando a intervenção do interessado se torna inútil, seja porque por banda da Administração estão em causa poderes vinculados e o tribunal numa actividade de prognose póstuma conclua que ainda que o interessado tivesse sido ouvido a decisão não poderia ter sido outra que não aquela, seja porque não houve lugar à instrução e o procedimento foi desencadeado pelo próprio interessado tendo-se já pronunciado pelo sentido que entendia que a administração havia de decidir, a preterição daquela formalidade essencial se degrada em formalidade não essencial.
  Em igual sentido se decidiu nos Acórdãos deste tribunal de 11.12.2014 processo 609/2013, de 24.10.2019 processo 840/2015 e do TUI de 21.11.2018 processo 89/2018 e de 26.06.2019 processo 54/2017.
  No caso dos autos o procedimento a requerer a justificação do tempo que esteve ausente da RAEM foi iniciado a requerimento do interessado, agora Recorrente o qual ao formular o seu pedido teve oportunidade de se pronunciar no sentido que entendia que a administração deveria decidir e quais as razões para o efeito juntando a prova do que alegava.
  A Administração mais não fez do que considerar os argumentos invocados pelo requerente e em face dos mesmos entendeu que o argumento de que não tinha rendimentos do trabalho razão porque resolveu arrendar uma casa na China Continental, não eram razões de interesse público ou de falta de condições básicas para viver como seria o caso de uma doença grave, o que associado a não ter qualquer membro familiar principal em Macau era demonstrativo de que não tinha ligação suficiente com Macau e que a ausência do território resultava de uma escolha do próprio – cf. fls. 21 e 66 -.
  Do mesmo documento a folhas 21 (66) resulta ter sido comprovado o que o requerente alegava no sentido de não estar a trabalhar, tendo-se apurado que desde Abril de 2013 que não fazia descontos para o FSS.
  Ou seja, da análise do requerimento apresentado nada de novo se acrescentou, tendo-se confirmado o que alegava (de que não trabalhava em Macau), pelo que, não havia que ouvi-lo quanto a esta matéria, sendo que o sentido da decisão resultou da não concordância da Administração com os argumentos invocados.
  Assim sendo, e à semelhança do que tem vindo a ser entendido, no caso em apreço o contraditório estava assegurado uma vez que a decisão versa apenas sobre os argumentos já invocados pelo requerente, pelo que, voltá-lo a ouvi-lo redundaria numa actividade inútil sendo certo que a parca instrução realizada resultou na confirmação do único facto que invocou o qual, não obstante se entendeu não ser suficiente para o efeito.
  Destarte, face ao disposto na al. a) do artº 97º do CPA, pese embora não tenha sido proferido despacho a dispensar a audiência do interessado, no caso em apreço porque a decisão versou sobre as questões invocadas pelo Requerente e a prova por este apresentada, era a sua audição inútil, degradando-se a preterição desta formalidade em não essencial, sendo de improceder o recurso com este argumento.
  
2. Preterição de formalidade quanto à notificação por violação dos artº 70.º, al. a) e art.º 113.º, n.º 1, alíneas d) e f) do CPA;
e
3. Violação do conteúdo essencial de um direito fundamental consagrado nos art.º 25.º, art.º 38.º, art.º 40.º e art.º 41.º da Lei Básica, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;

  No que concerne aos vícios invocados em 2. e 3., acompanhamos a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendendo que improcedem os fundamentos de recurso quanto aos vícios imputados à notificação e ao acto impugnado de nulidade por ofensa de conteúdo essencial de um direito fundamental.

4. Violação do princípio da proporcionalidade e errado exercício do poder discricionário.
  
  Entende o Recorrente que a Administração não instruiu devidamente a sua pretensão.
  Não concordamos.
  Caberia ao Requerente se outros elementos houvesse tê-los invocado e apresentado a prova do mesmo.
  O Requerente limitou-se a invocar que foi viver para a China Continental porque não tinha emprego em Macau e o arrendamento de habitação ali é mais barato.
  A administração comprovou que o Requerente não trabalhava em Macau.
  No mais o Requerente invocou que recebia o subsídio do FSS no valor de MOP1.550,00 mensais e juntou cópia do contrato de arrendamento de uma fracção na China Continental por CNY500,00 mensais o que equivale aproximadamente a 550/600 patacas mensais.
  O Requerente não alegou que não trabalhava porque não conseguia arranjar emprego, nem tão pouco que não tivesse economias ou outros rendimentos.
  Alega agora nas conclusões de recurso argumentação quanto à sua situação patrimonial que não constou do requerimento em que deduziu a sua pretensão.
  O dever de averiguação e instrução da Administração consagrado no artº 86º do CPA está dependente da argumentação usada pelo Requerente, não sendo exigível à Administração que vá para além do que este (o Requerente) alega3, sob pena de se subverter a exigência da al. c) do nº 1 do artº 76º e o ónus da prova consagrado no artº 87º, ambos do CPA.
  Pelo que, não acompanhamos o Douto Parecer do Magistrado do Ministério Público no sentido de que houve déficit instrutório o qual redundou num menos correcto exercício do poder discricionário.
  O acto em causa foi praticado no exercício de um poder discricionário – cf. nº 4 do artº 11º “ex vi” nº 2 do artº 12º ambos da Lei nº 14/2012 -.
  Actualmente é pacífico o entendimento de que mesmo no exercício de poderes discricionários pode haver vício de violação de lei quando se ofenderem «os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa-fé, etc.» – Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit a pág. 352.
  Para Vitalino Canas o princípio da proporcionalidade é um «princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins”4».
  Tem vindo a ser entendimento deste Tribunal e do TUI que «a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.» - Acórdão do TUI de 31.07.2012, Procº nº 38/2012, entre outros.
  O princípio da proporcionalidade haverá de ser aferido em função do objectivo preconizado pela norma em causa, isto é, dos bens e interesses que se pretendem proteger ou alcançar em função da norma.
  O pedido do ora Recorrente apenas poderia ser enquadrado no nº 4 do mesmo preceito – razões humanitárias ou outras devidamente fundamentadas -.
  Podemos referir que a argumentação usada pela Administração não é abundante, mas daí a considerar-se que de forma intolerável foi violado o princípio da proporcionalidade, já não nos é permitido concluir.
  Como resulta da alínea 3) do nº 3 do artº 11º da indicada Lei 14/2012 previu o legislador as situações em que se considerava justificada a residência dos beneficiários na China Continental, nas quais o ora Recorrente não se enquadra.
  Deslocar a justificação para residir na China da indicada alínea 3) do nº 3 para o nº 4, fazendo-a enquadrar em razões humanitárias, o que a Administração não aceitou por, à míngua de outra prova, na base da decisão estar uma escolha do Requerente, não nos parece que de forma alguma constitua uma violação intolerável do princípio da proporcionalidade, também entendido como a proibição do excesso, se em abstracto equacionarmos outras elementos tais como, de que ao tempo, em Macau, a possibilidade de emprego para residentes é quase igual a 100%, sendo certo que, nada se invoca que neste caso permita concluir ter havido qualquer circunstância que impedisse o ora Recorrente de ter emprego e salário.
  Destarte, não resulta que a decisão em causa tenha violado de modo intolerável os interesses do interessado.
  Assim se concluindo que o acto recorrido não enferma dos vícios que o recorrente lhe imputa, deve em consequência ser negado provimento ao recurso.
  
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso, mantém-se o acto impugnado.
  
  Custas a cargo do Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 1 de Julho de 2021
  
(Relator)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro

  (Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

   (Segundo Juiz-Adjunto)
   Fong Man Chong
Mº Pº
Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Frase eliminada por nós por se tratar de evidente lapso.
2 Vejam-se Acórdãos do STA de 03.03.2004 procº 01240/02, 10.11.2010 procº 0671/10 e de 11.05.2011 procº 0833/10.
3 Sem prejuízo dos factos invocados pela Administração e cujo ónus da prova lhe cabe.
4 Em O princípio da proporcionalidade Uma Nova Abordagem em Tempos de Pluralismo, de Laura Nunes Vicente, pág. 23, Publicação de Instituto Jurídico, Faculdade De Direito da Universidade de Coimbra.
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820/2020 REC CONT 1